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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Os Serviços de Saúde Macau (SSM) têm vindo a alertar para o aumento de casos de gripe, na linha do que também aconteceu no interior do país, esclarecendo que a taxa de positividade dos testes já atingiu 15%. Por esse motivo aumentou o número de doentes com sintomas gripais, em especial na pediatria, com 15,6 casos por cada 100 utentes, reflectindo um aumento de 23%. Há, pelo menos, quatro casos de infecção colectiva envolvendo escolas e jardins de infância, e casos graves de doentes que evoluíram para complicações mais severas, incluindo pneumonia.
Os SSM recomendaram, e bem, que as pessoas se vacinassem, o que no meu caso aconteceu já há mais de dois meses. Mas, curiosamente, uma vez mais a falta de sentido da recomendação e a discriminação em relação aos não-residentes assume contornos bipolares.
São os não-residentes, vulgo blue cards, que desempenham as tarefas mais mal remuneradas da RAEM, os que têm acesso a menos benefícios, os que cuidam diariamente das crianças, dos idosos e dos animais domésticos dos residentes, os que mais horas passam em casa destes contribuindo para o seu bem-estar, os que garantem a segurança de casinos e hotéis. E são os trabalhadores não-residentes os que mais expostos estão aos vírus trazidos por quem vem de fora.
Os SSM esclarecem, inclusivamente, que “a urgência de vacinar não pode ser subestimada, uma vez que a gripe, a associada a complicações respiratórias, pode resultar em internamentos prolongados e, em caso extremos, em óbito.”
Pois são exactamente os não-residentes quem tem de pagar MOP$95,00 pela vacina, visto que só os residentes gozam acesso gratuito a esta. No ano passado, situação semelhante verificou-se com a vacinação da monkeypox (varíola dos macacos), embora esta esteja em causa em relação a grupos muito específicos.
É mais uma decisão que radica na falta de vistas, visto que se estas pessoas não se forem vacinar, por insuficiência de meios ou por considerarem a vacina cara para as suas posses, o que será perfeitamente normal atendendo ao que normalmente auferem, os prejuízos que causarão aos seus empregadores, aos familiares dos residentes que não estejam vacinados e à própria RAEM, durante o período em que não poderão dar o seu contributo laboral por estarem doentes, será muito mais elevado do que o custo da vacina que lhes está a ser pedido.
Com a agravante de que estando mais expostos ao vírus também serão fonte de transmissão mais rápida para todos os residentes não vacinados e mais atreitos ao vírus, potenciando o aumento do número de infecções entre os locais e a pressão sobre os hospitais e centros de saúde.
E como se mais essa aberrante discriminação contra os não-residentes não bastasse, repare-se que o serviço de vacinação de não-residentes só pode ter lugar, pagando as tais MOP$95,00, no Hospital de Kiang Wu e na Clínica dos Operários, instituições privadas, quando o correcto seria que a vacinação estivesse disponível em qualquer hospital ou centro de saúde público.
É mais uma inexplicável benesse, ou negociata, não sei qual a razão, a favor de instituições privadas que recebem vastos subsídios públicos. Se os desgraçados têm de pagar para ser vacinados, então que possam escolher entre o privado e o público.
É mais uma decisão pouco patriótica, um caso de verdadeira exploração capitalista sem escrúpulos dos desvalidos da vida e de quem trabalha numa região que se quer aproximar cada vez mais das políticas do Governo Central.
De nada lhes serve estudar os discursos do Presidente Xi porque essa aproximação continua a ser só no que lhes dá jeito. Seja nesta matéria, no que diz respeito à emissão de atestados médicos em caso de doença, em relação aos direitos laborais, em que muitos continuam em pleno século XXI, vinte cinco anos depois do fim da "exploração colonial", a ter apenas 6 ou 7 dias úteis de férias – uma vergonha em qualquer sociedade decente, mesmo de raiz capitalista, e para qualquer empregador que se dê ao respeito – ou em matéria de feriados e dias de descanso compensatórios, continua a discriminação entre residentes e não-residentes, entre trabalhadores do sector público e do sector privado.
Não gostam do que lêem em relatórios de organizações internacionais, mas pouco ou nada fazem para mudar. Em alturas como estas é que se vê bem como pensam e como não estão disponíveis para alterar as coisas. Não se poderão queixar.