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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
É o mínimo que se pode pensar de um político profissional, que foi também deputado e administrador de empresas, quando apanhado em falta com o cumprimento de obrigações impostas a qualquer cidadão e empresa, se atreve a dizer, para além de que "não tinha consciência da obrigação para pagar essa dívida desse período", que "estava convencido de que, na época, era opção". Pagar, entenda-se.
E foi assim durante cinco anos, até depois da prescrição, indo depois pagar quando confrontado com o facto por um jornalista.
Os ignaros e os chicos-espertos causam-me asco. À esquerda ou à direita.
Um tipo que se abalança a ser líder de um dos principais partidos políticos portugueses e primeiro-ministro com um lastro de esquecimentos, inclusivamente ignorando a lei que o obrigava a descontar para a Segurança Social, durante cinco anos (não foram cinco meses), que tem a latosa de dizer que nunca foi notificado para pagar o que devia, cuja dívida prescreveu cinco anos depois, e ainda arrisca dizer que as críticas que lhe são feitas são especulações infundadas, ou é um tipo muito mal formado ou um cretino.
Em qualquer caso, a única coisa que merece é que os seus concidadãos, que sempre descontaram e pagaram, alguns com dificuldades por terem rendimentos exíguos, lhe manifestem a sua desconfiança. E em democracia só há uma maneira de fazê-lo: censurando-o nas urnas.
Em tempos, a portuguesa, teve um diário. Prestava um serviço aceitável, apesar de nunca ser o desejado. Depois, chegou o Governo de Passos Coelho e resolveu reformá-lo. Hoje não chega a ser a sombra do que era, tão mau é o serviço. Razão tem José Manuel Meirim. O outro queria que lhe devolvessem a Alexandra Lencastre, a original. Eu não vou tão longe, sou mais modesto. Bastava que me devolvessem o Diário da República, o que funcionou razoavelmente bem até se meterem a fazer reformas. Pior do que esta coisa que fizeram ao DR só mesmo a reforma do Citius. Mais um desastre.
(a foto pertence ao Expresso e foi tirada daqui)
Gente séria tê-lo-ia admitido desde o princípio, tal como muitos atempadamente alertaram.
É mais um "tecno-embrulho" que, de novo, não constava do pacote testamentário recebido dos antecessores. E volto a dizer que não estou a discutir a bondade da solução encontrada, nem se é melhor ou pior que a do BPN, apesar de sem rebuço admitir que em princípio será menos má.
Em causa está, porque é isso que me preocupa no padrão comportamental dos dirigentes políticos, a actuação política em concreto de quem decidiu e as declarações que a suportaram, destinadas a atirar areia para os olhos dos contribuintes.
Se pode ser estabelecido um paralelo entre este caso e o BPN, para lá da inenarrável actuação do supervisor, ele encontrar-se-á na forma como em ambos os casos se assumiram riscos iludindo a opinião pública sobre os custos inerentes. Sem frontalidade, sem transparência, fazendo dos outros tolos. A começar pelo Presidente da República.
Passos Coelho tinha dito que o Estado não seria obrigado a salvar o BES. Que não haveria dinheiro dos contribuintes lá metido, que seriam os privados a arcar com os prejuízos. Concluí, ingenuamente, que seriam os "capitalistas" a resolver o problema. Mas o que se vê, ao contrário do que foi afirmado e da mensagem que o governador Carlos Costa quis passar, é que estamos perante uma nacionalização encapotada do BES. Ainda que temporária será paga com o dinheiro que não saiu do bolso dos seus accionistas, que não saiu do bolso dos privados e cujos custos serão pagos, uma vez mais, pouco ou muito, com juros ou sem juros, por todos.
Já sei que muitos dirão que o dinheiro do Fundo de Resolução não é dos contribuintes - a CGD já foi privatizada? -, que o que não vem de lá veio da troika, e outras falácias de igual quilate que servirão para enganar o povinho enquanto o primeiro-ministro vai a banhos no Algarve, o Presidente da República - que sabe sempre tudo e avisa sobre tudo e mais alguma coisa a tempo e horas e nunca fala quando deve falar -, está mudo e calado, e a ministra das Finanças desapareceu em combate.
Os incómodos ficarão para o Banco de Portugal - este também ainda é público, penso eu - e o seu actual governador. Afinal o mesmo que desde Setembro de 2013, apesar de já ter ideia do que se passava, acreditou durante quase um ano que aquela corja que permitiu que se andasse a gozar com o dinheiro que os depositantes lhe confiaram se podia manter em funções, situação que só terminou in extremis há bem pouco tempo. E foi preciso para tal ver os esqueletos começarem a fugir dos armários onde se iam desconjuntando, ao mesmo tempo que se estatelavam desamparados à nossa frente assim que a porta se entreabria. De repente, eram tarsos e metatarsos para um lado, fémures caindo por outro, rótulas e tíbias deslizando soalho fora. Só então o Banco de Portugal se apercebeu que aquele ia ser mais um buraco sem fundo.
O BES, que respirava saúde, a tal instituição financeira sólida de que o primeiro-ministro e o Presidente da República falavam, liderado por e ligado a gente que abominava o Estado e a intervenção deste na economia, enquanto engordavam engravatados porquinhos cor-de-rosa que aproveitavam todas as oportunidades para se queixarem da falta de liberalização da economia e viam qualquer intervenção do poder político na sua coutada como uma ofensa de lesa-pátria, acabam a ter de ser salvos, ao soar do gongo, por esse mesmo Estado.
Todos esses quadros muitíssimo competentes que passaram por algumas das, agora sinistras, organizações desse universo de que o BES fazia parte e que estão a contas com a justiça (sujeitando-se à intervenção pública dentro e fora de portas, como é normal entre arautos do neoliberalismo de pacotilha), entretanto alcandorados ao exercício desses lugares de serviço público onde se "perde dinheiro", de repente desapareceram todos. Evaporaram-se. Não há agora um desses merceeiros ricos, dos que convivia com os senhores do BES e da Goldman Sachs e se passeavam por Nova Iorque, que apareça para dar cara pelos amigos ou, pelo menos, para vociferar na televisão pública contra esta intervenção. Não há um que se chegue à frente e diga ao Banco de Portugal para ficar quieto porque já reuniram, entre eles evidentemente, os fundos necessários para acudirem à situação e safarem os seus depositantes. A matilha desapareceu. E quando um ou outro é apanhado numa esquina e lhe põem um microfone junto às beiças já não vociferam. Deixaram de falar mal do Estado e limitam-se a lamentar a sorte dos compinchas. Dos tesos ricos.
Esta é a incontornável verdade que a muitos dói, em especial a todos aqueles que sempre acharam excessivo o que o Estado gastava com a saúde e com a escola dos portugueses. Os que queriam tudo privatizado, até um bem tão essencial como a água, ao mesmo tempo que escondiam milhões na Suíça e em paraísos fiscais de além-mar aproveitando para promoverem a construção de hospitais privados e apoiarem as iniciativas das escolas privadas que os ajudariam a progredir ainda mais nos negócios, contando que o Estado lhes financiasse o negócio para atenderem os seus próprios contribuintes.
Sim, porque em causa nunca esteve qualquer reforma do Estado, qualquer melhoria das qualidade dos serviços que este prestasse, a procura de uma relação equilibrada entre o custo e o benefício para uma maior eficiência. Em causa esteve sempre, esse foi o objectivo desde a primeira hora, o desmantelamento do Estado para benefício de meia dúzia de figurões que sempre dependeram da teta do Estado, das PPP's e de mais umas quantas aberrações que inventaram para prosperarem com dinheiros públicos nos seus negócios privados, se necessário fosse abusando da confiança de terceiros, colocando a máquina do Estado ao serviço dos seus interesses particulares. É para isso que na sua perspectiva serve o Estado.
E eu, que não sou, nem nunca fui, apologista da presença do Estado em áreas onde não deva estar e que admito a sua presença nalguns sectores em sã concorrência e sem favores com os privados, vejo o El Pais escrever que "aunque el Banco de Portugal no pronuncie la palabra, es una nacionalización en toda regla".
De igual modo, o USA Today diz-me que é Portugal, leia-se o Estado, quem saiu em auxílio do BES e que "the Bank of Portugal was spurred to action after it realized that using public funds seemed to be the most viable solution". O New York Times, que deve ser uma espécie de Acção Socialista do camarada Obama, esclarece que "the Portuguese government will provide most of the money for the rescue in the form of a loan", e o Estado de Minas, via France Press, esclarece os seus leitores que "4,4 bilhões serão retirados do envelope de 12 bilhões destinado à recapitalização dos bancos no âmbito do plano de resgate de Portugal". E a insuspeita Bloomberg escreve que "Banco Espirito Santo has been forced to take public money after regulators uncovered potential losses on loans to other companies tied to Portugal’s Espirito Santo family and ordered the lender to raise capital". Até o Figaro escreve que "Le gouvernement a, semble-t-il, hésité à puiser dans l'enveloppe de 12 milliards d'euros réservée aux banques dans le cadre du plan de sauvetage du Portugal. Mais aujourd'hui, avec les 6,4 milliards d'euros qui lui restent à disposition, il était le seul à pouvoir renflouer l'établissement dans les plus brefs délais".
Perante isto, com a imagem externa que esta operação tem, bem podem dizer aos portugueses que a solução encontrada não é uma nacionalização. Por mim até lhe podem chamar Euromilhões. Ou Ajuda de Berço. Ou Banco Alimentar. Ninguém acreditará. Nem mesmo a chanceler Merkel, a tal que disse acreditar no PEC IV. Lá fora ninguém acreditará numa só palavra do que digam sem ver as contas finais.
E quanto aos portugueses, estão tão fartos de aldrabões que até quando aparece alguém sério desconfiam. Eu também.
Colocadas as coisas em termos tão claros e lisonjeiros, apesar de tudo, para quem promoveu tamanho aborto, assinale-se que a resposta desta vez veio sem votos de vencido. Depois de tudo o que as criaturas disseram, acaba por ser saudável que tudo acabe assim. Em bem. O Tribunal Constitucional no lugar que lhe compete. O primeiro-ministro à procura de vaga na universidade de Verão. Oxalá consiga.
Da entrevista dada pelo primeiro-ministro a José Gomes Ferreira há muito pouco a dizer. Uma dezena de remodelações depois atreveu-se a afirmar, sem sombra de remorso e sem se engasgar, que fez uma, registei, uma remodelação para aumentar a coesão do Governo. Presumo que todas as restantes foram executadas para divertir as clientelas do seu partido e o parceiro de coligação, transmitindo a ideia de que até hoje tudo correu sobre rodas. Bateu sempre na mesma tecla, justificou erros e opções como se fossem fatalidades, a seu tempo escrutináveis, quando sabe que já não há remédio. Fê-lo sem transparência sobre as escolhas realizadas e sem esclarecer o que lhe era suposto esclarecer numa entrevista de uma hora. Fez de conta que o penoso cumprimento de um programa de ajustamento e reajustamento, para cujo agravamento sobremaneira contribuiu, é função de que um governante se deve orgulhar. Em rigor, comportou-se com a desfaçatez de um comentador político sem responsabilidades, recordando aos portugueses - quando para fugir às perguntas recordou que não se poderia comprometer com as respostas sem estudar as questões - que as promessas feitas em campanha eleitoral foram dolosas. Sem um acto de contrição, sem nobreza. Por trinta moedas que jurara ir buscar à reforma do Estado e ao despesismo dos antecessores. E que, traiçoeiramente, acabou a tirar dos depauperados bolsos dos irmãos, fechando os olhos aos vendilhões e protegendo os seus facilitadores dos negócios.
Os comentários do primeiro-ministro e do ministro Poiares Maduro ao manifesto mostram a distância que vai da ideia ao projecto, e desta à realidade. Daí que, ao verificar-se que no grupo de subscritores aparecem os nomes de dois conselheiros do próprio Presidente da República, mais um catedrático e ex-reitor que foi mandatário de Cavaco Silva no Algarve e ali responde pelo Banco Alimentar contra a Fome, mais uma mão cheia dos melhores economistas portugueses e gente com o estatuto de um Adriano Moreira, de um Bagão Félix, de uma Ferreira Leite, de um João Cravinho, de um Ricardo Bayão Horta ou dos presidentes da CIP e da CCP, talvez se perceba porque não conseguiu Passos Coelho transformar a Tecnoforma, com a sua brilhante gestão, num "player" do mercado.
O histrionismo é um mal que não se confina às fronteiras da Coreia do Norte e é capaz de se manifestar, como se vê, no mundo ocidental pelas mais diversas formas.
Não sendo especialista em coisa alguma, e limitando-me a olhar para a realidade com os olhos de quem quer apenas ver sem a pretensão de querer que os outros usem as mesmas lentes, creio que Pinto Balsemão disse em poucas palavras tudo o que havia a dizer sobre a reacção de Passos Coelho: "reestruturar a dívida é, muitas vezes, um acto de boa gestão das empresas". Quem diz das empresas também diz do país.
Uma simples frase que, conjugada com o que se viu já e se sabe do longo e brilhante passado empresarial do primeiro-ministro, explica o credo e a capacidade de liderança do primeiro-ministro.
Passos Coelho é presidente do PSD. Um partido que se reclama, diz ele, da social-democracia, embora isso não tenha qualquer correspondência na prática política. Mas se tivesse o mesmo discurso estando no PCP ou num qualquer partido da esquerda radical ninguém estranharia. Em 1975 havia quem quisesse afundar-nos a cantar o "venceremos". Em 2014 temos um primeiro-ministro que quer afundar-nos a cantar o "não reestruturamos".
E é isto, apenas isto, que basta para mostrar a insensatez do caminho que nos quer obrigar a percorrer nos próximos trinta anos. E diz tudo sobre a sua cega agenda e irracional ortodoxia neoliberal ("we define neoliberalism as a utopian theory and elite-poltical project that proposes that 'human well-being can best be advanced by liberating individual entrepreneurial freedoms and skills within an institutional framework characterized by strong private property rigths, free markets, and free trade", Harvey, citado por Ferdi De Ville e Jean Orbi, 2014, British Journal of Politics and International Relations, Vol. 16, 149-167).
O Público revela na sua edição de hoje alguns pormenores a propósito do convite e da recusa de Rui Rio em assumir a liderança do Banco de Fomento.
Fazendo fé no que ali se conta, e não há razões que me levem a duvidar da seriedade do relato ou acrescento de qualquer ponto, o episódio confirma em absoluto tudo o que eu pensava antes de quem convidou e de quem recusou. E, mais do que isso, demonstra como é fácil a estupidez cruzar-se com a inteligência mantendo-se tudo na mesma.
Desconheço se o ex-presidente da Câmara Municipal do Porto leu Mazarin e o que este escreveu em 1684 no seu "Breviarium Politicorum". Se não leu indicia todas as qualidades que poderão um dia, se lhe derem o privilégio de umas primárias, vir a ocupar à frente do PSD o lugar que espera António Costa no PS logo que lhe desimpeçam a loja.
Mesmo quem não goste, ou não morra de amores por Rio, desde que conhecesse o seu percurso e estivesse atento à forma como gere as suas intervenções públicas e os tempos em que as faz, dificilmente acreditaria que fosse homem para aceitar liderar neste momento uma instituição - com a importância que nunca terá - como o novel Banco de Fomento. Em especial com o peso político que significa para o actual primeiro-ministro. Menos ainda se o convite formulado por Passos Coelho trazia consigo, como foi o caso, a inacreditável escolha antecipada da equipa que se queria que Rui Rio dirigisse.
Nenhum homem decente, inteligente e sensato q.b. aceitaria, por muito ambicioso ou tributário que fosse ao convidante, ser colocado à frente de uma entidade como o tal Banco tendo de engolir todos os "Franquelins" que lhe fossem impingidos.
O lastro de confusões, demissões, golpadas, convites, "desconvintes" e cegadas várias em que o primeiro-ministro, ou os seus homens de confiança por ele, se tem envolvido desde Junho de 2011, bastariam para obrigar o mais desprevenido a pensar duas vezes antes de, numa altura destas, aceitar meter-se numa embarcação, em mar revolto, sabendo que o almirante que escolheu a tripulação não distingue bombordo de estibordo, é atreito a levantamentos de rancho entre a sua gente, confunde proa com popa e na embarcação que ele próprio dirige já viu a maioria dos seus tripulantes enjoar na ponte, enquanto os sobrantes e os passageiros que foram obrigados a seguir viagem, quase todos velhos, doentes e reformados, se atropelam para ver quem primeiro se atira borda fora na esperança de serem recolhidos por alguém que passe ao largo e lhes atire uma bóia e uma lata de sardinhas.
Uma das coisas que Mazarin aconselhava a um político era que se tivesse de responder negativamente a um pedido fingisse que precisava de reflectir. E que depois se mostrasse sinceramente desolado por não poder atendê-lo. Desconfio que Rio, mesmo que não tenha lido a obra que me veio à memória, nunca precisaria de recorrer a um grau tão grande de perfídia e hipocrisia para recusar o convite. Bastar-lhe-ia ser coerente, como parece ter sido.
Aquilo que para qualquer um de nós seria uma evidência, como o resultado da imposição de uma cura de emagrecimento em quem já dava sinais de subnutrição, não o foi para Passos Coelho.
Pessoalmente estou convencido, no que até Pedro Lomba ou Poiares Maduro num momento de lucidez serão capazes de admitir, que de mais este triste episódio sai um Rio de caudal reforçado que ameaça galgar as margens a qualquer momento, correndo ainda mais violento para a sua foz.
Quanto a Passos Coelho, que neste desgraçado filme comprido e chato faz papel de marujo arvorado, fica a eliminação das dúvidas que restassem sobre a preparação política que recebeu. Ou seja, confirma-se que politicamente possui a preparação de um tarimbado servente de S. Bento. A grande diferença é que este, ainda que convidado para universidades de Verão e convivendo com professores doutores, não aspira ser primeiro-ministro. Nem sequer quando com um grão na asa adormece destapado e virado para a esquerda. Um néscio político não faria pior. Bastar-lhe-ia ir ao calendário e ver que o Primeiro de Dezembro estava à porta e gritar a plenos pulmões: Viva Portugal!
Disse o primeiro-ministro que "metade do que aumentou a dívida em termos brutos, metade desse caminho são reclassificações, era dívida que já lá estava". A frase vem no Diário Económico e é mais uma frase genial que um seu ex-ministro certamente não desdenharia ter proferido.
Tinha ficado com a ideia de que o actual Governo português, entre outras missões não menos importantes, estaria vinculado ao controlo do aumento da dívida, fosse em termos brutos ou em termos relativos. Era coisa para estancar. Ponto. Dois anos e meio depois , mesmo dando de barato, e que para já não passa de pura retórica, que "metade do que aumentou" era "dívida que já lá estava", o que temos? A outra metade, diz o primeiro-ministro, são depósitos "que nós temos à ordem para pagar a dívida". Dinheiro, dinheiro vivo, portanto.
Ou seja, do aumento da dívida só metade é que é dívida, a outra metade da dívida não é dívida. É dinheiro.
Bem sei que a inteligência em política é hoje em dia um bem de tal forma escasso que qualquer coelho com uma cenoura num cartaz chega a líder partidário. E que nem todos podem ter as mesmas aptidões para dominarem os números complicados da economia nacional. Mas se isto é tão simples, se metade da dívida é dinheiro vivo, dinheiro que está em depósitos para pagar a outra metade da dívida e tudo o resto que se "herdou", por que razão foi necessário mandar fazer uma brochura com 57 páginas e 41 gráficos para o explicar aos próprios militantes do PSD?
Temo que com a dificuldade que deve ter sido encontrar esta explicação ainda haja neurónios capazes de substituírem os que entretanto se terão queimado. Engendrar a reforma do Estado, preparar o orçamento para 2014 e explicar a dívida aos militantes do PSD não são coisas fáceis.
Começa a ser dramático perceber qual é neste momento a metade do País que ainda pensa sem recorrer aos neurónios alheios. A distância só complica a compreensão do que é simples estando perto. Neurónios, infelizmente, não é coisa que se possa emprestar. Ou trocar por dívida. Ou por pneus. Talvez um dia, quem sabe, a ciência descubra maneira de recauchutá-los. Já não digo todos, mas talvez metade seja ainda uma hipótese em aberto.