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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Lá fora chove intensamente. Cai o céu em mais uma noite de tempestade tropical. Relampeja e troveja quando, a propósito do admirável documentário de Bruce Weber, recordo o fabuloso Chet Baker e ouço Almost Blue.
Há sempre uma encruzilhada na vida de um homem normal. Talvez várias na vida de um homem que escape à mediania. Uma ou várias implicam escolher. Pode ser a decisão de dar ou não dar um beijo, o destino de uma paixão, a escolha de um amor (sim, o amor também é uma escolha). Para alguns a descoberta de uma vocação, por vezes a opção entre uma vida livre a sofrer ou uma do tipo vegetativa, rica e sem dramas. Com princípio, meio e fim, ignorando a dor, própria ou alheia.
Tirando aquela parte em que o entrevistador pergunta a Chet Baker qual terá sido o momento mais feliz da sua vida, cuja compreensão — digo eu, que não sou tão exagerado como ele ou Faulkner — só está ao alcance de um alfista(*), recordo aquele momento em que Baker, olhando para si próprio, diz o que aconselharia a um filho. Era mais ou menos isto: descobre o que queres ser, vai por ti, e depois procura ser um génio no que escolheste.
O problema é que nem todos têm o mesmo grau de loucura nas escolhas que fazem para atingirem a genialidade. E depois é preciso levar o resto da vida a conviver com isso. Uma chatice.
A diferença entre um homem e um génio está na sua dose de loucura.
E ser capaz de colocá-la ao serviço dos outros dando prazer a si próprio. Seja na literatura, na pintura, na música, na medicina, num artigo de jornal ou numa sala de audiências, sem nunca se esquecer que a genialidade só pode ser reconhecida se no meio de toda a loucura o génio ainda for capaz de realizar que vive em sociedade. E por causa dela.
Os outros tornam os génios menos infelizes quando reconhecem a sua loucura. Sem dizê-lo. E ao tirarem partido dela, em cada instante, ainda quando não o reconhecem, ajudam a prolongá-la. A realização do génio passa por trazê-lo até à nossa dimensão. Até à ignorância. É nisso que está a genialidade. E só os que humildemente o aceitam conseguem atingir esse estatuto. Almost Blue.
(a foto tem direitos de autor)
(*) Contra tudo o que se poderia imaginar, Baker diz ter sido o momento em que guiou pela primeira vez o seu Alfa Romeo. Eu não vou tão longe, embora não possa deixar de sorrir.
(via Delito de Opinião)