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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
A aprovação pela Assembleia Popular Nacional da nova Lei de Segurança Nacional de Hong Kong mereceu entusiástico apoio por parte de alguns dos sectores mais conservadores, mas também entre oportunistas, seguidistas e retrógrados da sociedade local.
Em Macau, essa iniciativa legislativa à margem da Lei Básica de Hong Kong foi acolhida com grande simpatia pelos tais "estrangeiros residentes" que, nas palavras da Comissária do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na RAEM, "disseram, de forma muito incisiva, que esta acção legislativa da APN é uma resposta vigorosa ao facto de ter sido desafiado repetidas vezes o Estado de direito de Hong Kong".
Quanto a este último ponto foram bastante elucidativas as capas e igualmente os editoriais delirantes de alguns jornais publicados em português e inglês.
Todavia, lá em Hong Kong, onde ao contrário de Macau o futuro não se discute à mesa dos cafés, nem em entediantes debates onde é mais do que certo, mesmo havendo quem sendo mais moluscóide dê sempre uma no cravo e outra na ferradura, que no final estarão todos de acordo, ainda há gente alinhada e patriota que pensa.
Entre esta gente encontram-se Alex Lo, o incontornável colunista do South China Morning Post, mesmo quando dele se discorda, e a quem ninguém se atreverá a acusar de ser adepto do campo pró-democrata, de apoiante de Trump ou de saudosista dos tempos coloniais, e Elsie Leung Oi-sie, ex-Vice-Presidente da Comissão da Lei Básica de Hong Kong, ex-Secretária da Justiça entre 1997 e 2005 e membro do Executive Council, fundadora do partido pró-Pequim Democratic Alliance for the Bettement of Hong Kong, e actualmente Presidente da Comissão da Reforma Legislativa.
E que dizem eles?
O primeiro, não embarcando em discursos que têm tanto de ignorantes como de politicamente correctos, veio dizer que o futuro reserva a Hong Kong tempos bem difíceis, que a cidade e o seu povo são os maiores perdedores, que a situação piorou em pouco tempo, e que "politically, what has been arguably one of the freest cities in the world will be much less free after Beijing imposes a national security law" Muito menos livre, escreveu ele, chinês, residente de Hong Kong, patriota e nacionalista, e eu sublinho. Como se alguém tivesse dúvida disso.
Quanto a Elsie Leung, com a sua longa experiência como advogada, política e governante, e numa região onde no seu mais alto tribunal (Court of Final Appeal) de um total de 23 juízes há 15 estrangeiros – bem ao contrário da ideia que em Macau se quis fazer passar quando se afastaram os juízes estrangeiros de julgar determinados processos, de que isso seria alguma vez aceitável e estaria de acordo com a Lei Básica –, por seu turno, referiu que "while Hong Kong courts could seek interpretations from the Standing Committee of China's National People's Congress (NPC) before deciding relevant cases, a suggestion that Beijing would bar judges of foreign nationalities from those decisions "would not be in compliance with the Basic Law".
Elucidativo.
Os patriotas de Macau, de vez em quando, se não for pedir muito, deviam também usar a cabeça. Antes de dizerem disparates.
E quanto aos "estrangeiros residentes", já agora, que sentem necessidade de aplaudir, ao menos que tenham alguma reserva quando em causa está o naufrágio do rule of law em Hong Kong.
[noto que a referência a "estrangeiros residentes" introduz uma nova categoria de residentes não prevista no artigo 24.º da Lei Básica; como se o facto de serem estrangeiros a aplaudir uma decisão juridicamente aberrante, ainda que politicamente compreensível na perspectiva de Pequim, atento o caos governativo de Hong Kong, lhe conferisse alguma elevação]
A mais do que previsível aprovação em Pequim de uma lei já anunciada e destinada a colmatar a ausência de regulamentação do Artigo 23 da Lei Básica de Hong Kong, sendo uma interferência clara (mas expectável) do Governo Central na autonomia de Hong Kong (mais uma), é antes de tudo o mais um cartão vermelho à Chefe do Executivo de Hong Kong e a todos os seus antecessores.
Atenta a importância conferida pelo Governo Central e pelo Partido Comunista Chinês (PCC) à regulamentação do Artigo 23, a necessidade de se optar por esta via é um reconhecimento do fiasco do actual modelo para escolha do Chefe do Executivo de Hong Kong.
Porque de 1997 até hoje todos os Chefes do Executivo foram escolhidos de acordo com o modelo corporativo, autoritário e anti-democrático plasmado na mini-constituição. Todas as escolhas foram determinadas e mereceram o aval do PCC. E todos os escolhidos foram incapazes de cumprir a Lei Básica e a vontade de Pequim num ponto que para si era (e é) fulcral.
Quanto a Carrie Lam, como bem recordou Tony Cheung, que desde que assumiu o cargo afirmou repetidas vezes que o Artigo 23 seria regulamentado em tempo oportuno e quando o clima político fosse adequado, fica totalmente desautorizada e numa posição ainda mais frágil do que aquela em que se encontrava.
Numa democracia, Carrie Lam teria apresentado já a demissão. No permanente jogo de sombras da política chinesa, em que ninguém quer perder as faces que são perdidas todos os dias, tantos e tão incompreensíveis são os sucessivos hara-kiri, o contorcionismo e as más decisões, certamente que a senhora permanecerá no cargo até que a mandem sair.
Se a governação de Hong Kong não era fácil, com mais esta desautorização a cidade tornar-se-á ingovernável, dando mais gás a protestos violentos.
Quando em política a visão, a seriedade e o bom senso estão ausentes normalmente falta tudo. Com excepção dos aplausos viscosos dos idiotas úteis do regime, sempre ansiosos por garantirem um lugar junto ao saco de alpista.
No fim sobrará apenas a violência e a destruição. E todos sairão a perder.
(Philip FONG / AFP)
Os tempos que aí vêm vão ser muito difíceis. Dentro e fora da China.
Para quem vive neste canto tranquilo, “super-vigiado”, controlado e policiado, e cada vez mais poluído do império do Meio, os acontecimentos dos últimos meses e dias não nos podem ser indiferentes. Seria bom, por isso mesmo, que todos estivessem conscientes das dificuldades que vamos enfrentar.
Estamos a assistir aos primeiros resultados a que conduziu a reforma constitucional de 2018, saída do XIX Congresso do PCC. Como muitos se recordarão, em Outubro de 2017 foi aprovada a linha de rumo a seguir nos anos seguintes, tal como desejado pelo Presidente Xi Jinping e a elite dirigente.
Os últimos anos reforçaram o poder do Presidente, tornando-o num dos magníficos cuja doutrina mereceu assento constitucional e implicou, a coberto de uma pretensa vontade de acertar o período de exercício dos mandatos do Presidente da República e do Secretário-Geral do PCC, a eliminação da proibição do exercício de mais do que dois mandatos consecutivos no cargo de Presidente da República.
Como não existia limitação de mandatos para o Secretário-Geral do partido, em vez de se manterem as coisas como estavam, ou então de também se limitarem os mandatos do Secretário-Geral, alinhando-os com o de todos os restantes dirigentes dos principais órgãos de Estado, cujos termos continuam a ter acolhimento constitucional, optou-se por satisfazer a vontade do Presidente dando-lhe carta branca.
Sabemos que o combate à corrupção recebeu um forte impulso interno e o controlo da fuga e branqueamento de capitais reforçou-se, o que também contribuiu para o início de uma limpeza do aparelho central, regional e local que, todavia, ainda necessita de continuar e de se aprofundar a todos os níveis para que se acabem de vez com os maus hábitos do laissez faire anterior.
A personalidade forte e o carisma do Presidente Xi, que é ao mesmo tempo cultivada com uma aura simpática e bonacheirona, tem-lhe granjeado crédito e prestígio interno e externo. No entanto, se nesta última vertente isso é por demais compreensível, atento o estatuto que a RPC aspira vir a desempenhar na cena internacional, é na frente interna que se avizinham as maiores dificuldades da liderança chinesa. E não serão os inflamados, e cada vez mais distanciados da realidade, editoriais e artigos do China Daily, da Xinhua ou do Global Times que irão transformar más decisões em boas políticas.
Na verdade, toda a gente já percebeu, incluindo os mais fiéis, acríticos e submissos, que o desastre (não há que ter medo das palavras e continuar a escamotear a realidade) do princípio “um país, dois sistemas”, em Hong Kong, foi o resultado da intransigência e da falta de visão estratégica e política dos responsáveis pelos assuntos da Região vizinha, aliada a uma ostensiva incapacidade de obter conselho junto de gente informada, com capacidade, lealdade, espírito crítico e conhecimento da realidade social; preferindo-se antes ouvir a desde sempre desinteressada, egoísta e oportunista oligarquia política-empresarial local, que se curva hoje a Pequim da mesma forma como antes dobrava a espinha perante a potência colonial, procurando aproveitar o melhor dos dois mundos para se safar e aos seus. Nada de novo.
A entrega a essa visão mesquinha, comprometida com os seus próprios botões e com as corporações familiares e empresariais, só podia dar mau resultado, tanto mais que os seus enviados, tanto para Hong Kong como para Macau, isto é, os representantes oficiais, foram rapidamente capturados por essas elites locais, tornando-se seus íntimos e começando a beneficiar e a gozar os luxos do segundo sistema, não curando devidamente dos interesses de Pequim e das regiões que, de acordo com a velha tese de Deng, seriam também os interesses do PCC e das suas populações.
Os resultados que começam a chegar não podiam ser mais desanimadores: falta de estabilidade ao nível dos representantes oficiais locais em Hong Kong e Macau, maus resultados eleitorais sucessivos nas duas regiões, caos económico e social em Hong Kong, contestação elevada e sempre na rua, embora mais contida em Macau (veja-se o que se passa com os trabalhadores dos casinos, por exemplo), situações agora agravadas com os resultados eleitorais de Taiwan que deixaram de rastos o partido do Kuomintang, reelegendo à primeira volta e sem apelo nem agravo a Presidente Tsai Ing-we do Partido Progressivo Democrático, cujas ideais se encontra nos antípodas de Pequim.
É claro que a reacção da Agência Xinhua, fruto do seu impenitente seguidismo e teimosia, que a leva a ver uma realidade paralela e em perfeito delírio, vindo afirmar a existência de fraude eleitoral, que só ela viu, e que toda a gente logo se percebeu não ser verdade quando se ouviu o discurso do líder derrotado do partido do Kuomintang, e o seu reconhecimento da justeza da derrota sofrida ao apresentar um pedido de desculpa aos seus eleitores, indiciam o mau serviço que alguns órgãos oficiais e oficiosos continuam a prestar ao País e à sua liderança.
Naturalmente que na próxima reunião de Março da Terceira Sessão Anual da Assembleia Popular Nacional, que terá lugar em Pequim a partir do dia 5, muita coisa vai estar em discussão, a menor das quais será a análise da situação económica, da evolução verificada e as perspectivas de futuro. A maior será o acerto de contas dos últimos dois anos e meio.
A conclusão da primeira fase de negociações com os Estados Unidos da América e a assinatura de um novo acordo que abra caminho à melhoria das relações comerciais entre os dois países, libertando alguma tensão acumulada, pode contribuir para uma distensão do ambiente pesado que se vive.
Porém, como ainda esta manhã se viu pela crónica de Alex Lo, no South China Morning Post*, até os mais nacionalistas e patriotas que mantêm algum discernimento e espírito crítico, não se deixando engolir pela retórica oficial, já perceberam que o Partido vai te de pedir responsabilidades à actual liderança pelos resultados insuficientes a que tem chegado.
O sonho da unificação com Taiwan está agora cada vez mais distante; não se adivinham avanços na direcção correcta em Hong Kong, quer pela reafirmação de confiança no actual Governo, que perdeu o controlo da situação, quer pela nomeação de Luo Huining para o Gabinete de Ligação do Governo Popular Central em Hong Kong, um político tecnocrático sem qualquer conhecimento e experiência da realidade do segundo sistema e da forma de actuar que se exige neste para se garantir um módico de legitimidade que permita a realização das tarefas que se impõem, o que não augura grandes auspícios.
Como ainda há relativamente pouco tempo era sublinhado, “the Rule of Law has not been realized, despite the considerable progress made in building a legal system in China in the post-Mao era. In particular, it seems that the Chinese legal system is not moving towards a system in which top Party leaders who violate the law would be equally treated by the law and before the courts as others, and dissidents and others targeted by the regime would be accorded the same fair trials and due process that are accorded to others. It is probably true that China is making progress in extending some form of governance by law and adjudication in accordance with law in some domains of social and economic life. But insofar as the Party reserves the right to intervene selectively in any “politically sensitive” matter or case relating to the Party’s important interests and in which the Party leadership considers it necessary, expedient or desirable to intervene, the system cannot be regarded or described as “Rule of Law”, because Rule of Law is the antithesis of arbitrary power” (Chen, Albert, 2018). Este é um ponto crucial que continua a merecer atenção e que tem vindo a ser descurado, pelo que seria bom que, por exemplo, em relação a Macau fossem enviados alguns “recados” consistentes para alguns dos que agora tomaram posse.
Ninguém espera por aqui uma “caça às bruxas” embora seja evidente que há situações que precisam de ser devidamente esclarecidas. E se for necessário mandar mais alguém fazer companhia a alguns condenados, respeitando escrupulosamente o império da lei, a independência e autonomia dos tribunais, não fazendo interpretações manhosas e abusivas, e fazendo prova com factos cristalinos, então que se mande.
A população de Macau precisa de reconquistar a confiança nos seus dirigentes. Para que não aconteça o que se está a passar em Hong Kong. De qualquer modo, vamos aguardar para ver o resultado das mexidas que se começaram a verificar.
A nomeação de André Cheong para a Secretaria da Administração e Justiça e como porta-voz do Conselho Executivo, bem como as indicações para as novas pastas da Economia e dos Assuntos Sociais e Cultura poderão vir a revelar-se boas apostas a partir do momento em que dominem os respectivas assuntos.
Há aqui, claramente, um reforço do pragmatismo e a compreensão da necessidade de se realizarem reformas urgentes, controlando o despesismo, a corrupção que continua latente e a medrar na sombra, dando maior transparência e vigor à acção governativa.
A manutenção dos actuais Secretários para a Segurança e Obras Públicas vejo-a como um compromisso com Pequim, mas que ninguém se iluda porque também vão ser pedidas responsabilidades a breve trecho.
Por isso mesmo, é a meu ver totalmente contraditória com esta postura de introdução de mais rigor a nomeação do agora caído em desgraça Alexis Tam, admoestado em público em termos a que não estávamos habituados, para a sinecura de Lisboa e Bruxelas, onde continuará a decidir da aplicação de verbas do erário que acabou há semanas de ser acusado de não saber gerir.
Como incompreensível é a criação de um gabinete para colocar a ex-Secretária Sónia Chan. Quanto a esta decisão continuo a pensar, volvidos todos estes anos, que a fiscalização das contas públicas devia ser feita por um órgão totalmente independente, isto é, entregue a um verdadeiro tribunal, a um verdadeiro tribunal de contas, composto por magistrados e que pudessem fiscalizar com autonomia, informação atempada, transparência e competência a acção do Chefe do Executivo e dos serviços que dirige, já que a AL se tem mostrado incapaz de fazê-lo, em parte também devido à passiva acção do anterior presidente e actual Chefe do Executivo enquanto conduziu os seus trabalhos, e à fraca qualidade geral e impreparação da maioria dos parlamentares.
Convém, finalmente, ter presente o momento delicado e a efervescência que se começa a verificar no sector do jogo, face à indefinição actual. Muitas das apostas feitas por alguns, em termos pessoais, não irão dar os frutos esperados. As apostas em homens, e não em princípios e valores, sempre deram mau resultado. Os bons resultados, quando surgem, são meramente conjunturais, e só se reflectem nos bolsos dos mamões habituais. Basta olhar para o desperdício das terras concessionadas ao longo destas décadas, e para o que serviram e a quem beneficiaram, e o desastre a que se chegou em termos sociais, urbanos e ambientais.
É por isso de esperar que os novos cadernos de encargos se afigurem mais pesados e rigorosos, e com muito menos poder para as concessionárias, obrigadas como serão a abrir mão de alguns dos seus privilégios para ajudarem à dinamização e diversificação da economia local, contribuindo para a criação de novas oportunidades no sector dos serviços e dos transportes, ajudando a dinamizar a iniciativa empresarial local, quem sabe, e talvez seja isso o desejável, associada a empresas do continente e de outras partes do mundo que transfiram efectivo know-how para Macau, com estruturas tecnologicamente avançadas e bem geridas, o que também implicará uma nova filosofia na contratação da mão-de-obra externa qualificada. Para todas as tarefas. Das mais humildes às mais exigentes.
As concessionárias não podem ser responsabilizadas pela má gestão pública, nem por não terem dado um contributo mais duradouro à RAEM – nenhuma comunidade sobrevive à custa de elefantes brancos. Tivessem-lhes sido dadas as indicações devidas e o resultado teria sido outro. A iniciativa a esse nível tem de partir do Governo. O Governo tem de ter gente e ideias com cabeça, tronco e membros. Chega de artolas.
De igual modo, Macau não pode ficar eternamente prisioneira de uma política de contratação de mão-de-obra que apenas serve os interesses de alguns empresários e de uma meia-dúzia de agências de emprego, que com outro Governo já teriam sido encerradas por manifestamente nefastas ao interesse público, sendo prejudiciais quer a empregadores quer, ainda mais, aos trabalhadores.
Em todo o caso, estas serão contas para outro lençol, pelo que me restará desejar, desde já, votos de bom trabalho ao novo Chefe do Executivo e à sua equipa.
Macau precisa como de pão para a boca de uma boa governança. Espero que o novo CE aproveite o momento e apresente um programa suficientemente sério para conquistar a confiança dos cidadãos.
As ideias do seu antecessor, e a incapacidade de gestão que penosamente se arrastou até final do mandato, só trouxeram atrasos, incómodos, despesa e má gestão, como foi aliás reconhecido na entrevista que o Chefe do Executivo recentemente deu.
Não fosse, como alguém dizia, o investimento feito pelos concessionários do jogo e seríamos hoje um subúrbio de Zhuhai e Shenzhen, tão grande foi a falta de vistas e a má gestão dos dinheiros públicos na última década.
É tempo de arrepiar caminho e de se construir rapidamente algo decente para as gerações futuras.
Algo que não envergonhe o futuro e não desmereça a confiança depositada e reforçada nos residentes por ocasião da última visita do Presidente Xi Jinping. Tirando, finalmente, partido do contributo que ao longo destes anos foi realizado por algumas das concessionárias do jogo para transportarem a RAEM para um outro patamar. Seria uma pena que tivesse sido em vão e que todo esse trabalho se voltasse a perder por falta de adequada planificação, provincianismo e incapacidade da Administração Pública, enredada nas suas burocracias, em realizar o básico.
A começar pela limpeza da cidade e pela purificação do seu ar e das suas águas. Para que todos nos sintamos melhor na nossa pele.
* “(...) Beijing must readjust its cross-strait-policies”; “Beijing old game of playing nice with the KMT and rough with Tsai’s Democratic Progressive party no longer works. In fact, it has become counterproductive”; “Beijing must learn to work with both parties, no matter which one is in power”; “Beijing should stop thinking about Taiwan in terms of Hong Kong and vice versa”; “After 2047 when the guarantee of 50 years of no change ends, China can do whatever it likes in the city. In other words, Beijing can make all the mistakes possible and still gets to keep Hong Kong, even if the city is reduced to wasteland”; “One country, two systems is dead as political option for the island voters”; “the diplomatic isolation of Taiwan is a pyrrhic victory for Beijing (…)”(SCMP, 13//01/2019, 2)
(texto editado para correcção de gralhas)
(Créditos: May Tse/SCMP)
O Secretário-Chefe (Chief Secretary) do Governo de Hong Kong, Matthew Cheung, tinha avisado, através das páginas do China Daily, jornal totalmente controlado pelo Partido Comunista e órgão oficioso do Governo Central, que o exercício do direito de voto nas eleições de ontem seria um "exercício democrático efectivo", tendo sido garantida uma forte presença policial para que assim fosse.
Confesso que outra coisa não esperava que acontecesse, estando de antemão convicto de que todos aqueles que andaram a manifestar-se nas ruas durante mais de cinco meses tudo iriam fazer para que o acto eleitoral decorresse de forma pacífica e civilizada. Foi isso mesmo que aconteceu, e ainda bem.
Apesar do universo de eleitores recenseados ter aumentado, com uma afluência às urnas de 71,2%, que bateu todos os números anteriores e representou um crescimento da participação de 24,19% face às eleições de 2015, será obrigatório reconhecer que o povo de Hong Kong, isto é, os residentes a quem a Lei Básica outorgou capacidade eleitoral activa, antigos residentes expatriados, hongkongers e mainlanders que entretanto vieram fixar-se, decidiram participar de forma massiva, para que amanhã não venham dizer que há uma maioria silenciosa que não se manifesta e que apoia o Governo de Hong Kong.
Ficou provado que não há nenhuma maioria silenciosa a apoiar as forças policiais, nem o Governo de Hong Kong ou as forças pró-Pequim têm qualquer apoio popular visível.
A forma como as eleições decorreram, ordeira, civilizada e pacificamente, demonstram o elevadíssimo grau de maturidade da população de Hong Kong e a sua preparação para uma vida democrática normal. Sem baias, sem constrangimentos. Quem tivesse dúvidas perdeu-as ontem.
Também os autocratas, empresários do regime e lambe-botas que pensavam que o povo de Hong Kong iria às urnas para condenar as manifestações dos últimos meses e as disrupções à normalidade da vida quotidiana perceberam agora que não tinham razão, atentos os resultados alcançados.
O campo dos partidos pró-Pequim, que em 2015 obtivera 54,61% dos sufrágios, foi absolutamente esmagado pelos resultados obtidos ontem pelas forças do campo pró-Democracia. Homens como Junius Ho, Michael Tien e Holden Chow não conseguiram ser eleitos. Em Sai Kung um miúdo de 21 anos derrotou o candidato pró-Pequim. Notável. Pelo menos 12 em 18 distritos foram conquistados pela oposição pró-democrática.
O mapa eleitoral de Hong Kong mudou por completo, mesmo em distritos que constituíam bastiões das forças tradicionalistas a derrota foi inevitável, e isto será decisivo para as eleições legislativas do próximo ano, visto que de entre os representantes agora eleitos sairão os futuros candidatos ao Legislative Council.
Para Carrie Lam e o seu governo e para Pequim, que a escolheu e contra todo o bom senso a continua a apoiar, os resultados verificados representam uma humilhação em toda a linha, que volta a colocar em causa a legitimidade do Governo de Hong Kong, os seus métodos, em especial a actuação das suas forças policiais, a protecção dada aos bandidos de branco pelo sistema, a intromissão nas empresas privadas de Hong Kong, e a forma abusiva como tem vindo a ser descaracterizado e interpretado o princípio "um país, dois sistemas" pela actual liderança chinesa.
Quem votou não foram os rapazes e raparigas de 12, 13, 14 e 15 anos que andaram a ser identificados pelas forças da ordem, nem foi a meia-dúzia de vândalos que destruiu e incendiou – a convite da estratégia policial deliberada e provocados por infiltrados –, as instalações do Legco, as estações do MTR ou equipamentos e estabelecimentos conotados com empresas estatais chinesas. Foram os pais e os avós deles, foram os cidadãos maiores e responsáveis de Hong Kong, os que se viram impedidos de ir trabalhar por falta de transporte, os prejudicados pela ocupação dos acessos ao Aeroporto Internacional. Quer dizer, os mesmos cidadãos que anteriormente tinham dado a vitória às forças pró-Pequim. Convém ter isto muito presente.
E importa também sublinhar que um dos grandes vencedores destas eleições, talvez mesmo o maior, nem sequer chegou a concorrer por ter sido ilegalmente impedido de fazê-lo, numa decisão kafkiana e perfeitamente arbitrária. Refiro-me a Joshua Wong. A proibição da sua participação teve um efeito contraproducente e até no círculo onde foi impedido de concorrer o seu substituto foi eleito. Vergonha maior para quem o impediu de concorrer não poderia haver.
Estamos perante um verdadeiro cataclismo, ou um "tsunami de descontentamento" como lhe chamou esta manhã o South China Morning Post. E o caso não é para menos.
Seria bom que perante esta derrota esmagadora, Pequim e o governo de Carrie Lam tivessem a humildade suficiente para perceber a dimensão grotesca dos erros políticos que cometeram ao longo de meses, ignorando a força do clamor popular. O grau de deslegitimação da governança de Hong Kong, a forma como o cartão vermelho foi mostrado pelo povo de Hong Kong, é incontornável.
Quanto a Macau, o próximo Chefe do Executivo também deverá olhar para estes resultados com muita atenção. Ele e os seus apóstolos locais, os campeões das consultas, dos concursos públicos e dos subsídios, e os "patriotas" de ocasião, falantes de português, chinês e "pataquês", se não quiserem seguir o caminho dos seus amigos de Hong Kong.
Não será possível continuar a governar Macau de costas voltadas para os seus residentes, contra a vontade da maioria, esta sim silenciosa, porque nem sequer a deixam ir às urnas, fechando os olhos às negociatas, favorecendo os amigalhaços, os casineiros de vão de escada, as empresas e as associações benquistas à rapaziada local, que depois se condecoram despudoradamente em final de mandato, enquanto casais jovens de residentes locais continuam a viver em casa dos pais, dividem apartamentos minúsculos e contam as patacas de cada vez que vão à praça e ao supermercado, coisas nunca vistas no tempo colonial com muito menos dinheiro.
Na hora do acerto de contas, o Governo Central e o Partido Comunista Chinês não se vão lembrar da bajulação, nem do apoio que antes deu aos visados, durante muitos anos. Ao Man Long, Ho Chio Meng e todos os especuladores "sem terra" das concessões cujas caducidades foram declaradas que o digam.
É melhor começarem a arrepiar caminho, voltando à via justa, que para todos os efeitos não é apenas a legal, mas aquela que sendo legal é ainda ética e moralmente aceitável para a população de Macau.
Actualização: "By noon on Monday, the pro-democracy camp seized 17 out of 18 district councils, taking more than 340 of the 452 seats."
Depois de ver, ouvir e ler o que foi dito sobre os protestos em Hong Kong pelo primeiro-ministro de Singapura, espero que o Governo de Pequim na próxima conferência de imprensa do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, à semelhança do que faz com todos os que se pronunciam sobre a situação de Hong Kong, nomeadamente com alguns congressistas dos EUA e com Chris Patten, que teve inclusivamente responsabilidades governativas na ex-colónia britânica, avise Lee Hsien Loong de que não deve interferir nos assuntos internos da RPC.
Se nada disser, o Governo Central perde objectivamente qualquer autoridade moral para dizer alguma coisa sobre os que criticam a acção de Carrie Lam.
Porque não se pode ter sobre o mesmo assunto uma posição para as segundas, quartas e sextas, quando os críticos se pronunciam, e outra diferente às terças e quintas, quando os aliados falam.
As declarações desta tarde da Chefe do Governo de Hong Kong podem ajudar a esclarecer alguma coisa sobre o que se está a passar, mormente quanto à sua consistente falta de aptidão para resolver a crise política e social em que a Região Administrativa Especial de Hong Kong está mergulhada.
O caos está instalado há várias semanas. Pelo que hoje se ouviu estará para continuar.
Diz Carrie Lam que até ao momento nunca apresentou a sua demissão ao Governo Central, que jamais discutiu com este essa possibilidade, e que a decisão de continuar, não se demitindo, é exclusivamente dela.
Nada disto, e a forma veemente como o afirmou, permite a alguém concluir que não seja assim. Daí, talvez, que a própria refira que não quis escolher o caminho mais fácil – admito que para ela e para Pequim –, preferindo ficar e prosseguir com a sua equipa e "o povo de Hong Kong".
Sem querer dar toda a razão ao cronista Alex Lo (Hong Kong: a failed political experiment), quando categoricamente nos diz que Hong Kong é um falhanço tão grande que conseguiu colocar de acordo "mainlanders" e chineses de Taiwan, talvez que a explicação do desastre – visto não em termos teóricos, pois continuo a pensar que o princípio "um país, dois sistemas" tem virtualidades, mas em termos práticos – resida na admissão de factos, por parte da senhora Carrie Lam, que não têm qualquer correspondência na realidade.
Fê-lo noutras ocasiões. Repetiu-o hoje para confirmá-lo.
Quando a Chefe do Executivo assume que não se demite porque quer continuar o caminho com a sua equipa e o povo de Hong Kong, isso estará muito certo quanto à sua equipa. A sua equipa foi convidada, aceitou o convite, foi nomeada, e é paga (bem) para isso. Mas quanto ao povo de Hong Kong, quem é que lhe perguntou se queria a senhora Carrie Lam a mandar? Quando é que o povo se manifestou? E perante a crise actual, e com toda a inaptidão revelada pela senhora e a sua equipa, alguém perguntou ao povo de Hong Kong se queria prosseguir com a actual Chefe do Executivo? Pagaram ao povo de Hong Kong para aceitá-la?
A mim parece-me que a Chefe do Executivo de Hong Kong se predispôs, uma vez mais, a transportar no seu veículo passageiros que há semanas não se cansam de berrar, e alguns até de vandalizarem vidros e estofos, para vincarem a sua posição. Isto é, que não querem prosseguir a marcha nas actuais condições; e ainda menos se conduzidos pela senhora. E acrescentam entre gritos e choro que só continuarão dentro daquele veículo à custa de muita pancada.
Poder-se-á sempre dizer que o povo de Hong Kong não escolheu, e que também não manifestou oportunamente a sua oposição à solução negociada. E que até poderia tê-lo feito no tempo colonial. Em todo o caso, quanto a este ponto, penso que como qualquer pessoa de bem e de boa fé confiou no que lhe foi prometido, tanto pelo tutor colonial que lhe foi imposto após a Guerra do Ópio, como pelo mãe biológica da qual fora apartado há mais de 150 anos.
Vinte e dois anos depois da transferência de soberania, embora tivesse começado a dar sinais anteriormente, a confiança desmoronou-se de vez.
Como num qualquer contrato de casamento, um dos cônjuges, neste caso o povo, fartou-se das juras e das promessas não cumpridas pelo outro, o Chefe do Executivo de HK. Juras e promessas avalizadas pelo sogro que vive em Pequim. Vê-se por aqui que não se trata, obviamente, de uma relação entre mãe e filho, ao contrário do que candidamente pensava Carrie Lam, ainda em Junho, em mais uma leitura distorcida da sua situação, digamos assim, político-familiar.
A senhora Carrie Lam, mais a mais sendo pessoa evangelizada e habituada a ouvir homilias, devia saber que por mais que os anos passem um casamento por conveniência só será eterno se a ele não sobrevir o sofrimento e a infelicidade de uma das partes. Se a estes se juntarem depois os maus tratos físicos, verbais e psicológicos por parte de um cônjuge autoritário e dominante, então estarão criadas as condições para a louça se começar a partir e os móveis voarem pelas janelas e varandas. Tudo perante a revolta dos filhos trintões que, não conseguindo arranjar casa para se mudarem, se sentem injustiçados e estão fartos de assistir às cenas de insulto e de estalada à hora da novela. A paciência destes é igualmente um recurso finito.
E é claro que chamar o vizinho, só porque é um primo bem colocado na polícia, com amigos em Macau e da confiança do sogro, para bater no cônjuge queixoso e nos filhos incompreendidos, em vez de procurar acalmá-los e resolver o problema sem violência, como gente civilizada, também poderá não ser a melhor solução. No limite zangam-se todos, não fica nada de pé, e ainda correm o risco de chegarem a 2047 deserdados pelos tios que têm o negócio das antiguidades e velharias.
Em termos sucintos é assim que estão do outro lado do delta do rio das Pérolas.
Desconheço qual seja o critério de José Pacheco Pereira (Visão, 14/09/2019, p.35) para classificar Hong Kong como uma democracia.
Se uma terra onde o Chefe do Executivo, que tem de merecer aprovação de Pequim, e o órgão legislativo não são escolhidos por sufrágio directo e universal pode ser considerada uma democracia, então as teses do cronista estão muito próximas das do PCC e da Dra. Sónia Chan, que ainda há dias na Assembleia Legislativa também considerou Macau uma democracia.
Hong Kong, como Macau, não é, nunca foi, uma democracia. Por mais cambalhotas que se dê. E é exactamente por Hong Kong não ser uma democracia, e ter sido prometido à sua população, nos artigos 45.º e 68.º da Lei Básica, a democracia e o sufrágio universal, que ali se luta. Não é pela manutenção do status quo deixado pelos ingleses que se trava o combate. Fosse isto e a senhora Carrie Lam e as forças pró-Pequim estariam felizes e contentes.
Um cronista não se pode deixar iludir pelas bandeiras que vê nas reportagens televisivas.
(Isaac Lawrence, AFP)
Carrie Lam pediu desculpa duas vezes mas, aparentemente, a genuinidade desses gestos perdeu-se há muito na altivez arrogante com que a Chefe do Executivo foi gerindo a crise desencadeada pelas alterações às leis de extradição.
De nada serviu a decisão de adiar e depois suspender a discussão do diploma ou a manifestação de amor a Hong Kong e ao seu povo. Há muito que a confiança desmoronara, há muito que falava sozinha e que as suas palavras tinham perdido sentido para os seus concidadãos.
Não tendo sido anunciado o cesto dos papéis como destino final da proposta do Governo de HK sobre as alterações às leis de extradição, nem retirada a classificação de "motim" (riot) aos acontecimentos da semana passada, não é de admirar que esta manhã a população da ilha tenha voltado a sair à rua e tomado posições nas imediações de Central e de Admiralty. Gloucester Road está encerrada, bem como os serviços públicos, e a situação de semi-caos e confronto permanece.
O director do Macau Daily Times, em mais um dos seus notáveis editoriais, chamava a atenção para a segunda oportunidade pedida por Carrie Lam. Ciente dos erros cometidos por aquela e do teatro que entretanto aconteceu, o editorialista lucidamente antevê que a sua demissão poderá estar para breve.
Esse será apenas mais um episódio, a ocorrer, na triste saga dos falhanços que desde 1997 têm acontecido com a governação de HK. O que a actual situação comprova é que os dirigentes do PCC nunca chegaram a compreender a dimensão, alcance e consequências da tese de Deng Xiao Ping e do princípio "um país, dois sistemas". O preço da incompreensão das teses do arquitecto da reforma vai continuar a ser pago. Nas ruas. E em dólares. Todos os dias na Bolsa de Hong Kong.
No meio deste turbilhão que volta a envolver Hong Kong há um nome que sobressai, o do activista Joshua Wong. Libertado da prisão no passado dia 17, imediatamente prestou declarações à imprensa e se juntou aos manifestantes.
Nascido em 1996, menos de um ano antes da transferência de soberania da ex-colónia britânica, e educado na tradição luterana, frequentou uma escola católica de Kowloon. De caminho trabalhou na correcção da dislexia que lhe fora diagnosticada. Destacou-se na contestação de 2014, conhecida como o Movimento dos Guarda-Chuvas, altura em que foi preso pela primeira vez. Intrépido defensor do sufrágio universal, da democracia e do rule of law, em 2016 fundaria, juntamente com Agnes Chow e Nathan Law, figuras de proa do chamado Scholarism, o partido Demosisto. Apesar de ter conquistado, por via eleitoral directa, o direito a estarem representados no Legislative Council, o parlamento local, o partido nunca chegou a assumir funções na câmara em virtude do seu afastamento por via burocrática e judicial.
Desconheço até que ponto a influência de Joshua Wong se fará sentir nos protestos que hoje (re)começaram, embora esteja convencido de que o processo de aprendizagem dos últimos anos, por vezes feito à custa de muitos erros, com detenções, julgamento e prisão pelo caminho, será decisivo para o rumo que os acontecimentos vierem a tomar a partir daqui.
Uma coisa é certa: apesar da sua idade, Joshua Wong é uma referência e uma garantia de solidez do movimento pró-democracia e dos oposicionistas a Carrie Lam. A capacidade de mobilização da Frente Cívica tem sido imensa. Aliada à liderança de uma personalidade com o carisma, a maturidade, a convicção, a coragem, a clareza discursiva e a visão estratégica e politica de um Joshua Wong é de temer um endurecimento do movimento, o que quer dizer trabalhos dobrados para Pequim. Joshua Wong não é um miúdo qualquer. Como alguém escreveu, Joshua é um super-homem.
A aceleração do processo histórico promovida por Pequim começa a ter um preço demasiado elevado para as forças tradicionalistas. Não se prevêem tempos fáceis para o governo de HK, nem para Xi Jinping e o Partido Comunista Chinês.
E o que aí vem não se resolverá com a demissão de Carrie Lam, cujos contornos de inevitabilidade se tornam cada vez mais evidentes.
"When hundreds of thousands march to demand Lam’s resignation, it’s clear they feel she is speaking the language of Beijing, not that of Hongkongers. Lam ran for chief executive with a campaign pledge to unite Hong Kong [the city, in the printed version] after the divisive rule of predecessor Leung Chun-ying. The trouble is, she has united the people against her." – Michael Chugani, Fugitive bill is not just another law to Beijing, SCMP, June 13, 2019
Na sequência da publicação de um relatório na passada segunda-feira, que dá conta, entre outras coisas, de que 1 milhão e 37 mil pessoas vivem em Hong Kong abaixo da linha de pobreza, e que a percentagem de crianças que vive abaixo desse limiar subiu de 17,5 para 20,1%, a edição matutina do South China Morning Post, um jornal cuja linha editorial está cada vez mais próxima das posições oficiais de Pequim, veio sublinhar as declarações de Chua Hoi-wai, responsável pelo Hong Kong Council of Social Security.
Se bem se recordar, já em 2017 um artigo de Chen Hong Peng e Paul Yip questionava como seria possível ultrapassar o ciclo de pobreza que muitas crianças enfrentavam em Hong Kong, sendo que na altura se referia um número semelhante ao que foi agora divulgado, ao mesmo tempo que se interrogava sobre a melhor forma de serem dadas oportunidades a essas mesmas pessoas desafortunadas da vida.
Um dos aspectos que hoje ressalta é o das condições em que as famílias dessas crianças vivem devido aos altos valores do imobiliário, o que resulta numa afectação do nível de satisfação das necessidades básicas das crianças e na falta ou diminuição de refeições diárias que as permitiriam crescer saudáveis.
Seguindo por essa linha, Alex Lo escreve que "poverty relief is a long-term commitment", querendo-se com isto dizer tudo aquilo que não se tem visto em mais de 20 anos de integração na mãe-pátria. Trata-se de um insucesso tão grande do processo de integração que já não pode ser ignorado. Não há socialismos felizes, nem sequer num mercado capitalista e altamente desregulado.
Confesso que não sei se em Macau existem estudos que de uma maneira ou de outra nos dêem conta da situação que em matéria de pobreza por aqui se vive. Paul Pun, o incansável dirigente da Caritas, tem regularmente chamado a atenção para o aumento de bolsas de pobreza e para os esforços que a sua organização vai fazendo para trazer conforto e alívio a muitos milhares que em nada têm beneficiado do desenvolvimento económico da RAEM e do crescimento dos negócios feitos à sombra do jogo e da especulação imobiliária.
Há deputados que também a isso têm sido sensíveis e que de quando em vez fazem ouvir a sua voz.
Mas seria bom que todos nós, cidadãos, fossemos tendo consciência disto. E de que o Governo, em vez de andar a distribuir cheques sem critério, encaminhasse verbas para quem efectivamente precisa, reduzindo as disparidades cada vez mais gritantes que todos vemos diariamente crescer entre a população mais desfavorecida de Macau.
A celebração dos 40 anos de reforma, abertura económica, crescimento e desenvolvimento na RPC não pode ter como consequência um aumento das pessoas que vive em situação de pobreza, a multiplicação do número de situações de crianças em risco e um crescimento dos problemas sociais de Hong Kong e Macau de tal forma grave que se tornou notícia.
Que sentido tem festejar 40 anos de sucessos se um dos principais indicadores (científicos, como aqui se quer) de carência e insucesso aumentou? Que sentido pode ter a celebração dessa efeméride para quem regrediu social e economicamente, para quem hoje tem dificuldade em alimentar, dar um tecto condigno e educação aos seus filhos? Que país se pode de tal orgulhar? Que sistema será esse?
Pobreza não é vida. E só para os ascetas constitui uma escolha livre e consciente.
Escreve Alex Lo, um patriota por quem não tenho especial simpatia mas que escreve coisas acertadas com alguma contundência, referindo-se ao Governo de Hong Kong, ontem no South China Morning Post, que "It's a law of human nature that when a government is sitting on piles of money, it will be wasteful and use it unwisely. So it's inevitable that with its massive reserves, our government has benn giving away money for years, with no good purpose, to people and groups that have no need for them".
Ou seja, numa tradução livre, "é uma lei da natureza humana que quando um governo está sentado em pilhas de dinheiro será esbanjador e usá-lo-á imprudentemente. Portanto, é inevitável que, com suas enormes reservas, o nosso governo, durante anos, tenha dado dinheiro, sem qualquer justificação, a pessoas e grupos que não precisam dele".
Sabendo que o Governo de Macau fez tudo isso e muito mais, em termos ainda mais esbanjadores e mais imprudentes, haverá algum patriota que por cá se abalance a fazer uma afirmação destas?
De qualquer modo, é da maior utilidade ler o resto do texto e reflectir nas sugestões que o autor faz em matéria de maternidade e prestação de cuidados universais às crianças.
Não é preciso ser "independentista" ou "irresponsável" para ver o lodaçal que entre nós se criou em tão pouco tempo. Nestas e noutras áreas (saúde, obras públicas, transportes, ambiente, e por aí fora).
O retrocesso civilizacional e a escassez de massa cinzenta pagam-se muito caro.
Parece-me absolutamente natural que C. Y. Leung, o Chefe do Executivo de Hong Kong, esteja a pensar não se recandidatar ao cargo. A decisão afigura-se-me sensata e é compreensível que as razões familiares invocadas se sobreponham a quaisquer outras. O desastre que tem sido o seu mandato, para o que tem contribuído a activa colaboração da R.P. da China, como ainda recentemente se viu com a criação de mais um imbróglio a propósito da interpretação feita pelo Governo Central, em antecipação aos tribunais, sobre os votos dos novos membros do Legislative Council que acabaram por não tomar posse, aconselha a uma decisão desse tipo.
Qualquer família normal ficaria preocupada, stressada, e sentir-se-ia tentada a protegê-lo, se um dos seus membros que tivesse tido um desempenho como o que C. Y. Leung teve à frente do governo da SAR de Hong Kong pensasse em recandidatar-se. Vê-se que se trata de uma família consciente.
Pena tenho eu que que em Macau a família do Chefe do Executivo fosse alheia a esse tipo de preocupações quando ele decidiu recandidatar-se, e não o tivesse impedido de avançar. Se calhar hoje não estaríamos como estamos. E a sauna "Família Feliz" não necessitasse de meter tantos clientes em lista de espera.
Apesar de ser um admirador da obra de Hemingway e do personagem que o mito criou atrás do nome, desconhecia de todo o episódio da passagem do escritor e jornalista por Hong Kong entre 22 de Fevereiro e Abril de 1941, numa altura em que a II Guerra tomava conta da Europa e o conflito sino-japonês continuava a endurecer.
Aproveitando o facto de se comemorarem os 75 anos da chegada a Victoria Harbour do clipper da Pan Am que transportou o escritor, Stuart Heaver publicou na edição de ontem do Post Magazine, suplemento do South China Morning Post, um magnífico trabalho sobre essa visita com o sugestivo título de "The importance of being Ernest".
Ao longo do texto, cuja leitura recomendo a quem consiga ter acesso ao jornal, Heaver percorre os lugares, muitos deles ainda hoje existentes, por onde passou o escritor e a, ao tempo, sua mulher, a também jornalista Martha Gellhorn, com quem se havia casado em Cuba em Novembro de 1940, a tal ponto que a viagem à Ásia foi descrita como a sua "lua-de-mel."
Hemingway já era ao tempo uma celebridade em razão das suas crónicas de guerra e da publicação de "For whom the bell tolls", cuja primeira publicação ocorrera em Outubro de 1940, depois de ter sido escrito em passagens por Cuba, Key West e o Idaho, em 1939.
Depois do desembarque, que fora anunciado nas páginas da imprensa local com grande destaque nas semanas anteriores, Hemingway e Martha deslocaram-se de Kai Tak, onde existia o velho aeroporto, para a ilha usando o Star Ferry e hospedando-se depois no famoso Hong Kong Hotel, em Pedder Street. O Hong Kong Hotel foi o primeiro hotel de luxo da cidade e depois de diversas vicissitudes acabaria por ser demolido em 1952.
O texto do SCMP aproveita o testemunho de Peter Moreira, que foi um dos grandes jornalistas do Post e autor de um livro publicado em 2006 onde é recordada a passagem do casal Hemingway/Hagellhorn pela Ásia cujo título é "Hemingway on the China front". Por aí se fica a saber o que terá sido essa jornada do casal por estas paragens, onde hoje de novo me encontro, e no modo como essa experiência terá sido vivida. Hemingway em nada defraudou as expectativas e tudo o que o tornou famoso, no bom e no mau sentido, repetiu-se em Hong Kong nas semanas seguintes.
Ao chegar ao hotel onde se alojou, Hemingway tomou conta do seu bar, o The Grips, onde se rodeou de um grupo de habituais frequentadores, sempre prontos a contarem novas histórias, a divertirem-se e a ingerirem quantidades industriais de álcool das mais diversas origens. O estado de espírito do escritor era tal que a um jornalista que quis entrevistá-lo aconselhou "drink up, drink up, I am in the money".
Enquanto Hemingway bebia galões no The Grips e ia "socializando", relata-nos Heaver, Martha foi tomar o pulso à cidade, já então sob a pesada influência do conflito sino-japonês e acabou a visitar mercados, bordéis, casas de ópio e a inteirar-se das condições dos refugiados que demandavam a colónia britânica. Na altura, entre as companhias do escritor estavam Emily Hahn, famosa pela aventura extraconjugal com o capitão Charles Boxer, distinto linguista que colaborava com os serviços secretos ingleses e cuja mulher fora evacuada em Junho, mas também alguns poderosos tycoons locais a quem Hemingway se referiu como YT e CK, um oficial superior da polícia de HK, diplomatas, as tripulações de folga da CNAC e um judeu polaco conhecido como Morris "Two Gun" Cohen, que foi general no Kuomintang e guarda-costas de Chiang Kai-chek. Cohen foi o grande companheiro de Hemingway em Hong Kong e aquele que o apresentou a Madame Sun. De acordo com o relato de Heaver, baseado num escrito de Martha, foi Hemingway quem introduziu o Bloody Mary em Hong Kong e o escritor, em carta para um amigo, terá escrito que, com a possível excepção do exército japonês, ter-se-á ficado a dever-se a essa bebida a responsabilidade pela queda de Hong Kong.
Durante os meses que permaneceram pela região, ao que rezam as crónicas, Hemingway também funcionou como espião, recolhendo informações para o seu país, em especial para Henry Morgenthau, que era o Secretário do Tesouro, a partir de fontes tão fidedignas como Cohen e Boxer.
A Martha Gellhorn não era dada a mesma atenção, apesar da sua mulher já ser uma autora reconhecida no seu país, pois tinha publicado dois romances, era correspondente do Collier's Magazine e, entretanto, já estivera em reportagem na Alemanha, efectuara a cobertura da Guerra Civil espanhola e testemunhara a ocupação da Finlândia pela União Soviética. Como recorda Heaver, 75 anos depois a sua descrição de Hong Kong ainda se mantém actual: "To newcomers, Hong Kong seems like a combination of Times Square on New Year's eve, the subway at five-tirthy in the afternoon, a three alarm fire, a public auction and a country fair".
O trabalho de Heaver está repleto de episódios e relata histórias tão interessantes como a do encontro em Chungking com o Generalíssimo Chiang-Kai-chek, em 14 de Abril, no dia seguinte à assinatura do pacto de não-agressão entre Estaline e o Japão, quando aquele num evidente sinal de respeito para com os visitantes retirou a placa da sua dentadura para receber o escritor, ou do encontro entre Martha e a senhora Chiang. Sobre esse encontro Martha referiu que o Generalíssimo parecia embalsamado, que Chiang era "still a beauty and famous vamp" e que esta, em resposta a um comentário de Martha, escandalizada com o facto de haver leprosos nas ruas, lhe disse que "China had a great culture when your ancestors where living in trees and painting themselves blue".
O casal ainda se encontrou com Zhou Enlai (também romanizado como Chu En-Lai), que viria a ser em 1949 o primeiro primeiro-ministro da República Popular da China, encontro que aconteceu na sequência de uma abordagem clandestina feita num mercado e de quem Hemingway, que teve de explicar à mulher de quem se tratava, disse ter sido "the one really good man we'd met in China".
Martha ainda viajaria para Singapura, pela Birmânia e a Indonésia, mas a estadia pelas paragens orientais deteriorou de tal forma as relações do casal que aquela acabaria por publicar um livro (Travels with myself and another) de onde ressalta a forma como passou a referir-se ao seu ex-marido: "UC", isto é, "the unwilling company". Note-se que Martha tinha 32 anos e era uma mulher de uma grande beleza, um espírito liberal e independente, mas nada disso terá sido suficientemente forte para prender o escritor e manter acesa a chama do encontro no Sloppy's Joe Bar, em Key West (Florida), por alturas do Natal de 1936, quando conheceu Hemingway.
Para o escritor, e do que resulta do excelente trabalho de Heaver e dos relatos de Moreira, impossíveis de aqui reproduzir na íntegra, Hong Kong foi uma cidade que o seduziu e que se deixou seduzir por ele, espantado com os glamorosos jantares e corridas em Happy Valley, para onde o cônsul norte-americano Addison Southard fazia questão de convidar o casal e ser o anfitrião. De acordo com o texto do Post, o escritor terá ficado impressionado com a quantidade de mulheres que os "500 milionários" de Hong Kong recrutavam do outro lado da fronteira.
Depois da estadia no Hong Kong Hotel, com Martha farta dos rebentamentos de panchões, o casal mudou-se para o Repulse Bay Hotel, no lado sul da ilha, local onde hoje existe um conjunto de apartamentos, mas em que se teve o cuidado de preservar a fachada do velho hotel, ainda existem os locais com os nomes de então, como o Verandah Restaurant e o Bamboo Bar. Depois de uma renovação em 2009 existe uma placa recordando a passagem de Hemingway por lá.
Após o regresso da China, Hemingway instalou-se sozinho no Peninsula Hotel, especulando-se sobre se terá sido mesmo verdade que foi aí que o escritor dormiu com três prostitutas ao mesmo tempo. Sobre esse facto, Heaver menciona a descrição feita pelo autor em Islands in the Stream, texto póstumo publicado em 1970, mas não há certezas sobre isso.
Em 6 de Maio, Hemingway partiu de Hong Kong rumo a Manila, onde certamente terá continuado a sua aventura. Nunca mais voltaria à Ásia. Como escreve Heaver, a sua partida foi também o fim da lua-de-mel com Martha, para quem o casamento "was just too boring" e que acabaria por se desfazer no regresso a Londres. Martha, de acordo com o relato de Heaver, foi a única mulher que deixou o escritor e esse facto terá sido algo que este nunca lhe perdoou.
O documento que Heaver deixou ontem nas páginas do Post Magazine é um trabalho notável pela quantidade de informação e de referências que aí se lêem, ajudando a iluminar essa parte esquecida, porventura escondida, da vida do escritor.
Ter a sorte, apesar de muitas vicissitudes recentes, de poder continuar a ser um homem livre e um viajante, percorrendo textos e locais como os descritos, deixa-me com uma vontade especial de regressar em breve a Repulse Bay. E certamente que quando voltar a passar por Pedder Street ou a tomar um copo no Peninsula, que continua a ser um local de culto da cidade, não deixarei de recordar as páginas de Heaver e de aqui trazer algumas fotos desses locais por onde Hemingway passou e que agora fiquei a conhecer, repartindo com os leitores do DO o que aqui e ali vou vendo e aprendendo.
O desaparecimento, ausência, rapto, fuga não esclarecida, chame-se-lhe o que se quiser, de Lee Bo dura há quase duas semanas e continua a fazer manchetes. Famoso por editar e vender livros críticos para com o regime chinês, o facto é que decorrido todo este tempo continuam a faltar as explicações para o que aconteceu. O livreiro e editor Lee Bo não morria de amores pela "democracia" vigente do outro lado, sendo conhecidas desde há muito as suas posições críticas para com o governo chinês e as políticas de Pequim em matéria de liberdades e direitos humanos. Dizer que foi raptado parece à partida uma explicação demasiado simplista. Numa entrevista relativamente recente o visado dera a entender que não se preocupava com o que lhe pudesse suceder porque em Hong Kong (HK) se sentia confortável e não fazia tenções de viajar para o lado de lá da fronteira que separa HK de Shenzhen. O mistério parece insolúvel, não havendo quem do lado da RPC preste os esclarecimentos necessários sobre o que possa ter sucedido.
As declarações prestadas pelas autoridades de HK, para além de não fugirem à subserviência habitual, deixam no ar a ideia de que nem tudo o que pode ser feito para desvendar o imbróglio está a ser conduzido. Escasseiam as informações e a confusão tornou-se maior quando a mulher do ausente, depois de ter participado o desaparecimento do marido às autoridades, foi ela própria desistir da participação apresentada alegando que um amigo do marido recebera um fax e lhe telefonara a esclarecer que estava tudo bem. A explicação soou a falso e evidentemente que qualquer outra pessoa colocada na situação da mulher de Lee não ficaria satisfeita com o telefonema recebido. Lee Bo também não era polícia nem investigador criminal não se percebendo a que propósito iria prestar apoio às autoridades chinesas numa investigação sobre a qual a RPC nada diz.
Em Taiwan, a Central News Agency publicou a carta que se supõe ter sido manuscrita por Lee e enviada por fax para a Causeway Bay Books, onde o livreiro pede aos trabalhadores que continuem a laborar normalmente. Mais estranho é que tivesse telefonado para a mulher e lhe tivesse falado em mandarim quando na antiga colónia britânica a comunicação se faz normalmente em cantonense e fosse neste dialecto que normalmente se entendesse com ela. Por agora há apenas uma certeza: Lee não saiu de HK pelos postos fronteiriços oficiais.
Este dado não tem passado despercebido e quaisquer que sejam as razões para o que está a acontecer mereceu ontem, finalmente, uma tomada de posição mais firme durante a cerimónia de abertura do ano judicial de HK por parte de Rimsky Yuen Kwok-keung, o Secretário para a Justiça, quando afirmou que não seriam toleradas investigações não autorizadas nem prisões ilegais, e que as preocupações da sociedade são totalmente compreensíveis e devem ser tratadas adequadamente.
Também o principal magistrado, o Chief Justice Geoffrey Ma Tao-li, recordou a protecção constitucional de que gozam os direitos e as liberdades dos cidadãos de HK através da sua mini-constituicão. No domingo, 3500 pessoas marcharam pelas ruas da ilha em protesto contra o desaparecimento de Lee e dos outros associados exigindo a sua "libertação", a despeito de um vídeo que aparentemente foi enviado por aquele à sua mulher pedindo às pessoas que mantivessem a calma e não se manifestassem.
Quaisquer que sejam as razões para o que se está a passar, os dias passam sem que o mistério se desvende e a população seja tranquilizada, numa altura em que se aproxima rapidamente 16 de Janeiro, data em que terão lugar as eleições em Taiwan para escolha do Presidente, do vice-Presidente e de 113 deputados. Como estas coisas andam todas interligadas, esta manhã, o editorial do influente South China Morning Post voltava a colocar o dedo na ferida e de forma contundente afirmava que as autoridades dos dois lados da fronteira "não fazem nada para manter a confiança no princípio "um país, dois sistemas" que é o fundamento da governação de Hong Kong", logo acrescentando que "o público precisa de respostas e garantias de autoridades credíveis", pois que continua a aguardar por "explicações convincentes" para o desaparecimento de Lee e dos outros, um após outro, desde há um ano.
Contrastando com a atenção e preocupação da população de HK sobre o desaparecimento de Lee Bo, mas dando mostras do seu apreço pela herança portuguesa nessa matéria, em Macau, a cultura cívica dos seus cidadãos continua a manifestar a habitual indiferença e alheamento sobre a sorte dos vizinhos. Porventura por isso é que também nenhum corajoso condecorado com a Torre e Espada tenha até agora dito qualquer coisa sobre o silêncio de Pequim e o que se está a passar. Compreende-se que depois da prontidão manifestada para condenar os milhares de cidadãos de HK que saíram à rua com o movimento "Occupy Central", que clamavam por democracia, nesta altura, para alguns, os euros ou os dólares acabem por falar mais alto. Livros, editores, combate político, democracia e direitos humanos nunca foram coisas que dessem dinheiro. A não ser para esses mesmos alguns.