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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Em 17/12/2021, o Governo da RAEM apresentou uma proposta de lei atinente ao regime jurídico de segurança dos ascensores. Uma iniciativa meritória e que tardava.
Apresentada tal proposta à Assembleia Legislativa, aquela foi aprovada por unanimidade.
Da referida proposta de lei constava um artigo décimo cuja versão inicial sublinhava a necessidade das entidades encarregadas da manutenção dos ascensores possuírem adequado seguro de responsabilidade civil "válido para cobrir os danos corporais e patrimoniais sofridos por terceiros em resultado da sua actividade".
Sucede que há dias fui confrontado com a notícia de que o mesmo Governo que apresentou a proposta veio agora retirar do articulado o artigo sobre a obrigatoriedade da contratação do seguro com os argumentos de que esse tipo de seguro não existe "nas proximidades", que por isso não seria fácil resolver, e que o seu custo poderia vir a ser elevado.
Em Portugal, onde ainda hoje se escora o sistema jurídico de Macau, esse seguro existe. Não foi criado ontem. E até na Internet é fácil encontrar um modelo de contrato de seguro de responsabilidade civil para entidades conservadoras de elevadores.
O Secretário para a Segurança, por vezes, quando quer justificar o reforço do estado policial vai a correr buscar o que existe legislado na União Europeia e em Portugal, esquecendo que aí as garantias do cidadão são de outro nível. Quando convém, para se cercearem direitos, não há problema em ir buscar exemplos distantes.
Também quando a advocacia foi regulada autonomamente em Macau não existia um seguro de responsabilidade civil que cobrisse o exercício da profissão e protegesse terceiros. Mas criou-se.
É normal que em qualquer actividade que envolva risco e seja susceptível de serem causados danos a terceiros exista um seguro que os cubra. E se ele não existe compete ao Governo tomar as medidas necessárias para o que mesmo seja criado. Se não existe "nas proximidades", existirá mais longe. Vai-se buscar e adapta-se. Ou faz-se de raiz. Não se foge do problema só porque é mais fácil. Se a lógica prevalecente para a evolução das sociedades jurídicas fosse a de ignorar o que está longe, ainda hoje a China estaria no tempo dos mandarins.
Confesso que para além de não perceber qual seja a dificuldade da criação desse seguro, também não alcanço como é possível o Governo apresentar uma proposta da qual faz constar a obrigatoriedade do seguro sem que previamente tenha estudado a situação e falado com o sector segurador. Se incluiu o artigo foi por entender que fazia falta, porque era importante. Deixou de ser?
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas quis dar uma explicação simples, para alguns ignaros, que obviamente não colheu por falta de lógica política, jurídica ou técnica. Estabelecer uma comparação do seguro que estava previsto para os ascensores com o seguro de responsabilidade civil automóvel dizendo que se o particular tiver um problema com o carro e não tiver seguro tem de ser o próprio a tratar, e que com os elevadores será o mesmo, é ignorar o princípio básico, ou seja, o de que o seguro automóvel de responsabilidade civil é obrigatório, e que quem tiver um carro e circular sem seguro está em situação ilegal.
Tudo isso é, uma vez mais, e infelizmente, revelador de amadorismo e de uma forma atabalhoada de fazer as coisas. Ou de subservientemente justificar que não se faça o que devia ser feito. Ultimamente são as leis que pagam. De outras vezes foi a TDM. Ou a higiene da cidade. E às vezes são as pessoas.
Pior do que isso, o que é verdadeiramente aflitivo é ver a facilidade com que em alguns assuntos importantes se cede aos lobbies locais e se apressa a dar o dito por não dito. Viu-se isso no recuo quanto aos chamados "casinos-satélites" na proposta de alteração da lei do jogo.
Os ascensores da inteligência e do interesse público continuam, pois, a ter sérias dificuldades de sobrevivência e convivência com o principio "um país, dois sistemas".
Depois, à falta de melhor, queixam-se da pandemia. E tudo querem justificar com respostas para tontos e apelos patrióticos. Como se o povo não visse, não ouvisse e não fosse capaz de pensar sem autorização prévia.