Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: DN/MAI)
O apuramento final dos resultados das eleições legislativas de 18 de Maio, que ontem se concluiu com a divulgação das escolhas dos eleitores nos círculos da Europa e de Fora da Europa, acaba, de certa forma, por lançar novo alerta aos partidos políticos tradicionais, à classe política em geral, e por confirmar o veredicto ditado pelas urnas em quase todo o país.
Embora com menos 4313 votos, com a vitória nos círculos da emigração, o Chega ultrapassou o Partido Socialista (PS) em deputados e será em S. Bento o partido líder da oposição. Não apenas à maioria circunstancial e transitória da AD, mas também ao regime político saído da Constituição de 1976 e a que desde sempre firmemente se opusera.
Quanto ao "sistema", todos perceberam que o Chega já entrou para o seu lado de dentro e conseguiu aceder aos generosos fundos públicos disponibilizados pelos impostos dos portugueses a todos os partidos. O Chega pode consolidar a partir de hoje a profissionalização dos seus quadros, ainda que possa dizer que não o vai fazer, e receberá os mesmos milhões de euros que os partidos políticos por si tão criticados sempre receberam dos contribuintes.
O resultado obtido nos círculos da Europa e de fora da Europa, ao remeter a AD e a aliança PSD/CDS-PP para o segundo lugar aponta o enorme falhanço do discurso montenegrista junto dessas comunidades de portugueses. E destaca a perfeita nódoa que foi a acção de José Cesário e da sua equipa, não obstante as múltiplas, frequentes e na maior parte das vezes inexplicáveis, deslocações que realizou ao estrangeiro para fazer as habituais promessas e segurar o eleitorado potencial da coligação nas suas homilias para analfabetos, sacristãos e defuntos. De nada serviram as cartas enviadas para casa dos eleitores residentes no estrangeiro. E seria bom apurar o número de viagens que Cesário efectuou em menos de doze meses, detalhando-se as que fez já depois do chumbo da moção de confiança, quanto custaram – incluindo as suas ajudas de custo – e que resultados deram, quando se verifica um aumento dos abstencionistas – em 2024 votaram 6.473.789 portugueses, em 2025 apenas 6.317.949, apesar do número de eleitores inscritos ter aumentado em 31.989 – e o número de votos nulos, apesar de ligeira diminuição, continua bastante elevado (172.379 quando o ano passado foi de 189.676).
Em relação aos votos nulos importa referir que a preocupação manifestada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que se mostrou alarmada com o facto de nalgumas mesas o seu número ser superior a 40%, é comportamento que revela muita hipocrisia. A CNE estava mais do que alertada para essa situação, a que eu próprio me referi em artigo publicado em 2022. E nem essa entidade nem os Governos de António Costa e Luís Montenegro, este com menos responsabilidades atento o curto período em que esteve em funções, fizeram alguma coisa que permitisse acautelar a repetição do sucedido.
Confirmado que está o reforço substancial da votação no Chega, a vitória de Luís Montenegro, e o reforço da direita parlamentar, torna-se ainda mais evidente o descalabro eleitoral do PS de Pedro Nuno Santos.
Porém, quanto a este convém referir que não está sozinho no afundamento. Nunca será de mais dizê-lo. O líder era mau, mas os que o acompanharam não são melhores. Aquele rebanho de dirigentes oportunistas do PS que salta de secretário-geral em secretário-geral e a todos apoia, por mais diferentes que sejam, transborda de incompetência e desligamento da realidade, retirando qualquer sentido aos apelos pungentes que vêm tarde e a más horas fazer à reflexão. Reflectissem antes, dessem ouvidos a quem queria bem ao PS e ao país.
Todos os barões e baronesas do Largo do Rato que há ano e meio entronizaram, com fanfarra e foguetes, o líder demissionário para comandar uma embarcação que já então vogava à deriva num mar encapelado, e que prenunciava os trambolhões nas vagas que levaram à inundação da casa das máquinas, varreram o convés, entrando pelos camarotes, e atiraram à água o infeliz e tonitruante capitão barbudo, deviam ser corridos.
Todo o Secretariado Nacional e os membros da Comissão Nacional do PS que teceram loas à liderança e assinaram de cruz para garantirem algum protagonismo nas filas da frente são responsáveis. Ninguém sai ileso, embora agora haja uns e umas com menos vergonha na cara e que venham dizer depois da tragédia acontecer que aconselharam o ex-secretário-geral a deixar passar o voto de confiança pedido por Luís Montenegro. Houve mesmo quem tivesse o desplante, em vez de ficar caladinha, de dizer numa entrevista que travou a sua candidatura à liderança do partido para não prejudicar o PS nas autárquicas. Um destes dias ainda vêm dizer que Pedro Nuno Santos chegou sozinho à liderança e que nunca nenhum deles o apoiou. Enfim, é lá com eles.
Seria sim conveniente que em Portugal, que é o que verdadeiramente nos interessa, se começasse por arrumar a casa, fosse rapidamente dada posse a um novo Governo, nas ideias e nas pessoas, removendo-se os emplastros do último, e as coisas voltassem à normalidade. A começar nos aeroportos. O caos que aí se tem vivido também tem responsáveis.
Quanto ao resto, isto é, a democracia, se tiverem juízo e não andarem a perder tempo a rever com todo o folclore o preâmbulo da Constituição, equiparando-se aos dirigentes e às preocupações do Partido Comunista Chinês, como se daí dependesse o futuro da nação, o desenvolvimento do país e a alegria do povo, acabará por se reformar, continuando a acolher todos os que nela se revêem, incluindo aqueles portugueses incógnitos que nas urnas se manifestaram contra a paz podre do regime político, castigando as suas medíocres elites e as aberrações de um sistema eleitoral que teima em não se reformar e prefere continuar a afastar-se dos eleitores, empobrecendo a participação e a responsabilização individual e colectiva.
(créditos: Forbes, DPA/PICTURE ALLIANCE VIA GETTY IMAGES)
O problema não é novo e não se me afigura de fácil resolução.
Não há muito tempo, um artigo do Vítor Rebelo, deu-nos conta de que a Escola Portuguesa de Macau realizou um inquérito junto dos encarregados de educação no sentido de apurar qual a posição destes sobre a eventual imposição de restrições ao uso de telemóveis no interior do estabelecimento de ensino e durante os períodos escolares, sem prejuízo da sua utilização "em situações de emergência, actividades pedagógicas por indicação do professor, ou para permitir o acesso a recursos educativos e ferramentas online facilitadoras da aprendizagem". A ressalva é importante, mas não é tudo.
Depois disso, em Março, saíram notícias vindas da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude de Macau sobre a vontade de se impor um "conjunto de orientações sobre o uso de telemóveis para alunos de escolas do ensino não superior". pareceu-me bem.
E quanto a este ponto, o presidente da Associação de Pais da Escola Portuguesa de Macau (EPM), Filipe Figueiredo, manifestou a concordância da associação a que preside quanto à introdução dessas restrições, salientando, com razão, as perturbações ao comportamento das crianças e jovens que a influência e a dependência daqueles equipamentos tem causado.
Recorde-se que, em 2023, a UNESCO recomendara que fossem banidos os telemóveis (smartphones) das escolas por constituírem uma distracção à aprendizagem.
Concordar-se-á, facilmente, que há impactos positivos, mas também alguns muito perniciosos, ao uso frequente, desregrado, incontrolado de equipamentos electrónicos. E não apenas por parte dos mais novos. O mesmo se diga quanto às ferramentas de Inteligência Artificial (IA).
Ontem, o The Guardian deu-nos a notícia de que na Estónia, considerado uma dos países mais avançados do mundo em matéria de Educação e que obteve resultados muito bons na última ronda do PISA, em 2022, ocupando os seus estudantes o primeiro lugar em Matemática, Ciências e Pensamento Criativo, e o segundo em Leitura, se lançou um programa nacional designado "AI Leap" destinado a dotar os seus alunos e professores de ferramentas e qualificações de nível mundial em matéria de IA, programa esse que começará em Setembro. Desse modo se investirá na preparação tecnológica dos professores, enfatizando-se um modelo de aprendizagem autónomo, suportado numa ética digital, de maneira a que se dê "prioridade à equidade educativa e à literacia em IA".
A ministra da Educação e Tecnologia da Estónia enalteceu o uso desses equipamentos, referindo que no seu país o direito de voto é exercido a partir dos 16 anos, que o exercício desse direito é estimulado para que ser feito online, recorrendo-se aos telemóveis, e acrescentando que isso contribui para a participação cívica e eleitoral, a obtenção de informação e a análise de plataformas políticas, não fazendo sentido a imposição de restrições, que transmitiriam uma ideia contraditória.
O sucesso do uso dos telemóveis, e dos resultados obtidos por aquele país, estará antes num conjunto de regras direccionadas a crianças com menos de 12 ou 13 anos, quanto ao modo como esses equipamentos deverão ser utilizados, cabendo depois às escolas a regulação do seu uso durante os intervalos e nas aulas, sempre que o professor considere que devem ser usados como auxiliares na realização de trabalhos escolares.
Segundo Kristina Kallas, o desafio está em saber se somos capazes de evoluir no sentido de nos tornamos criaturas de pensamento mais rápido e de nível mais elevado, ou se vamos deixar que seja a tecnologia a apoderar-se da nossa consciência.
A solução não é fácil. Continua a haver todo um debate por fazer.
A solução da proibição é a mais fácil, a mais imediata. Mas, pergunto eu, será que com a proibição se garante o sucesso?
Há que encontrar as soluções mais adequadas ao momento e procurar ir adaptando-as à medida que vamos conhecendo um pouco melhor os desafios que se nos colocam, as exigências e as consequências do uso, imoderado ou regrado, desses equipamentos e da IA.
Uma coisa é certa: não podemos permitir que seja a IA a decidir por nós. Nem ficar num grau tal de dependência que a nossa autonomia seja colocada em risco. No dia em que isso acontecer será o fim da nossa espécie enquanto seres pensantes, dotados de razão e independência.
No fundo, o que está aqui em causa é saber se seremos capazes de continuar a evoluir não perdendo razão nem autonomia. Isto é, se continuamos a ser livres ou se vamos perder essa liberdade em favor das máquinas e de quem as domina.
A escolha será decisiva e voltará a ser, não há que fugir, entre a liberdade e a tirania.
Uma pessoa abre os jornais, ouve os noticiários da rádio e da televisão e não há dia que não seja bombardeada com estatística sobre os números de pessoas que entram e saem de Macau. Dir-se-ia que há uma contínua insistência na mesma tecla.
Há duas maneiras de olhar para a insistência; que por vezes também é resistência.
Se, por um lado, a insistência pode ser uma virtude, por outro também admite ser vista como um erro.
Ali, tem-se a tentativa de correcção, de aperfeiçoamento, de ultrapassem de obstáculos, criando soluções para os problemas, acrescentando valor ao esforço, procurando melhorar os resultados. No segundo caso, a insistência é a aposta permanente nas mesmas receitas que já se mostraram discutíveis, inadequadas, erradas, ultrapassadas e que em nada contribuem para uma melhoria dos padrões, um aumento de qualidade, uma progressão positiva.
A aposta no turismo de massas por parte das autoridades de Macau é cada vez mais um mau exemplo de gestão, de insistência no erro, de persistência no empobrecimento do sector, de aposta na mediocridade. Não é qualidade, é defeito.
Mas vamos aos exemplos para que melhor se perceba.
Em 19 de Maio pp., uma noticia do Ponto Final, com base num despacho da Agência LUSA, referia "o consumo médio de cada visitante caiu 13,2% no primeiro trimestre do ano, em comparação com o mesmo período do ano passado". A explicação, diz-se, estará no aumento do número de excursionistas que passaram de 54% para 59%.
O Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, lê-se na mesma notícia, alertou para a circunstância de Macau ter cada mais "turistas", sublinhando que "o nível de consumo está a baixar". Já todos os residentes se aperceberam há muito tempo. Será isto normal numa cidade que reclama ser um "Centro Mundial de Turismo e Lazer", pergunta-se?
Este mês, a Direcção dos Serviços de Estatísticas e Censos assinalou uma descida do padrão de consumo dos visitantes. O PIB pela primeira vez diminuiu desde o final da pandemia, em 2022, e os benefícios do sector turístico caíram 3,8% neste mesmo primeiro trimestre de 2025. Repito a pergunta: Será isto normal?
Hoje, 22 de Maio, o Ponto Final e o Macau Daily Times assinalam que só em Abril houve um aumento do número de visitantes de 18,9%. Nos primeiros quatro meses significaram mais 12,9% do que no ano anterior.
A estes dados acrescentem-se mais dois.
As vendas a retalho caíram 15% nos primeiros quatro meses, com os gastos em actividades não-jogo a descerem 3,6%, prevendo os economistas um aumento das rendas habitacionais.
A satisfação estatística da DST e da TDM decorrente do contínuo fluxo de "turistas" não traz nada de positivo a Macau. São cada vez mais, gastam cada vez menos, e não é por serem mais que o volume final de receita cresce. Bem pelo contrário.
A segunda nota de registo vem, invariavelmente, da cambada dos táxis: "as irregularidades praticadas por taxistas registaram, nos primeiros quatro meses deste ano, uma subida a pique", o que corresponde a um aumento de 187% no número de infracções.
O aumento de infracções dos taxistas é pornográfica. E isto numa terra onde esse cancro da actividade económica e dos transportes está identificado. A carência de táxis, a má condução, a falta de oferta de veículos, ausência de educação e impreparação dos motoristas começa a ser lendária e internacionalmente conhecida.
Ainda há dias em Jacarta, por comparação, numa cidade cuja área metropolitana é de mais de 30 milhões de pessoas, pude utilizar os seus serviços de transportes urbanos, autocarros e táxis, de diversos operadores, incluindo Grab, Blue Bird, Silver Bird, sem qualquer problema ou o mais leve incidente, em percurso curtos e longos, de e para a cidade e dentro dela, sempre com taxímetro, sem dificuldades de chamada, com motoristas educados, simpáticos, prestáveis, falando inglês e sem tentativas de extorsão.
Aquilo que é cada vez mais uma evidência é que as políticas que há anos vêm sendo seguidas pelo Governo de Macau e o seus departamentos de turismo e transportes são um desastre. Não acrescentam valor, inflacionam os preços, congestionam as ruas e as estradas, aumentam o grau de poluição urbana e contribuem para a degradação da qualidade do ambiente para os residentes. Aos anteriores Chefes do Executivo muito se deve da lástima de serviços e miríade de problemas que o actual CE herdou.
Importaria por isso que a aposta hoje fosse não num aumento puro e simples, contínuo, desregrado e idiota do número de pessoas que entram e saem, sozinhas ou em excursão. É preciso fazer uma volta de 180 graus nas políticas até aqui vigentes nestas áreas. E apostar numa substancial melhoria dos padrões sociais, culturais, de riqueza e de consumo de quem nos visita.
E ao mesmo tempo acabar com os bandos que operam no sector dos transportes, impondo-lhes, se necessário com medidas de polícia, a obrigação de um serviço de táxis decente e competitivo. Aqui seria ainda preciso acabar com o preconceito e os oligopólios. Permitir a concorrência de empresas estrangeiras do sector, como se faz com os casinos, e acabarmos com o proteccionismo interno de cariz trumpista em que há décadas vivemos e que só serve aos mandarins locais. Se não for assim ainda voltaremos ao tempo dos riquexós.
Os principais responsáveis pelo descalabro eleitoral do PS e pelo buraco em que hoje se encontra, devido em particular aos apoios que foram sempre dando a quem está no poder, para assim irem fazendo prova de vida e garantirem que continuavam a ter algum protagonismo na sua irrelevância, começaram logo a aparecer. Bastaram 24 horas.
O sábio Santos Silva, que foi saltando de direcção em direcção, um dos principais rostos do buraco em que o PS está, veio dizer que está muito preocupado e quer uma direcção com uma marca de colegialidade grande, certamente para que o atoleiro continue e o partido prossiga o chafurdar na lama.
O filósofo Assis, que nestas ocasiões e na hora de formar listas protege a sua pretensa frontalidade sempre atrás de um discurso viscoso, que a mim me causa muitas comichões, não quer eleições para a liderança antes das autárquicas.
E a reboque de tão peregrina ideia, que deixaria o partido no limbo até Outubro, afirmou que o quer conduzido até à eleição do novo secretário-geral por esse génio que aterrou no Largo do Rato vindo com o anti-ciclone dos Açores e que, qual Gungunhana, se sentou na presidência do PS.
Se esta gente tivesse um pingo de vergonha devia ficar calada. Em vez de, após um resultado humilhante e que a muitos deles se deve, estarem já a querer condicionar o futuro e as decisões que os militantes, e em meu entender também os simpatizantes, deverão tomar.
Aliás, deviam juntar-se todos e a seguir, fazendo previamente um voto de clausura, alugavam uns autocarros e enfiavam-se todos num desses conventos abandonados, mais aquela rapaziada que veio da JS para dar cabo do partido, e ainda a comentadora Ana Gomes, que podia fazer de moderadora, para reflectirem sobre o passado.
E dali só sairiam quando o PS voltasse a obter uma maioria absoluta. Era remédio santo.
Terminado este ciclo, que culminou ontem com as eleições legislativas, importa dar público conhecimento do que em 18/12/2023, de relevante, referi numa comunicação dirigida ao Presidente do PS, Carlos César, logo após a escolha de Pedro Nuno Santos para liderar o partido:
"(...)
A forma demagoga e populista como a liderança tem sido exercida, o fechamento do Partido à sociedade, não obstante tudo o que em contrário foi sendo apregoado (longe vão os Estados Gerais), o horror e protelamento sucessivo das reformas de que o País e o Partido necessitavam, da eleitoral à de organização e de mentalidades, sempre para que meia-dúzia de indivíduos que não têm onde cair fossem sobrevivendo agarrados ao casco do navio, uns mesmo depois de serem amplamente derrotados nas urnas, outros após se retirarem da política activa, alguns com responsabilidades políticas, deputados, autarcas e ex-membros de governos e autarquias socialistas que se predispuseram a ir enganando os eleitores e [que] nem sequer se coibiram, quando caiu o governo de José Sócrates, de pedir emprego, quais Egas Moniz, a pessoas do Executivo de Passos Coelho, sendo depois de novo recuperados para posições de relevo e sinecuras políticas quando o vento mudou, revelam bem aquilo em que se tornou o PS.
O Partido é hoje uma montra do mais rafeiro populismo de esquerda, do oportunismo conjuntural, da falta de sentido de Estado – embora sejam sempre apontadas culpas a terceiros –, da ausência de humildade política, da sobranceria e arrogância discursiva, do carreirismo militante, da falta de integridade de muitos ao nível das funções de Estado. Enfim, uma verdadeira nave à deriva agora definitivamente entregue a um grupelho de moços e moçoilas que pouco fizeram na vida para além de nunca terem trabalhado e vivido no mundo real sem a rede do partido, sustentados como sempre foram à custa e a expensas do PS e dos cargos que lhes foram sendo atribuídos ao longo dos anos.
Para quem, ao longo de uma vida de trabalho, em que não fez outra coisa senão lutar contra as injustiças, empenhando-se, dentro e fora da profissão, contra toda a espécie de arbitrariedades, pugnando pela decência e a construção de uma sociedade mais equilibrada, mais justa, mais livre e mais responsável, sendo por estas razões, inclusivamente, também, alvo de um processo judicial movido pelo Ministério Público, ao tempo, na comarca de Albufeira, e que acabou com a absolvição do arguido, e com o representante daquela corporação a limitar-se a pedir justiça, transitando em julgado sem recurso, não obstante os custos pessoais, profissionais e processuais que acarretou, alguns suportados pela Ordem dos Advogados, é tempo de também dizer basta.
O PS mostrou preferir o progressivo afastamento da sociedade, à alternativa da sua aproximação, rejeitando eleições abertas para a escolha do Secretário-Geral, o que, estou certo, ainda que a alguma distância de 10 de Março de 2024, terá custos eleitorais pesadíssimos dos quais, dificilmente, alguma vez o Partido voltará a recuperar.
O Partido está cada vez mais velho, esclerosado, cansado. Fala para dentro, não está a cumprir a sua função de mediação entre o eleitorado, os simpatizantes e o poder político, desligou-se, entregando-se às camarilhas e às corporações, à casta dos eleitos do Secretariado, e o resultado está à vista.
Deu-se cabo de um ciclo único e de uma oportunidade histórica de reforma interna e nacional por manifesta inépcia, incapacidade, falta de liderança interna e com uma imagem externa profundamente desgastada, correndo atrás de epifenómenos e modismos, como se fosse essa a sua vocação, alinhando em perigosos jogos e alianças que o descaracterizaram e foram fragmentando ao longo do tempo.
Os críticos, os que pensam pela sua própria cabeça e sempre tiveram vontade própria foram sendo postergados, substituídos pelas habituais “yes-men”, filósofos de ocasião que saltam de cadeira em cadeira entre rádios e estúdios de televisão, apoiando sempre todas as lideranças, todos os candidatos, qualquer alternativa, e se revêem em todos os programas por mais díspares e contraditórios que sejam.
O que o PS fez de bom na governação, designadamente em matéria de Finanças Públicas, se resgatou uma parte do passado próximo, não ilude, neste momento, o muito mau que politicamente fomos aos olhos do País e o desastre que foi a gestão política do Governo, os “casos” TAP, EFACEC, Aeroporto, ou as “políticas” de Educação, Habitação, Saúde, Ambiente, Economia, Defesa, Agricultura, Justiça, Infraestruturas ou, até mesmo, em algumas áreas dos Negócios Estrangeiros, dada a fraquíssima prestação e os imbróglios sem justificação em que o actual titular “se foi enredando”. Neste caso, perdeu-se um bom diplomata para se ganhar um mau ministro em dose dupla.
Já não vivemos no tempo de Lassalle. Os militantes não têm de apoiar os novos oligarcas, ainda que netos de sapateiros e filhos com berço de oiro de empresários, nem se adequar às resoluções por eles tomadas, e confesso que hoje tenho muitas dúvidas em enquadrar, numa perspectiva teórica, o modelo de partido que temos. Não somos mais um partido de massas, nem um partido de integração social, à luz de Neumann, surgindo-me algumas dúvidas entre o catch-all party de Kirchheimer (“pilha-galinhas” diria o meu Prof. Farelo Lopes, na esteira de Panebianco) ou um simples partido eleitoral-burocrático de tendência cada vez mais populista.
Neste momento já nada disso importa. A descaracterização é total. Basta recordar o que disse o novo Secretário-Geral durante a sua campanha e no dia da sua vitória. Por isso mesmo, não tenho mais tempo, nem paciência, para continuar a assistir ao descalabro do PS, pelo que, antes de ver aumentar o rombo, decidi colocar um ponto final na militância activa. Não tenho qualquer interesse em prosseguir, nas actuais circunstâncias, à deriva numa nave cujo rumo e destino, a avaliar pela errância das declarações do novo Secretário-Geral, se prepara para acelerar no espaço sideral com toda tripulação aos trambolhões no seu interior.
Em rigor, seguindo aquilo que foi concedido ao falecido camarada Mário Soares, e também defendido pelo saudoso Pedro Baptista, para haver coerência e respeito pelo passado, dever-me-ia ser autorizada a suspensão da militância pelas instâncias próprias do Partido. Pois que se essa não existe prevista nos Estatutos, então também não poderia ter sido concedida ao primeiro e invocada pelo segundo, com toda a propriedade, quando se afastou.
Não sendo tal possível, e rejeitando a aplicação de qualquer regulamento de excepção, ou que no Largo do Rato “fechem os olhos”, muito menos por favor, afastar-me-ei a partir deste momento de toda a militância.
Finalmente, permitir-me-á que lhe faça, com todo o respeito, uma crítica: considero que o camarada Carlos César, Presidente do Partido Socialista, não esteve à altura das suas funções quando decidiu, publicamente, numa rede social, manifestar o seu apoio à candidatura do camarada Pedro Nuno Santos. Com isso, violou o disposto no art.º 51.º, n.º 3 dos Estatutos que impõe ao Presidente o empenho sua “magistratura moral na defesa da unidade e coesão do Partido”, contribuindo para uma maior divisão interna, aliás logo confirmada no discurso inaugural do vencedor. Ao dizer que Pedro Nuno Santos estava “mais perto da interpretação autêntica do percurso de Costa” e que José Luís Carneiro estava“sitiado pela euforia apologética da maioria do comentariado e dos dirigentes da direita portuguesa” – vd. igualmente Público, Ana Sá Lopes, 07/12//2023 – só mostrou o quão baixo politicamente desceu o Presidente do PS, colocando-se numa posição em que nunca se deveria ter colocado perante os militantes do Partido, um candidato à liderança e ainda ministro do PS, e perante os eleitores. Pior era difícil. Um desastre."
A isto respondeu Carlos César dizendo que "não obstante discordar do seu conteúdo, reconheço que fez muito bem em afastar-se de um partido com o qual em nada parece concordar". Depois arrependeu-se e disse lamentar a saída, mas eu já tinha sido abatido aos cadernos.
Passaram apenas 18 meses. Tudo o que ficou registado é passado. Eu continuei a minha vida, como sempre, vida de homem livre.
Paz à sua alma.
(créditos: Rádio Renascença/Homem de Gouveia/LUSA)
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo não deixa a mais pequena margem para qualquer dúvida.
O modo como foi conduzido o caso dos militares que estavam em serviço no NRP Mondego, pelo então Chefe do Estado-Maior da Armada, hoje pré-candidato e – se as sondagens estiverem certas e não surgir um candidato decente da sociedade civil – futuro Presidente da República, Henrique Gouveia e Melo, com uma inacreditável sucessão de atropelos à legalidade, a múltipla violação de direitos fundamentais dos arguidos, o desrespeito por normas de cariz constitucional, numa questão que, em bom rigor, numa perspectiva jurídica, era de lana caprina, e a defesa que de todos esses atropelos se fez "com unhas e dentes" não augura nada de bom para o sossego dos portugueses e a garantia de futuro bom desempenho do mandato presidencial.
Os vícios procedimentais, a que o senhor almirante deu acolhimento enquanto Chefe do Estado-Maior da Armada, são tantos e tão graves que os senhores juízes concluíram escrevendo que "[a] nulidade da decisão sancionatória disciplinar por vícios do procedimento, obsta à apreciação e qualificação do comportamento dos militares da Marinha descrito nos autos e à (in)validade da subsunção normativa que lhe será inerente, bem como, consequentemente, prejudica a aferição da legalidade substancial das sanções aplicadas".
Uma perfeita borrada, não tenhamos medo da contundência de algumas palavras, imprópria de um Estado de direito, que alguns iludidos, outros desvirtuados e espúrios interesses, se preparam para apoiar fechando os olhos a tudo o mais.
Nem todos os que dizem viver com Deus no dia a dia chegam a santos. E alguns não são nada recomendáveis, em especial se se apresentarem de avental a rigor.
Vale por isso a pena ler na íntegra o acórdão do STA, de 30/04/2025, proferido no Processo 0121/24.4BCLSB, cuja ligação aqui fica.
Pelo menos ficamos todos a saber com o que iremos contar e não haverá razão para depois se queixarem das escolhas que fizerem.
Posso ter simpatia por uma pessoa, até ver nela uma pessoa cordata, educada, discreta, competente para muitas funções.
Porém, para se ser Presidente da República, num Estado de direito democrático, não basta não ser corrupto, e dizer meia-dúzia de banalidades para a populaça, ter boa apresentação e saber alinhar a tropa na parada. Para os discursos ou as vacinas. Convém, e não apenas, interiorizar os valores constitucionais, legais e políticos e ser capaz de respeitá-los sempre, em todos e quaisquer momentos.
Ainda mais quando se é militar, se exercem as mais altas funções de comando e se tem de ser um exemplo para os outros perante circunstâncias adversas.
É nestas, aparentemente pequenas, coisas, e não valerá a pena por agora falar de outras, mas que contendem com a vida de todos, que se distinguem os grandes líderes e se vê quem não serve para determinadas funções, independentemente das escolhas serem livres e do veredicto popular ter de ser sempre respeitado.
No erro também há que ter humildade. E assumir que se errou para se poder avançar. E sobre isto ainda não ouvi do senhor almirante uma única palavra.
Nota: O que aqui fica não quer dizer que qualquer um dos outros candidatos, conhecidos ou que andam a ameaçar vir a sê-lo, atirando moedas ao ar, mereça o mais pequeno crédito, ou benefício da dúvida, para a função. São todos demasiado maus para que se possa, sequer, imaginá-los em Belém.
Nota 2: Confirma-se. Mais um naufrágio a caminho, tal como aqui referido.
O Luís Almeida Pinto já tinha chamado a atenção para o facto das moradas dos eleitores portugueses residentes no estrangeiro serem disponibilizadas aos partidos políticos, para efeitos de campanha eleitoral, nos termos da lei.
Com efeito, o art.º 54.º da Lei 14/79, n.º 4, dispõe que "[p]ara os efeitos da realização da campanha pela via postal, os partidos políticos e coligações podem obter, junto do Ministério da Administração Interna, cópia dos cadernos eleitorais dos eleitores residentes no estrangeiro em suporte digital".
Ou seja, o Ministério da Administração Interna, neste caso dirigido por uma pessoa do Governo da AD, a conhecida Margarida "Fiasco" Blasco, é que disponibiliza, através da respectiva Secretaria Geral, as moradas dos eleitores.
Em Macau, os primeiros panfletos de campanha chegaram por via do PS, há mais de duas semanas.
Muitos residentes se indignaram então porque consideraram um abuso essa disponibilização de dados, convencidos de que se trataria, imagine-se, de uma acção concertada com elementos ao serviço do Estado português na RAEM. Teorias da conspiração não faltam.
Pois agora esses indignados terão não apenas uma, mas duas boas razões para se voltarem a indignar.
A primeira pelo facto do PSD ter repetido a graça do PS. Se foi um abuso antes, continua a ser.
A segunda porque estando nós, praticamente, a apenas uns dias do final da campanha eleitoral, havendo quem ainda não tenha sequer recebido a documentação para poder votar, e com os CTT a demorarem três semanas, em média, o mais provável é que os votos não cheguem a Lisboa a tempo de poderem ser contabilizados e a acção de propaganda que agora chegou às caixas de correio dos eleitores não sirva para nada. Puro desperdício pago pelos contribuintes.
Sem a comendadora Rita Santos em campo, a arregimentar e cacicar os votos, o mínimo que se poderá dizer é que o PSD, Montenegro e Cesário até nisto se revelaram profundamente incompetentes. Indignem-se pois. Por ali, com esta eficiência, Portugal continuará parado.
Ao rever as edições do Boletim Oficial das últimas semanas verifiquei que foi publicado no n.º 18, II Série, de 30/04/2025, a pág.ªs 57 e 58, o calendário dos feriados, tolerâncias de ponto e dias de descanso compensatório “dos trabalhadores da Administração Pública para o ano de 2026”.
Dos dias aí referidos como feriados fixados pela Ordem Executiva n.º 60/2000, no total de 20, apenas 10, ou seja metade, são aplicáveis ao sector privado.
Das tolerâncias de ponto e dias de descanso compensatório, no total de 8 dias, nenhum é aplicado ao sector privado.
Isto quer dizer que os funcionários públicos, que, em regra, ganham melhor do que no sector privado, e têm, por comparação com aqueles, pelo menos o dobro ou triplo dos dias de férias do sector privado, onde só 6 dias úteis de férias são obrigatórios (cfr. art.ºs 44.º e 46.º da Lei 7/2008, republicada por Despacho do Chefe do Executivo n.º 134/2020 (B.O. n.º 25, de 22/06/2020), estão numa situação que não tem paralelo, nem correspondência, com o que se passa com a generalidade dos trabalhadores residentes e não-residentes. Nem com o que se verifica na China, em Hong Kong, ou em qualquer país capitalista onde os trabalhadores não sejam tratados em regime de semi-esclavagismo.
Apesar de no sector privado não ser preciso (ainda), prestar juramento de fidelidade, indiferentemente da nacionalidade, por razões de segurança nacional, espero que o Chefe do Executivo, que disse não ser insensível a esta profunda discriminação, mesmo entre residentes, considere prioritária a revisão das leis laborais, para que no próximo ano não se repita este filme.
Não se trata de retirar direitos a ninguém, mas de alargá-los a quem tanto contribui com o seu trabalho no sector privado para o bem-estar de todos e o enriquecimento da RAEM, conferindo igual dignidade a quem trabalha. Todos têm família e igual direito ao descanso.
Ademais de que muitos dos que trabalham no sector privado também são católicos, budistas e de outros credos, havendo quem goste de celebrar o Dia de Buda, como todos os outros, de ir à igreja na Sexta-Feira Santa, de festejar o Barco Dragão, o Dia de Finados, o da Imaculada Conceição, o Solstício de Inverno, e também de usufruírem da Véspera de Natal e do Dia de Natal, não se justificando que tenham de trabalhar nesses dias e nos outros todos em que a função pública, os bancos – nem sempre – e a AMCM descansam porque estão a compensar dias feriados que caíram em sábados e domingos. Compensar de quê se nesses dias já não trabalharam?
Caravaggio, 1594, I bari (Os trapaceiros)
O resultado da sondagem do Barómetro DN/Aximage não engana. E mostra a consistência do juízo que os portugueses fazem dos seus dirigentes políticos. "[N]ão há um líder partidário com saldo positivo".
Estão ali, em São Bento ou na Gomes Teixeira, como podiam estar ao balcão de um banco, a receber formulários numa repartição qualquer, a tirar cafés ou a servir imperiais na tasca do pai.
São consistentemente maus aos olhos dos seus concidadãos para as funções que querem desempenhar. Mas estão convencidos de que nasceram para aquilo. Até tratarem da vidinha.
Incapazes de melhorarem a sua imagem, de apresentarem desempenhos decentes ou de suscitarem algum aplauso.
Os seus discursos vão permanentemente do irado ao monocórdico. São repetitivos, repletos de banalidades, desligados da realidade e das verdadeiras preocupações dos portugueses, recheados de frases feitas e lugares-comuns.
A grande pobreza vocabular das suas intervenções, o nível da linguagem, espelham a sua insuficiência formativa, o afastamento da realidade nacional, a falta de talento para a direcção política, a total ausência de carisma e de capacidade mobilizadora.
Nunca políticos carreiristas, semi-ignorantes, cábulas e com espírito de funcionário poderão alguma vez mobilizar um país, erguê-lo da mediocridade em que medra de eleição em eleição.
Ainda que a população fosse exclusivamente composta por bimbos com "sonhos de menino", o desencanto seria sempre o mesmo.
E isto já não é sina. É uma escolha consciente.
Porque até as crianças se recusam a nascer. E mesmo os mais capazes se conformam para não terem chatices e não se incompatibilizarem com os vizinhos.
Assim vamos seguindo, sem chama, sem apelo, sem horizonte, empurrando com a barriga, escovando os fatos, mudando a naftalina, seguindo atrás de uma elite de moribundos alegres.
Tivéssemos nós um Rimbaud e teria desertado para Java. Como um foi para a Índia e o outro para Macau. Para não terem de nos aturar.
Cumprem obrigações como quem vai à missa dominical, virando as folhas do calendário, celebrando os aniversários, respeitando veneradamente as efemérides, sabendo que a seguir à Primavera virá o Verão, depois o Outono, antes de chegar o Inverno, enquanto se ensaia a ladainha seguinte e se cumpre a promessa ao longo da berma das estradas.
E no final dar-se-á a volta para que tudo se repita de novo. Com os mesmos e nos mesmos dias para que não se perturbe a paz dos mortos e a conformação dos vivos.
Venha então de lá o Dez de Junho.