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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Quando a perspectiva da aproximação de um super tufão começa a tomar forma, há muito pouca coisa que se possa fazer. Arrumar os tarecos no escritório e em casa, procurar proteger o que puder ser protegido, minorar eventuais danos.
Faço-o sempre contrariado, por descargo de consciência, porque sei que quando uma besta como o Saola começa a assobiar e resolve entrar-nos em casa ou no escritório não há nada a fazer. As precauções que se tomam parecem-me sempre insuficientes e risíveis perante a imensidão do vidro e a exposição em que estamos nos pisos mais elevados. A histeria é geral. Mas se isso conforta alguém, então que se faça.
Depois é esperar. Pegar num bom livro, levantar os olhos, por vezes, e esperar. Esperar. Esperar muito perante segundos e minutos que tardam em passar. Os que sabem rezar podem sempre fazer as suas orações, que talvez isso os alivie.
Eu, que há muito deixei de fazê-las, e na verdade já me esqueci de como se deve rezar, pelos menos desde que há décadas passei a dialogar com Ele de vez em quando, sem cerimónias nem mediações beatas, falando de homem para homem, tão depressa discorrendo como olhando para a linha do horizonte, até onde a vista alcança, sempre na esperança de que o estafermo não chegue, que perca o táxi ou que se desvie antes do próximo cruzamento, na ânsia de ver surgir uma nesga de céu mais clara e menos ventosa que nos permita regressar à normalidade pluviosa, vivo momentos de grande quietude, uma imensa harmonia interior.
Perante a força da Natureza, para quem cá está, à sua espera, o único conforto é mesmo saber que a mais de 200 Km/hora tudo é passageiro, efémero, e que no final virá a paz.
(créditos: Macau Daily Times)
Quando tomou posse, o Secretário para os Transportes elogiou-lhe a coragem. O empossado logo mostrou a sua determinação, esclarecendo ao que vinha. Referiu estar preparado para as críticas e para "aliviar as actuais pressões nas vias". Não disse quais, mas também avisou que seria bom estarmos todos preparados para algumas medidas de "aperfeiçoamento do trânsito" que poderiam vir a “afectar os hábitos ou as formas de deslocação de certos cidadãos”.
Decorridos oito anos, o empossado, responsável pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), continua com a mesma determinação. Já não a "aperfeiçoar o trânsito", mas patrioticamente a justificar oito anos, sim, oito anos, de bom desempenho.
As pessoas queixam-se de que as estradas estão hoje piores do que há oito anos, de que os transportes estão mais difíceis, mais morosos, e que circulam mais cheios. Dizem que há cada vez mais carros em circulação, que muitos são veículos pesados vindos das regiões vizinhas ao abrigo de programas de abertura aos compatriotas que não iriam causar nenhum impacto à cidade.
Gente sem razão, podemos dizê-lo com segurança. Haver obras em contínuo, buracos, barreiras, semáforos improvisados, pinos coloridos e pó em todo o lado é revelador do trabalho que há anos se faz. E está para continuar pela satisfação com que se vê gente de todas as idades a atravessar as estradas carregada de malas e bagagens. No Cotai até conseguem fazê-lo fora de qualquer passadeira, com crianças de colo, saltando canteiros e fazendo gincanas entre carros que buzinam. Sinal de que vêem os peões e estão a saudá-los.
Embora nada que se compare à organização da praça de táxis junto à Rua do Cunha, na Taipa. Recordando o título de um belo filme de Nanni Moretti dir-se-ia ser ali, na Taipa, o verdadeiro caos calmo: pode-se parar em qualquer lado para largar e tomar passageiros, discutir o preço, atravessar a rua, enquanto os polícias de turno observam o movimento com toda a pacatez para não interromperem, nem atrapalharem, a deslocação dos peões e a fluidez de circulação.
Como se isso não bastasse ainda há quem se atreva a dizer, imagine-se, que a gestão dos táxis é um descalabro total, com filas de dezenas de pessoas em qualquer praça. Esqueceram-se ter o director da DSAT avisado atempadamente as pessoas para estarem preparadas para mudanças nos seus hábitos.
Se há coisa que a população aprecie é o modo como o director da DSAT, o engenheiro Raimundo, e em boa verdade todos os membros do Governo continuam governando como só eles sabem, caminhando pelo meio das obras, das inundações, dos esgotos, dos turistas, falando aos deputados, às rádios, aos jornais e às televisões sem qualquer atrapalhação, sem pestanejar, sempre com a solenidade e o aprumo de quem sabe que está a fazer um trabalho notável em qualquer latitude. Nota-se a olho assim que se levanta um pouco de vento e ficamos envoltos numa nuvem de poeira e fuligem.
E nem aquele episódio da nova estátua, em Coloane, da deusa Hermès, tais eram os seus atavios, lhes retirou qualquer brilho. Não foi bonito, claro, mas antes venerá-la à quinta-feira, e ficar com ela desnudada à segunda-feira, do que não ter sabido da lista de presenças na festarola do fim-de-semana.
Nada que, apesar disso, possa ombrear com as respostas dadas há dias às preocupações do Centro da Política da Sabedoria Colectiva, relativamente à situação dos autocarros. A reportagem do Macau Daily Times sobre esse assunto a esta hora já correu mundo. A distinção, científica, entre o conceito de autocarro sobrelotado (overcrowded) e sobrecarregado (overloaded) apresentada pelo director da DSAT deve valer um Nobel. Como será possível que os jornalistas não se tivessem apercebido que, na RAEM, um autocarro pode andar sobrelotado sem estar sobrecarregado? Um autocarro com capacidade para 63 passageiros que transporta cerca de uma centena de pessoas, abarrotado como sardinha em lata, não está, diz o insígne director da DSAT, sobrecarregado.
Como fiquei baralhado recorri aos dicionários que tinha à mão e conclui que o director da DSAT tinha razão. Sobrecarregar significa "colocar uma quantidade excessiva de coisas ou pessoas em; carregar demasiado", "que tem quantidade exagerada de algo", que está "cheio até à saturação", que está carregado "de mais", o mesmo que "carregar com excesso", "aumentar em número excessivo" (cfr. Porto Editora, Infopédia, Priberam). E sobrelotado significa "exceder a lotação" (Priberam), sendo que sobrelotação é o substantivo feminino que significa "o que excede a lotação legal de um barco, veículo, etc." (cfr. Porto Editora). Sobrelotar, como se vê por esta pequena amostra, é uma coisa completamente diferente, pois que quer dizer "ultrapassar a lotação de; lotar em demasia", isto é, "encher excessivamente; sobrecarregar"(Infopédia).
A justificação do director da DSAT faz, pois, todo o sentido. E é de fina, e rara, inteligência.
Porque, na verdade, estamos a falar de coisas completamente diferentes; e até agora ainda nenhum passageiro se queixou de levar com outro às cavalitas durante o percurso entre o Parisian e o Hotel Lisboa. Pelo menos comigo, até ver, ainda não aconteceu. Há que fazer a distinção conceptual.
O facto dos autocarros andarem ultimamente sempre sobrelotados, mas não sobrecarregados – retenha-se a distinção académica da DSAT –, também se deve ao aumento de "turistas", o que me parece perfeitamente razoável.
Por diversas vezes referi neste blogue a situação dos autocarros, inclusivamente durante o período da pandemia, mas confesso que nunca antes me tinha apercebido de que os trabalhadores das obras do Galaxy ou do Studio City, os que terminam a labuta nas fábricas do Parque da Concórdia ou nas obras do novo hospital ou do metro ligeiro, e todos os demais que se acotovelam e empurram nas paragens e terminais para conseguirem apanhar um autocarro que os leve para os postos fronteiriços, em direcção às suas casas, no final de um dia de trabalho, em especial aos domingos e feriados, também podiam ser tratados como "turistas". Mas está bem visto. A perspicácia é só para quem tem o dom. E Lam Hin San tem-no indiscutivelmente.
Alcanço agora as dificuldades de que falava o Secretário para os Transportes e Obras Públicas quando quis recrutar alguém para o lugar.
É que não deve, efectivamente, ser fácil, mesmo no interior da China, onde há mais de mil milhões de pessoas, encontrar um génio suficientemente lúcido, patriota e disponível para passar no crivo de um processo de recrutamento para a DSAT onde se exige que o candidato saiba distinguir um autocarro sobrecarregado de um autocarro sobrelotado e dar uma resposta publicável (e compreensível) para qualquer residente ou leitor do jornal.
A avaliar pela obra que tem sido realizada, pelas qualidades que tem demonstrado, e continua a demonstrar diariamente no exercício do cargo ao fim de oito anos, respondendo com sabedoria às preocupações públicas na sua área, e também aos jornais, o director da DSAT será neste momento o candidato mais forte a ocupar o lugar do próprio Raimundo do Rosário. Haja esperança.
Convém é que não embandeiremos em arco e todos permaneçam quietos e silenciosos. Não interessaria nada que alguém se lembrasse de sondá-lo para ir dar continuidade ao trabalho desenvolvido no Instituto para os Assuntos Municipais ou na Protecção Ambiental.
Apesar disso, constou-me, fontes fidedignas, obviamente, por isso ficam avisados, que com o aumento de circulação que se prevê para a superficie lunar, com a chegada de mais naves espaciais indianas, de inúmeros veículos "rover", autocarros e milhares de vendedores de amendoins, ventoinhas a pilhas e especiarias para as restantes missões espaciais, com o inerente aumento de excursões e de turistas que se prevêem com as obras lunares de construção civil, mais a respectiva fiscalização, é provável que venham a precisar de alguém capaz de coordenar e gerir as novas vias, o tráfego na superficie lunar e a instalação de uma rede de metro ligeiro para que os astronautas dos BRICS alargados se possam deslocar em segurança e com rapidez de um lado para o outro.
Há lá muitos buracos a precisarem dos cuidados de um Lam Hin San e este será um dos poucos no mundo com currículo e experiência internacional para a função devido ao seu contacto diário com poeiras, buracos e turistas que circulam nos autocarros sobrelotados, mas não sobrecarregados, da RAEM.
Seria terrível para os residentes de Macau que o sujeito, em vez de ocupar o lugar do engenheiro Raimundo, seguisse para onde deixasse de ser possível à cidade continuar a beneficiar e apreciar diariamente a sua excelência.
Que o mantenham no lugar por muitos e bons anos é o que desejo. Ou, sei lá, em último caso que o façam deputado na próxima legislatura; ou que o nomeiem para a Comissão dos Assuntos Eleitorais, onde poderá ser útil na distinção conceptual entre os diversos tipos de votos e de candidatos.
Macau não se pode dar ao luxo de perder um sobretalento sobre-humano da Grande Baía. Nem mesmo para a Arábia Saudita.
A água é um bem escasso e precioso. A água dos oceanos é património de todos e a todos tem de servir, mesmo àqueles que não têm acesso ao mar ou a água potável e precisam dos recursos daquele e desta para sobreviver.
A libertação das águas retidas pelo acidente nuclear de Fukushima começou a ser realizada sob a supervisão e controlo da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Este processo prolongar-se-á por trinta anos e está sujeito a constante monitorização.
A AIEA é um organismo internacional estabelecido sob a égide da Organização das Nações Unidas, que conduz as suas actividades de acordo com a carta e os princípios da ONU, e de que a Coreia do Sul e a China fazem parte, esta última desde 1984.
Nos últimos dias, e aliás na sequência do que aconteceu nos últimos meses, têm-se multiplicado as declarações e comunicados de representantes desses dois países sobre a inconveniência da libertação das águas em questão, ainda que tenham sido objecto de tratamento.
Não tenho dúvida de que este é um problema que merece a atenção e a reflexão de todos.
O que de todo não compreendo é a histeria colectiva que por aí vai com a proibição de importação de produtos japoneses ou a sujeição de alguns deles a fiscalizações mais rigorosas.
Se quanto a estas parece-me que isso pode fazer sentido, pois que cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, já quanto à proibição pura e simples de importação de produtos parece-me mais um pretexto político, tal como afirmou um empresário local, na minha perspectiva destinado a exacerbar ódios, inimizades antigas e a desviar a atenção das pessoas do essencial.
Se quando a AIEA chama a atenção para a gravidade das situações e impõe limitações estão todos de acordo e se corre a citar os seus relatórios e as afirmações dos seus responsáveis, não se percebe agora qual o motivo para se atacar os relatórios, sem qualquer evidência científica alternativa, o acompanhamento da situação e a monitorização que está a ser feita das águas tratadas e descarregadas.
Li o que foi escrito, também vi e ouvi o que foi dito pela AIEA, e retive as declarações de um dos mais conceituados especialistas portugueses sobre a matéria, Pedro Sampaio Nunes, que afirmou ser o nível de radioactividade não só muito inferior ao esperado como negligenciável, perfeitamente seguro para humanos e animais, como muito mais baixo, por exemplo, do que os níveis de radioactividade registados no rio [em] Manaus. Será preciso beber 3,5 litros da água de Fukushima para se ter o nível de radioactividade desta última (a partir do minuto 8:05).
O presidente da AIEA referiu com toda a clareza que a monitorização e partilha da informação em tempo real é fundamental. E é isso que tem sido feito, não havendo razão para duvidar que as coisas se processassem de outra forma, de má fé ou destinadas a prejudicar os humanos, os animais e os oceanos em geral, numa palavra a própria Humanidade.
Compreendo que para países onde tudo é pouco transparente, secreto, confidencial, constantemente manipulado por motivos políticos e onde se está permanentemente a esconder a informação ao povo e aos parceiros internacionais, muitas vezes colocando em risco a saúde global, seja difícil perceber que os outros países e as agências internacionais não se comportam da mesma forma, não são organismos autocráticos e não funcionam no mesmo registo.
Não se pode invocar o que diz a AIEA e o seu presidente quando nos convém, quando apontam um risco, e desvalorizar o que essas mesmas entidades e os seus peritos dizem quando tal foi objecto de aturado estudo científico e não nos é politicamente conveniente.
Felizmente que em Macau há gente consciente e informada, como se viu numa reportagem da TDM, e que sabe que a desinformação só serve o obscurantismo.
As questões sérias devem ser tratadas com racionalidade, bom senso e boa fé. Não podem estar a ser distorcidas e manipuladas por circunstancialismos politicos.
E entre a propaganda estupidificante, a simples ignorância, o nacionalismo bacoco, o agitar pouco sério de fantasmas ou a ciência, feita por gente séria e qualificada, não tenho dúvida nenhuma de que opto pela última.
E confio tanto na ciência como acredito na independência de raciocínio, na transparência de processos, no acesso livre à informação, na seriedade de quem não teme o acesso a essa mesma informação por parte de terceiros, à sua divulgação atempada, à sua testagem e análise em tempo real, não colocando entraves à entrada e circulação de cientistas estrangeiros e aos seus equipamentos, nem condicionando a acção das agências e dos peritos internacionais por razões políticas.
O Governo da RAEM deve muitas explicações à população de Macau relativamente à situação do Macau Jockey Club., que soma perdas acumuladas de 260 milhões de USD.
Algumas dessas explicações estão por dar desde 2018 quando de forma totalmente inusitada e sem qualquer justificação legal, política ou económica compreensível aos olhos de todos se procedeu à renovação da concessão por um prazo perfeitamente estapafúrdio.
Na altura chamei-lhe um deboche em virtude do facto de se ter renovado por mais 24 anos e 6 meses uma concessão sobre a qual o Secretário para a Economia e Finanças revelou a existência de uma dívida acumulada de mais de 150 milhões de patacas aos cofres da RAEM e um comportamento recorrentemente relapso que se prolongava há vários anos e que inclusivamente levou à introdução de alterações e revogação de cláusulas do contrato de concessão.
Em causa não está, porque essa até podia ser uma simples decisão de gestão de uma empresa privada, o despedimento de 82 trabalhadores e sua posterior reversão.
Só que tratando-se de uma concessionária, obrigada por isso mesmo ao cumprimento de especiais obrigações para com o Governo e a RAEM, e admitindo-se como verdadeiras as afirmações veiculadas pela TDM, as quais implicam, uma vez mais, a violação de compromissos contratuais, em causa volta a estar a continuidade da concessão.
Há prazos para cumprir, obras que se deveriam ter iniciado para estarem concluídas em 2024 e de que não há notícia, com uma temporada de corridas à porta sem que da parte das autoridades sejam prestados os necessários esclarecimentos.
Haverá alguma coisa mais que se queira esconder à população? Será necessário, de novo, que venham ordens de Pequim para se fazer o que é devido em relação à concessionária e aos residentes de Macau?
Não estando previstas na lei "concessões de favor", a reportagem da TDM mostra que não há qualquer motivo razoável para a manutenção da actual concessão do Macau Jockey Club.
Se em 2018 não havia justificação para a renovação da concessão de uma concessionária que se devia dedicar a organizar festivais de dança de salão para não continuar a acumular prejuízos e a criar problemas à RAEM, agora há todas as razões e ainda mais algumas para a sua imediata rescisão.
Esta seria a única solução compatível com o interesse público e que poderia, embora tarde e a más horas, salvar a face do Governo e esse mesmo interesse público.
(créditos: Palácio do Planalto/Ricardo Stuckert)
Se outras razões não houvesse, para além da ausência de Vladimir Putin, a cimeira dos BRICS que está a decorrer na África do Sul está a revelar-se um verdadeiro fiasco.
A ausência de Putin indicava, desde logo, que a bazófia do cobardolas russo não era suficiente para que pudesse confiar nas autoridades sul-africanas. Sem garantias de que poderia exibir-se em segurança e sem ser detido, o carniceiro do Kremlin enviou Lavrov, o seu amestrado serventuário, cão de fila para todo o serviço, optando por discursar em modo de pré-gravação e retransmissão audiovisual no habitual registo distópico sobre a comunidade internacional, fazendo eco de lamúrias e lamentações pelas consequências de uma catástrofe provocada ao seu povo e à Ucrânia por si próprio.
A África do Sul, integrando o Tribunal Penal Internacional, com as linhas da sua política externa claramente definidas, e objecto de reajustamento pelo presidente Cyril Ramaphosa, após o afastamento de Zuma, não poderia dar-se ao luxo de condescender com a Rússia, não cumprindo um mandado de detenção internacional para satisfação do senhor Putin, o que traria problemas acrescidos a quem já tem muitos para resolver, colocaria em causa o desenvolvimento do país e em risco a sua respeitabilidade internacional.
Por outro lado, se é verdade que o presidente chinês se deslocou à cimeira, o facto de não ter discursado, estando previsto que o fizesse, entregando o seu discurso a um subalterno, suscitou de imediato muitas dúvidas e questões, designadamente em Hong Kong, as quais ainda aguardam esclarecimento.
Atendendo à posição proeminente da China nesse fórum e no mundo actual não é normal que fosse o ministro do Comércio chinês, Wang Wentao, a ler o discurso do presidente Xi, pelo que algo de muito grave deve ter acontecido para que a substituição tivesse ocorrido e ninguém apresentasse justificação para ela. De tal forma foi inesperado que, embora o presidente Xi não discursasse, uma porta-voz do MNE chinês, Hua Chunying, divulgou na rede Twitter que o presidente tinha discursado, assim contribuindo para a disseminação de "fake news" à escala global e com chancela oficial.
A situação económica do país e a crise de confiança instalada na China, seja por razões atinentes ao colapso do sector imobiliário ou à gigantesca dívida dos governos locais e das empresas estatais, não pode ser razão suficiente para a mudança. Daí, também, as palavras do antigo embaixador do México na China quando escreveu na mesma rede social que "[u]ma ausência sem aviso prévio, especialmente num fórum multilateral (ao qual a RPC raramente falta), depois de todo o trabalho de base com a Índia, é verdadeiramente digna de notícia. A ser verdade, algo está certamente errado".
As dezenas de países que pelas mais variadas razões gostariam de se associar aos BRICS – Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Indonésia, Irão, México, Emirados Árabes Unidos, Congo, Comores, Cazaquistão ou Nigéria, por exemplo – mostra como será difícil um novo alargamento. E que a ocorrer bloqueará de vez qualquer hipótese de sucesso do grupo. Por agora, depois de muitas promessas, os BRICS navegam entre a simples propaganda, as declarações de intenções grandiloquentes, as peregrinas propostas de Lula e Dilma e muita incerteza.
A disparidade de interesses políticos, económicos e ideológicos entre os actuais membros – China vs. Índia, Índia vs. Rússia, África do Sul vs. Rússia – e os que ali pretendem entrar, mostra com toda a evidência que embora o grupo tenha muitas hipóteses de vir a ser uma verdadeira plataforma comercial alternativa e um dinamizador de relações bilaterais entre os seus membros, tudo o mais que anseie corresponder a uma acção concertada e de carácter mais global estará condenado ao fracasso.
O deputado Ron Lam, patriota da nova geração da Assembleia Legislativa, deu uma interessante entrevista ao Ponto Final.
Convém lê-la, até porque há para aí uns tipos que dizem que não falta liberdade de imprensa. Eu só acrescentaria que também há linhas telefónicas, livros de cheques e muitos amanuenses.
Que por esse Portugal fora, e há dezenas de anos, as autarquias têm sido pasto fértil para a produção das nossas elites políticas, não constitui facto novo.
Que, muitas vezes, os respectivos titulares têm estado envolvidos em múltiplos casos judiciais, de má gestão de dinheiros públicos, de clientelismo, nepotismo, compadrio, favorecimento de familiares e amigos, e em milhares de investigações e processos de natureza criminal, que vão do abuso de poder ao peculato, à falsificação de documentos, ao branqueamento de capitais e à corrupção pura e dura, também não é nada, infelizmente, que seja novo para os portugueses. Tudo isso tem feito parte dos quase cinquenta anos de democracia que levamos.
Também é verdade que alguns autarcas, e muitos deles praticamente desconhecidos, têm feito trabalho exemplar nas autarquias, não raro sem alarido e de modo mais ou menos discreto, junto das comunidades que servem, beneficiando o país e as populações, resolvendo problemas, fazendo o que o Estado centralista e despesista não consegue fazer.
E depois há os outros. E dos outros, de quando em vez, lá se vai sabendo qualquer coisa.
Uma notícia e uma reportagem publicadas hoje na revista Sábado vieram lembrar-nos que para lá do país real, dos que não têm dinheiro para pagar as contas em casa ou suportarem os encargos com a saúde e as escolas dos filhos, há um outro país que vive, literalmente, à pala das autarquias, do "tacho". Há uns que só por serem do partido A ou B têm trabalho e salário garantido, mesmo depois de perderem eleições, e outros que fazem vidas de rico com "salários de miséria".
No primeiro caso, em Sesimbra, temos o ex-deputado comunista Miguel Tiago, a quem a Câmara continua a oferecer anualmente um contrato de trabalho para prestação de serviços de "assessoria técnica na área do ambiente e desenvolvimento sustentável", à razão de cerca de 3.000 euros brutos por mês. Relata a Sábado que o Miguel foi contratado após "consulta" a três entidades, mas ninguém foi capaz de dizer quem mais foi consultado para prestar esse serviço (p. 20).
A outra situação é bem mais escabrosa e reveladora da falta de vergonha, do desplante, da dimensão do abuso e dos gostos de novo-rico de alguns servidores da causa pública.
Repare-se que não tenho nada contra o conforto, o luxo ou o gosto por coisas boas e caras, desde que se tenha dinheiro para elas sem andar a roubar, a esfolar o erário público, a enganar o próximo, ou a abusar da posição que transitoriamente se ocupa, embora considere que a ostentação é exemplo de muito mau gosto, coisa para labregos e laparotos.
Mas mais grave do que os almoços de trabalho – é o que está em causa na reportagem – de Isaltino Morais e seus muchachos (páginas 43 a 46), porque também os há em qualquer latitude, e muitas vezes são imprescindíveis, é verificar que essas refeições ocorrem com uma regularidade impressionante, nos melhores restaurantes de Oeiras e Lisboa, e incluem, pelas facturas a que a revista teve acesso, invariavelmente, quantidades generosas de frutos do mar e da terra, de lagostas a gambas, ostras e refinados presuntos, santola, lavagante, leitão, robalos, peixes-galo, queijos de Azeitão, sushi, sapateiras, caranguejos, camarão-tigre de Moçambique, sem esquecer os muitos gelados para a sobremesa, que ali é tudo gente de alimento, gulosa e lambona.
É natural que quem assim tem necessidade de almoçar para poder trabalhar e resolver os problemas dos outros, por vezes tenha de estar a comer até depois das 20 horas, altura em que pede a conta, e seja obrigado a consumir "saké afrodisíaco", os melhores vinhos, e bebidas espirituosas em quantidade suficiente para que ninguém se esqueça da agenda de trabalho nem do motivo do repasto.
O resultado, está claro, são refeições de centenas de euros pagas com o dinheiro da autarquia noutros tantos milhares de refeições ao longo de cinco ou seis anos. Um "almoço de trabalho" a mais de 140 euros por cabeça não é um almoço de trabalho. É um "banquete de trabalho". Daí que se veja como normal que uma vereadora se tenha alapado com 450 refeições, o presidente, o chefe de gabinete, o vice-presidente e uma adjunta com cerca de 300 refeições cada um, e até o antigo secretário de Estado da Cultura do poupado Passos Coelho, Barreto Xavier, se alambazou com 77 refeições de 2019 para cá.
Evidentemente que a inclusão de tabaco na conta (charutos?) foram "lapsos", a corrigir oportunamente, mas fico com dificuldade em perceber como é possível arranjar apetite para se chegarem a fazer quatro, três e até dois almoços no mesmo dia! As facturas não devem mentir.
Onde é que aquela gente "enfiará" tanta comida? Ou será que aproveitam para levar alguma para casa para depois convidarem os amigos e distribuírem à família e aos vizinhos?
Confesso, todavia, que o que me faz mesmo mais confusão é a lata desta malta, pois que a maioria se não estivesse nos lugares em que está não seria com os seus ordenados de "políticos" e de funcionários públicos remediados que ao longo de anos encheriam as suas vistosas protuberâncias com tais iguarias.
Porque não seria, certamente, com os "salários de miséria" que se poderiam dar ao luxo de terem tantos almoços de trabalho, a ponto de haver necessidade de em três facturas de outras tantas refeições, a cerca de 300 euros cada, se ser obrigado a rabiscar no verso "Saladas Sr. Presidente", sinal de que nesses dias Sua Excelência estaria de dieta, ou, quem sabe, ainda a recuperar do almoço de trabalho do dia anterior.
Sempre ouvi dizer que quem não tem dinheiro não tem vícios. E que a discrição é uma virtude, até para não se ofender ninguém. Mais a mais quando se ocupa um cargo público. E que há que respeitar os sentimentos dos outros, por vezes, também, a desgraça alheia, pois que nem todos têm a mesma sorte na vida. Mas pelos exemplos que diariamente nos chegam das nossas elites políticas e empresariais não terá sido essa a cartilha de muitos.
O juiz Carlos Alexandre, exemplo que também me pareceu extremo e de muito mau gosto para o ter confessado a um jornalista, atenta a sua posição no universo dos profissionais pagos pelo Estado, ainda que com estatuto especial, pode não ter dinheiro para mudar a fechadura da porta de casa depois de ter sido visitado por desconhecidos mais do que uma vez. E muitos mais haverá como o tal juiz, por Portugal fora, que não só não têm para a fechadura como para comer decentemente e alimentarem os seus filhos. O que constitui uma tragédia que a todos nos envergonha. Porém, para alguns autarcas, pese embora esse universo desigual e a necessidade dos outros portugueses terem de partilhar com eles o mesmo país, não há-de faltar o Pêra Manca e o lavagante à custa das autarquias, isto é, dos outros e dos impostos que estes pagam. Não era preciso serem como o miserável do Botas ou como o Cunhal, mas fossem muitos deles a pagar do seu bolso e continuariam nos croquetes, nos bitoques e nas febras.
E não interessa se trabalham muito ou pouco; não é isso que está em causa.
Podem ter bom gosto, e ultimamente mais caro e refinado, que serão sempre uns pacóvios e umas deslumbradas que dão mau nome às autarquias, à classe política em geral, sempre à espera de uma oportunidade para se armarem em finórios. E que são, por muito que nos custe, o espelho das nossas miseráveis e ignorantes elites.
Uma democracia consolidada, sim, é verdade; não deixando de ser um país de isaltinos, de venturas e de "só-cretinos".
Agora em língua oficial da RAEM:
"Se lhe faltar a vitalidade institucional e a confiança internacional, a cidade terá pouco valor acrescentado para a nação. A cidade perderá a sua relevância estratégica se abandonar o seu entusiasmo e as suas ligações globais. As preocupações com a segurança nacional, agravadas pela geopolítica, não devem ensombrar todas as facetas da vida quotidiana, sob pena de a criatividade e o espírito de iniciativa há muito acalentados pela cidade diminuírem."
Estas declarações de Anthony Cheung, ex-secretário para os Transportes e Habitação do Governo de Hong Kong, entre 2012 e 2017, eram evidentes para qualquer patriota de bom senso há anos. Mas houve quem não visse e não percebesse para onde ia o passo que estava a dar.
E são palavras que não se aplicam só a Hong Kong. Também servem para Macau, embora aqui tenhamos conseguido ultrapassar a cidade vizinha, acabando com o pouco valor acrescentado que ainda havia.
O disparate há muito que ficou consagrado na RAEM como virtude. E a vida quotidiana ensombrada pelo afã local em mostrar serviço. Dos patriotas genuínos, dos assimilados, dos adoptados e dos mercenários falantes de português. O que, em todo o caso, não deve ser impeditivo de se ler e pensar sobre o que os patriotas escrevem do outro lado do delta.
(créditos: daqui)
Uma notícia da TDM sobre o Instituto de Formação Turística (IFT) chamou a minha atenção. Dizia esta que "o Governo está a ponderar a alteração do nome do Instituto de Formação Turística para Universidade de Formação Turística" e que "[a] sugestão partiu da Comissão que analisa na especialidade o futuro regime jurídico da instituição, na presunção de que a mudança poderá atrair mais estudantes e melhores professores".
Pouco depois, não sei se para termos a certeza de que a notícia era a sério, confirma-se que a sugestão "partiu dos deputados da Comissão Permanente da Assembleia Legislativa que está a analisar na especialidade o futuro regime jurídico do estabelecimento de ensino".
Quem olhe para o IFT, bastando para tal visitar a sua página na Internet, percebe que a instituição foi criada em 1995 e que desde então oferece cursos que conferem diversos graus académicos e de formação profissional nas áreas do turismo e da hospitalidade. Agrega as escolas de Gestão Hoteleira, de Gestão Culinária e de Educação Contínua. Em rigor, diz tudo respeito à mesma área do conhecimento, o que não tem impedido de ser uma boa escola e de ao longo dos anos formar pessoal qualificado que muito tem contribuído para a melhoria e elevação do nível profissional daqueles que dali saem chegando ao mercado de trabalho.
Ora, uma universidade é classicamente um conjunto de faculdades, de colégios ou de escolas de ensino superior, com unidades orgânicas de ensino e de investigação, em múltiplas e distintas áreas do conhecimento. Tome-se, por exemplo, a Universidade de Macau ou a Universidade de Lisboa. Esta última tem faculdades de Arquitectura, de Belas-Artes, de Ciências, de Direito, de Farmácia, de Letras, de Medicina, de Medicina Dentária, de Medicina Veterinária, de Motricidade Humana e de Psicologia. E também tem institutos em diversas áreas, da Economia e Gestão às Ciências Sociais e Políticas, sendo que talvez aquele que é internacionalmente mais conhecido, reputado e respeitado é o Instituto Superior Técnico, com uma oferta de dezenas de cursos na áreas da engenharia e das ciências militares.
Eu não sei se os deputados e o Governo têm a noção do que é uma Universidade, sendo certo que no interior da China também as há e muito boas, para admitirem a passagem do IFT a "Universidade".
A ideia sugerida, mais a mais com o argumento de que o objectivo que estará por detrás de tão peregrina ideia da mudança de denominação é a de atrair mais estudantes e melhores professores, é reveladora de uma profunda ignorância, consubstancia a admissão de uma eventual fraude académica (mais uma) e denota uma total inversão daquelas que deveriam ser as preocupações ao nível do ensino e da qualificação dos estudantes de Macau.
Não é por se passar a chamar universidade a um instituto que o ensino melhora, que o nível académico e reputacional da instituição se eleva, ou que se atraem mais estudantes em busca do verdadeiro conhecimento. Não consta que, em Portugal, o Técnico tenha sentido necessidade de mudar de nome para poder receber estudantes nacionais e estrangeiros ou formar profissionais qualificados e alguns de excepção, mundialmente reconhecidos, havendo até quem aqui tenha deixado obra e continue a colaborar e leccionar na Universidade de Macau.
Macau já tem demasiadas universidades, e más, para a dimensão que tem. Há trabalhos académicos ao nível do mestrado e do doutoramento muito maus se comparados com o que se faz noutras universidades. O nível de muitos que saem licenciados das universidades de Macau, ou que andam a frequentar cursos de pós-graduação e mestrado, é sofrível por comparação com qualquer universidade de nível médio lá fora. Basta olhar para muitos licenciados em Direito que hoje são advogados – a culpa não é deles –, cujo grau de ignorância, seja na sua área técnica ou na de cultura geral, é absolutamente assustadora. E, no entanto, andam aí, muitos enganando os residentes e as empresas que a eles recorrem e a quem cobram quantias principescas para prestações de serviços medíocres, em nada contribuindo para a elevação do nível dos serviços jurídicos oferecidos à população de Macau. Basta ver os despachos de alguns magistrados sobre o que lhes sai na rifa, tanto na primeira instância como nas superiores, para se perceber o que digo.
Eu próprio, nos cursos que lecciono, tenho que normalmente começar por ensinar o básico que devia ser dado por adquirido. Como qualquer pessoa compreenderá não é fácil querer aprofundar algumas noções elementares de Teoria Geral do Estado, de Direito Constitucional Comparado ou de Organizações Internacionais a quem sai de uma licenciatura sem saber o que é um estado, uma constituição ou uma organização internacional, nem tem a mínima ideia do que isso é. Simplesmente nunca ouviu falar. E que até em relação à história contemporânea da China e da Ásia não sabe rigorosamente nada. Saberão cantar o hino e pouco mais. É aterrador.
Querer chamar universidade a um pequeno instituto, que oferece meia-dúzia de cursos, por muito respeitáveis que sejam, e no caso do IFT até são bem mais do que isso, apenas com o objectivo de atrair estudantes ou professores mais qualificados é uma fraude.
Ensinar e aprender não é mesmo que ir ao supermercado, à loja de sopa de fitas ou, ultimamente, ir tomar uma refeição no Clube Militar. Não pode ser apenas um negócio como os outros. Não sei se os senhores deputados e o Governo têm a noção disto.
A preocupação do Governo e dos senhores deputados deveria ser a melhoria do nível do ensino e a formação de profissionais mais competentes e mais qualificados em Macau, e que pudessem ser úteis à sociedade. Porque não é mudando o nome aos bois que estes se tornam príncipes. Não é por se chamar "doutor" a um ignorante que este vai passar a ser mais esperto e inteligente, deixando de ser "um bípede que risca o diamante" e um profissional medíocre que só cria problemas aos clientes, e, no caso dos tribunais, também aos juízes, aos funcionários, às partes e aos outros advogados.
O que me assusta é chegarem-me alunos com uma licenciatura que não sabem escrever, que têm dificuldade em articular meia-dúzia de linhas, que têm imensa dificuldade em ler e compreender um texto da sua área de formação, que são incapazes de resumir as suas ideias essenciais, que não sabem fazer uma citação e que até a copiar dão erros. Alguns não deveriam sequer ter sido admitidos numa instituição de ensino superior. Olhe-se para Portugal e veja-se no que deu a proliferação de universidades privadas, a criação de cursos inúteis, a "venda" de diplomas e a formação de desempregados "licenciados" a que se dedicaram algumas instituições nos tempos áureos do cavaquismo e do guterrismo, embora desses até houvesse quem chegasse a ministro apesar de pouco mais saber do que assinar o nome. Exemplos não faltam.
Também a formação apressada de magistrados, conservadores e notários não tem abonado em nada a saúde jurídica da RAEM. Os problemas são mais que muitos, e recorrentes, mas não será aqui que irei elencá-los.
E não constando que nenhuma das melhores escolas de turismo e hotelaria da Suíça, de Portugal, de França ou dos EUA tenham tido necessidade de passar a "Universidade" para atraírem mais alunos e melhores professores, permito-me sugerir que reformem, reorganizem, reestruturem, confiram mais meios, melhores equipamentos e instalações ao IFT para que este possa continuar a formar bons profissionais para Macau.
E preocupem-se antes, os senhores deputados e o Governo, com o mau ensino de algumas universidades da RAEM, com a má investigação académica que aqui também se faz, com os maus papers que se produzem, a fazer de conta que são científicos, com os maus professores, e arranjem-se meios para se ensinar os estudantes a aprender, a ler, a pensar como adultos, a investigar decentemente nalgumas áreas, balizando o conhecimento pela ciência, e não por um exacerbado nacionalismo e oportunismo político que faz deles mentecaptos e lhes retira a capacidade de pensarem por si, de crescerem e de serem cidadãos de corpo inteiro da RAEM e da China.
O panorama já é demasiado trágico para se continuar a inventar. Desçam à Terra.
Algum dia teria que ser.
Sou hoje obrigado a concordar com Miguel Sousa Tavares, com o adepto do FCP; não com o outro, com o seu alter ego que é cronista do Expresso, e com quem algumas vezes estou de acordo.
Efectivamente, a Supertaça – já lá vai o tempo em que não valia nada – "vale bem mais que um Troféu Guadiana ou um Cinco Violinos", vai "directamente para a estatística e vale começar a época a ganhar". Nem mais.
E sim, foi bom ver a garra dos deles, a começar pelo Pepe, embora sempre macio e correcto, e o medo dos "nossos".
No fim, tudo se traduziu em dois secos. E que se tivessem sido três, não fosse o perdulário do Rafa, ninguém estranharia.
De qualquer modo, a festa podia ter sido mais bonita, sem os petardos da turba, sem circo.
Nunca mais acabava, convenhamos, mas também ninguém esperava que houvesse tanta garra na linha lateral. E logo no primeiro jogo. Até parecia que, com aquela garra, o Conceição tinha os ténis com Araldite ("whatever the job, we have the right glue for you").
Há noites em que uma pessoa não quer ir para casa. Quer sempre ficar mais um pouco. Sei bem o que isso é, em especial quando até casa é só um saltinho.
Venha o próximo.
(créditos: Miguel A. Lopes/Pool via Reuters)
Embora educado de acordo com os seus valores, e de uma vez, estando de férias em casa de uns tios, me terem posto a ajudar à missa, da qual rapidamente me afastaram depois de ter ido, mais o outro sacristão estival, provar a vinhaça do cura, há muito que me afastei da Igreja Católica Apostólica Romana, da missa dominical e dos seus ritos.
Do clero, em geral, sempre desconfiei, até porque o meu irmão teve a infelicidade, a que eu escapei por ser mais novo e contar com a sua ajuda, de passar por um colégio interno gerido por um louco, acompanhado de outros dementes, que impunham castigos medievais, e eu próprio conheci alguns que me inspiravam tudo menos confiança.
E apesar de algumas vezes, ao longo da vida, me cruzar com um ou outro mais mundano, civilizado e bem disposto que passava lá por casa para tomar chá com a Mélita, a quem até quase ao final da adolescência, e mesmo depois, muito mais tarde e mais velho, acompanhava à missa para ela não ir sozinha, nunca gostei da "padralhada". E do Cerejeira nem é bom falar.
Todavia, não foi isso que me impediu de ir acompanhando a sua vida, de ver como muitos faziam o seu percurso opondo-se à ditadura, mantendo-se firmes na defesa dos verdadeiros valores da instituição que serviam, lutando contra e denunciando as atrocidades do colonialismo; ou de eu próprio voar para Roma mais do que uma vez, de percorrer o Vaticano, de numa ocasião ter ido a Castel Gandolfo, de continuar a entrar nos seus templos espalhados por Itália e pelo mundo, e aí me recolher para, à minha maneira, ir conversando com Ele, até porque a fé não se explica, cada um tem a sua e as pessoas não são todas iguais e dotadas de igual racionalidade.
Depois, as posições conservadoras do Papado, as ideias ultra-radicais de uns quantos padres, a forma como a Igreja se ia afastando da sociedade, protegendo bandidos ricos e ignorando pobres e desvalidos, ao mesmo tempo que através dos seus membros se envolvia em negociatas pouco recomendáveis, com mafiosos e gente estruturalmente desonesta, e o modo como muitos dos seus se comportavam, tão depressa fazendo de empreiteiros como de ladrões, antes mesmo dos sucessivos escândalos que abalaram as paredes milenares do seu edifício, do Banco Ambrosiano à pedofilia e à protecção durante anos de mentecaptos de batina e de toda a canalhada pedófila, tudo isso contribuiu para olhar para ela não com um mas com os dois pés atrás. Dali nunca vinha coisa boa. Até há pouco.
A ascensão de Francisco, a inteligência e a franqueza com que iniciou o seu caminho, a leitura que fiz da sua encíclica Laudato Si' e de outros textos, as suas sucessivas intervenções, que não se afastando daquela que será a própria lógica da Igreja imprimiram uma marca distintiva de humanidade e de uma maior aproximação ao mundo real e aos problemas do quotidiano, tentando mudar por dentro, firmemente, contra toda a resistência de muitos no seu interior, fizeram-me olhar para ele, enquanto Papa e ocupante do trono de S. Pedro, com outros olhos.
Verdade seja dita que de alguém que tomou o nome de Francisco pelas razões que logo nos deu a saber, que jogou futebol e gosta de futebol, que se apaixonou e namorou na juventude antes de fazer a sua escolha, que é capaz de apreciar os pequenos prazeres desta vida, e de olhar para os outros como se nunca tivesse saído do mundo, já faziam dele um tipo diferente.
Mas ver como foi capaz de reaproximar a Igreja das pessoas, de que a JMJ de Lisboa constitui inequívoco exemplo, de compreendê-las, de se envolver com todos, devolvendo fraternidade, candura e ternura de onde estas se tinham eclipsado, despojando-se de muita da pompa e da ostentação cultivada pelos seus antecessores, mostrando ao seu rebanho e aos outros, dos mais crentes aos menos crentes, aos agnósticos e aos ateus, que nem tudo está perdido e que há um caminho comum a percorrer com todos, incluindo com os que não acreditam e com os seguidores de outros credos, para a construção de um mundo melhor, mais justo, mais equilibrado, mais verde e mais inclusivo, fazem dele um homem diferente.
Acompanhando à distância a visita de Francisco – e também alguns excessos do Estado laico e dos seus representantes de ocasião –, vi, não obstante as suas limitações físicas e o natural cansaço, próprios de uma pessoa adoentada e com a sua idade, o seu empenho em chegar a todos, em dar uma imagem diferente da Igreja, em deixar o exemplo, em lançar uma semente que possa frutificar saudável. Como vi a sua aposta num diálogo franco e aberto, sem que isso o obrigue a mudar de convicções, de valores ou de princípios.
Não creio, ainda que quisesse acreditar, que alguma vez mudarei a minha relação com a Igreja e o clero, ou a forma como olho para Deus. Todo o sofrimento que vi, e o que ao longo da vida fui obrigado a acompanhar, não me permitem pensar de outra maneira. Porque há sofrimentos absolutamente inexplicáveis, injustiças inauditas e crimes que nenhum Deus poderoso, se existisse, no seu perfeito juízo permitiria. E não me venham com as vossas justificações, poupem-me à estupidez.
Não obstante, do homem que por momentos está como Papa, daquele que diz, e repete, que a Igreja é de todos – embora eu ainda não consiga alcançar que Igreja será essa, nem quando será de todos –, e que diz aos fiéis que "sejam surfistas do amor", linguagem que sou capaz de entender, só posso dizer que não existe. Este Papa não existe.
Francisco sim. E este parece-me ser, com todos os seus defeitos, nos dias que correm, um tipo absolutamente excepcional.
Quem sabe se por isso, por uma vez, não deverei dar graças a Deus?
Em Macau e em Hong Kong ainda não se aperceberam disso. Conseguem ter as crises, beber a água destilada e ainda enriquecer com ela.
Mas tirando isso, está tudo muito certo, Francisco, com excepção de um único ponto a favor da dita: a água destilada é fundamental para manter os charutos em bom estado.
Sem água destilada nos humidificadores aquilo fica tudo seco. Nem a benta os salva.
E aí sim, é o caos.
Passados que foram três anos atípicos, aos poucos vão-se retomando velhos e saudáveis hábitos forçadamente postergados durante a pandemia. Um deles era o de com a possível assiduidade frequentar a magnífica acústica do Grande Auditório do Centro Cultural de Macau.
O programa de encerramento da temporada trouxe-nos uma "Ode a Beethoven", e o que se pode dizer, no mínimo, foi que efectivamente se tratou de uma ode. Ninguém foi enganado ou saiu desconsolado.
Depois de um belíssimo aquecimento, que nos preparou os ouvidos, os olhos e a alma para o que se seguiria, e em que foi possível escutar o Concerto Triplo para Violino, Violoncelo e Piano em Dó Maior, Op. 56, tendo como protagonistas o maestro/pianista Lio Kuokman, actual director de programas do Festival Internacional de Música de Macau e maestro residente da Filarmónica de Hong Kong, o jovem violinista Josef Špaček e Pablo Ferrandéz, a jovem estrela madrilena que grava em exclusivo para a Sony Classical, vencedor do XV International Tchaikovsky Competition e tem acompanhado a consagradíssima Anne-Sophie Mutter, uma sala cheia pôde desfrutar da uma soberba execução da Nona Sinfonia em Ré menor, Op. 125 "Coral", pela Orquestra de Macau, com a participação do Coro da Filarmónica de Hong Kong e de Noriko Tanetani (mezzo-soprano), Shoko Toya (alto), Tatsuya Takahashi (tenor) e Daisuke Oyama (barítono).
O mínimo que se pode dizer é que se tratou de um excelente espectáculo, tanto pela solenidade, como pela execução esmerada e o estilo refinado da interpretação emprestada por todos os músicos, com alguns momentos sublimes, aliás reflectidos no cuidado e atenção com que o público seguiu a performance.
Público que começa a estar finalmente educado e é capaz de respeitar os momentos de silêncio e as pausas, aplaudindo quando é o caso, sublinhando o seu agrado pela escolha das obras e elevadíssimo nível dos executantes.
Três notas finais. A primeira para chamar atenção para o muito público jovem presente, alguns com menos de uma dezena de anos, acompanhando os adultos, seguindo com interesse, apesar do cansaço, todo o programa até ao fim, sinal de que vale a pena continuar a apostar na apresentação de bons programas e na formação de audiências jovens desde muito cedo.
A segunda para a necessidade dos textos dos programas distribuídos terem de ser mais cuidados (ex: página 27, "Anne-Sophie Murmurar", "Pablo Ferrandéz fará? uma digressão com a Academia de São Martinho dos Campos"!!!), o que já numa outra ocasião referi, devendo ser igualmente mencionada a autoria ou proveniência dos textos, o que, felizmente, e em todo o caso, não chegou para manchar uma noite de antologia no CCM.
Finalmente, importa sublinhar a renovação que começa a ser visível, para melhor, na Orquestra de Macau. Qualquer orquestra precisa de se ir renovando, seja quanto ao maestro principal, aos músicos ou ao repertório, sem prejuízo da estabilidade profissional e segurança que as pessoas precisam de ter, de adoptar o seu próprio estilo e ser reconhecida por este. O intercâmbio, a chegada de sangue novo, de gente com outras ideias, de executantes de outras partes do mundo, com histórias diversas, não acomodados, que não fossilizem e queiram continuar a singrar, contribui para o seu enriquecimento e a satisfação de quem escuta.
Venha então a próxima temporada da Orquestra de Macau, e mais noites como a de 29 de Julho.
Nos dias de hoje o patriotismo é "à la carte".
E vai ser possível, para descanso de muitos comendadores, graças à revisão das leis eleitorais, apontar o dedo a um "não patriota" com o mesmo vigor e conforto com que antes houve quem o fizesse na Alemanha aos judeus, nos EUA aos comunistas para os afastar da vida política e social, ou faça actualmente no Uganda em relação aos homossexuais.
O curioso é que muitos destes novos patriotas de Macau antes eram, e ainda são, certificados patriotas portugueses, norte-americanos e de outras nacionalidades. São assim como uma espécie de arrivistas do patriotismo chinês.
Muitos foram condecorados por estados estrangeiros pelos bons serviços que lhes prestaram. Não consta que tenham devolvido as condecorações.
Outros foram apoiantes confessos das instituições coloniais, prosperaram à sombra delas e à custa da sua falta de cerviz, fazendo da subserviência e da bajulice aos sobas coloniais o seu cartão de visita, jogando em vários tabuleiros, não raras vezes fechando os olhos ao tráfico de influências e à corrupção, porque também beneficiavam com isso, tirando partido das falhas do sistema e da sua degradação nos tempos de Melancia e Rocha Vieira, ignorando conflitos de interesses para serem nomeados, subsidiados, singrarem e enriquecerem graças às especificidades locais e à autonomia de Macau.
Aplaudiam a Constituição portuguesa de 1933 e o Estado colonial, antes do 25 de Abril, como depois aplaudiram a de 1976, a Lei Básica e a Declaração Conjunta, jurando hoje fidelidade à Constituição da RPC ao mesmo tempo que escondiam as suas outras nacionalidades e as contas no estrangeiro.
Antes questionavam a necessidade de se rever as leis de segurança interna, da mesma forma que aplaudem, logo pela manhã, a revisão das leis eleitorais, e até houve um destes novos patriotas que alertou em tempos para o perigo de se criar "uma polícia política inadvertidamente". Como se fosse possível criar polícias políticas "inadvertidamente".
O que estes novos tempos revelam é que o patriotismo é um fato que se veste e se despe em função das oportunidades de negócio e de promoção profissional, social ou política. Por vezes, esse patriotismo assume o formato de um subsídio, de um patrocínio, de um contrato ou de um convite. Noutras situações, as mais comuns, tem o formato de um cheque, onde colocam no verso, pelo seu punho, a certificação do seu patriotismo antes de o depositarem na conta bancária.
Veneram hoje a estrela de cinco pontas e os ensinamentos do Presidente Xi com o mesmo desvelo com que lá em casa passam a ferro as notas com a cara de Benjamin Franklin; ou se levantam da cadeira para falar ao telefone sempre que do outro lado da linha está um patriota militante a dar-lhes ordens e lições de bom patriotismo.
Pois são estes os novos patriotas, verdadeiros invertebrados que se vivessem no tempo do nazismo seriam os nacionalistas e burocratas ao serviço de Eichmann e companhia.
E depois, quando o regime mudasse, diriam que se limitaram a cumprir ordens superiores e que no seu íntimo nunca apoiaram o fim das liberdades e dos direitos cívicos e políticos, nem gostavam "desta democracia".
Se já não era fácil ter boa impressão política e governativa quer do anterior ministro da Defesa, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, quer da ministra da Defesa Nacional, por muito estimáveis que sejam, e eu não duvido, o relato que a Visão dá esta semana à estampa pela mão do jornalista Carlos Rodrigues Lima acabaria com todas as dúvidas que restassem.
O rol de factos, no mínimo de difícil explicação, mas quase todos reveladores de uma tremenda mistura de falta de senso, ingenuidade e inaptidão para o exercício de funções governativas dos protagonistas, para além de outras coisas que serão, espero, devidamente apuradas em sede própria, leva-me a perguntar como é possível manter em funções, num Estado de direito e numa democracia madura, João Gomes Cravinho e Helena Carreiras.
Não sendo crível que o chefe de gabinete do então ministro da Defesa não o colocasse ao corrente do que sabia e do que estava a ser feito, em cada dia que passa aumenta o seu desprestígio e surgem novos factos que colocam em xeque o seu desempenho e o profissionalismo e a seriedade da actividade político-governativa.
Dando de barato os emojis do tal Alberto Coelho, e que não será nos anos mais próximos e com gente como ele que a democracia-cristã voltará a chegar ao poder, a circunstância de perante a gravidade dos factos e das comunicações reveladas pela Visão, aliado ao que que já se sabia da actuação de Cravinho e do ex-secretário de Estado da Defesa, e que motivou a sua queda em desgraça, torna chocante a resposta dada pelo gabinete da actual titular da pasta da Defesa Nacional quando questionada sobre a razão para não ter enviado todas as comunicações trocadas entre Marco Capitão Ferreira e a Direcção-Geral de Recursos e Defesa Nacional (DGRDN) quando isso lhe foi solicitado.
Conhecendo-se agora o conteúdo do que foi omitido, percebe-se a incomodidade, perguntando eu se àquela alminha a quem António Costa entregou a Defesa Nacional não lhe passou pela cabeça que as comunicações escondidas, e que não lhe diziam directamente respeito, viriam um dia a ser do domínio público.
Os imbróglios que estão a ser investigados, a gravidade dos factos em causa e a displicência da actuação dos titulares da pasta da Defesa é tudo menos consentânea com uma actuação inteligente e responsável.
Daí que se compreendam cada vez menos as razões para, perante tanto despautério – a pasta da Defesa Nacional tem sido particularmente fustigada nos últimos governos pela inépcia dos nomeados, o que até parece ter-se tornado numa sina –, o primeiro-ministro manter em funções, e continuar a proteger, mais estes ministri fantasma, que não contribuindo em nada para o prestígio e a dignidade das instituições, só servem para enfraquecer ainda mais um Executivo que se vai perdendo no atoleiro em que se transformou a maioria absoluta e a actuação de algumas pessoas em quem os portugueses um dia confiaram para gerir a coisa pública. Lamentável.