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honra

por Sérgio de Almeida Correia, em 31.10.25

carlos-III.jpg(créditos: daqui)

Quem acompanha aquilo que vou rabiscando e escrevendo por aí, incluindo neste blogue, sabe que que sou convictamente republicano e considero que a república é a forma de governo mais consentânea com os valores que defendo para mim e para os meus. 

Dito isto, é-me fácil reconhecer onde estão esses valores, sendo certo que muitos são partilhados com a monarquia, e não sendo a virtude, a honra, a prossecução do bem comum, a defesa do interesse pública, da história ou de seculares tradições exclusivo de uma ou outra forma de governo.

Em rigor, não é por serem republicanos ou monárquicos que os homens e as mulheres de bem se distinguem; antes pela sua praxis, pelo modo como conciliam as suas convicções com a sua acção, a teoria com a prática, aquilo em que acreditam e os valores que defendem com o exercício quotidiano da vida em sociedade, o interior com o exterior, dentro e fora de casa, à luz do dia e na escuridão.

E como em tudo na vida há bons e maus regimes, boas e más acções, gestos que dignificam e enobrecem e atitudes e comportamentos desprezíveis.

Impõe-se por tudo isso, e porque também há décadas procuro estar sempre em sossego com a minha consciência, gozando o sono dos justos, dizer uma palavra sublinhando, na linha do que havia sido feito pela sua falecida mãe, a atitude de Carlos III e da Coroa britânica em relação ao que é publicamente conhecido das relações de André (Andrew) Mountbatten-Windsor com Jeffrey Epstein e seus amigos.

Ao contrário do que se tem visto do outro lado do Atlântico, de onde só chegam péssimos exemplos, não houve equívocos nem hesitações, muito menos protecção do poder a quem, ainda que invocando a respectiva inocência, não terá estado à altura dos seus direitos e das suas obrigações. Não se arranjaram desculpas, não foi preciso um clamor público, nem manifestações de rua. O que já se sabia, aliado às memórias póstumas de Virginia Giuffre, retiraram qualquer margem de manobra à Coroa. E na hora de decidir impuseram-se a dignidade e o dever. Sem alarido, sem dramas, sem teatro. 

Muito haverá a criticar, certamente, sobre a acção ou os privilégios dos monarcas numa democracia, em especial em relação à de Westminster, mas é dali, e de um outro farol cada vez mais trémulo, que contra o temporal de insânia e os ventos que sopram de diversos quadrantes que ainda nos chega a luz do exemplo. Exemplo para outras monarquias, mas também para democracias consolidadas e autocracias, sejam estas de direita, de esquerda ou de raiz teológica.

O que aconteceu no Reino Unido não será muito diferente do que fez Filipe VI em relação ao seu pai e à defesa da Coroa espanhola. E que também aqui mereceu na altura o destaque merecido.

E se é verdade, o que acredito, que a nobreza não está no sangue, como bem se vê comparando irmãos, sejam Carlos e André ou William e Harry, mas antes na elevação do gesto, no rigor do comportamento, pois que é daí que vem o exemplo, a dignidade e a autoridade moral de uma elite, de quem governa, de quem nos representa, na república ou na democracia, neste momento impõe-se dizer que a Carlos III "honor is due".

A cada um o que é devido. O resto será com os historiadores.

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cuidado

por Sérgio de Almeida Correia, em 30.10.25

TAXIXEBRA301025 13.08pm.jpg  

Quando virem este táxi a aproximar-se de uma passadeira é melhor terem cuidado.

Hoje à hora do almoço não fui atropelado por muito pouco em plena Alameda Dr. Carlos D' Assumpção.

Quando saí do escritório, e me preparava para atravessar para o jardim, não parou na passadeira no sentido descendente, seguindo em direcção ao rio, embora houvesse outros veículos parados.

Depois, minutos volvidos, do outro lado do jardim, no sentido ascendente, quando os carros das outras duas faixas também já estavam imobilizados, e os peões haviam iniciado a travessia, só parou travando a fundo no sítio que a imagem documenta.

Passado o susto fica o registo.

As câmaras do sistema "olhos no céu" terão registado tudo.

A fotografia foi tirada às 13:08. Havia muitos peões a circularem e a atravessarem a passadeira.

E é evidente que o facto do tipo ter saído do carro para me pedir desculpa não serviu para nada porque vai voltar a fazê-lo noutra passadeira qualquer.

A PSP se quiser que actue.

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lições

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.10.25

naom_68f87f1d8d13e.webp(créditos: daqui)

"A liberdade é o princípio e tem de ser o fim último. Qualquer intervenção sobre ela deve ser a título subsidiário. E nunca essa intervenção pode ir além da justa medida. O princípio é a liberdade. A excepção é a restrição."

Francisco Pinto Balsemão (1937-2025)

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destaque

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.10.25

AFC Alpine WEC 2026.jpg(créditos: Alpine)

Se há coisa que se possa dizer de António Félix da Costa, "Formiga", é que para além de um piloto extremamente rápido, seguro, disponível, simpático e fiável, é um profissional de mão cheia, apesar de nem sempre ter tido a sorte do seu lado.

Mas parece que desta vez o vento está a soprar de outro quadrante e com cada vez mais intensidade, empurrando o campeão português para voos mais altos.

Após a saída da Porsche e o seu ingresso na equipa Jaguar de Formula E, o António viu serem-lhe abertas as mais do que merecidas portas de uma equipa de fábrica na categoria maior do WEC, o Mundial de Resistência. 

Ao ser escolhido para integrar a equipa da Alpine, e ao ler as mais do que encorajadoras palavras de Nicolas Lapierre, também ele um velho senhor das pistas, do WEC e de Le Mans, onde participou por 17 vezes, vencendo a categoria LMP2 em 2015, 2016, 2018 e 2019, não restam dúvidas, se dúvidas ainda as houvesse, que o António terá ali carro e apoios para triunfar: 

"His speed, experience and knowledge of the world of endurance racing and the 24 Hours of Le Mans have attracted Alpine." (...) "He is a complete, determined and charismatic driver, who will quickly integrate into our structure." 

Embora ainda não se saiba com quem o António fará equipa ao volante de um dos carros da Alpine, depois da mais do que aguardada vitória da escuderia francesa nas 6 Horas de Fuji, no passado mês de Setembro, fica a certeza de que continuaremos a ver nas pistas e nos pódios, assim se espera, a bandeira portuguesa.

Daqui segue um abraço para o António e votos de muito sucesso nesta nova etapa da sua carreira, que o Macau Daily Times continuará a seguir com toda a atenção na esperança de o ver fazer nas 24H a corrida da sua vida.

AFC13062025.jpg(créditos: SAC, direitos reservados) 

ALP36 11062025.jpg(créditos: SAC, direitos reservados)

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recorrente

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.10.25

(créditos: Macau Daily Times)

As notícias são da semana passada, mas não devem por esse motivo merecer menos atenção face à urgência de resolução do problema e ao estado calamitoso a que chegou o serviço de táxis e de rádio-táxis em Macau.

De Hong Kong chegou a notícia, via Macau Daily Times, de que os seus legisladores aprovaram um diploma para regulamentar os chamados "online ride-hailing services", visando o licenciamento de plataformas como a UBER no sentido de se permitir que os seus veículos e motoristas sejam habilitados à prestação de serviços de táxi, colocando-se um ponto final na resistência dos lobbies locais à sua introdução.

Em Macau continua tudo por fazer.

E em cada dia que passa são piores as notícias que chegam, apesar de há dias nos ter sido dada a promessa de que alguma coisa irá mudar.

Enquanto não se sabe quando, esta manhã lá veio mais um dado assustador e que devia envergonhar os dois anteriores Chefes do Executivo e os titulares da pasta dos Transportes e Obras Públicas: os taxistas praticam cada vez mais irregularidades e o número de infracções aumentou quase vinte vezes nos últimos quatro anos. É obra.

Ou seja, o serviço de táxis é mau, não há veículos em número suficiente e apesar disso as infracções cometidas pela casta aumentaram desmesuradamente.

Este é um bom indicador da impunidade em que os taxistas têm vivido e do total desinteresse de anteriores governos em resolver satisfatoriamente tão candente problema em benefício de toda a população e dos que nos visitam.

Esperemos que com a mudança de titular na Direcção dos Serviços de Assuntos de Tráfego, e a nomeação de Chiang Ngoc Vai, seja possível dar resposta às exigências do serviço público de táxis numa cidade de turismo. O Natal está aí à porta. 

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email

por Sérgio de Almeida Correia, em 16.10.25

O nosso Benfica

Se não encontrares resposta para a tua pergunta podes enviar-nos a tua dúvida através do formulário, escreveram no site.

Uns dizem "Benfica vencerá", outros querem "Benfica acima de tudo", havendo quem diga que "Só o Benfica conta", que tenha o "Benfica no sangue", "Voltar a ganhar" ou que são, simplesmente, "Pelo Benfica". 

Eu não encontrei resposta e como não sei como será possível vencer, ter o Benfica acima de tudo, voltar a ganhar, andar com o Benfica no sangue e  ser pelo Benfica sem benfiquistas, resolvi escrever para manifestar a minha indignação:

"Caros benfiquistas,

Pelos vistos há benfiquistas de primeira e benfiquistas de segunda. Se todos devem votar e todos os votos contam, por que razão os benfiquistas que vivem na Ásia e na Oceânia não podem votar?

Em Macau há imensos benfiquistas, quase todos com 50 votos, e nenhum vai poder votar.

Podia ser muito fácil ter aqui uma mesa de voto, até mesmo no Consulado (o SLB é instituição de utilidade pública desde 1960, tendo recebido várias ordens honoríficas portuguesas) ou no Restaurante "O Santos", verdadeira embaixada do SLB na Ásia, onde vários presidentes já comeram, tal como muitos jogadores e lendas do Clube (Coluna, Mário Wilson, Carlos Moya, etc.), e até os britânicos Rolling Stones.

Aquilo que nos fizeram é uma vergonha. Só contam connosco para pagar quotas e renovar o Red Pass.

Cumprimentos,
Sérgio de Almeida Correia (sócio 29601)"

Descontado "o abuso" de sugerir o Consulado e a tasca do meu amigo Santos, fica o registo, incompreensível, numa altura em que somos bombardeados com emails das candidaturas apelando ao voto.

Não custava nada terem criado condições para todos, mesmo todos, os benfiquistas poderem votar.

Assim está mal. Muito mal. Somos duplamente proscritos.

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comboios

por Sérgio de Almeida Correia, em 16.10.25

BEIRA Estação Ferroviária 1972.jpg(Estação Ferroviária da Beira - Moçambique)

Ao contrário do meu avô Miguel, a quem o Barreiro e o sindicalismo português prestaram justa homenagem, nunca tive qualquer relação profissional com os comboios.

As minhas relações com tais viaturas e as vias-férreas remontam à infância e pertencem ao domínio da felicidade. Algo que, não sei se sabem, está muito para além dos sonhos.

HUN1.jpg

Fosse porque quem mais me queria me segredava histórias de comboios antes de adormecer, me levava a fazer belas viagens entre Moçambique e a Rodésia, pela linha da Machipanda, da Beira a Vila Pery, hoje Chimoio, de Manica – Que saudades da piscina, meu Deus! – a Salisbury, passando por Umtali, hoje Mutare, e imensos apeadeiros, lugares, lugarejos e vilas perdidas no tempo e nos confins da história colonial, vislumbrando a serra da Vumba em carruagens confortáveis, marcadas pelo afago e o brilho da madeira bem tratada, refeiçoando numa carruagem-restaurante com toalhas e guardanapos cheios de goma e imaculadamente brancos, com um serviço simpático e sempre atencioso para com o “menino”, gargalhando com ele, com o nariz achatado e colado contra as janelas largas e luminosas, também sempre embaciadas e com as minhas dedadas, avistando Machipanda, Manica e os animais livres na distância, percorrendo as carruagens até cair de cansaço, dormindo entre belos lençóis, sempre embalado pelo balancear das composições, o som característico do rodado nos carris, e ao tempo também pelo tão penetrante e alucinatório cheiro do carvão e do vapor que saía das locomotivas.

Tempos inesquecíveis que por vezes se prolongavam na notável estação da Beira, projectada por Garizo do Carmo, Francisco de Castro e Melo Sampaio, onde quase diariamente me deixavam depois das aulas para eu percorrer o átrio em todos os sentidos, radiografando quem passava, admirando os carros em exposição, enquanto esperava que a Mélita ou o Fernando Luís descessem das suas ocupações para depois então me levarem exausto e satisfeito para casa.

Marvão.jpg

Foram todas essas memórias, mais as da minha primeira adolescência, quando para minha satisfação me punham num comboio e me despachavam para Tavira, onde sabia que os meus primos, o sol e o mar da ilha e da ria cuidariam de mim durante algumas semanas de Verão, e, ainda, as recordações da minha vida de estudante universitário, que me levariam a percorrer a Europa de Interrail, e das viagens de  que depois fiz na Austrália, na Suíça, no Japão, onde volto sempre que posso para percorrer o país no Shinkansen, que me entusiasmaram quando o Pedro se lembrou de me enviar o convite para visitar uma exposição de comboios em Carcavelos.

Já sabia do gosto e interesse do meu amigo por comboios depois de uma noite me ter revelado os seus tesouros, resultado de infindáveis horas de engenho, paixão e paciência, mas nunca imaginei ver o que vi no Pavilhão dos Lombos: uma magnífica exposição de modelismo ferroviário que me levou de novo a viajar no tempo e por estações e paisagens que me foram familiares.

Havia prometido a mim mesmo escrever umas linhas sobre o evento que ali ocorreu para vos dar conta da minha satisfação, talvez mais encanto, pelo que encontrei. E pela alegria que vi nos olhos de tantas crianças, algumas namorando com o parceiro e com as fantásticas maquetas, com filhos e netos, umas mais crescidas do que outras, com e sem barriguinha, por vezes de calções e cabelos brancos, partilhando curiosidade e paisagens de lugares espalhados por Portugal e mundo fora, incluindo numa recriação e lembrança do horror que se vive na Ucrânia, onde não se poupam crianças, novos, velhos, escolas, hospitais, museus, comboios ou estações.

PHC1 UKr.jpg

Não será grande coisa o que à pressa aqui fica, eu sei, embora haja sempre a esperança de para o ano voltar com mais tempo. Se possível com o João. Para vermos comboios circulando por montes e vales a toda a velocidade, sem perderem, ao contrário do fantasma da nossa CP, carruagens pelo caminho, e sem deixarem os passageiros apeados, iluminando os olhos de quem os vê.

Se não for para sonhar de novo, recordar outros tempos, ao menos que seja para, pelo menos, levar, como desta vez, um amigo pela mão. Ou vários. Pequenos e graúdos, fazendo-os entrar naquele mundo mágico das geografias do contentamento, levando-os a percorrer comigo aqueles pequenos carris que têm a virtude de nos trazer os antigos por onde andámos, de diferente bitola, com outras paisagens e outros cheiros, mas com a mesma alegria da memória com que os vi e me receberam.

E a gratidão a quem me mostrou o caminho até ali, proporcionando-me o prazer de escrever estas linhas e de vos deixar com as imagens possíveis de um fotógrafo menor. 

LOCOM1.jpg

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tubarões

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.10.25

Tubaroes-Azuis-qualifica-para-o-Mundial-2026-1024x

Noite curta e mal dormida, pese embora a enorme satisfação. É desta que aqui vos quero dar conta porque não podia passar em branco a qualificação dos Tubarões Azuis para o Mundial de Futebol de 2026.

O pai Eurico e o meu amigo Jorge Monteiro, se ainda estivessem entre nós, teriam exultado de alegria. Não estão eles, estou cá eu e a nota devida aqui fica.

Uma nação jovem, que ainda este ano completou 50 anos de independência, cheia de dinamismo, vontade de fazer melhor em cada dia para o seu progresso e o de todos.

Terra de gente boa, sã, alegre, trabalhadora e que connosco partilha a língua e o sentimento. Terra de saudade, de músicos, de poetas, de escritores, de emigrantes, como nós, de boa comida e melhor mar. Pátria da morabeza.

Ontem viveu-se um momento mágico no Estádio Nacional, na cidade da Praia, acompanhado à distância a partir do meu posto de observação, aqui em Macau, e ao qual como português, amante de futebol, apaixonado pelo seu mar e as suas gentes não posso deixar de me associar.

Uma qualificação notável da selecção de futebol de Cabo Verde, ultrapassando gigantes como os Camarões e Angola. A vitória por 3-0 sobre Eswatini (em português,  Essuatíni), antiga Suazilândia, é justo e merecido prémio para o pequeno farol atlântico da lusofonia erguido entre continentes. A prova de que com trabalho e dedicação não existem sonhos impossíveis.

Acompanho por isso a alegria das suas gentes e envio daqui um forte, caloroso e fraternal abraço a todos os meus amigos cabo-verdianos. Para elas também um beijo. E que continuem a fazer história no futebol.

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reencontros

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.10.25

Conjunto FDL 2 DSC_3275.JPG

Durante cinco anos, por vezes longos, de outras vezes fugazes e etéreos como a paixão que chegou e partiu sem que houvesse tempo de a agarrar, estudando e seguindo regras, foi-se preenchendo uma quadrícula em que a palavra direito era a que mais vezes figurava, alternando com a de justiça. Entre a devoção e a alegria, o choro, a coragem ou o medo do futuro, com uns abraços e uns beijos à mistura, no final cada um seguiu o seu caminho.

Do que me lembro, a despedida, para alguns, das paredes que nos acolheram foi penosa. Para outros abriu-se uma avenida, larga e soalheira, onde se cruzaram múltiplas vidas, romances, aventuras, alegrias e desgostos. Até ontem.

Muitas vezes me recordei deste e daquele, de algumas com evidente e, com o correr dos anos, envergonhada paixão, à medida que a distância e o tempo me afastavam de rostos, de abraços fraternos e sinceros, de sorrisos, cheiros, e de alguns beijos que me foram tão próximos e reconfortantes durante aqueles cinco anos. Foi ontem, podia ter sido hoje.

Aprendemos, quase todos, a ler, a citar, a sublinhar, a glosar, a escrever e a pensar de forma diferente. Sentimos a autoridade do saber, identificámos trastes e embustes, olhámos para os exemplos. Criticámos, discutimos fervorosamente cada vírgula. Houve quem cultivasse hábitos de trabalho, de colaboração com o outro, de respeito para com a diferença. Muitos tornaram-se amigos, camaradas, parceiros, sócios; outros amantes. De gente e de muitas coisas. Poucos de leis, mais pela justiça, que pela liberdade todos trilhámos o caminho e aprendemos a lição.

 E no fim cada um seguiu o seu rumo. Até hoje.

Se pensarmos no que ficou, nas quatro décadas que se eclipsaram à velocidade de um fósforo, talvez nos vejamos submergidos num carrossel de lembranças e de emoções.

Mas antes que tal acontecesse, que tombássemos sob o peso de uma memória cada vez mais distante e traiçoeira; e aquelas que tão queridas nos foram se desvanecessem, houve tempo, pese embora algumas ausências, ora ditadas pela incontornável lei da vida, outras pela geografia ou o utilitarismo táctico do quotidiano que nos rege, e que tantas vezes nos afasta de nós próprios e impede o livre fluir da genuína afectividade, de convocar a preceito os últimos resistentes de uma tribo que entendeu preservar e cultivar a memória, a fraternidade e a amizade.

Foi assim que correspondendo ao apelo, porventura na evocação da linhagem de um Shakespeare – “But if the while I think on thee, dear friend, All losses are restored and sorrows end” – ou de Alberoni, para quem a amizade será um “instante de verdade”, ou, como alguém escreveu, “uma ilha de ética num mundo sem moral”, oitenta e oito almas, dissseram-me, alinharam-se para um conveniente e fraterno encontro que ignorou continentes, atravessou fronteiras, e por momentos se estendeu da Alameda da Universidade a um hotel das redondezas, onde foi então possível voltar a trocar abraços e a beber dos mesmos rostos e sorrisos que há tanto nos encantaram.

Talvez por isso, depois da primeira confrontação com a realidade, no átrio da faculdade, e da aceitação da irreversível mudança provocada pelo sulco dos anos, que se prolongou numa romaria ao Anfiteatro 1, com a tão generosa quanto inesperada presença do carismático mestre, no seu genuíno e simpático estilo cartooniano, despido de funções protocolares, se entendeu sublinhar a autenticidade do encontro com a gravação da simplicidade da passagem do tempo na austera eternidade da pedra. Sem gongorismo, sem prosápia, sem ademanes desnecessários. “No devagar depressa dos tempos”, frase lapidar e incontornável de um senhor da diplomacia.

Como é próprio de quem reconhece a gratidão do que lhe foi transmitido, sentimento maior dos que prezam a integridade, a virtude, e rapidamente identificam nos outros, nos seus semelhantes, nos que o merecem, a grandeza do carácter, a autenticidade dos justos, a lhaneza no olhar, a frontalidade do percurso.

Ao redor de uma mesa, sorrateiramente contemplando rostos na distância, redescobrindo nomes, entre um brinde e um piscar de olhos, vendo a música escapar-se pelos anos oitenta de outra era, ou imaginada ao largo do golfo de Sorrento na voz de Lucio Dalla, “qui dove il mare luccica e tira forte il vento", enquanto uma mão me tocava e um sorriso se recuperava, as vozes voltaram a tornar-se familiares. Próximas. 

Como se sempre ali tivessem estado, e a ternura de outrora, o afago, o sorriso, se recuperasse em cada abraço, no brilho do olhar, ao mesmo tempo que se ignorava o que nos ia passando pelo prato.

Enfim, saboreando cada gole de vinho entre dois dedos de conversa como se por ali corresse um Romanée-Conti, poderoso, ajudando as folhas a voltarem-se sozinhas com as nossas caricaturas.

E foi bom, deveras foi, recuperar para aquele cenário Armindo Ribeiro Mendes, como há quarenta anos, com a disponibilidade, a simpatia e a proximidade de sempre, exclusivo dos maiores, que de cagança só se fazem os tolos.

No regresso, pelo silêncio de estradas que há muito deixei de percorrer, vendo cair no ruído dos faróis com que me ia cruzando as primeiras chuvas de Outono, recuperei a solidão interior, que tão próxima me é, também a alegria das longas noites de estudo, boémia e paixão, e preparei-me para a saudade do dia seguinte.

Reconfortado para mais uma longa viagem até ao outro lado do mundo, puxando o fio de um longo novelo. Esperando em breve poder rever os que faltaram à chamada, os que não pude abraçar, e que aqui e além vão andando pelas suas vidas.

Ciente de que a ausência, uma vez mais, por muitos anos que passem, não é mais do que um detalhe no compasso de espera do reencontro. Na eternidade, como a Mélita me transmitiu, dos abraços que fizeram, e fazem, de nós aquilo que somos. E que jamais esquecemos.

IMG_5137.jpg

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escola

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.10.25

Lyceé Français Lisbonne2609 2025.jpg

O Lyceé Français Charles Lepierre de Lisboa é uma escola internacional sob tutela do Governo de França. Os objectivos visados não serão muito diferentes daqueles para que aponta a Escola Portuguesa de Macau.

Mas enquanto ali se exibe orgulhosamente em território português a bandeira francesa [foto tirada em 26/9/2025], sem que ninguém se sinta menorizado, envergonhado ou ofendido, aqui, na escola portuguesa da RAEM, o pavilhão português ou está escondido ou é remetido para os cantos.

Como se houvesse um qualquer complexo imbecil de inferioridade colonial que nos desviasse do respeito e da dignidade devidos aos anfitriões e impedisse a bandeira portuguesa de estar na fachada do estabelecimento ao lado da bandeira chinesa, com o mesmo destaque e com as mesmas dimensões, tal como fizeram as autoridades de Pequim e o Chefe do Executivo de Macau aquando da última visita de um primeiro-ministro português.

O que, aliás, seria próprio e é adequado entre pessoas e povos de bem, entre gente que se respeita e cujos traços distintivos do seu carácter e da sua cultura não desaparecem com as mudanças de regime e as circunstâncias do momento.

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