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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Vi e ouvi a entrevista dada por Rui Rio a Clara de Sousa no Jornal da Noite da SIC.
Devo dizer que nunca tive particular simpatia pelo estilo do personagem, em especial, porque o seu discurso e a sua postura casaram sempre muito mal com algumas das escolhas que patrocinou e promoveu enquanto presidente do PSD, revelando uma tremenda falta de coerência que rapidamente o desacreditou e contribuiu para degradar ainda mais o lodaçal da política nacional.
Mas importa agora também dizer que Rui Rio tem razão quando se queixa do modo de actuação da PJ e do MP, quando se queixa deste modelo de investigação-espectáculo em que os nossos órgãos de política e investigação criminal se especializaram de há uns anos a esta parte com o patrocínio de uma certa comunicação social que adora, e só está bem, exactamente a chafurdar nesse mesmo lodaçal e num jornalismo feito de casos, de intrigalhada e de meias-verdades que se alimenta da ignorância, da boçalidade e da mediocridade instaladas.
E também tem razão quando refere que foi cometido um crime de violação do segredo de justiça, mais um, digo eu, dos muitos que têm sido cometidos sem que se acabe de vez com um segredo de justiça que só serve esse mesmo jornalismo e um justicialismo de labregos promovidos que tanto tem contribuído para ajudar a acelerar a degradação da democracia, contribuindo para o achincalhamento da actividade política e das instituições políticas e judiciais.
Assistindo-lhe igualmente razão quando pergunta porquê que esta operação só afecta o PSD e porquê que só abrange o período em que ele foi dirigente entre 2018 e 2021.
E Rio volta, ainda, a ter razão quando diz que "isto não é um país que se apresente", embora todos os portugueses saibam que já não é país que se apresente em relação ao que estamos a falar, e também em relação às práticas dos partidos, à selecção das elites políticas, à ética política e de governo há muitas décadas.
Dito isto, vamos então olhar para a indignação de Rui Rio quanto aos argumentos que apresenta quanto ao que está em causa no processo que conduziu às buscas. E em relação a esta, Rui Rio espalhou-se ao comprido.
Não é aceitável para ninguém de bom senso e com um mínimo de preocupação com o abandalhamento da vida política a que temos assistido, com a chegada de tanto (sim, são muitos, demasiados) corrupto aos partidos, às bancadas do parlamento, às autarquias, aos governos, ouvir Rui Rio dizer sobre o que está verdadeiramente em causa – desvio de dinheiros públicos para financiar à revelia do estipulado na lei os partidos políticos – que tudo isto é "ridículo" porque "isto de que estamos a falar é uma prática transversal aos partidos desde sempre" e que "nos anos 80 já era assim".
E aqui Rio esteve muito mal, revelando bem a essência dos políticos que têm dirigido Portugal nos últimos, pelo menos, 40 anos. Porque não só não serve de argumento o facto de ser uma prática transversal, como é deveras grave, a serem verdadeiras as suspeitas que se use dinheiro do Estado, como refere o Expresso, para pagar a pelo menos 11 funcionários do partido, "sendo que um deles até já se tinha reformado"!
Porque se era assim, não devia ser.
E é nisto, nestas pequenas-grandes coisas, que se revela a bandalheira em que se tornou a vida política nacional, transformada no lodaçal de que há pouco falava.
Porque sendo Rio um homem sério, e eu não duvido que o seja, como muitos mais que estiveram à frente dos partidos também o serão, não se compreende que tendo tido a possibilidade de corrigir práticas de discutível legalidade, para não dizer manifestamente ilegais e inaceitáveis em qualquer Estado de direito, numa república que se preze e numa democracia que funcione com decência, que não tomasse a iniciativa de colocar um travão nessa bandalheira, nessa promiscuidade de funções e de dinheiros em que se perdem os partidos. Então lá porque é prática os outros roubarem ou serem corruptos também temos de ser como eles? E temos de ficar calados, aproveitando uma situação ilegal para também enriquecermos ou pouparmos uns cobres?
Infelizmente, a condescendência e a tolerância com as más práticas consistentes (e não apenas na política), o silêncio, a falta de iniciativa sobre estas matérias, no sentido de aumentar verdadeiramente a transparência e evitar que esta se transforme num mero cumprimento de formalidades sem sentido para fazer de conta que é tudo sério, a falta de vontade para trazer mais seriedade à actividade política, de dignificá-la naquilo que verdadeiramente importa, tem constituído comportamento aceite e transversal a todos os partidos.
Não é por isso de estranhar que alguns peçam descaradamente dinheiro no exercício de funções políticas, que sendo membros dos governos da República arranjem todas as moscambilhas e mais algumas para ganharem dinheiro por debaixo da mesa, outros para despacharem ou atrasarem processos, trocarem favores, tornarem-se dirigentes desportivos, empreiteiros de sucesso, empresários ou ex-régulos de diferentes tabancas que são condecorados em Belém e apresentados como exemplos nacionais até que se perceba que andaram a vida toda a roubar o Estado, as empresas e os portugueses, ou que deixaram que se roubasse e nada fizeram porque isso era normal, porque sempre foi assim.
Se as leis estão mal, a começar pelas do segredo de justiça e do financiamento partidário, mudem-nas; se tudo o que existe é hipócrita e sem sentido tenham a coragem de dizê-lo. Tomem a iniciativa, façam quando têm possibilidade de fazer. Sejam coerentes, e deixem de se comportar como pantomineiros fala-baratos que depois se queixam como virgens ofendidas do que viram fazer e deixar que se fizesse quando o lodaçal lhes entra pela casa adentro.
P.S. Alguém sabe se João Gomes Cravinho ainda é ministro? Há coisas que não são do foro da justiça, são do foro da ética e da decência, caso o primeiro-ministro ande distraído com a nova época da bola.