Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Assim, quase sem dar por nada, passaram trinta e cinco anos. De corpo inteiro.
Não foi fácil, continua a ser um esforço diário, com muita paciência, uma imensa resiliência, uma paixão enorme, ultimamente já com algum cansaço.
Entre tristezas e alegrias não faltou uma palavra amiga, um agradecimento sincero, os olhos com a satisfação estampada no rosto. Quantas vezes, também, o reconhecimento sem qualquer compensação.
E depois continua-se a porfiar. Procurando novos sorrisos.
É claro que podia ter sido outro o caminho, haver outra luz que me tivesse iluminado.
Mas no deve e haver, para além do agradecimento que é devido ao Fernando, que me deu as luzes para fazer o meu primeiro requerimento numa defesa oficiosa, ao Frederico, ao Cipriano, ao Alberto, ao Rui, ao António, ao Pedro, a tantos outros que me acompanharam e ajudaram a chegar até aqui, é justo reconhecer que o saldo é francamente positivo.
Em liberdade me fiz e como homem livre vivi estes trinta e cinco anos.
E sem remorso, com uma imensa gratidão a todos, dentro e fora de casa, voltaria a fazer o caminho.
Não há caminhos fáceis na estrada da liberdade. Trinta e cinco anos depois posso confirmá-lo.
Têm sido inúmeras as vezes em que discordo das análises de João Miguel Tavares no Público, embora aprecie a sua escrita e o estilo que imprime ao que escreve. Partilharemos as mesmas preocupações, apesar de estarmos em muitas questões ideologicamente afastados. Todavia, esta distância não me impede de o ler com atenção e de comungar de muitas das análises que faz quando em causa está a defesa da democracia e das suas instituições.
O conjunto de textos que tem publicado nos últimos dias sobre as trapalhadas do PSD e do primeiro-ministro, como ainda hoje aconteceu, assume particular importância pelo modo claro e incisivo como o faz. E é serviço público prestado por alguém, espero que não se ofenda com a minha catalogação, do espectro liberal e de direita.
Sinto uma imensa tristeza e amargura por tudo aquilo que se tem passado nas últimas décadas com a nossa democracia, os nossos partidos políticos e a acção destes na destruição do capital de confiança dos portugueses no sistema político, no regime e nas instituições de governança.
Para mal dos meus pecados, nossos, muito do que aqui e noutros lados escrevi, para desespero de alguns, vai-se confirmando, sempre para pior, em cada dia que passa.
Não sei o que escreveria Vasco Pulido Valente se fosse vivo e estivesse assistir ao espectáculo que está a ser dado pelo XXIV Governo. Posso apenas imaginar. Daí que a crónica de hoje de João Miguel Tavares se revista de maior importância e deva ser lida com atenção.
Se, como escreve, em 2005 houve um problema de falta de escrutínio, creio que agora não faltou. Nem falta de escrutínio, nem de aviso. E isto torna mais inconcebível o que estamos a assistir.
Ninguém tem qualquer má vontade contra o primeiro-ministro.
O problema é apenas o homem não se enxergar. E, como sucedeu com os antecessores, rodeou-se, na sua maioria, de gente que não interessa a ninguém, que em nada o ajuda e que devia estar longe do Governo, longe de qualquer partido, longe de qualquer autarquia. E que não podia ter qualquer poder.
A esperteza saloia, a pesporrência, a teimosia ou a estupidez nunca foram boas conselheiras. Não há notícia de que alguma vez tenham dado bom resultado. Montenegro devia ter percebido isso há muito tempo.
O Nuno Pereira deixou-nos sem aviso. Ficou muita coisa inacabada e uma parte importante da vida para viver. Um manual de direito penal por acabar, um romance por escrever. Os filhos e os muitos amigos que fez por aqui recordá-lo-ão.
Eu registo a lembrança de um homem bom, simpático, interessado pelo mundo que o rodeava e a sociedade onde vivia, jurista de mérito, bonacheirão e sportinguista, que ninguém é perfeito e ele levava essa "cruz" com humor e dedicação.
E também um lamento pela ingratidão da vida para alguns que não a mereciam largar assim.
Que descanse em paz e continue a distribuir sorrisos.
Saiu há dias um trabalho da jornalista Luciana Leitão, no Ponto Final, sobre os blogues de Macau. Esta morada mereceu destaque, tal como o Delito de Opinião, que não sendo da terra bebeu da água do Lilau que o Pedro Correia lhe deu, pelo que daqui cumpre-me agradecer a atenção concedida aos dois. E desejar que nasçam mais, com interesse e actuais. Como os ali referidos, mas também como o Devaneios a Oriente, do Pedro Coimbra, a quem daqui saúdo, e que ano após ano se vai mantendo sempre atento e actual.
Sábado, 15 de Fevereiro pp., foi dia de concerto no teatro do Venetian Macau.
No programa estavam peças e árias de Verdi e Puccini, a Abertura-Fantasia do Romeu e Julieta de Tchaikovsky e o Concerto para Violino "Os Amantes Borboleta", na versão para flauta, de He Zhanhao e Chen Gang. A Orquestra de Macau dirigida pelo maestro coreano Sunwook Kim, a soprano MyungJoo Lee e a espectacular flautista Jasmine Choi tratariam dos detalhes.
E fizeram-no com aprumo, graça e profissionalismo, pese embora a última das peças fosse estreia absoluta e tivesse sido ensaiada com uma antecedência de apenas 48 horas.
Nota dissonante vai para a sala escolhida, excessivamente grande e desconfortável, com um largo sector encerrado, a que se juntava o barulho constante do ar-condicionado. A acústica da sala já não é a melhor para espectáculos de música clássica, com um tecto excessivamente alto e onde se nota a ausência do conforto da madeira, agravada pela invasão barulhenta do equipamento ali instalado, que a torna pouco recomendável para a execução de peças impregnadas de movimentos lentos e melodias que exigem silêncio absoluto e concentração total.
Já se tinha verificado noutras ocasiões, mormente no último espectáculo de Mariza, mas desta vez foi demasiado mau.
É incompreensível como a Sands China, com os milhões gerados pelo jogo e os meios que tem disponíveis, não consegue resolver esse problema. Alguma coisa deverá ser feita porque o ruído do equipamento de ar-condicionado assassina qualquer boa prestação.
Numa altura em que se multiplicam investigações e processos judiciais que colocam em causa o sistema político, o regime e os seus protagonistas, as magistraturas e as polícias, e aos quais só escapa a Presidência da República – embora em tempos não muito distantes também se tenha envolvido em múltiplas e lamentáveis polémicas –, os portugueses ficaram ontem a saber que a classificação do país no índice de percepção da corrupção elaborado pela Transparency Internacional e relativo a 2024 voltou a piorar.
Portugal tem hoje o pior resultado de sempre desde 2012 em matéria de percepção da corrupção e isto não é grave: é gravíssimo. Desde 2015 que não paramos de nos afundar.
Porém, apesar dos múltiplos apelos de organizações da sociedade civil e de vozes isoladas que há largos anos insistem no combate a esse flagelo que destrói países, instituições e corrói as entranhas da democracia, minando a confiança dos cidadãos, destruindo os pilares da confiança política e social, os partidos políticos portugueses, os seus dirigentes, as elites políticas e empresariais em geral, para já não falar de muitos autarcas que continuam a fechar os olhos ao problema e a assobiar para o lado, continuam a não prestar a devida atenção e a não fazerem tudo o que devem para irradiar, na medida do possível, esse fenómeno.
Em vez de progredirmos, aproximando-nos dos lugares cimeiros, continuamos irremediavelmente a descer no índice de percepção da corrupção, como se um submarino à procura de estabilizar lá mais abaixo, na negritude das profundezas, de onde já não se regressa e só se sai para o caixão de um regime autocrático, puxado por um punhado de vermes apostados em devorar-nos as entranhas.
A corrupção apresenta-se com variadas roupagens, manifesta-se de múltiplas formas, nos mais diversos ambientes, para no fim atingir sempre as mesmas vítimas, que somos nós, os que resistem, os que não se conformam, que são todos os que cumprem, e os contribuintes em geral, que acabam sempre a pagar o preço desse cancro que ninguém vê, mas todos conhecem e sabem onde ele está.
Os partidos políticos e os seus dirigentes são hoje os principais responsáveis por esta situação que desprestigia Portugal e envergonha os portugueses e as suas instituições. Não há um que se safe. Um único.
O próximo Presidente da República não poderá deixar de prestar atenção ao problema da corrupção e fazer todos os esforços no sentido de ajudar a encontrar soluções que nos retirem deste lodaçal em que caiu o regime e a política interna.
Fazer do combate à corrupção e figuras conexas – com um Governo e uma Assembleia da República que está em funções há menos de um ano, vejam lá quantas situações temos, no mínimo duvidosas e a merecerem escrutínio atento – a primeira prioridade de qualquer executivo é mais do que um dever. É uma necessidade para afirmação da nossa sobrevivência e permanência no conjunto das nações civilizadas e dos Estados de direito.
Seria imprescindível procedermos à regeneração do sistema político, do regime político e, em especial, dos seus partidos, começando em relação a estes últimos por extinguirmos as juventudes partidárias, verdadeiras escolas de chicos-espertos e “bandidos”, ao nível das claques do futebol, de onde saíram os principais dirigentes das organizações que temos e que para chegarem onde estão tiraram proveito de esquemas manhosos e beneficiaram do controlo de sindicatos de voto corruptos, sem o que continuaremos a afundar-nos sem apelo nem agravo às mãos de gente estruturalmente desonesta, de arrivistas, de gente boçal e cafres sem carácter.
Dissolver os partidos que temos, criar partidos de raiz, sem juventudes partidárias, que sejam capazes de sem demagogia e populismos de ocasião apresentarem propostas sérias e exequíveis de combate à corrupção e em prol da transparência, é o único caminho. Não podemos fugir daqui. Está mais do que provado que esta gente e estes partidos que nos governam têm todos os vícios, mais alguns que ainda não estão catalogados, e são irreformáveis.
O combate à corrupção não pode continuar a ser um desejo, um sonho, uma miragem. Não será certamente o único caminho para a regeneração, mas pode e deverá ser o primeiro. Tal como para a economia ou o emprego também é preciso fixar metas para o combate à corrupção e dotar o país de legislação e meios que tornem obrigatória e incontornável essa opção, blindando os partidos e as instituições, mas mantendo os alicerces do Estado de direito e da democracia.
Não podemos mudar a natureza humana, poderemos sempre mudar as organizações e os processos. Do recrutamento político aos concursos públicos, dos autarcas aos polícias e aos magistrados.
Precisamos de outros partidos, de uma outra cultura cívica e política, precisamos de outra gente. Precisamos de um país onde seja possível fazer o que a revolução de Abril não conseguiu. Temos de construir um país em que a sua classe política, os seus dirigentes e os seus empresários se afirmem pelos valores, pelo mérito, pelo trabalho, pelo respeito convicto pela legalidade, coisa que hoje não acontece com muitos dos exemplos que nos chegam, e não pela chico-espertice e pelos esquemas trabalhados nas “jotas” e pelas chamadas “universidades de Verão”, verdadeiras escolas de formação de rufias diplomados que aos poucos penetraram todo o tecido político-social, espalhando a sua viscosidade pelas sedes e secções partidárias, escolas e universidades, inundando empresas e autarquias, investindo na administração pública e expondo o governo central, os tribunais, o desporto, as igrejas e os sindicatos à voragem dos mais afoitos, dos menos escrupulosos, dando gás ao populismo, colocando-nos à mercê dos tenebrosos aparelhos partidários e dos verdadeiros gangues organizados que medram à sua sombra e se incrustaram nas suas fundações.
Sem que seja restaurada a confiança nas instituições e nos partidos políticos não haverá democracia digna desse nome que sobreviva. Estaremos condenados a afundar-nos ano após ano em todos os índices de percepção da corrupção, apoucando a nossa auto-estima, o nosso sentido de comunidade, a nossa afirmação nacional e hipotecando as perspectivas de futuro.
O primeiro-ministro, os líderes dos partidos da oposição deviam ter vergonha. E pedir desculpa aos portugueses pela sua inépcia. Desde 2015 que Portugal continua a cair. Estamos a bater no fundo.
Será que não vêem isso? O que é que ainda não perceberam? Vamos continuar a tirar selfies, a fazer arruadas e a percorrer o circuito da carne assada de norte a sul do país? Uma latrina malcheirosa com vista para o mar não deixa de ser uma latrina. Em que país querem viver? Querem continuar a assoar-se na gravata enquanto borrifam uns pingos de água-de-colónia e comem uma sardinhas ao sol de Maio?
Há que ter coragem. Há que afirmar um movimento nacional, um partido que faça da sua primeira bandeira o combate à corrupção.
Temos de nos livrar dos eunucos deslavados e medíocres paridos pelas juventudes partidárias, dos viderinhos, beatos, pastores, virgens e laparotos que nos trouxeram até este buraco. Portugal precisa de partidos democráticos limpos, de gente decente, normal e sem cadastro, de gente que seja capaz de olhar em frente, de cortar a direito, que se comprometa a colocar o país no top 3 dos países onde é mais baixo o índice de percepção da corrupção.
Esta seria uma meta exequível. E em relação à qual todos os portugueses poderiam sentir no seu quotidiano os resultados. Por algum lado há que começar. Amanhã já será tarde. Mostrem que estão vivos, mostrem que existem. E que não vegetam em democracia. Mexam-se.
Acordem, porra!
Uma proposta de revisão dos estatutos do Bloco de Esquerda está a causar sururu e mereceu críticas de alguns dos seus militantes. Em causa está a proposta de uma norma que, no seguimento de recomendações do Tribunal Constitucional, no sentido de ser densificado o catálogo de deveres "para que os aderentes possam deduzir os tipos de conduta susce[p]tíveis de consubstanciar infra[c]ções disciplinares", impõe aos militantes a obrigação de se absterem de "conduta que cause sério prejuízo ao partido".
Luís Fazenda defende a formulação que será levada à apreciação da Convenção Nacional do BE, no final de Maio, dizendo que se visa proteger o partido de quem cometa crimes graves, e que o PS tem idêntica formulação nos seus estatutos.
Importa esclarecer os leigos, desde já, que os estatutos do PS não contêm qualquer formulação idêntica aplicável aos militantes, bastando para tal confrontar a proposta do BE com o artigo 9.º dos estatutos dos socialistas.
O mesmo se diga quanto aos respectivos normativos em relação ao PSD (cfr. artigo 7.º), Chega (cfr. art.º 9.º), Iniciativa Liberal (cfr. art.º 10.º), PCP (cfr. art.ºs 9.º e 14.º), Livre (cfr. art.ºs 5.º e 6.º em relação a militantes e apoiantes) e PAN (cfr. art.ºs 6.º, em relação aos filiados, e o 7.º, respeitante às "companheiras e companheiros de causas").
Existe sim uma norma nos estatutos do PS, destinada apenas aos que possuam a condição de simpatizantes, cujo elenco de direitos e deveres é consideravelmente diferente, face à posição de militante e ao estatuto que este confere, referindo que "a violação de deveres por parte de um simpatizante, nomeadamente o desrespeito pelos princípios programáticos ou conduta que acarrete sério prejuízo ao prestígio e ao bom nome do Partido, pode determinar a perda dessa qualidade".
Formulações vagas, generalidades onde tudo possa caber, e que tudo permitam ao aplicador da lei, são procedimentos próprios dos partidos iluminados e das vanguardas patrióticas das autocracias.
Compreendo a incomodidade do Fazenda, ex-UDP, perante as denúncias e abusos cometidos em relação às suas trabalhadoras e à grotesca história de Vítor Machado, mas a denúncia das ilegalidades e das injustiças dentro do próprio partido, ao invés da sua cobertura, como fez uma das suas dirigentes e assumiu o partido num momento inicial ao fazer-se de vítima, devia ser um dever de qualquer militante de um partido democrático.
A democracia, todos o sabemos, tem diversos matizes. Há quem se esforce na elasticização do conceito para que nele entrem tanto os nacionalistas de Putin, como os maduristas venezuelanos ou os patriotas chineses, mas há limites para a desfaçatez. E na fraude só cai quem quer.
Ainda não começou o julgamento do processo que envolve José Sócrates, e não se sabe qual vai ser o seu desfecho, e já aí está a acusação do processo Tutti Frutti a que a comunicação social deu adequado destaque nos últimos dias.
Quem se dê ao trabalho de ler as 1325 (mil trezentas e vinte cinco) páginas da acusação não poderá deixar de se aperceber da dimensão do polvo, neste caso específico com predominância do laranja, nas autarquias e do seu peso na vida política nacional.
E de novo, tal como noutros casos envolvendo gente do PS, se vê de onde vem toda aquela malta, qual o papel desempenhado pelos aparelhos do PSD e da JSD na ascensão de mais uma manada. Aparelhos tão sinistros quanto são os dos seus adversários políticos mais azuis, vermelhos ou rosados. Que, quanto a estes últimos, a confirmar-se o que está na acusação, também não se terão coibido de fazer ajustes uns com os outros para no fim todos ganharem alguma coisa.
De alguns só confirmei a péssima impressão que tinha deles do tempo em que fiz a investigação e as entrevistas para a minha tese.
Entretanto, pelo caminho, o justicialismo encarregou-se de deixar uns quantos no limbo durante anos.
A seu tempo, que espero seja menos do que uma década, saberemos o desfecho deste último filme do submundo dos partidos políticos que temos.
De qualquer modo, o que quero mesmo aqui perguntar é se depois de ler a acusação, e sabendo-se o que foi dito e escutado em relação a alguns intervenientes, todos os que estão no actual Governo consideram ter condições para lá continuar.
E o primeiro-ministro para nele manter, como se nada tivesse acontecido, os que "apadrinharam" as pornográficas "golpadas" de mais um gangue da vida política.
Ontem, uma outra sondagem para o barómetro DN/Aximage e o debate parlamentar, com a presença do primeiro-ministro Luís Montenegro, confirmaram essa ideia que tenho e reforçou-me a convicção de que o almirante Gouveia e Melo, salvo qualquer surpresa de última hora e para mal dos meus pecados, levará a palma aos candidatos que já se apresentaram.
A sondagem do DN/Aximage, revelada num artigo de Bernardo Ralha com um título porventura enganador – “Governo continua a ter nota menos má do que uma Oposição que tem dois líderes" – preocupa-se em destacar aspectos laterais do resultado obtido, deixando na sombra aquele que é o resultado que verdadeiramente importa sublinhar.
Importante, ao contrário do que refere o articulista ao escolher o título em questão, não é saber se a nota do Governo é “menos má” do que a da Oposição, ou se esta tem dois líderes, porque na verdade chegámos a um ponto em que nenhum português com um mínimo de senso, sentido da realidade e preocupação com o futuro da democracia e do país dá uma esmola para esse peditório. De certo modo, isso também é revelador do desfasamento da agenda mediática em relação à realidade.
O que aquela sondagem nos diz, ignorando os que nada dizem ou não respondem, é que em relação à actuação do Governo actual são mais os que consideram mau e muito mau (34% + 13% = 47%) o seu desempenho do que os que o consideram bom e muito bom (41% + 4% = 45%).
E em relação à Oposição esses mesmos portugueses consideraram que a sua prestação é, digo eu, um verdadeiro desastre, visto que somente 34% a consideraram muito boa (3%) e boa (31%), sendo 55% os que a consideram má (44%) e muito má (11%).
Estes números deveriam fazer reflectir os partidos políticos e as pessoas que têm responsabilidades em Portugal. Qualquer candidato à Presidência da República não poderá deixar de olhar para isto.
Sondagem após sondagem os portugueses entendem que tanto o Governo como a Oposição são maus ou muito maus, que é como quem diz, absolutamente ineptos para as funções que desempenham, reafirmando aquilo que Medina Carreira já dizia e eu não me cansarei de reafirmar: esta gente não presta.
E ou os portugueses arranjam outros ou o destino deste país e da sua democracia estarão traçados e à mercê de qualquer surripiador de malas ou gangue autárquico com capacidade de organização.
Se juntarmos a esta sondagem da manhã o pornográfico debate parlamentar da tarde, a que muitos terão assistido sem saber o que pensar daquele nível de discussão, do estilo e tom que lhe foram emprestados e, em particular, da linguagem de carroceiro a que muitos recorrem e de que as sumidades do Chega e o deputado Ventura são os indiscutíveis campeões, perceber-se-á a razão para as sondagens apresentarem tais resultados.
E essa má impressão de quem governa e de quem interpela reflecte-se depois no processo Tutti Fruit, com dezenas de envolvidos e afins, cuja simples existência – não porque não devam existir – só por si constitui vergonha para as instituições e os portugueses. Igualmente nas acções de justicialismo mediático de uma certa magistratura que também gostava de poder governar, nos gangues que por aí proliferam nas mais variadas áreas de “empreendedorismo” e a que nem os desgraçados dos imigrantes escapam quando se trata de obter testados em juntas de freguesia, no que parecem ser procedimentos corriqueiros em autarquias de norte a sul, num saque permanente e de dimensões descomunais, de tal forma que há quem ache normal que um ex-secretário de Estado, em tempo integral e trabalhando em exclusividade, para além do tempo que demorou a demitir-se – quando se impunha que tivesse sido imediatamente demitido por quem tinham autoridade sobre ele –, poucos meses volvidos sobre a data da sua tomada de posse, tenha cabeça e tempo para pensar e constituir sociedades comerciais, independentemente do respectivo escopo e das áreas em que pretende actuar, num momento em que se devia dedicar de corpo e alma à acção governativa, a pensar e a resolver os problemas da área que lhe coube em sorte, e deixar as suas aventuras empresariais para quando saísse do Governo e da política activa.
Como se o problema do mau funcionamento do Estado e dos partidos políticos e o miserável recrutamento das “elites”, aliás amplamente espelhado nas múltiplas escutas telefónicas que clinicamente chegam às páginas dos jornais, às televisões, carregadas de cortes devido ao rico palavreado dos senhores deputados e ministros, e à Internet se resumisse a meros problemas de legalidade. Ou aos milhares de horas que os motoristas da Assembleia da República "faziam" aos sábados sem que ninguém desse por nada. Antes fosse.
Não sei quantos mais candidatos irão aparecer para as presidenciais. Os que aí estão não oferecem a mínima confiança. Facto agravado pela crise de credibilidade dos partidos e respectivas lideranças, cujo patrocínio a qualquer candidatura presidencial não é garantia de seriedade. Ainda recentemente se viu com as acusações que recaíram sobre um antigo dirigente e ex-candidato presidencial dos impolutos liberais, que acabou expulso do partido que o queria para nosso Presidente da República, enredado na justiça por falsificação de documentos numa autarquia. Grotesco.
É por isso que em momentos destes, e eu nunca pensei ter de vir a dizê-lo meio século dobrado sobre o 25 de Abril, é preciso olhar para o exemplo de homens como Ramalho Eanes – o PRD foi outra coisa – que com mais de 90 anos continua a dar-nos lições de cidadania, empenhamento cívico, lealdade a Portugal e aos portugueses e, acima de tudo, independentemente das respectivas convicções e erros de julgamento que como qualquer um terá cometido, de seriedade, boa-fé, elevação, nobreza de carácter, dignidade, desprendimento material na hora de servir e capacidade de resistir à errância, à frivolidade, à miséria moral, ao espectáculo mediático.
E não foi por ser um militar. Militares há muitos. E alguns que conheci uns farsantes e uns estafermos sem vergonha nem amor à farda.
Foi por ser um homem sério, que quando se está no Governo ou na Presidência não se está lá para “tratar da vida”, não se anda a constituir sociedades, a comprar e a vender acções, a investir em projectos imobiliários com os amigos, a constituir fundações com dinheiro público, a recorrer a fundos e subvenções por interpostas pessoas ou a ajudar a família, os conterrâneos, os colegas de escola, os amigos de infância e os amigalhaços de ocasião a singrar na vida.
E foi também por ter percebido que a política é uma actividade demasiado importante para ser confiada a arrivistas, a gente destituída de ética, moral ou carácter, a vigaristas diplomados, excursionistas da política, agilizadores de negócios, feirantes misericordiosos ou a videirinhos com os bolsos carregados de cromos dos três pastorinhos à procura do melhor ângulo para a foto e os saltinhos que os portugueses lhe ficarão sempre a dever.
Podemos ter muitos magos na bola, em muitas áreas da ciência e do conhecimento, da cultura, mas do que precisávamos mesmo neste hora era de um Eanes. De um Eanes na política. De um Eanes em Belém.
Se possível de muitos, com estaleca. Dentro dos partidos, metendo a canalha na ordem, correndo com o lúmpen das empresas, das autarquias, das escolas, dos campos, das universidades, das indústrias.
Precisávamos de gente como Eanes, com apego à democracia e às instituições, com ética de trabalho, serviço e respeito para com os outros. De gente séria, de gente que prestasse para alguma coisa e ajudasse a criar algo de útil e com futuro. De gente que, como ele, pudesse servir de exemplo e estímulo. Ou deixasse na sombra os miseráveis.
Lamento hoje, mais do que nunca, que tenhamos perdido duas gerações, estourando milhões a construir estádios e a produzir Cristinas, para as televisões e os partidos, desprezando o sangue, o suor e as lágrimas de tantos que nos precederam sem que tivéssemos sido capazes de produzir, não digo muitos, pelo menos uma meia-dúzia de pessoas capazes para a política com a estatura cívica e moral de um Ramalho Eanes. Um que fosse, militar ou civil, para sair da mediocridade e do anonimato e se apresentar às presidenciais de 2026.
Creio que até nisso os deuses nos estão a obrigar a pagar o preço do infortúnio. Da romaria, da Maria que foi com as outras. Pela medida grande. Crucificados diariamente numa espécie de Portugal dos pequeninos. Com os anões que temos a zelarem por nós. Mas sempre prontos para irem aos figos, às cavalitas uns dos outros, e fazerem justiça na hora dos dividendos.
Só me apetece dizer um palavrão. Dos grandes. Para ser ouvido no Além. E indignar os deuses. Espero que os leitores me desculpem.
(créditos: Expresso)
Com o Governo de Luís Montenegro em velocidade de cruzeiro, cumprindo a sua gestão de “casos e casinhos” e protegendo os seus muitos emplastros, os portugueses preparam-se para os carnavais que aí vêm. Dos “genuínos”, espalhados por múltiplos pontos do país real, aos encenados, com as eleições autárquicas à cabeça e as presidenciais lá mais para a frente. Uma coisa é certa: com o Eça arrumado no Panteão Nacional não irão faltar motivos de interesse, folclore e animação. Os palhaços, as matrafonas, os arrumadores de malas, as charangas, os “senadores”, os candidatos às regionais de Março na Madeira, mais os das autarquias e o batalhão que se prepara para as presidenciais de Janeiro de 2026, não terão mãos a medir. Espero que, entretanto, a memória se mantenha viva e a vista do essencial não fique encoberta pelas roliças curvas das lulas que se preparam para desfilar sambando.
Enquanto Marques Mendes não apresenta a sua candidatura, o PS tenta libertar-se do lodo acumulado e discute por onde e com quem “arruará” nas presidenciais, quero chamar a vossa atenção para os resultados da sondagem realizada pela GfK Metris, coordenada pelo ICS-UL e o ISCTE-IUL para o Expresso/SIC, e publicada em 31 de Janeiro pp. a propósito dqs eleições presidenciais que aí vêm.
Creio, aliás, dever ser esta lida em conjunto com o excelente trabalho de Eunice Lourenço e João Pedro Henriques sob o título “Conselho de Estado passou a existir” e o resultado dessa mesma sondagem na parte respeitante ao balanço que os portugueses inquiridos fazem da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa.
Se olharmos para os resultados da sondagem sobre as presidenciais, apurados num altura em que ainda não se conhecem as montadas e os jockeys que se predisporão a entrar na corrida a Belém, o primeiro dado que salta à vista é que o almirante dos submarinos, embora ainda não tenha emergido, e ninguém saiba se o fará nas Berlengas ou no Bugio, nem com que tripulação, ou o que pensa sobre coisas tão corriqueiras como touradas e javalis, sai à frente, tanto na primeira volta, como numa hipotética segunda, qualquer que seja o cenário desejado, ou apresentado, pelos autores da sondagem em função dos nomes que têm sido soprados.
Se é também verdade que André Ventura já está, como sempre, com o pé no estribo e de megafone na mão, todos os outros, e não será só pela estatura, aguardam que lhes ajeitem o banquinho para poderem sentar-se no dorso do animal a tempo de chegarem ao starting gate.
Quer isto dizer que, salvo uma surpresa de última hora, os portugueses inquiridos, 50 anos depois do 25 de Abril, querem um militar, sem qualquer experiência política, executiva, parlamentar ou simplesmente partidária, na Presidência da República, sendo que os restantes nomes que lhes foram submetidos para apreciação eram todos de políticos, mais ou menos experientes, com raízes ou ligações profundas aos partidos da respectiva área política.
Não concluo daqui que seja líquido os portugueses preferirem um militar a um político para PR, mas será legítimo concluir que os nomes que lhes foram apresentados não são representativos de um sentimento nacional, não oferecem confiança, e para muitos, como diria um amigo(*), apresentam o carisma de uma amiba, embora nenhum dos seus apoiantes os tenha confrontado com essa evidência weberiana.
Olhe-se então para o artigo dos jornalistas do Expresso e o balanço do mandato de Marcelo em Belém.
Começando por este, dir-se-á que, com mais ou menos selfies, piropos desajustados, por vezes mesmo ordinarecos, beijocas, copos de brandy-mel, saídas nocturnas ao Multibanco e as confusões do “Dr. Nuno”, só cerca de 30% dos portugueses consideraram o mandato negativo ou muito negativo. Há 61% que considerou essa prestação positiva, havendo mesmo 4% que a viram como muito positiva.
Duvido que iguais percentagens, ou sequer semelhantes, fossem obtidas se o universo dos inquiridos sobre o desempenho de Marcelo se restringisse aos dirigentes dos partidos políticos com assento parlamentar.
Mas ao mesmo tempo, e logo por cima do texto que nos apresenta este resultado da sondagem, o artigo sobre a prestação do Conselho de Estado nos mandatos de Marcelo revela que este inovou no funcionamento deste órgão, que passou a reunir com muito mais assiduidade, com “uma frequência quase trimestral” e com vários convidados em diferentes ocasiões.
Curiosamente, um dos conselheiros mais à esquerda e mais críticos das prestações do PR, Francisco Louçã, elogiou, depreendo isso do seu testemunho, o funcionamento do órgão e disse que “[o] Conselho de Estado não existia, passou a existir com Marcelo”.
Também Lobo Xavier, conselheiro escolhido pelo PR, afirmou que “o Conselho de Estado tornou-se muito mais interessante”.
Sabe-se, pelo relato que nos é feito, que se abandonou o “ascetismo verbal” dos tempos de Cavaco Silva e que todos os conselheiros passaram a falar, o que será certamente de saudar em virtude daquele órgão de consulta do PR não dever ser apenas um meio para alguns entrarem mudos e saírem calados, aproveitando para lá irem buscar umas senhas de presença enquanto fazem figura de corpo presente.
A consonância de posições entre Lobo Xavier e Francisco Louçã em relação ao funcionamento do Conselho de Estado parece-me que deve ser vista como um aspecto positivo – não sei se haverá mais algum – da acção do actual PR, traduzida na valorização desse órgão.
Como dali também resulta, e acontece em qualquer outro órgão com idêntica natureza, seja na política ou num universo empresarial ou académico, tudo dependerá de quem o dirige, da maior ou menor inteligência deste e dos objectivos que se propõe prosseguir.
Agora seria interessante os leitores interrogarem-se sobre as razões para os resultados da sondagem apresentada, quer quanto à hipótese, cada vez menos académica, de Gouveia e Melo se vir a tornar no próximo Presidente da República, quer no que respeita à apreciação positiva que é feita do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, não obstante a saraivada de críticas que sobre ele veio de todos os quadrantes.
Poderei estar enganado, mas a análise que faço dos números aponta para uma imperiosa necessidade de introdução de mudanças de fundo no funcionamento do nosso sistema político-constitucional e no regime político.
Os portugueses revêem-se cada vez menos nos seus partidos políticos e nos seus dirigentes. E isto é válido para todos, incluindo o “impoluto” Chega cuja percentagem de cadastrados, de arguidos e de gente com problemas na justiça já deve ter começado a colocar de sobreaviso muitos dos seus eleitores, certamente ainda a recuperarem do choque provocado pelas “malas do Arruda”.
Aqueles que se guindaram às posições de liderança e que surgem nas sondagens como potenciais candidatos à presidência da República surgem com percentagens absolutamente ridículas perante o almirante Gouveia e Melo e que, a manter-se este cenário, arrisca ser eleito à primeira volta e com uma maioria esmagadora atenta a fragilidade, esgotamento, cansaço e falta de empatia gerada nos eleitores pelos seus opositores.
Este é mais um reflexo da mediocridade inerente aos partidos do regime, da sua cada vez menor influência social e incapacidade para exercerem a sua função mediadora entre o eleitorado e as instituições, desfasamento e errada percepção da realidade, dos problemas e das preocupações dos portugueses, e de cujo universo ou campo político não consegue sair um candidato com estatuto e um mínimo de credibilidade que seja capaz de instilar um mínimo aceitável de confiança no eleitorado que lhe permita fazer frente ao almirante.
Tudo isto aliado a uma avassaladora falta de visão estratégica, envelhecimento dos quadros, ausência de qualquer renovação baseada em critérios de mérito, revelando mecanismos de recrutamento medíocre, uma inexplicável apetência para o envolvimento em escândalos, situações de duvidosa legalidade e fácil predisposição dos seus filiados a entregarem-se a lideranças destituídas de adequada formação política, ética e moral, vivendo num excruciante "salve-se quem puder" de cada vez que se abeiram do pote, ou em permanente forró e de costas voltadas para os eleitores.
Partindo do pressuposto, sempre rebatível e discutível de que os resultados da sondagem e as preferências reveladas correspondem à realidade factual e a um sentimento compartilhado pela maioria dos portugueses, quer-me parecer que estes estão cansados das condições de funcionamento do actual regime, cujo modelo há muito se esgotou por incapacidade dos próprios partidos. A popularidade do almirante e a predisposição para fazerem deste presidente é a melhor prova disso. E querem um regime com acentuação da vertente presidencial. Ou, pelo menos, não a veriam com maus olhos, atento o que se passa em São Bento, na Gomes Teixeira e nas sedes dos partidos.
Passada a época dos “grandes líderes”, de Freitas do Amaral a Álvaro Cunhal, de Sá Carneiro a Mário Soares, esgotado o filão dos seus delfins, e iniciada a época dos “caçadores de gambozinhos”, dos "autarcas", dos "gestores", dos "banqueiros", dos "merceeiros", dos "empreendedores" e dos simples labregos deslumbrados com as cores e a luz da capital, rapidamente esgotada no atoleiro, que teima em arrastar-se, independentemente da cor da cartola partidária, de casos de polícia e no palavreado, nalguns casos oco, noutros obsceno, de uns quantos inimputáveis e numa chusma de figuras menores, ignorantes e estruturalmente desonestas paridas pelos sinistros aparelhos partidários e as diversas seitas que por aí pululam, e que teimam em manter-se a bordo porque não há um capitão partidário com sentido de Estado e autoridade que as faça desembarcar na primeira ilha deserta, dando-lhes o tratamento que deveria ser dado às quadrilhas das claques futebolísticas, os portugueses viram-se de novo para o mito sebastiânico, do qual jamais se libertaram e que ciclicamente se apodera deles nos períodos de maior turbulência.
E continuando a ser verdade o que Schatschneider nos ensinou, seria bom que os partidos políticos, perante o que vendaval que aí vem, e que já aterrou noutras paragens, com resultados sinistros, se predispusessem a mudar, sob pena de isso lhes vir a ser imposto no futuro, pela via mais dolorosa, por um qualquer almirante "sem apoios", vindo disparado do fundo dos oceanos, a cavalgar uma onda impulsionada pelo canhão da Nazaré, por natureza avesso a apoios partidários e a jantaradas espontâneas promovidas pelas "personalidades", "democratas" e "cidadãos anónimos" do regime, e desejoso por desembarcar numa qualquer praia para desatar a vacinar todos os que lhe apareçam à frente, com uma seringa numa mão e a Constituição na outra.
Sabe-se lá com que antigénios e para obter que resultados.
(*) Diz-me o meu amigo que a cunhagem foi de Constança Cunha e Sá. Fica o registo autoral. O seu a seu dono.