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injustiças

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.05.22

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Ontem teve lugar mais uma conferência de imprensa promovida pelo Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus dos Serviços de Saúde de Macau.

A extensão da denominação dessa entidade não tem correspondido às expectativas. E à medida que o tempo passa e a onerosidade das medidas vai agrilhoando muitos residentes, aumentam as injustiças e as dificuldades para quem, finalmente, pensava poder descobrir uma nesga de céu azul no húmido e pesado emaranhado de nuvens e poeiras que por aqui circulam.

Quando em Pequim e Hong Kong se levantam restrições, reduzindo-se períodos de quarentena e permitindo-se a entrada de estrangeiros, em Macau continua tudo aferrolhado com sete trancas. Uma espécie de colónia penal de luxo.

Se em Pequim a quarentena foi reduzida para dez dias, e em Hong Kong para sete dias, em Macau continuamos a ter catorze dias de quarentena e mais sete de auto-observação em casa. Um incompreensível sufoco.

Bem sei que a natureza dos talentos de Hong Kong e de Macau é diferente, mas será que o vírus que assintomaticamente, de quando em vez, vai aparecendo por cá também se apresenta de outra estirpe? E a variante que levou alguns ao Centro Clínico de Saúde Pública do Alto de Coloane em quê que difere do vírus que circula no Interior e na região vizinha? Será que os tempos de incubação do vírus em Macau são excepcionais? Mas então tudo isso é extraordinário.

Científica e politicamente as decisões dos SSM e do Governo de Macau, que aqui não pode ficar à margem em matéria de responsabilização pelos seu efeitos nefastos, não têm qualquer justificação.

Não se pode copiar Pequim e Hong Kong só quando se trata de aumentar os ónus sobre os residentes e de cercear os seus direitos, impondo-lhes sempre maiores encargos à custa de uma visão doentia da segurança nacional. É também conveniente manter igual coerência quando em causa está o alívio de restrições e o bem-estar das populações que sempre se souberam comportar e respeitaram escrupulosamente as directivas oficiais.

E depois, a talhe de foice, repare-se que durante dois anos houve muitos residentes que entraram e saíram de Macau, beneficiaram de quarentenas gratuitas, alguns mais do que uma vez, de testes gratuitos, em muitos casos podendo escolher hotéis. Agora, quem esteve em Macau durante mais de dois anos, se quiser sair este Verão, vai ter de fazer quarentena no Hotel Tesouro, se houver quarto na data do regresso. Se escolher o Art Regency vai te de pagar por inteiro a sua estada, quando o que faria sentido, pelo menos para quem nunca beneficiou de quarentena gratuita em nenhum dos hotéis que estiveram anteriormente disponíveis, era que para a primeira vez o residente também pudesse escolher. E se esse período não fosse gratuito, então que fosse dada a possibilidade de pagar apenas a diferença de custo entre os dois hotéis. 

O sistema de marcação das quarentenas, por outro lado, está a funcionar  muito mal. Não se compreende que não haja um local único na Internet para esse efeito, na própria página dos SSM, com ligação directa aos hotéis, facilmente acessível e de leitura fácil, sem ruído visual extra. E menos se compreende que não estejam sempre garantidos quartos para as quarentenas dos passageiros dos voos que chegarão a Macau, que se sabe antecipadamente quais serão e quantos passageiros trazem. Tudo isto devia ser mais fácil, menos burocratizado e mais transparente.

Está na altura do Governo de Macau, a começar pelo seu Chefe do Executivo, assumir alguma coragem e deixar de se refugiar no medo e na acomodação.

A política, tal como a vida, é feita de riscos. Em cada momento é preciso ponderar e decidir. Não se pode ficar eternamente à espera, nem desgastar irremediavelmente o terço até que um milagre aconteça. Não se podem ignorar os malefícios de tudo o que é excessivo em matéria de controlo do vírus e de quarentenas. Basta olhar para as falências, para o aumento do desemprego e a caminhada para o abismo de pequenas, médias e até algumas grandes empresas, para se perceber que convém fazer alguma coisa que se veja. A crise não se resolve com cartões de consumo, com vales de 250 patacas para os velhinhos que se vacinarem e autorizando-se meia-dúzia de empregadas domésticas a virem das Filipinas. 

O futuro não espera. Constrói-se todos os dias. E muitas vezes chega antes do momento em que o aguardamos.

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hino

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.04.22

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Houve tempo em que acompanhava em directo as intervenções do Chefe do Executivo (CE) e os debates na Assembleia Legislativa (AL). Depois, com o correr dos anos e o método das perguntas formuladas com antecedência, cujas respostas vinham preparadas de casa e eram monocordicamente lidas no plenário, começou a bastar-me ler o que a imprensa publicava e os resumos na rádio e na televisão para ficar com o filme completo.

Porém, esta manhã apercebi-me de que devia ter tirado o dia de ontem para escutar a intervenção de Ho Iat Seng na AL e, em especial, as suas respostas às preocupações manifestadas por alguns deputados.

Não deixa de ser notável que ao fim de mais de dois anos de pandemia, com a economia de Macau a bater no fundo, com milhares de lojas e estabelecimentos comerciais fechados por toda a cidade, com muitos técnicos qualificados a abandonarem a RAEM, sem eventos desportivos, profissionais e culturais internacionais, sem excursões nem visitantes dignos desse nome, com os casinos às moscas e a apresentarem resultados sofríveis, o CE mantenha a boa disposição, um apurado sentido de humor e continue a surpreender-nos pela sua iniciativa, despacho, incentivos e optimismo que a todos transmite.

E isso é de tal forma visível que será caso para dizermos, todos e em uníssono, que até Hong Kong, após a atribulada e interminável experiência de governação de Carrie Lam, sonha em ter um Chefe do Executivo com a visão e a confiança do nosso. Não creio que consigam. 

É verdade que o CE de Macau não pode garantir, nem sabe, como confessou, se daqui a cinco anos vamos ter prosperidade. Ninguém estava à espera que dissesse o contrário. Se aos dois anos de "tolerância zero" que levamos juntarmos os mais que aí vêm de "zero dinâmico", teremos aí à volta de sete anos; prazo curtíssimo para se garantir o que quer que seja. Muito menos uma retoma económica. 

E então se o país for milenar, e não se souber quantas variantes mais surgirão da Ómicron, nem durante quantas décadas permaneceremos fechados ao mundo, sem tradutores habilitados de Covid-19 em número suficiente, e gozando as férias sempre sonhadas na zona balnear do Canal dos Patos, parece-me que o CE esteve bem. Ele só poderá, na melhor das hipóteses, cumprir dois mandatos. Sabe do que fala. Ali, em Hong Kong, para Carrie Lam, foi um mandato e foi um pau. Compreensível, sem drama, quando se recebe o salário em notas e o espaço em casa se torna curto para guardar os maços do pé-de-meia.

Também gostei de ouvir o CE recordar 2008, quando "as concessionárias nem queriam os terrenos", e "não estavam interessadas em obter os terrenos porque as perspectivas não eram boas." A comparação foi excelente porque, como disse, "agora as concessionárias continuam a ter confiança". E a confiança é tanta, acrescente-se, que algumas acabaram por recorrer ao Tribunal de Última Instância para se livrarem de vez dos terrenos que obtiveram, havendo até empresários que se retiraram do mercado e hoje, para desgosto de alguns que também se esforçaram e ainda estão cá fora, gozam umas merecidas férias no "Coloane Hilton".

Não foi tudo. A taxa de desemprego de 4,3% entre os residentes preocupa toda a gente. Ao CE também. Dizer aos desempregados que tomem a iniciativa, que adquiram novas competências, e pedir à DSAL que simplifique os procedimentos de divulgação dos postos de trabalho é uma decisão acertada. Ex-trabalhador de empresa de promoção de jogo ou ex-comissionista do ramo da criptomoeda deverá tirar um curso de "bilingual domestic helper" junto da DSAL para preencher as vagas de trabalhadoras não-residentes e aprender a levar o cão à rua ou lavar o carro do patrão depois do entardecer para não se estragar a pintura.  

Em matéria de turismo ainda chegou uma sugestão oportuna do CE. Perante a evidência de que "não podemos ser um centro de turismo e lazer só para o interior da China" — espero que no Gabinete de Ligação e no Macau Post Daily ninguém o tenha ouvido —, o CE considerou ser agora crucial explorar novos mercados e dar continuidade ao rumo anterior no Japão, na Tailândia e Índia.

Com as fronteiras de Macau praticamente encerradas há dois anos, com os estrangeiros impedidos de entrar e com centenas de hotéis vagos destinados a quarentenas de residentes e estrangeiros, parece-me elementar que se envie o pessoal da DST a esses mercados, convidando-os a visitarem Macau num pacote que inclua uma quarentena de 21 dias no Treasure Hotel, ou noutro de qualidade similar, antes de começarem a tirar fotografias nas escadarias de S. Paulo. Um pacote destes seria sucesso garantido. E talvez viesse a ser necessário, não digo para já, aumentar as quarentenas para se facilitar a ambientação a um destino de lazer e turismo que de dia para dia afirma a sua classe mundial.

Lembrei-me, aliás, que se podia pedir ajuda a um velho general, vizinho de um banqueiro que contratava sumidades como ele para fazerem publicidade a um banco falido que burlava os depositantes, e fazer dele embaixador do turismo da RAEM.

É que o homem, caso não saibam, não só tratou de instituir a Fundação Jorge Álvares, em circunstâncias que a todos nos honraram nos jornais d'aquém e d'álém-mar, ainda conseguiu ser elevado a doutor honoris causa (que significa para os leigos "doutor por causa da honra") por uma universidade local onde ninguém o conhecia, provocando, qual filho de Deus, que Camões ressuscitasse. Um milagre que só não foi maior por não ter coincidido com o Domingo de Páscoa, o que lamentavelmente impediu o chanceler da dita de lhe enviar um ovinho de chocolate com brinde e umas amêndoas em memória da gulodice dos velhos tempos.   

O zénite da intervenção do CE só aconteceu mesmo, todavia, quando resolveu dar uma descasca nos mandriões dos deputados.

Então não é que o deputado Lei Chan U resolveu falar-lhe em "medidas para incentivar a procriação"? Pensava que o CE estava distraído. Logo este o topou e lhe perguntou qual a razão para o deputado não ter mais filhos. Toma! Já levaste. Pois claro, se só tem um, que fazia ele no hemiciclo, àquela hora, em vez de estar a ...., quer dizer, a procriar?

É verdade que "essa vontade de as pessoas procriarem tem vindo a baixar", reconheceu o CE, mas a expectativa é que "os casais tenham mais vontade". Como? Com os deputados a darem o exemplo. Muito bem. Dali, desde há muito, só nos chegam bons exemplos. Pena alguns exemplares nem sempre saírem perfeitos. Nada de grave, pois que, como escreveu a grande Natália, o importante é que "temos na procriação / prova de que houve truca-truca". O que conta.

Apesar de tudo, talvez seja este, penitencio-me, o único ponto em que não estou totalmente de acordo com o CE. Para que essa vontade de procriação cresça, ganhasse volume, e não apenas em palavras, ainda seria necessária uma pequena ajuda do Governo. Os tais estímulos à procriação que o deputado queria e com os quais concordo.

E quanto a este ponto, dir-vos-ei que como casinos, iluminações LED e néones já temos com fartura, a minha sugestão é que se invista em bares de alterne. Isso. Tanto para cavalheiros como exclusivos para senhoras. Nada de discriminações, mas onde seja proibido interagir com a mão-de-obra especializada. Para estimular a libido. Que é o que estimula a procriação. Nada de bailarico e falatório. Coisa séria. A sociedade é conservadora e convém respeitar as diferentes sensibilidades na hora do truca-truca.

Com isso, e mais uns lubrificantes finos, como acontece com as máscaras de protecção, estou seguro de que além de diversificarmos a economia se aumentava, com vontade genuína, a procriação. 

E não precisava de ser nem assistida nem com assistência. Bastavam mais uns vouchers. Ou umas "senhas para procriação" para uso exclusivo em floristas, perfumarias, casas de atoalhados, colchões, barbearias e cabeleireiros, sais de banho, automóveis desportivos, alta costura, hotéis de luxo e restaurantes discretos.

Tomem nota.

Um dia que ficará nos anais da AL. Um hino à boa governação, à procriação, aos talentos. Ao futuro.

Brindemos pois: Feliz Páscoa.

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inimaginável

por Sérgio de Almeida Correia, em 21.02.22

Hong Kong enfrenta el peor brote de covid-19 desde el inicio de la pandemia  | Sociedad | EL PAÍS(créditos: El Pais, Miguel Candela/EFE)

Dois anos depois do aparecimento em Wuhan do vírus da Covid-19, e de uma apertada política de tolerância zero, Hong Kong enfrenta a sua pior vaga.

Os casos são aos milhares, diariamente, já desencadearam o auxílio do interior do país, motivaram o adiamento do calendário para escolha do próximo Chefe do Executivo, e têm gerado múltiplos apelos à vacinação por parte das autoridades locais e do próprio Governo central, incluindo do Presidente Xi Jinping, que veio lembrar ser a tarefa primordial de Carrie Lam o controlo da situação.

Curiosamente, esta vaga acontece num momento em que as fronteiras continuam fechadas, não há ligações por barco a Macau há dois anos, os movimentos pró-democracia de Hong Kong foram entretanto desmantelados, os seus líderes processados, silenciados, presos ou "exportados" para um qualquer local de exílio, o sistema eleitoral foi mudado e o Legislative Council só tem patriotas. Aparentemente estariam criadas todas as condições para que o combate à pandemia se tivesse processado de uma forma simples, segura e eficaz.

Porém, aquilo que se verifica é que esse combate está a revelar-se um fracasso. É verdade que um bandido à solta, um perigoso estudante do movimento pró-democracia ou um assaltante de ourivesarias não é o mesmo que um vírus, em qualquer uma das suas variantes, e o que serve para apanhar os primeiros não se aplica ao último. Mudar o sistema eleitoral também não serviu para ajudar a combater o vírus.

Não obstante, a semana que findou mostrou que o encarceramento social e cívico, o cerceamento de direitos e liberdades e uma política de tolerância zero, ou aparentada, que nem sequer poupou as desgraçadas das trabalhadoras filipinas, sempre com o aval do Governo central, não impediu o reaparecimento do vírus e o espectáculo deprimente dos últimos dias. As políticas de combate à pandemia, e controlo desta, impostas ao longo destes anos provocaram um rombo fortíssimo na economia e no tecido social, gerando inclusivamente problemas de natureza psicológica em muitos residentes.

Ver uma cidade como Hong Kong, rica e poderosa, uma das mais importantes praças financeiras da Ásia, em tempos uma referência mundial, actualmente governada exclusivamente por patriotas, ser chamada à atenção pelo Presidente Xi face às imagens de caos e incapacidade dos seus serviços de saúde, mostrando pacientes na rua em dias frios de Inverno, como se de uma metrópole do terceiro-mundo se tratasse, é uma tristeza que há alguns anos seria inimaginável. Mas é um bom sinal do desgoverno e do desacerto das políticas. Não é por se apertar a malha que se melhora a governação, ou os impreparados se tornam capazes.

Com a autonomia e o governo pelas suas gentes há muito hipotecado pela suas elites, seria bom que também em Macau, onde só agora se acordou para a vacinação, e o sinos tocaram a rebate, se ponha os olhos no que se está a passar em Hong Kong. 

Se aqui não se for capaz de ver o filme, continuando-se à procura de "turistas" para encherem os hotéis de Macau e a distribuir medalhas a eito aos amigos, há quem se arrisque a ser declarado incapaz para todo o serviço.

Os custos estão a ser demasiado elevados e persistentes sem qualquer garantia de recuperação a curto ou médio prazo. E uma coisa é certa: na hora de apreciação da governança o critério também será de tolerância zero. E não apenas por parte dos residentes de Macau.

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falácia

por Sérgio de Almeida Correia, em 08.07.21

O Rui de Matos, irmão de um bom amigo, esteve internado com a COVID-19, mas entretanto já recebeu alta.

Fico feliz por sabê-lo, e desejo-lhe uma óptima recuperação, mas não gostaria de deixar de aqui compartilhar, com a devida vénia e agradecendo a autorização, o seu testemunho, o espírito com que enfrentou esses momentos difíceis e a sua reflexão.

Pode ser que aqui em Macau também nos sirva para alguma coisa, embora já saibamos que a nossa autonomia é, nesta matéria, também pouco menos do que zero.  

 

"A FALÁCIA DO RISCO ZERO
A minha estadia de 10 dias no “SPA” da Infeciologia C do Egas Moniz (Co\/id) apôs uma semana difícil em casa, não veio alterar uma vírgula àquilo que já pensava sobre “risco zero” e o efeito perverso deste "erro de pensamento".
Lembra-se do filme “o Caçador" em especial a forte cena da “roleta russa”? Imagine que é obrigado a jogar à “roleta russa”. Faz girar o tambor leva o revolver à testa e puxa o gatilho…Tenho duas perguntas para si:
1- Se houver 4 balas no tambor, quanto estará disposto a pagar para retirar 2 balas?
2- E se o revolver tiver apenas 1 bala no tambor, quanto estará disposto a pagar?
Curiosamente, a maioria das pessoas, tendencialmente está disposta a pagar mais no segundo caso porque o “risco” de morrer seria anulado. E o que é que isto tem de racional? Absolutamente nada! Se fizer as contas no 1º caso, a probabilidade de morrer é reduzida em dois sextos enquanto no 2º. caso é de apenas um sexto. Assim, racionalmente, a primeira hipótese vale pelo menos o dobro.
- Então, porquê que tendencialmente somos atraídos a sobrevalorizar a “ausência de risco” como a mosquitada (“especialistas” e decisores) atraídas pela "luz" do “risco zero”?
Este “erro de pensamento” apesar de comum - “zero-risk bias”- é ignorado pelos especialistas e decisores políticos. Senão vejamos, o número de “casos positivos” está a ser sustentado, com os testes antigénios (testes rápidos) pouco rigorosos e sem confirmação do PCR… No meu caso, fiz um teste rápido de farmácia dia 11 julho que deu negativo. No entanto, dois dias depois já dava positivo. Obviamente que já estava contagiado dois dias antes…
Se for adepto do “risco zero” então terá que passar a deixar o seu carro fechado na garagem pois na circulação automóvel, o risco zero só é atingido se não circular. Não existe “risco zero” e disso fui testemunha, pois o oxigénio e o soro estiveram presentes para não me deixar esquecer isso. Felizmente, esta não é a realidade da esmagadora maioria das pessoas testadas positivas, onde uma grande parte nem chega a ter sintomas e as que têm, resolvem-no em casa com 3 dias de paracetamol. Os decisores políticos estão presos a uma "matriz de risco" obsoleta, infantil mesmo, simplesmente porque o aumento de número de “casos positivos” já não “espelha” desde Março a mesma relação de aumento de mortalidade nem a ocupação hospitalar. Como se sabe continuamos com 3/4 mortes médias diárias. Porque razão, mantemos então a crença nos benefícios do risco zero, quando estamos a entrar na fase endémica da pandemia onde haverá sempre “positivos” se se testar em “massa arroz e legumes”? A explicação está na RESIGNAÇÃO da esmagadora maioria da população que prefere a falência, o desemprego e a fome, desde que mantenha a "crença no risco zero". Não percebe que com este erro de pensamento, vão também perder a saúde que resta, quando não tiverem como pagar os IMIs, a água, a luz, a prestação da casa, etc. Dificilmente sairemos deste ciclo vicioso porque os decisores políticos governam para a "maioria" convencida dos benefícios das restrições à circulação, do recolher obrigatório, que não é diferente do Estado de Emergência. Tenho sérias dúvidas que estes “especialistas de TV” que berram como cassandras, evocando sempre o aumento de restrições, venham a alterar uma vírgula do seu discurso apocalíptico enquanto o cheque deles continuar a cair na suas contas. Enquanto você empobrece a passos largos!
O recolher obrigatório decretado pelo Governo a partir das 23h é "inconstitucional". A liberdade de circulação é um direito fundamental, consagrado na Constituição da República e, segundo o seu artigo 19.º os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência". Ora não estamos em estado de emergência mas com subterfúgios conseguiram o mesmo efeito só que com outro nome. São vários os constitucionalistas que já alertaram para a "inconstitucionalidade" da medida, porque é uma medida "autoritária" e um "atentado aos direitos liberdades e garantias". Como sair deste impasse? Eu que nunca fui de manifestações, neste momento só vejo realmente uma saída. Chama-se desobediência civil, ordeira e sem vandalismo. Tem que ponderar rapidamente se tem mais medo das coimas ou do que do desemprego e da falência. Coragem, não pague e siga para tribunal. Quando encherem os tribunais cujos juízes dificilmente os condenarão pela inconstitucionalidade das medidas, os decisores políticos mudarão de opinião, tal como aconteceu na UK. Foi o facto dos ingleses massivamente virem para a rua e reclamar que já chegava de medidas restritivas sem efeito prático, que fez com que Boris Johnson anunciasse o fim das restrições a 19 de julho. Por cá, o efeito seria o mesmo mas seria necessário que os portugueses deixassem de ser RESIGNADOS e tivessem a coragem de reclamar pelos direitos fundamentais que nos estão a ser negados e sugados ao ganha-pão. Conseguiríamos o mesmo efeito prático tal como em Inglaterra. Quer melhor exemplo do que o "caso" da medida absurda com o Costa? Como se trata do PM vacinado com as 2 doses e com teste negativo, claro que não gostou da quarentena de 10 dias imposta, então a DGS, já pondera alterar algumas regras de quarentena absurdas e sem racionalidade, pois é! Deixe de ser RESIGNADO na crendice do "risco zero" e tome a mudança nas suas mãos antes que o mudem definitivamente! Se você não tomar nenhuma atitude agora, em Outubro estaremos a discutir novas medidas e restrições, com os mesmos tiques tirânicos desta gente para "salvar o Natal e nos salvar a todos!"
Rui de Matos"

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ressaca

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.07.21

Por estes dias de intensa e renovada canícula, enquanto se aguarda a chegada dos inevitáveis tufões sazonais, duas breves notícias chamaram a minha atenção.

Uma dizia respeito aos resultados das receitas do jogo durante o mês de Junho. De acordo com o que foi noticiado, o mês findo constituiu o pior mês do ano, assinalando uma quebra de 77,4% face ao primeiro semestre de 2019 e menos 37,4% de receita em relação ao mês de Maio. Junho foi também o pior mês desde Novembro de 2020. Os números não mentem e são absolutamente avassaladores para uma economia que depende quase exclusivamente do jogo para sobreviver.

A outra notícia rezava que assistimos à primeira queda anual do consumo de energia desde 1972 quando foi fundada a Companhia de Electricidade de Macau (CEM). Este é um dado assustador. 

Estamos a viver tempos de pandemia, sabemos isso, e daí? A pandemia não pode servir de justificação para tudo.

Se o ano passado, quando a situação epidémica na China e internacionalmente era muito mais complicada, ainda não havia vacinas, como justificar neste ano de 2021 os números de Macau, quando aqui as vacinas estão a ser ministradas desde Fevereiro? Como pode o Chefe do Executivo defender-se perante tais números quando a situação este ano até é melhor à nossa volta do que era no ano passado? Se a situação não fosse melhor não teríamos tantas viagens para o interior da China, a Air Macau ainda estaria a voar muito menos do que está e nem sequer se pensaria em negociar com Hong Kong a vinda de turistas do outro lado do delta.  

A conjugação desses dados, mais os cancelamentos de todas as actividades turísticas e promocionais que poderiam aumentar a receita – o Festival Internacional de Fogo de Artifício foi de novo cancelado – geram cada vez mais dúvidas e incertezas.

Está visto que não é pela distribuição de cartões de consumo que a economia vai ter qualquer melhoria. Até porque o dinheiro não dura sempre e não se pode continuar a oferecê-lo aos residentes como se caísse do céu sem nada se produzir.

Neste momento, há residentes que não arranjam trabalho e continuam a fazer muita falta trabalhadores não-residentes para inúmeras actividades. Muitas pessoas e empresas passam por dificuldades fora da Administração Pública. 

Todavia, qualquer pessoa medianamente sensata quando verifica que errou procura corrigir o erro e melhorar.

O mesmo se diga quanto a um Governo ou a um partido político. O Partido Comunista da China várias vezes no passado fez  exercícios de auto-crítica. E isso foi também estimulado por alguns Secretários-Gerais.

Por isso mesmo, hoje, em relação a momentos e episódios da sua história centenária de que não se orgulha, tratou de rectificá-los, corrigiu a sua análise histórica e postura e, inclusivamente, omitiu-os nas celebrações em curso. Isto é possível confirmar, por exemplo, pela exposição fotográfica que está patente no Fórum Macau. Quando foi preciso enveredar pelo capitalismo para o país crescer e arrancar milhões à pobreza, em Pequim não se hesitou em mudar a cartilha.

Isto leva-me a colocar a dúvida de saber quando é que na RAEM se começarão a dar passos em direcção a uma vida mais normal. Não faltam, pelo que tenho ouvido, os que começam a duvidar das capacidades de gestão política e económica locais. Que não se conseguia diversificar a economia já nos tínhamos apercebido. Mas não poderemos continuar eternamente fechados ao exterior enquanto a RAEM e os residentes empobrecem e à espera que a crise passe. Isso é muito pouco saudável e não contribui para a resolução da crise.

Se em Macau ninguém consegue ver isto, talvez seja altura de alguém dar orientações a quem precisa delas e não tem iniciativa própria. Além de não ser crime é do interesse de todos.

E também não é muito difícil de perceber que quem se comporta sempre como se tivesse o rei na barriga, pensando que sabe tudo e se mantém numa atitude passiva, de expectativa, dificilmente alguma vez obterá resultados.

Da maneira que estamos, isto é, pior do que no auge da pandemia, é que não poderemos continuar. Não se pode permitir que a recuperação seja ainda mais dolorosa do que foi o período crítico da doença.

Já nos bastou o tufão Hato para aprendermos alguma coisa.

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alerta

por Sérgio de Almeida Correia, em 25.05.21

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Vejo que o atento director dos Serviços de Saúde de Macau, Alvis Lo, fez ontem um apelo à população para que se vacine contra a Covid-19. O modo como deixou registado o seu pedido foi veemente. E pela primeira vez veio acompanhado de um aviso sério à navegação: “A vacinação é uma urgência e uma necessidade”.

Acrescentou de imediato que "se não houver imunidade colectiva, não serão retomadas as entradas e saídas normais com outros territórios".

Noutra sede, uma das operadoras de jogo organizou em colaboração com os SSM uma campanha de vacinação dos seus trabalhadores, que fez acompanhar de um programa de incentivos no valor de 16 milhões de patacas.

Não deixa de ser triste que o cumprimento de uma necessidade por parte dos residentes precise ser de alguma forma incentivada e premiada para que as pessoas se predisponham a fazer o que devem.

Mas se assim é, então talvez seja altura de o Governo da RAEM, já que não quis fazer depender a entrega das comparticipações pecuniárias ao consumo de qualquer exigência aos residentes, impor restrições à circulação de pessoas entre Macau e o interior da China para quem não estiver vacinado.

Pode ser que por essa via os nossos números se comecem a aproximar dos apresentados pelos nossos vizinhos de Zhuhai, e não nos deixem ficar mal. 

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curtas

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.05.21

An employee at the German pharmaceuticals company BioNTech works in a facility for mRNA production in Marburg, Germany.(Photograph: Biontech Se Handout/EPA)

Interrompo a ausência dos últimos dias chamando a vossa atenção para três curtas notas, que são ao mesmo tempo evidências do contraste entre a actuação do novo inquilino da Casa Branca face ao seu antecessor, à retórica confrontacional de Pequim e aos abusos que estão a ser cometidos em nome do rule of law na RAE de Hong Kong.

A primeira diz respeito à decisão ontem revelada pela Embaixadora dos Estados Unidos junto da Organização Mundial do Comércio (WTO no acrónimo inglês), Katherine Tai, de que o Presidente Biden deu instruções no sentido da suspensão das protecções da propriedade intelectual, de maneira a que possam ser disponibilizadas para todo o mundo, ricos e pobres, as patentes das vacinas da COVID-19, no que constitui um passo extraordinário no combate à pandemia.

Mas mais do que isso, os EUA não estarão apenas a partilhar patentes e tecnologia. Este é o culminar dos primeiros cem dias de governo do novo presidente, a pérola que brilhou quando se abriu a ostra.

Não sei qual será o efeito prático deste movimento. Estou, todavia, convicto de que este é um sinal muito forte no sentido do desanuviamento da tensão internacional, uma ajuda consistente aos países menos desenvolvidos e a transposição de um discurso inflamado e balofo para acções que podem fazer a diferença, ajudando os EUA a limparem a má imagem internacional deixada por Trump e a sua pandilha de cantinfleiros.

Em sentido oposto, o discurso cada vez mais belicista do mais alto responsável chinês. Pode ser que seja apenas um discurso para dentro e destinado a impressionar os seus fiéis, Taiwan e Hong Kong, em ano de grandes comemorações internas, embora seja difícil acreditar nisso.

A retórica da invencibilidade não é própria de quem defende a paz e uma coexistência pacífica e cooperante com todas as nações e povos do mundo, em especial se for acompanhada daquelas conferências de imprensa surreais dos porta-vozes do MNE chinês, plenas de ameaças e acompanhadas de exibições de força no Mar do Sul da China e no estreito da Formosa.

A forma como Pequim reagiu anteriormente a um simples pedido feito por Canberra de realização de uma investigação independente ao surgimento da COVID-19, que viria depois a permitir no âmbito da OMS/WHO, e o modo como agora suspendeu toda a cooperação com a Austrália a propósito do China-Australia Strategic Economic Dialogue, revela a utilização de dois pesos e duas medidas.

Iguais reacções não surgem quando em causa estão decisões da União Europeia ou dos EUA que colocam em crise interesses chineses, o que mostra como é fácil ser contido com os mais fortes e desabrido com os mais pequenos. Ou como se as razões de segurança nacional, quando seriamente invocadas, e não com uma cortina para outro tipo de actuações à margem do justo e do legal, constituíssem um exclusivo de um qualquer país. 

Quando começar a fase da contenção de danos talvez seja tarde para se alterarem os sentimentos que, desgraçadamente, amiúde começam a surgir em diversos países relativamente a tudo que traga a marca identitária chinesa. É mau para a imagem do país, é mau para o seu povo, é mau para o desenvolvimento e o equilíbrio global.

Uma última nota para a decisão proferida pelo District Court de Hong Kong de aplicar penas de prisão a alguns activistas. Isso seria expectável tendo presente a natureza do regime, tudo o que aconteceu nos últimos dois anos e a forma desastrada como as autoridades locais e o Governo central lidaram com o problema.

Cada um fará a sua leitura, alguns apenas aquela que será compatível com os seus interesses pessoais.

Em todo o caso, não deixa de ser preocupante que um tribunal se permita, independentemente de se poder discutir se foi um motim ou não, condenar afirmando expressamente que não existe qualquer prova de que os arguidos tenham desempenhado qualquer papel efectivo no tumulto (riot).

Se a isto se somar a dispensa de uma jornalista por colocar perguntas difíceis em conferências de imprensa, começa-se a ter o filme completo da extensão da substituição do rule of law pelo rule by law.

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vozes

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.04.21

Enquanto em Macau no pasa nada, seguindo o rebanho tranquilo e contente, ali ao lado, em Hong Kong, começam a ser muitas as vozes críticas relativamente à gestão da pandemia e à obrigatoriedade de se fazerem 21 dias de quarentena.

Quanto a este ponto, um texto no South China Morning Post, que mereceu a minha atenção, sublinhava o facto de um conselheiro do Governo de Hong Kong (Professor David Hui Shu-Cheon) se ter atrevido a aventar a hipótese do período de quarentena, que está fixado em 21 dias, poder ser aumentado para 28 dias.

Ao mesmo tempo, um seu colega, Albert Au Ka-wing, médico e o principal epidemiologista responsável pelo Centre for Health Protection de Hong Kong, terá chamado a atenção para o facto de não serem conhecidos períodos de incubação do vírus superiores aos 14 dias, o que colocaria em causa a necessidade de se fazerem quarentenas de 21 e mais dias, devendo as pessoas serem testadas e "libertadas" do cativeiro no final das duas semanas.

E se do ponto de vista científico são questionáveis as razões para quarentenas tão prolongadas, coisa que em Macau ainda não vi nem ouvi ninguém questionar, também se verifica que mesmo nos países ou regiões em que a COVID-19 foi mais bem controlada não se impuseram quarentenas com tal extensão.

As razões para que a situação continue estagnada entre nós são cada vez menos razoáveis de um ponto de vista económico, social e sanitário quando é a própria Secretary for Food and Health do Governo de Hong Kong, Professora Sophia Chan, que expressamente diz ao Legislative Council, na sequência de uma questão colocada por Holden Chow, que o executivo de que faz parte está empenhado em alargar o programa Return2hk Scheme a partir de meados de Maio para os residentes de Hong Kong e Macau sem sujeição a quarentenas compulsórias e desde que preenchidos alguns requisitos.

Enquanto não se sabe quais são esses requisitos, seria interessante perguntar ao Governo da RAEM até quando pretende prolongar a actual situação para quarentenas de 21 dias, cujas razões para a sua manutenção se afiguram cada vez menos cientificamente justificáveis à medida que avança o programa de vacinação, o qual só não evolui mais depressa porque os Serviços de Saúde e o Governo da RAEM não conseguem convencer a população a vacinar-se.

Uma vergonha porque além do mais as vacinas são um bem escasso e que escasseia em quase todo o mundo, pelo que não se compreende qual a dificuldade em motivar a população e acelerar o programa de vacinação

Este último ponto coloca uma outra questão: se o Governo da RAEM não consegue convencer os residentes de Macau a fazerem uma coisa tão básica e fundamental para a sua própria saúde, bem-estar e melhoria da sua vida colectiva, como seja levá-los a voluntariamente vacinarem-se numa situação de pandemia, então como conseguirá convencer a população de alguma coisa quando em causa estiverem decisões e medidas que não afectem directamente um bem tão precioso como é a sua saúde?

No lugar do Chefe do Executivo, dos membros do governo ou na pele de alguns deputados, eu estaria muito preocupado.

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farsa

por Sérgio de Almeida Correia, em 29.03.21

festival-holi-1.jpg(foto daqui)

Houve muita gente que desde a primeira hora duvidou que a manifestação promovida pelo deputado Au Kam San, contra a política governamental de distribuição de cupões electrónicos, tivesse alguma vez lugar.

A aprovação pela PSP da comunicação que fora apresentada, poderia indiciar uma correcção de rumo das autoridades relativamente a um direito constitucionalmente consagrado em Macau e que no espírito do legislador nunca estivera dependente de qualquer autorização, entendimento que como sabemos tem vindo a ser alterado "à força" e sem qualquer suporte jurídico sério.

Claro que desta vez era necessário atirar o odioso para cima de outra entidade, tendo calhado a vez aos Serviços de Saúde de Macau (SSM). A razão, conhecida, para o impedimento da manifestação foi o de que não estavam reunidas as condições para garantir o cumprimento das normas de prevenção epidémica.

Ciente dessa proibição, até porque os verdadeiros democratas são normalmente ordeiros e respeitadores da lei e da autoridade legítima, o promotor da manifestação, quando soube da proibição, "exortou a população [a] não se reunir no local para onde estava previsto o protesto, de modo a “evitar mal-entendidos e que alguém seja acusado pela polícia de reunião ilegal”.

Para as autoridades isso não seria suficiente, pelo que, para se evitar a eventual presença de meia-dúzia de gatos pingados que não tivessem sabido da desconvocação da manifestação, se tomou a decisão drástica de fechar a praça à circulação, inundando-a de polícias, de fitas e de barreiras metálicas, em mais uma absurda demonstração de excesso de zelo com contornos intimidatórios.

Apesar disso houve, talvez, uma dúzia de pessoas, na maioria velhotes e creio que reformados e desempregados, fosse por ignorância ou descontentamento,, resolveu aparecer no local sem convite e quis expressar a sua indignação, acabando naturalmente detida e conduzida à esquadra.

Se o zelo da PSP e dos SSM fosse idêntico em todas as situações ninguém estranharia. Porém, continuamos a ver uma política de dois pesos e duas medidas. Quer porque a mesma preocupação em relação às medidas preventivas da pandemia não se verifica noutras situações, quer porque é cada vez mais notório que as preocupações da pandemia só ressaltam quando estão em causa manifestações de cariz político. Estranha coincidência.

Não se vê qual a preocupação dos SSM em que Au Kam San tirasse a febre aos manifestantes quando a mim ninguém me tira a febre antes de entrar diariamente em autocarros e elevadores apinhados de gente. E necessidade de guardar distância de segurança de um metro para quê se enquanto se aguarda pela vacina no hospital, se espera por uma inquirição no MP ou por um despacho nos Serviços de Migração todos podem sentar-se encostadinhos uns aos outros. E até me obrigam no CHCSJ a sentar-me numa cadeira quente, avançando de cadeira em cadeira, para ocupar o lugar do que acabou de entrar para a vacina, como se fossemos todos gado. 

Já no Centro Cultural de Macau, para o concerto de 1 de Abril, fui informado de que só me podiam vender bilhetes para o espectáculo deixando uma cadeira de intervalo entre a minha mulher e eu próprio, embora vivamos na mesma casa e eu me sente todos os dias nos autocarros ao lado das mulheres dos outros, que não conheço de parte alguma e que acabaram de entrar pelas Portas do Cerco para irem às compras à Rua do Cunha, onde todos levamos com os seus encontrões.

Mas se dúvidas houvesse quanto à forma como se é selectivo no cumprimento da insensatez, bastaria ler a edição desta manhã do matutino Ponto Final e verificar, lado a lado nas páginas centrais, a notícia do que aconteceu na Praça do Tap Siac e o evento – outro tipo de manifestação – que ocorreu em Coloane, na praia, com as celebrações do Festival Holi, em relação ao qual não tenho nada contra, onde não houve distância de segurança nenhuma, nem máscaras.

E quanto a estas, convenhamos, que não há nenhuma razão para que continuem a ser obrigatórias na RAEM. O ridículo de em eventos oficiais, com membros do governo e da administração pública, estar toda a gente sem máscara e depois irem todos a correr colocar a máscara para a fotografia não merece mais comentários.

Está visto que o vírus, tal como vimos nas imagens da última Assembleia Popular Nacional, onde havia uma elite sem máscara e todos os demais com máscara, é inteligente, descarado e selectivo.

O vírus não ataca a elite oficial. Também não ataca no interior de autocarros, elevadores, supermercados e outros locais de grande concentração de pessoas. Teme-se sim que compareça sempre, mesmo sem ser convidado, e numa terra onde há um ano não há casos locais de COVID-19*, em todos os eventos promovidos por associações de cariz político ou destinados a protestar contra políticas oficiais, o que coloca a PSP em trabalhos dobrados, obrigando-a a fechar ruas e praças e colocando em risco a saúde dos membros da corporação que são obrigados a acudir a esta situações. Já em museus, espectáculos desportivos e outros de natureza cultural ou religiosa depende da natureza do evento.

Talvez não fosse mau que o Chefe do Executivo, o seu governo e os SSM se aplicassem numa campanha de vacinação efectiva da população de maneira a que todos se vacinassem. A começar pela população chinesa que parece muito pouco apostada em vacinar-se. Podia ser que nessa altura o vírus deixasse de ser tão inconstante e de se comportar como uma prima donna que afasta os patriotas da vacina como o diabo da cruz.

Houvesse um pouco de inteligência, bom senso, direcção política e equilíbrio e seríamos todos poupados a este espectáculo que só desprestigia os seus promotores.

 

* - sabemos que este figurão do vírus tem, pelo menos, variantes inglesa, sul-africana, mexicana e brasileira sem que ninguém nesses países, isto é, dirigentes políticos, se sinta muito incomodado com as "nacionalidades" que lhes foram atribuídas, nem se considerem estigmatizados por tal facto. 

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mentecaptos

por Sérgio de Almeida Correia, em 08.03.21

20210227160829_1054.jpg

(foto daqui)

Um articulista do Global Times, um dos órgãos de comunicação social em língua inglesa do regime chinês e que é citado regularmente por alguma imprensa de Macau ("tablóide estatal" chamou-lhe há tempos um profissional do HojeMacau), publicou um texto com o título "Western media should investigate deaths and serious injuries related to Pfizer vaccine", em que reportando-se a uma publicação online que denominou "Christian Daily", quando efectivamente se queria referir ao "Christianity Daily", que se publica em língua inglesa e coreana, veio colocar em questão a fiabilidade e eficácia da vacina produzida pela Pfizer-BioNtech, dando eco a verdadeiras notícias falsas e até hoje não comprovadas em nenhuma instância, ou seja, aquilo a que o troglodita Donald Trump chamaria "fake news".

Acontece que o dito articulista, um tal de Hu Xijin, e o próprio Global Times que o acolhe, divulgando rumores e suspeitas infundadas, ao quererem mostrar o seu patriotismo, não só dão guarida e divulgam notícias objectivamente falsas, vindas de radicais fundamentalistas da direita norte-americana e com ligações à Coreia do Sul, como dão um verdadeiro tiro no pé contra o seu país, a República Popular da China.

É que ao atacarem as vacinas da Pfizer-BioNtech estão a esquecer-se que tal vacina é produzida na China pela Fosun Pharma,  que desde o início da pandemia da COVID-19 trabalha em estreita colaboração com a BioNTech, sendo apresentada pelo seu presidente e CEO, Wu Yifang, como um modelo de colaboração internacional que recebeu o apoio do "Joint Prevention and Control Mechanism" do Conselho de Estado chinês, da Administração Nacional de Produtos Médicos, da Comissão Nacional de Saúde, do Ministério da Ciência e Tecnologia e de "outras autoridades relevantes" da RPC. 

E esquecem-se, ainda, que a Fosun Pharma faz parte de um grupo líder chinês fundado em Xangai em 1994, cujas vacinas foram aprovadas pelas entidades reguladoras chinesas,  sendo distribuídas em Macau e Hong Kong.

Por aqui se vê qual a credibilidade que merece a imprensa dita "patriótica" e subserviente ao poder. E também a quem se destina.

De outro modo, jamais daria guarida e eco a negacionistas mentecaptos que colocam em causa a ciência, a mais avançada do mundo, e as decisões das suas próprias autoridades que aprovaram, autorizaram a produção da vacina no seu território e a inoculação aos seus compatriotas de Macau e Hong Kong.

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prémio

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.03.21

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Muito embora o processo de vacinação esteja a correr bem, verifica-se que na maior parte dos serviços e empresas a população está a manifestar uma grande rejeição às vacinas.

Desconfiança que se agravou com o facto de depois de já terem sido vacinadas pessoas com mais de 59 anos, com a vacina da Sinopharma, se veio aconselhar esse grupo etário a escolher outra vacina, a da Pfizer-BioNtech.

Este foi um erro dos Serviços de Saúde de Macau que não devia ter acontecido num momento tão crítico, e em especial depois de já ter sido dito por especialistas que aquela vacina era desaconselhada às pessoas mais idosas.

Há muitos que entendem que pelo facto de não haver casos activos de COVID-19 em Macau, a vacina se torna desnecessária. Todos sabemos que não é essa razão que leva à necessidade das pessoas se vacinarem, mas sim o objectivo de se obter imunidade de grupo, aliada à hipótese de na eventualidade de surgirem novos casos a situação poder ser resolvida de forma mais fácil e com muito menos custos para o sistema de saúde e a saúde de cada um.

À falta de uma campanha eficaz de sensibilização das pessoas só vejo uma forma do Governo da RAEM atingir os seus objectivos. E esta passaria por fazer condicionar a atribuição do cheque da comparticipação pecuniária anual à vacinação.

Estou certo que muitos dos renitentes correriam a vacinar-se para garantirem o recebimento do "prémio". 

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vacinas

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.02.21

china-vaccine.jpg

(Han Haidan–China News Service/Getty Images/TIME)

Com a chegada das vacinas a Macau, iniciou-se um novo processo de luta contra a COVID-19. 

No passado dia 9 de Fevereiro, o Chefe do Executivo e os titulares dos principais cargos do Governo e da Administração Pública deram o exemplo recebendo as primeiras inoculações.

Hoje começará a ser vacinada a generalidade dos cidadãos que se inscreveram.

Esta é uma boa notícia, que deverá ser sublinhada, porque depois da forma como a pandemia foi localmente controlada pelo Executivo, volvido que está pouco mais de um ano, se chega finalmente à fase da vacinação, a qual foi anunciada por todo o mundo, China incluída, como sendo a única forma de se reconquistar a normalidade das nossas vidas.

Uma notícia que, em rigor, é duplamente positiva porque a vacina é disponibilizada de forma generalizada a todos os residentes e não-residentes que vivem na RAEM, afastando o espectro das insensatas discriminações recentes, como sê-lo-á de forma gratuita.

A outra face da moeda estará, por agora, nos números divulgados dos candidatos à vacina, que é absolutamente ridículo. Dez mil inscritos para vacinação numa terra com quase 700.000 pessoas é uma cifra que envergonha qualquer um.

Houve quem referisse poder ser essa uma consequência da abertura das inscrições coincidir com o período tradicional de férias do Novo Ano Lunar. Esta explicação avançada por alguém dos Serviços de Saúde não colhe, atenta a prioridade que foi dada ao processo, as múltiplas e extensivas notícias sobre o assunto e o empenho colocado pelo Governo e por todos os seus responsáveis no processo de aquisição de vacinas (1.200.000) e subsequente vacinação. 

Sabemos, além do mais, que a primeira vacina a ser disponibilizada foi a da Sinopharm. Uma vacina chinesa, portanto, que já serviu para vacinar largos milhões no interior do país, e em relação à qual tem sido assegurada a sua eficácia e segurança.

Mas estando igualmente já anunciada a chegada da vacina da Pfizer-BioNtech, poder-se-ia pensar que os residentes não queriam a vacina chinesa – o que em qualquer caso denotaria uma imensa falta de patriotismo e de confiança no Governo Central –, e que iriam inscrever-se para os restantes lotes adquiridos pelos SSM.

Pelos vistos, não foi isso que se passou, apesar da informação não faltar e ser esclarecedora

E também custa-me a crer que estejam todos à espera do anúncio da chegada da vacina da AstraZeneca para se irem inscrever.

Bem sei que o processo de inscrição é voluntário, e que não é a ausência de vacinação que impede nacionais chineses, pelo menos até agora, de entrarem na China. Mas seria interessante saber qual a nacionalidade dos que se inscreveram e quais as suas expectativas ou receios.

Se a RAEM pretende regressar rapidamente à normalidade possível, se as pessoas aspiram poder voltar a sair sem grandes limitações, se é do interesse de Macau empenhar-se na reabertura de um corredor para Hong Kong e voltar a ter o seu aeroporto com tráfego internacional decente, seria bom que houvesse um esforço maior no sentido da vacinação de todos.

A actual situação é insustentável a médio prazo, importando evitar maiores danos à economia local e à liberdade de deslocação dos residentes.

É que a necessidade de vacinação se afigura ainda mais premente quando se percebe que continua a não existir nenhuma estratégia governamental que se veja para fazer face a uma crise que se agudiza em cada dia que passa e com tendência para se eternizar.

Está na hora, pois, de que para além do absurdo controlo securitário e das acertadas medidas de controlo da pandemia, que nos colocaram a viver numa bolha seguríssima, o Chefe do Executivo e a sua equipa sejam capazes de mostrar que são tão bons a abrir buracos nas estradas, a distribuir máscaras, a instalar câmaras e a cumprir as ordens para limpeza do jogo, como o são a delinear estratégias de futuro e a assegurarem que Macau é tão diferente de uma qualquer cidade do Interior, como também o é em relação a Hong Kong, quer em termos autonómicos, quer de capacidade de realização, dinamização e diversificação da sua economia.

As reservas financeiras da RAEM não vão poder continuar a ser delapidadas para se garantir a sobrevivência e um ilusório bem-estar da população quando falta uma estratégia, os talentos fogem da incompetência, o IPIM nem os poucos processos que tem consegue despachar*, os não-residentes e "blue card" definham e, last but not least, a Assembleia Legislativa se afigura um órgão cada vez mais grotesco de cada vez que se ouve falar dela.

Ao Governo da RAEM exige-se agora mostrar que, para além de saber usar o ábaco e distribuir cheques ao domicílio, tem mãos e engenho para conduzir uma Região com condições únicas, que pela sua dimensão não é mais do que um pequeno bairro de uma qualquer cidade chinesa mediana, promovendo o seu crescimento saudável e o desenvolvimento sem especulação, em termos credíveis, interna e externamente.

Numa palavra, trata-se de retirar Macau e a sua população do marasmo em que diariamente se afundam, dando-lhes motivos, sem propaganda barata, para terem esperança e acreditarem que quem governa é muito mais do que um simples fiel, com um bloco de marçano nas mãos, à espera de semanas douradas e da hora de distribuir subsídios aos habituais inscritos.

Isto sim, é que seria patriótico e desejável para todos.

 

* - "No ano passado, o IPIM aprovou apenas três pedidos de fixação de residência. Todos tinham sido submetidos antes de 2020."

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justiça

por Sérgio de Almeida Correia, em 27.01.21

Passada a fase em que os não-residentes titulares dos chamados "blue card" eram sistematicamente colocados à margem, como se tivessem lepra e não fossem merecedores de quaisquer direitos, parece que aos poucos começa a voltar a lucidez aos decisores políticos.

Se no ano passado, quando começou a disseminação do novo Coronavírus, aqueles trabalhadores que tanto contribuem para o nosso bem-estar e progresso nem às simples máscaras de protecção tinham direito, aliás na linha das gravosas imposições que lhes haviam sido feitas em matéria de cuidados de saúde (algumas ainda em vigor), agora foi com satisfação que ouvi o Dr. Alvis Lo, do Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus, anunciar que as vacinas contra o COVID-19 serão acessíveis gratuitamente a residentes, não-residentes e aos estudantes vindos do exterior.

Se o Presidente Xi se dirige ao de Davos apelando à unidade internacional no combate ao novo Coronavírus e às alterações climáticas, nada melhor do que começar por mostrar essa unidade dentro de casa, tratando todos por igual e a todos conferindo os mesmos direitos e as mesmas obrigações.

Quem sabe se estes últimos desenvolvimentos não servirão para ensinar alguma coisa àquela gente ignorante que na Assembleia Legislativa e à custa dos não-residentes tanto mal tem causado nos últimos anos à RAEM, e contribuído para denegrir a imagem internacional da China, à força de se quererem mostrar patrióticos.

Poderá nunca haver democracia, mas ao menos que haja bom senso e justiça na governança. Sempre será um princípio.

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mágoas

por Sérgio de Almeida Correia, em 19.01.21

Charter Covid 2021.jpg

"What is clear to the Panel is that public health measures could have been applied more forcefully by local and national health authorities in China in January. It is also clear to the Panel that there was evidence of cases in a number of countries by the end of January 2020. Public health containment measures should have been implemented immediately in any country with a likely case. They were not. According to the information analysed by the Panel, the reality is that only a minority of countries took full advantage of the information available to them to respond to the evidence of an emerging epidemic."

Enquanto não vêm criticar o painel independente e contestar as conclusões, leia-se o que ficou escrito no segundo relatório intercalar da Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Para mim, perante a informação que ao tempo possuía, pareceu-me evidente que não se prestou a devida atenção ao assunto em tempo oportuno.

Apesar de na altura já serem muitos os casos, se na China se escondeu, na Europa e no resto do mundo ignorou-se o que se estava a passar. Recordo-me de ter querido comprar máscaras em Portugal, no final de Janeiro e início de Fevereiro de 2020, e de não as haver disponíveis para venda. Foi preciso encomendá-las. E de não haver qualquer controlo nas fronteiras e nos aeroportos. Ainda ninguém tinha pensado nisso. Depois viu-se, está-se a ver, o que aconteceu.

Tudo o resto já é passado, servindo agora de muito pouco o envio da missão da OMS à China. A evidência que houvesse há muito que terá desaparecido atento o tempo decorrido, e partindo do princípio de que nada se eliminou, de pouco servindo nesta altura uma investigação controlada ao milímetro pelos anfitriões e devidamente "protegida" pelos capatazes habituais.

As preocupações de natureza política prevaleceram sempre sobre as exigências de transparência e de saúde pública. E isso aconteceu no início da pandemia, prolongou-se durante as fases iniciais de combate, tardando-se no reconhecimento da gravidade, desvalorizando-se os sinais que se multiplicavam ao nível de uma simples gripe por parte de uns quantos pobres de espírito impantes na sua ignorância, e teve um momento alto na forma destemperada como se reagiu ao pedido australiano para que fosse feita uma investigação internacional independente à origem do vírus.

Como se fosse a imposição de sanções comerciais a quem apenas clama por verdade, e um discurso xenófobo e pindericamente nacionalista, que permitisse escamotear a necessidade de uma investigação. Que seria sempre do interesse de todos, a todos poderia beneficiar, e acaba por acontecer tarde e a más horas, quando já não é possível esconder tudo o que de errado se fez e se pretendeu que o mundo não conhecesse.

Calculo que nunca haverá nenhuma assunção de culpa, nem isso é compatível com a altivez da pose e das respostas dos muitos que falharam clamorosamente na gestão política e sanitária da pandemia.

E se em Portugal surgirá quem aponte o dedo à irresponsabilidade e falta de sentido cívico e de pertença de muitos, também me parece incontornável que o pulso e a liderança não se impuseram, sobrando voluntarismo, insensatez e microfones. 

Os mortos ficam para as estatísticas. Todos perdemos muito. E continuaremos a perder. Algumas sequelas físicas e psicológicas serão permanentes. E as culpas, essas, acabarão proporcionalmente distribuídas em prol da cooperação futura entre as instituições e entre os países.

Para que tudo prossiga na paz do Senhor e do partido. Qualquer que seja a estrela que nos guie. Até à próxima catástrofe.

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feirantes

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.01.21

Com o distanciamento que a ausência permite, a paciência que me vai faltando, e mais por uma questão de cidadania do que por genuíno interesse nos fulanos, lá vou acompanhando os “debates” (vamos admitir que sim, que são) entre os candidatos presidenciais que saíram em sorte aos portugueses.

Certamente que irei votar, se a tal me permitirem, embora não saiba muito bem em quem.

Em todo o caso, se há uma coisa para que os tais debates podem servir é para nos mostrar, a todos os níveis, o grau de indigência, despudor e impreparação de alguns feirantes.

O apelo serôdio, populista e demagógico é uma constante. Um tipo vê-os para ali a arengar, com som ou sem som, ora de braços no ar ou de dedo em riste, com ar irado ou pose de cura, e não se nota qualquer diferença.

É claro que estou a exagerar. E a ser injusto para com o candidato Marcelo, que com todos os seus defeitos, apesar de tudo, merecia ter outro leque de convivas.

Admiro-lhe o poder de encaixe, naquela sua postura evangelizante, e até um certo estoicismo na forma como recebe as críticas que lhe são dirigidas. E como ouve alguns dislates que não seriam tolerados nas mesas de matraquilhos de algumas tabernas que outrora existiam em Lisboa.

Há, todavia, um candidato que mesmo por qualquer razão inexplicável não consiga ir à segunda volta já mostrou todas as virtudes de se ter uma democracia consolidada. Refiro-me ao candidato Ventura.

Pode-se não gostar do estilo, ou da voz, naquela postura de contentinho aos pulinhos, endiabrado, cheio de certezas coladas a cuspo, entre a estatura tridimensional de um Marques Mendes e a pose de um forcado gingão do "tipo Chicão", mas o homem é um poço de qualidades. No debate com o candidato Marcelo isso pareceu-me evidente. De tal modo que me fez lembrar o engenheiro Sócrates na fase pré-empréstimos a fundo perdido.

É um gosto vê-lo e ouvi-lo naquele fervor nacionalista e patriótico que faria as delícias do Presidente Xi ou de Ali Khamenei. A forma como exibiu e agitou as fotografias que levou, e que confundiram tanto o candidato Marcelo como deverão ter divertido o tal de Mamadou, apresentando a França como um exemplo de presidencialismo (daria chumbo numa oral da FDL), fizeram-me lembrar um quinquilheiro simpático, de bigodes, usando umas gravatas verdes ou lilases berrantes, que combinava a preceito com uns sapatos de cor creme e um fato cinzento, que quando eu era miúdo vendia tapetes na Feira de Carcavelos.

O tipo, enquanto agitava o tapete colorido que queria impingir a quem passava, gesticulando e impedindo sempre um exame mais atento, não fosse dar-se o caso da peça ter um salpico do molho da bifana, avançava, qual Jerónimo, “com todo o respeito” para exaltar as qualidades do poliéster, que era “quase lã do Cáucaso”, e a excelência do “ponto industrial”, informando desde logo os potenciais interessados da falta de qualidade dos tapetes dos concorrentes e do modo como baixavam os preços e atacavam os seus produtos para o impedirem de vender a tralha que promovia.

Não desfazendo, se aquele senhor que o candidato Ventura admira conseguiu convencer um bando de montanheses, peludas e barbudos saídos das profundezas do Alasca, das cavernas do Colorado e dos bordéis do Nevada, a entrarem pelo Capitólio com bandeiras da Confederação, em “chewbacca bikini”, e desafiando a autoridade da polícia e as regras do jogo democrático, tão queridas ao deputado candidato, também será de admitir a hipótese deste se apurar para uma segunda volta.

E até para uma terceira. Basta que haja mais uma ronda de debates e a vacina não lhe chegue a tempo.

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  155. N
  156. D



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