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por Sérgio de Almeida Correia, em 26.04.25

StanzaFrancesco.jpg(créditos: daqui)

Gostava de futebol, apreciou a beleza feminina, namorou, sabia saborear um bom vinho. Depois escolheu o seu caminho.

Atingiu o pináculo do poder terreno da sua tribo no trono de São Pedro. Dispensou os múleos papais vermelhos da Prada, não usava óculos Gucci, e viveu uma dúzia de anos no quarto 201 da Casa Santa Marta.

Encarou os erros, procurou corrigir, pediu desculpa quando importava fazê-lo. Não perdeu a face.

Sorria, ria com gosto, tinha sentido de humor.

Trabalhar, rezar, cumprir as suas obrigações, cuidar da sua gente, pensar nos outros, estender-lhes a mão, ajudar quem precisava a levantar-se, mantendo a postura, a dignidade, o carácter, a autenticidade, a humildade, o amor até ao fim.

Fé é isto.

Gostava de ter esperança.  De ter fé. Por eles – fiéis, infiéis e os outros –, também por mim.

Não sei se alguma vez haverá outro como ele. Mas seria bom.

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matumbos

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.04.25

SMM.jpeg(créditos: daqui)

Houve quem viesse criticar, quem se insurgisse, contra o facto das cerimónias do 25 de Abril – “agenda festiva”, escreveu-se –, tivesse sido "cancelada". Esta expressão surgiu em toda a comunicação social a que tive acesso após as declarações do ministro Leitão Amaro. João Gonçalves recomendou que “as vestais do “Estado laico” e do “fascismo nunca mais” fossem ler a legislação que define o luto nacional e as restrições que implica.

Eu, que não sou uma vestal do Estado laico, não emprenho pelos ouvidos nem participo em manifestações delirantes, tirando as que ocorrem de tempos a tempos no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, onde mantenho – penso – sempre a distância e o bom senso –, pois que nem em pequenino gostava de “ajavardar”, fosse na linguagem ou nos actos – verifiquei a legislação e lá não encontrei nada que obrigasse ao cancelamento das “festividades”. Abrilistas ou outras.

O Governo veio depois "esclarecer" – não há nada que fique esclarecido à primeira – que afinal não havia cancelamento. Apenas um adiamento dos "momentos festivos". 

Cada vez estou mais longe, graças a Deus, de algumas das preocupações dos meus compatriotas. E como não alinho em arraiais, e também não deverei conseguir votar nas próxima eleições – porque na CNE não sabem ler a lei e encerraram mais cedo do que o devido a actualização dos cadernos, impedindo-me de votar presencialmente, sendo que até hoje também ainda não chegou sobrescrito com a documentação para poder votar –, tive o cuidado de verificar o que se irá fazer em Itália, cujo Dia da Libertação cai exactamente a 25 de Abril. Este ano comemorar-se-á o 80.º aniversário da Libertação.

Pois bem, tanto quanto numa pesquisa rápida me apercebi, as mais altas figuras do Estado italiano, e todo o país comunal, não deixarão de celebrar, leia-se festejar, o Dia 25 de Abril, dia da libertação do nazifascismo, embora com um programa "aligeirado" quanto às principais figuras do Estado.

Na verdade, nesse dia, o Presidente Sergio Matarella e a Presidente do Conselho, Giorgia Meloni, estarão ambos em Roma, no Altare della Patria, na piazza Venezia, onde depositarão uma coroa de flores. Depois, Matarella, ainda convalescente após alguns problemas de saúde, seguirá para Génova, onde decorrerão as comemorações oficiais. Aí almoçará, regressando mais cedo a Roma para receber os dignitários estrangeiros que começarão a chegar para as exéquias fúnebres do Santo Padre.

As cerimónias oficiais devido ao luto oficial serão “aligeiradas” – "hanno spinto il Quirinale a sfoltire le voci in agenda", escreveu o la Repubblica, isto é, salvo melhor tradução, a "reduzir os pontos da ordem do dia" –, o que é bem diferente de cancelamento ou adiamento, embora por todo o país, todas as comunas italianas, incluindo Roma, e com excepção, creio, apenas de Ponte San Nicoló, no Veneto, que cancelou todas as cerimónias, de Norte a Sul, não se deixará de festejar, sublinho, festejar, celebrar, comemorar, o 25 de Abril.  

Estou certo de que em Itália, onde o luto declarado foi de 6 dias, haveria muito mais razões, até pela proximidade ao Vaticano, para pura e simplesmente se anunciar o cancelamento ou o adiamento dos eventos oficiais. Não foi isso que aconteceu. E Meloni pode ter muitos defeitos, mas seguramente que não é de esquerda, menos ainda da esquerda radical. E também não é parva.

O Governo errante de Montenegro, se estava à espera do Conselho de Ministros, poderia ter enveredado pelo luto oficial a partir do próprio dia 26 de Abril – dia do funeral do Papa Francisco, em que talvez fizesse mais sentido iniciar o luto –, de maneira a não contender com o 25 de Abril. Não o quis fazer por mero tacticismo político, criando mais um motivo de discórdia e polémica em período pré-eleitoral. Aliás, bastaria observar o tom e o modo das declarações de Leitão Amaro para se perceber como a agenda e o estilo do “trumpismo” tomaram conta deste rebanho de ignaros e pastores sem mundo que, à direita hoje, à esquerda ontem ou amanhã, manda em Portugal. Governar é só para quem sabe.

E isto, refiro-me ao luto, não tem nada a ver com o facto de o Estado português ser por natureza laico, independentemente de o catolicismo ser a religião predominante no país e entrar pela nossa carne, de portugueses e ainda mesmo naqueles que se reconhecem como ateus, e só parar no tutano. Em causa está o respeito pelo falecimento de um Chefe de Estado de um país estrangeiro com o qual Portugal e os portugueses têm relações diplomáticas e de amizade há séculos. É válido para o defunto ou para outro qualquer.

Francesco, Francisco, Francis, qualquer que seja a língua em que pronunciem o seu nome foi um homem que marcou o seu tempo. Dentro e fora da Igreja. E não foi pelas más razões.

Pela sua bondade, pelo seu carácter, pela sua generosidade, por tudo aquilo que nos trouxe, a católicos, ateus, agnósticos, gente de outros credos, na recuperação de valores do humanismo cristão, na lealdade ao próximo e na entrega aos outros, no exemplo, no desprendimento, na genuinidade e lhaneza de carácter, na sua autenticidade de dimensão universal, usando a palavra e o credo como factor de união, e não de criação de conflitos, protegendo quem tem de ser protegido, procurando lavar e desinfectar o chão da sua Igreja, livrando-a de escaravelhos e delinquentes, criticando os dogmas, a estupidez, a imbecilidade e a criminalidade instalada, recebendo todos no seu seio, fazendo diferente até na hora da sua partida, mostrando ser capaz de com toda a lucidez voltar a escolher a sobriedade, a discrição, a herança e o recolhimento de Santa Maria Maggiore, não merecia que este fosse mais um momento de profundo atavismo moral dos matumbos que governam o nosso país.

Nunca, nos tempos mais recentes, se diria com mais propriedade que quiseram ser, e mostrar que são, "mais papistas do que o papa”.

Os Pauliteiros de Miranda virão a 1 de Maio. Os novos trauliteiros já estão em Lisboa. 

 

P.S. Estou fora. Não me revejo nestes broncos, nem nos antecessores. E aqui, onde 25 de Abril não é feriado, a não ser na minha alma e no Consulado de Portugal e conexos, embora se celebre, muitos choram a perda de Francisco. Mas estou exausto, cansado, farto de tanta estupidez, de tanta discussão estéril, de tanto conflito inútil que me chega da Pátria. Na Igreja de Francisco havia lugar para todos. No Portugal de hoje, onde não se distingue o escrutínio da difamação, só há lugar para os sonsos, para os labregos, para os chicos espertos, para estas abencerragens, sejam eles quem for, que se revezam na ocupação da cadeira do poder, enquanto esperam que os governados, os lorpas, lhes ofereçam os votos e os aplausos, e veneradamente lhes dêem lustro aos sapatos “marron clarinho”.

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lusos

por Sérgio de Almeida Correia, em 11.04.25

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Há uns dias tive oportunidade de fazer uma visita ao Museu de História de Hong Kong. No programa estava mais uma exposição da série “Multifaceted Hong Kong” com o título “Estórias Lusas – Stories of the Hong Kong Portuguese”. E que estórias.

O meu amigo e saudoso Luís Sá, que ficará sempre entre os melhores, os mais sérios e os mais competentes que por estas terras passaram, e que deixou obra publicada, já nos tinha legado o magnífico “The Boys from Macau – Portugueses em Hong Kong”, pelo que foi com bastante curiosidade, aumentada com a passagem que por lá fez há umas semanas, na sua viagem de propaganda eleitoral, o cantinflas que faz de ministro dos Negócios Estrangeiros, que me predispus a programar a visita.

Em boa hora o fiz. Trata-se de um trabalho cuidado e que merece bem o tempo que lhe puder ser destinado.

Começando por um pequeno vídeo colocado à entrada, que traça o percurso dos portugueses desde que iniciaram a epopeia das Descobertas, com Ceuta à cabeça, em 1415, descendo ao longo da costa de África, até à chegada à Índia, e daí ao delta do Rio das Pérolas, a exposição inclui inúmeros elementos didácticos, fotografias, reprodução de documentos, réplicas, mobiliário, dando-nos a conhecer os rostos, as famílias e os percursos de alguns dos mais notáveis lusos, muitos constituindo já fruto da miscigenação cultural, ali deixando prolífica descendência, mas que jamais ocultaram, sempre se orgulhando dessa condição de portugueses e de luso-descendentes, honrando e dignificando a sua memória, muitas vezes em contextos de hostilidade, como aconteceu no período da ocupação japonesa durante a II Grande Guerra.

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Achei curioso, sendo a exposição preparada por chineses, num período pós-colonial, em que para se poder lá chegar é preciso, primeiro, passar por uma outra mostra dedicada à Segurança Nacional e aos valores patrióticos do país anfitrião, que no vídeo inicial e nas imagens projectadas não faltassem sequer os painéis de São Vicente, o Infante D. Henrique, Vasco da Gama e Afonso de Albuquerque, contrariando-se assim algumas narrativas imbecis que confundem a obra e a época histórica com as leituras feitas à luz dos dias de hoje por alguns ignorantes para quem tudo o que constitui herança colonial é mau, sendo incapazes de separar o trigo do joio, o muito mau e o péssimo daquilo que não nos envergonha como povo e como nação aberta ao mundo e que em qualquer latitude sabe respeitar e fazer-se respeitar para ser respeitada.

Na sua esmagadora maioria foram portugueses de Macau os primeiros etnicamente não-chineses, o que ali é sublinhado, que se fixaram em Hong Kong. Proficientes em inglês e cantonense já na antiga colónia portuguesa eram contratados por empresas inglesas, ainda antes de se virem a fixar em Hong Kong, por serem fluentes na língua, para  desempenharem funções como tradutores e intérpretes, e por se afirmarem como conhecedores profundos da cultura e dos costumes chineses.

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Em Hong Kong ocuparam posições relevantes, embora sem nunca poderem ascender a lugares de chefia na administração colonial britânica, sobretudo a partir de finais do século XIX, bem como no comércio e na indústria, destacando-se quanto a esta última a sua herança nas artes gráficas, onde dirigiram importantes casas editoriais e  chegaram a dominar o sector, caso das famílias Noronha e Xavier.

A presença de portugueses na área jurídica foi desde sempre importante. As linhagens dos Remédios e os D’Almada Castro – Francisco Xavier D’Almada e Castro, Leonardo D’Almada e Castro Sr., Leonardo D’Almada e Castro Jr. e Christopher D’Almada e Castro – como mais recentemente Ruy Barreto, também com direito a uma fotografia, ou Albert T. da Rosa Jr., actualmente, deixaram nome e história no foro local. Leonardo D’Almada e Castro Jr. ocuparia aos 33 anos um lugar no Legislative Council, antes pertenç de J. P. Braga, vindo a tornar-se no primeiro português a integrar o Conselho Executivo. Em 1953 ser-lhe-ia atribuído o título de “Commander of the Most Excellent Order of the British Empire” (CBE).

Outros portugueses sobressaíram na arquitectura, estando na génese do chamado “Garden City Movement”, como sucedeu com Francisco Paulo de Vasconcelos Soares, ou projectando casas em Ho Man Tin e na área residencial de Kadoorie Hill, como foi o caso de José Pedro Braga, por volta de 1931. Este último também jornalista e editor, se bem recordo, foi, aliás, o primeiro  português do Conselho Legislativo de Hong Kong, em 1929, tornando-se em 1935 no primeiro português local a receber o título de “Officer of the Most Excellent Order of the British Empire” (OBE).

Mas também nas artes, os lusos e seus descendentes gravaram o seu nome na história local através das pinturas de Marciano António Baptista Sr., aluno do famoso George Chinnery, de seu filho com o mesmo nome e Jr. no final, de “Naneli” Baptista e de Alfonso Orlando Barreto, e nas emissões radiofónicas do lendário “Uncle Rey”, que entrevistou os Beatles quando estes passaram por Hong Kong, ou nas músicas popularizadas pelos “The Mistycs” e Joe Junior a partir da década de 60 do século passado.

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Instituições contemporâneas como a Escola Camões – fundada em 1947 –, que a partir de determinada altura cresceu graças aos alunos chineses e de origem indiana que a frequentaram, acabando em 1996, antes da transferência de soberania de Hong Kong para a RPC, por ser confiada pela Portuguese Community Education and Welfare Foundation  à Escola Po Leung Kuk, que lhe mudou o nome, relocalizou-a e adaptou-a aos programas curriculares locais, ou o Clube Lusitano não foram esquecidos.

Merecem, igualmente, destaque todos os portugueses que integraram o Hong Kong Volunteers Defence Corps, a partir de 1854, e os que com a ocupação japonesa se alistaram, a partir de Dezembro de 1941, para a defesa da cidade.

Muitos foram feitos prisioneiros, torturados e morreram às mãos do invasor, mas como aí se diz nunca perderam a esperança e espalharam optimismo junto dos outros prisioneiros para lhes elevarem o moral.

Na retaguarda, atrás das linhas inimigas, foram fundamentais para o trabalho dos serviços secretos, na passagem de informações, homens como Eduardo Liberato Gosano e, mais tarde elevado à categoria de “Sir”, Rogério Hyndman Lobo (Roger Lobo), havendo alguns que no pós-Guerra, depois do final da ocupação japonesa, integrariam os tribunais militares.

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Incontornável é o nome de Arnaldo de Oliveira Sales, homem de negócios que em 1957 foi nomeado para o Urban Council, onde se tornou no seu Unofficial Chairman, depois conhecido como “Mayor of Hong Kong”, servindo a instituição até 1981. O reconhecimento pela excelência do seu trabalho é ainda hoje visível em muitos locais da cidade.

Sales foi um dos homens mais influentes do desporto de Hong Kong e asiático, chegando a liderar até ao final do século XX o seu Comité Olímpico, e sendo presidente da Commonwealth Games Federation, da Asian Games Federation (AGF) e do Comité Olímpico da Ásia (OCA). Quando faleceu, o South China Morning Post disse dele ser o “Pai do Desporto de Hong Kong”.

Presentes estão ainda as ligações a Macau, com fotografias e uma velha bandeira com as armas da cidade e do Leal Senado, e a culinária de raízes portuguesas, onde não falta um vídeo com a falecida D. Aida de Jesus e a sua filha Sónia Palmer.

Nota final neste brevíssimo apontamento para um espaço dedicado ao relevante papel dos portugueses nas famosas corridas de cavalos – em 1863 foi criada a Lusitano Cup – e à figura e aos troféus dessa lenda chamada Tony Cruz, jockey filho de outro jockey.

Considerado o maior representante do desporto português em Hong Kong, coleccionou o número espantoso de 946 vitórias. Desde 2016, com a criação de um troféu anual, o Hong Kong Jockey Club homenageia-o. O Tony Cruz Award destina-se a premiar o jockey com mais vitórias numa temporada. Como treinador do Silent Witness, Tony Cruz conquistou 17 vitórias consecutivas. Na temporada de 2010/2011 venceu 72 corridas com o Beauty Flash, que só em apostas rendeu quase 80 milhões de HK dólares. Um palmarés rico e impressionante.

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E mais não vos digo. Os que puderem, e que se aventurarem por estas paragens, que não deixem de passar pelo Museu de História de Hong Kong enquanto lá estiver esta exposição.

Como português, quando de lá saí, não pude deixar de me sentir agradecido, esmagado, comovido, e ao mesmo tempo satisfeito e honrado por poder fazer parte desta gente simples, trabalhadora, corajosa, para muitos incógnita, que tanto engrandeceu, e continua a honrar, tão longe e quase sempre sem quaisquer apoios, o nome de Portugal.

Século após século. Contra ventos e marés.

E, o que é mais espantoso, não obstante a gritante mediocridade, ignorância, falta de sentido ético, político e de Estado da tropa trauliteira que tomou conta dos partidos e das suas instituições e que nas últimas décadas nos (des)governa e diariamente nos envergonha.

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preços

por Sérgio de Almeida Correia, em 09.04.25

Numa interessante entrevista à TDM, o presidente da Federação de Indústria e Comércio, Lei Chok Kuan, veio dizer-nos que "há cada vez mais pessoas a consumir do lado Norte da fronteira e que isso é um problema para Macau", referindo que "a disparidade de preços é enorme" e que o Governo devia investigar quais as causas que levam a tão grandes diferenças.

O entrevistado não se ficou por ali; e na extensa e detalhada entrevista que concedeu enfatizou que "o consumo total foi de 75,6 mil de milhões de patacas, o que representa uma diminuição de 15 % em relação a 2023", no que constitui, apesar do considerável aumento do número de pseudo-turistas, uma quebra de receita de "mais de 10 mil milhões de patacas".

O Sr. Lei, do alto dos seus 70 anos, com a sua experiência de vida, um mestrado em Economia e empresas nas áreas da restauração e joalharia, sabe do que fala. Não é por se baterem recordes na entrada de "visitantes" e se esgotarem as tripas nalgumas tabancas que alguma coisa vai melhorar. A estatística só por si não traz qualquer benefício à cidade, nem tem algum interesse para a maioria dos residentes, chegando a ser ridículas e deprimentes as aberturas de noticiários radiofónicos e de telejornais consecutivos com referências aos números de entradas e saídas pelos postos fronteiriços. 

A entrevista tem pano para mangas e contém menção a todo um conjunto de problemas que há mais de uma década exigem resposta, sem que os crânios que estiveram em funções até há bem pouco tempo se tivessem apercebido do mal que estavam a fazer à RAEM.

A "batata quente" ficou para Sam Hou Fai que está confrontado com uma série de situações acumuladas, que causaram um sério agravamento das condições económica e sociais, devido à profunda incompetência, nalguns casos, noutros à simples ignorância e má vontade, de quem exercia o poder e controlava as decisões, sempre com continuidade mimética nos subalternos.

Alguns, inexplicavelmente, ou talvez não, por castigo ou vontade de lhes ser dada uma segunda oportunidade, ainda continuam a fazer o que sempre fizeram, criando entraves e problemas sem justificação – verifique-se o que se passa com a acção de alguns senhores nas conservatórias – pelo que nem o Sr. Lei, nem ninguém, irão ver quaisquer melhorias. As perguntas continuarão.

O único que parece ter capacidade e vontade de lhes dar resposta é o Chefe do Executivo, cuja herança não lhe invejo, mas que deverá estar sempre atento e vigilante aos escolhos que se lhe irão erguer pelo caminho.

A resistência à mudança, o medo da inovação, ou o receio de nadar fora de pé são comportamentos recorrentes, enraizados e de difícil afastamento, em especial em contextos cacicais, de ignorância paroquial e vontade de não destoar da carneirada.

Acho muito bem que se questione a razão para as diferenças de preços entre Macau e Zhuhai, embora haja uma que me pareça óbvia e que resulta da falta de intervenção do Governo no mercado da especulação imobiliária, para além da absurda inoperância nos últimos anos do Conselho de Consumidores.

As disparidades de preços são notórias e nalguns materiais, produtos e equipamentos inexplicáveis, sabendo-se que muitos dos aqui se adquirem e são imprescindíveis à RAEM vêm exactamente do Interior do país. O custo da produção e do frete não pode ser superior ao que resulta da importação de produtos que vêm da Europa, de outros países da região Ásia-Pacífico ou até mesmo de Taiwan.

É preciso acabar com a protecção rentista de algumas famílias e dos senhorios sentados na Assembleia Legislativa, pois que sem isso não haverá verdadeiro mercado habitacional ou comercial que permita a introdução de um clima de estabilidade às famílias e/ou às pequenas e médias empresas que assegurem condições para o seu desenvolvimento equilibrado num ambiente de justiça e de onde resultem benefícios sociais para todos.

A preocupação do Sr. Lei com o destino do pessoal dos casinos-satélites é compreensível. Os das associações do sector e de alguns deputados próximos dos sectores tradicionais igualmente. A decisão do seu fim é uma opção política inquestionável e que não poderá ter continuidade sob pena de se voltar a "empurrar o problema com a barriga", tal como antes aconteceu com o Macau Jockey Club, cujo penoso fim só deixou ficar mal o Governo da RAEM, único que tinha uma imagem a proteger. 

Macau tem de voltar a ser uma região onde se possa investir com segurança e estabilidade, com qualidade de vida e preços acessíveis à generalidade da sua população, dispondo de uma oferta habitacional, cultural, de entretenimento e educativa de nível internacional, com serviços de saúde, de transporte – não se vêem melhorias no serviço de táxis – e de justiça decentes para todos, cobrindo residentes, não-residentes e simples "blue cards", com produtos e serviços que sirvam os seus moradores, recebendo um turismo civilizado e qualificado, oferecendo incentivos a empresários sérios, com visão de médio e longo prazo, que criem emprego, riqueza, tragam inovação e não andem sempre a pedinchar subsídios e apoios enquanto enriquecem rápida e desmesuradamente ao mesmo tempo que enganam os consumidores.

Alguma coisa, entretanto, começou a mudar. As preocupações manifestadas por quem manda e as recentes iniciativas do IAM, cuja actividade é de novo visível no cuidado com os espaços verdes, e reconhecendo publicamente a necessidade de se melhorar o controlo de pragas, eliminar ratos, baratas e mosquitos, e elevar o nível da higiene urbana, são bons sinais. Mas muito mais será preciso fazer em diversas áreas da actividade governativa. 

Os dados recentemente revelados sobre o aumento, em vez da diminuição, do grau de dependência do jogo, mostrando que este atingiu um valor superior a 86%, quando em Janeiro de 2024 o peso dos casinos nas receitas da RAEM era de 70% (vd. Ponto Final, 12/03/2025, pág.ª 7), revela bem o rotundo fracasso das políticas seguidas, que têm de ser questionadas e de ter responsáveis.

Enquanto isto não acontecer será imprescindível que muitos Sr. Lei façam perguntas, em chinês, para que chegue aos ouvidos de quem manda sem necessidade de tradução. E que jamais tenham medo de perguntar e apontar caminhos.

De outro modo continuarão a medrar a inoperância, o conformismo, as más práticas, o desprezo pela comunidade, o ar insalubre e o nevoeiro. Ninguém quer isso.

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nick

por Sérgio de Almeida Correia, em 08.04.25

NickABA07042025.jpg

Com uma vida dedicada à indústria do jogo, depois de ter passado por Las Vegas e se ter fixado em Macau, onde viveu duas décadas, acompanhando o boom que rejuvenesceu o jogo a partir de 2005, enquanto administrador do Grupo Neptuno e, a partir de 2017, da Rich Goldman Holdings Limited, faleceu no passado dia 26 Março, em Ho Chi Minh, antiga Saigão, o carismático Nick Niglio.

Durante anos a fio foi um grande animador e anfitrião das noites do desaparecido Lion’s Bar. Não houve quem não passasse pela sua mesa, não bebesse um Macallan e não fumasse um charuto, no tempo em que ainda não tinha chegado a “revolução securitária”, não era “crime” fazê-lo num bar e as noites, a música e a boa disposição pareciam não ter fim.

Ontem, ali ao lado, no ABA Bar do MGM Macau, numa iniciativa de Andrew Scott, alguns amigos promoveram uma homenagem simples, mas plena de significado, em sua memória.

O Nick certamente que a teria apreciado.

Que descanse em paz.

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With a life dedicated to the gambling industry, after spending two decades in Las Vegas and settling in Macau, following the boom that rejuvenated the industry from 2005 onwards, as a director of the Neptuno Group and, from 2017, of Rich Goldman Holdings Limited, the charismatic Nick Niglio passed away on 26 March in Ho Chi Minh City, formerly Saigon.

For years he was a great entertainer and host of the nights at the now-defunct Lion's Bar. There wasn't a person who didn't pass by his table, drink a Macallan or smoke a cigar - in the days when the ‘security revolution’ hadn't yet arrived, it wasn't a ‘crime’ to do so in a bar and the nights, the music and the good humour seemed endless.

Yesterday, next door, in the ABA Bar at the MGM Macau, on an initiative by Andrew Scott, some friends organised a simple but meaningful tribute in his memory.

Nick would certainly have appreciated it.

May he rest in peace.

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cerejas

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.04.25

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Apresentada no 75.º Festival d’ Avignon de 2021, com encenação do português Tiago Rodrigues, seu actual director e ex-director do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, o público de Macau teve a possibilidade de assistir a dois espectáculos d’ O Cerejal, do dramaturgo russo Anton Tchékhov

A peça, em digressão pela Ásia, saindo daqui para Xangai, Jiangsu e Pequim, foi levada à cena em francês, com tradução simultânea nos painéis laterais para chinês e inglês para todos aqueles que não dominam o idioma de Racine, apresentando como protagonistas Isabelle Huppert, no papel de Lyubov, a aristocrata e herdeira refém do passado e das suas memórias, e Adama Diop, como Lopakhine, sendo o resultado de uma vasta co-produção entre companhias teatrais de diversos países europeus e o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian e alguns outros mecenas.

Peça longa e notável nas questões sociais que coloca, e na diversidade de preocupações e visões sobre o presente e o futuro, num texto que não será fácil para a maioria, revelou-se absolutamente extraordinária na forma como agarrou o público, num palco aparentemente despido, marcado por umas dezenas de cadeiras que foram viajando por todo o lado, tão depressa arrumadas como empilhadas, e uma iluminação poderosa apoiada numas dezenas de candelabros e focos que recriavam os diversos cenários da acção.

Interpretações magistrais, cuja desconcertante simplicidade revelou bem a categoria da encenação e o elevadíssimo talento e profissionalismo dos actores, soberbamente acompanhados pela música de Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves.

Quem assistiu não regateou aplausos no final, certamente por se sentir recompensado pela excepcionalidade e invulgaridade do que lhe foi oferecido pelos actores e por quem se lembrou de trazer a peça até à RAEM, cujos parabéns são inteiramente merecidos.

Nota muito negativa, repetindo o que aconteceu em anteriores espectáculos, para o tossir constante de duas ou três pessoas – em todos os actos e que deviam ter sido convidadas a sair pela organização, já que não percebem o quão incómodo se torna a sua presença para todos os outros, os que representam e os que assistem –, e ainda para aqueles que sem o mínimo cuidado continuam a deixar cair telemóveis e outros objectos ao longo do espectáculo, fazendo-se ouvir com estrondo no silêncio do auditório. Na apresentação de sábado foram seguramente mais de uma vintena os que se fizeram notar, pelo que talvez se imponha a incorporação nos avisos preliminares da necessidade do público, para além de desligar os telemóveis – o que foi igualmente sublinhado por Adama Diop no início da representação – de também os guardarem em lugar seguro e de onde não possam tombar. 

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melões

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.04.25

thumbs.web.sapo.io-5.webp(créditos: Manuel Fernando Araújo/LUSA)

Hoje há melão no Mercado do Bolhão. Não um, mas muitos.

A época chegou mais cedo e é devido um agradecimento ao "Monstronegro" pela auspiciosa visita. Há que repetir.

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prazos

por Sérgio de Almeida Correia, em 03.04.25

Falar de prazos é falar de justiça. Ou da sua ausência. E também da Justiça. Das boas e das más práticas. Da herança e da mudança.

A história é simples. E apenas em atenção às datas conta-se em poucas palavras.

Uma acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual deu entrada em juízo em 10/02/2021.

Em 06/04/2022, o tribunal de primeira instância proferiu decisão, sem que tenha sequer havido julgamento, a absolver os réus da instância.

Interposto recurso pelo autor, em 09/02/2023 veio o Tribunal de Segunda Instância (TSI) dar provimento ao recurso, revogando a decisão da primeira instância e ordenando a remessa do processo, de novo, para a primeira instância para que os autos aí pudessem prosseguir.

Os réus recorridos, insatisfeitos com a decisão, legitimamente interpuseram recursos para o Tribunal de Última Instância (TUI), que os admitiu por despacho do relator de 06/03/2023. Há mais de dois anos.

Em 30/05/2023, o juiz titular do processo no TSI proferiu despacho a remeter os autos ao TUI.

As partes foram notificadas da distribuição do recurso no TUI em 09/06/2023, ficando-se então a saber a composição do colectivo que ali iria decidir sobre a continuação do processo na primeira instância ou a sua conclusão sem julgamento sobre a questão de fundo.

Em 03/04/2025, portanto hoje, as partes foram notificadas, exclusivamente em língua chinesa, de que mudou o relator do processo.

Passaram mais de quatro anos desde que o processo deu entrada em tribunal. Mais de dois anos desde que foi interposto recurso para o TUI.

A transferência da administração colonial para a RPC ocorreu em 19/12/1999. Há mais de vinte cinco anos.

A vida continua. No pasa nada

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iguarias

por Sérgio de Almeida Correia, em 02.04.25

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Começou muito bem, depois foi piorando, até naufragar nos maus leitões, no mau vinho e no preço sem justificação para uma culinária medíocre que se apresentava como "cozinha tradicional portuguesa".

Quando se preparava para lentamente arder, como tantos outros, na comida ordinária e no preço exorbitante que oferecia, alguém se lembrou, felizmente, de repescar o Chef Telmo Gongó; que, entretanto, andara a espalhar a sua arte por outros tascos.

De regresso à casa que o viu chegar, voltou a fazer dela um lugar apresentável, amesendável, e com uma boa relação qualidade/preço. Com ele trouxe nova gente para o serviço e para a cozinha. Renovou alguns pratos, acrescentou outros à ementa, e o resultado coloca hoje o Tromba Rija entre as melhores casas da cidade de genuína cozinha portuguesa.

Das irrepreensíveis pataniscas de bacalhau, aos gulosos cogumelos recheados com farinheira, às tapas variadas, ao tradicional bacalhau, sem esquecer a carne de porco à alentejana, umas ameijoas à Bulhão Pato, os superlativos mexilhões de escabeche, o arroz de pato desfiado, tudo sequinho como mandam as regras, sem peles, osso ou cartilagens, com o chouriço bem assado, ou o robalo no forno, imaculadamente fresco, há muito por onde escolher e confortar.

Os vinhos, que melhoraram bastante, e ultimamente com preços mais acessíveis, bem como as sobremesas, onde brilham muito alto as melhores farófias da terra e os fantásticos quindis, de chorar e pedir por mais, são complementos indispensáveis.

Mas onde o apuro do Chef Telmo e seus ajudantes mais se revela é no cabrito assado, no fantástico arroz de miúdos, nas batatas assadas e nos grelos salteados que os acompanham.

Uma melhoria na acústica da sala, com aquela vista sobre o rio e a esplanada, e ainda num ou noutro detalhe, faria dela um espaço perfeito.

Temos na cidade alguns muito bons restaurantes, com preços elevados e nalguns casos proibitivos para as bolsas do padrão mediano. Outros que, estupidamente, perderam qualidade, descurando o passado, subindo os preços e tornando-se em messes para os novos régulos e demais oficialato, sem gosto nem maneiras; espaços onde nem sequer falta uma iluminação de hospital e o boné na cabeça. E há ainda uma infinidade de tascas e cantinas pirosas, oleosas e mal cheirosas, que vendem tripas e afins para os pés-descalços que os Serviços de Turismo tanto acarinham.

Seria bom que, desta vez, não estragassem o Tromba Rija. Com modernices.  

Nem sempre se pode ter tudo, mas isso não é razão para que não se cuide do pouco e bom que temos.

Espero que o Chef Telmo ali continue, pela Torre Macau, enquanto puder e lhe derem o que precisa. E que os seus proprietários tenham aprendido a lição.

É pela qualidade do serviço, a frescura e boa confecção do que é oferecido aos comensais e um preço adequado ao que serve que um restaurante se impõe e mantém durante muitos e bons anos.

Para felicidade dos que lá trabalham e dos que o procuram. Seja para celebrar, seja para se esquecerem dos desgostos do quotidiano ou da distância a que se está do rectângulo, reconfortando os olhos e o estômago.

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