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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: CM/Pedro Simões)
Choque pela notícia matutina. Choque pelas circunstâncias. Choque pela confrontação com a realidade.
A notícia caiu de chofre.
Figura de referência no estudo, investigação e ensino da moderna Ciência Política portuguesa, que ajudou a colocar no mapa internacional das escolas de referência, sempre disponível para com os seus alunos, rigoroso, aberto e amigo, o Professor André Freire partiu subitamente.
Sem aviso prévio e numa intervenção cirúrgica, tanto quanto me apercebi, corriqueira.
Os milhares de páginas que deixou escritas em livros e artigos científicos, que terão feito dele um dos mais citados politólogos nacionais, jamais servirão para colmatar a sua ausência na academia e no espaço público, nas televisões, em jornais, em múltiplos seminários e conferências, nas quais sempre participava com gosto e total disponibilidade.
Exemplo de integridade, de intervenção cívica desinteressada e oportuna, em especial nas cíclicas crises da política portuguesa, parte numa altura em que tinha ainda tanto para nos dar.
Os seus alunos ficarão órfãos. Os portugueses estão desde hoje imensamente mais pobres.
Fundamental no meu regresso ao universo académico, à orientação definitiva da agulha para a minha área de vocação e interesse, motivando-me para a investigação e a fixação de metas das quais, tanto ele como o saudoso Professor Farelo Lopes, nunca me deixaram desistir, dando-me sempre a sua opinião informada, a última sugestão de leitura e os incentivos para desenvolver, aperfeiçoar e depurar.
Concluído o doutoramento, que acompanhou com interesse e visível satisfação pelo cumprimento de todos os prazos e o interesse do tema que então investiguei, e sem cuja ajuda jamais teria concluído, lá íamos mantendo contacto virtual, sempre com uma palavra, da parte dele, de interesse sobre o que ia fazendo em terras longínquas, e de estímulo a um eventual regresso a Portugal, que sempre viu com bons olhos.
Uma vez por outra, quando passava por Lisboa, lá participava nas conferências de que me dava nota, visitando-o de caminho no gabinete do ISCTE que partilhava com a minha antiga orientadora, sua colega e amiga.
A sua voz continuará a ouvir-se, e a ser recordada, por mais anos que passem.
O vazio permanecerá de cada vez que ler uma página dos seus escritos ou o citar.
Tristeza maior por saber que já não terei o gosto de o ouvir comentar e criticar aquilo que for escrevendo.
Até sempre, Professor.
Até sempre, André, e obrigado.
Um estudo da Fundação Belmiro de Azevedo alerta para a escassez de professores em Portugal, prevendo um deterioramento da situação entre 2026 e 2030.
O cenário agrava-se, sublinha-o David Justino, antigo ministro da Educação e membro do Conselho Consultivo do Edulog, um think thank da referida fundação, quando se verifica que para formar um professor são precisos cinco anos.
Defende, por essa razão, a introdução imediata de medidas estruturais que possam atalhar ao problema, considerando ser fundamental haver capacidade de "planeamento e antevisão", coisa que tem escasseado de há alguns anos a esta parte.
Com o seu conhecimento e experiência, David Justino acrescentou que é preciso valorizar as carreiras e a componente remuneratória e que "toda a gente pensa nos custos, mas ninguém pensou que os professores não são um recurso ilimitado". E exactamente por serem um recurso limitado é que "o problema não se resolve apenas com a componente remuneratória", o que toda a gente, a começar pelos próprios professores, incluindo o camarada Mário Nogueira que anda há décadas afastado do campo de batalha, percebeu há um ror de anos.
David Justino, para que dúvidas não ficassem, permitiu-se acrescentar que “foi criada a péssima imagem de que todos podem ser professores, o que desvaloriza a própria carreira”.
Olhando agora para nós, que estamos longe da pátria, e para o panorama da Escola Portuguesa de Macau (EPM), dir-se-ia que David Justino estava a pensar nesta, no seu director, no presidente da Fundação que a (des)ampara e nalguns dos novos contratados.
À beira de Novembro, com a silly season macaense a entrar pelo Outono, multiplicadas as confusões e as decisões tonitruantes, rapidamente substituídas por saídas mansas e silenciosas quando se percebeu que os gatos estavam identificados e tinham todos a cauda de fora, verifica-se que na EPM não faltou conversa fiada. Onde houve discursata faltou capacidade de planeamento e antevisão. O essencial. Porque o importante era desmantelar a equipa existente, em vez de reforçá-la, e trazer a trupe que jogava junta numa equipa que se desconjuntou por diversos continentes.
Também aqui se falou muito nos custos, mas aqueles crânios não pensaram que os professores, como disse Justino, eram um recurso limitado. E, às vezes, há poupanças de tostões que acabam custando milhões porque nem todos podem ser professores. Ou treinadores. Olhem para o Erik ten Haag. Não há milhões que o salvem, embora ele esteja convencido de que percebe alguma coisa de futebol.
A prova é que ao fim de mais de uma dezena e meia de novas contratações, depois de afastados professores que deram provas e estavam qualificados para a função, repescaram-se alguns, porque a isso se obrigou, mexendo-se nas horas de descanso e de treino, e nas extraordinárias, jogando-se depois com estas noutros lados. E chegamos a esta altura do ano lectivo, ao que me dizem, ainda com alunos sem algumas aulas, com falta de professores e professores experientes que podiam ter mais trabalho ao lado de outros que estão a fazer aquilo para que não foram fadados.
Como se não bastasse terem ido buscar uma turista reformada, que generosamente se prestou a dar uma mão ao "caos" enquanto por cá estivesse, ainda me chegou notícia de um "escuteiro" sem formação pedagógica, nem experiência lectiva, talvez porque o trabalho na sua área técnica esteja difícil, ter sido investido no ensino de disciplinas que nada têm a ver com a sua vocação profissional nos últimos anos.
E dá-se ainda o caso de entre alguns dos novos professores haver estranhas afinidades geográficas, ficando-se com a ideia de que esse foi igualmente critério para o recrutamento. Diria mesmo que foi talvez o único em que houve planificação a sério entre o director da equipa da EPM, os seus "assessores" e os "olheiros".
Sobre estas contratações não espero, até porque não sei se o empresário Jorge Mendes não terá um dedo nisto, ouvir a associação representativa dos pais e encarregados de educação. As mudanças de temperatura nesta época do ano provocam dores de garganta e afonias.
Consta, vox populi, que algumas dessas contratações foram a termo certo. Outras que estavam consolidadas passaram a prazo; tudo opções que todos sabem não servirem para dar grande segurança, como diria o Gabriel Alves, nem no miolo do terreno, nem nos corredores, por onde as grandes equipas ganham os jogos.
Em qualquer equipa de futebol, de bom futebol, não de futebol de praia, é preciso que haja alguém que pense o jogo e seja capaz de chegar ao "último terço do terreno". Não ao da transição, como o outro, o dos contentores da Quinta Patiño. É preciso marcar golos para vencer os jogos. Na EPM, nesta altura do campeonato, joga-se para o empate. Ou para perder por poucos.
Pode ser, ainda tenho esperança, que o Jorge Mendes, antes do fecho do mercado de Inverno, recomende mais uns craques a preço de saldo à direcção da EPM.
Entretanto, não estranharia que de Lisboa, passada a fase da troca de galhardetes que antecede a aprovação do Orçamento de Estado, não viesse por aí um treinador a sério, um Justino qualquer, mais a sua equipa técnica, que metesse ordem na equipa e no seu jogo. E os fizesse sentar no banco.
Não aos alunos. Estes já lá estão, mais os reforços, cansados de esperar. Aos outros.
Aos que deambulam pelo campo desaustinados, que não apanham uma bola, que não constroem uma jogada segura. E, armados em craques, ainda querem os aplausos da bancada, os microfones e as câmaras na zona mista.
E isto, repare-se, ao mesmo tempo que o presidente do clube e o "mister", com o banco de suplentes à cunha, correm pela linha lateral, à beira do intervalo, para cima e para baixo, à procura de um defesa central para a baliza. Coisa nunca vista em equipas profissionais que ocupavam no início da época os primeiros lugares dos rankings.
Seria bom que alguém respeitado e com autoridade fizesse a equipa acalmar. E que dissesse à equipa técnica que chega de asneirar.
O tempo passa a correr. Para os alunos que jogam na EPM corre ainda mais depressa.
Era importante que a planificação da próxima época, já que a presente foi um desastre, estivesse concluída antes do Outono de 2025.
Alguém tem de controlar as novas contratações e avaliar os custos envolvidos. Actuais e futuros. E, se necessário, dar uma "chicotada psicológica" na equipa técnica. Para ver se ainda se salva uma parte da época.
Não será fácil, bem sei; que aquilo não se resolve com cartões amarelos e livres directos.
Mas ainda não perdi a esperança de chegar aos desfiles do Carnaval com a equipa da EPM fora da zona de descida.
E com as matrafonas todas no banho. De espuma.
Senhor de uma fortuna digna de um oligarca, apoiante da invasão da Crimeia em 2014, militante da “solução ucraniana”, como antes fora da intervenção russa na Abecásia, na Ossétia do Sul e na Síria, deixou de poder dirigir as grandes orquestras a que em tempos emprestou o seu brilho em Londres, Nova Iorque, Milão, Berlim, Amesterdão, Roterdão, Viena ou Munique. Foi banido no Ocidente, como outros foram na Rússia.
Não fosse isso e jamais o teríamos visto por estas bandas.
Dentro daquela sala importava esquecer as circunstâncias que o trouxeram a Macau e curar, simplesmente, de tirar partido da música. Foi o que fiz.
Tudo começou com uma breve incursão a Prokofiev e a excertos da Suíte Romeu e Julieta op. 64, espécie de aperitivo para preparar os ouvidos e os olhos para o banquete que se seguiria.
Quando Shostakovich se apresentou com a sua Sinfonia n.º 6 em Si Menor, op. 54, todos tínhamos percebido que aquela não iria ser mais uma noite como as outras.
A minúscula batuta na mão direita, marcando o tempo, enquanto a esquerda imparável, com dedos bailando acima e abaixo, ante o olhar compenetrado dos músicos e o crescente arrebatamento da audiência, percorria as várias secções e dirigia o seu pequeno exército.
O clímax chegaria com uma execução magistral da Sinfonia n.º 5 em Mi Menor op. 64 de Tchaikovsky.
Musicalmente seria impensável, a ele, Gergiev, e aos seus músicos, a Mariinsky Orchestra, regatear aplausos.
Politicamente é outra coisa. As posições que foi assumindo ao longo dos anos, até o tornarem num símbolo do mais execrável putinismo, do qual nunca se quis distanciar, a muitos suscitam viva repulsa. A mim também.
Impunha-se um esforço de abstracção. A "música não é mais apolitica sob Putin do que era sob Hitler". E no caso de Gergiev nunca seria.
Se valeu a pena, pergunta-se agora? Bem, mentiria se dissesse o contrário. Bastaria ver no final a satisfação no rosto da segunda violinista, a coreana Alexandra Lee, para perceber o nível da execução. E o encantamento do público que por três vezes chamou o maestro.
O que, em todo o caso, não invalida a conclusão. E um certo desconforto pessoal.
E não nos permite esquecer que há princípios e valores que têm de estar sempre presentes, mesmo quando o génio se manifesta de forma tão exuberante e sublime.
As guerras são uma desgraça. Perdem todos. Que ninguém duvide.
(créditos: MDT)
Há muitos anos que deixei de frequentar as praias de Macau. Tempos houve em que ali tomei bons, longos e retemperadores banhos. Coisa que hoje seria incapaz de fazer.
A quantidade de problemas de saúde que afectaram amigos e conhecidos aos mais diversos níveis, dos dermatológicos aos gastro-intestinais, associados aos constantes alertas das autoridades sobre a má qualidade das águas e a dificuldade em encontrar um local sossegado e aprazível, em especial depois das intervenções que ao longo do tempo deram cabo do que ainda ali havia de belo e natural, progressivamente substituído por cimento e mamarrachos de mau gosto, desmotivam qualquer visita a esses locais.
Há quem ainda o faça, até porque faltam alternativas e espaços de lazer e passeio, mas a situação a que se chegou não deixa de ser vergonhosa.
Ter um "centro mundial de turismo e lazer" cujas praias e piscinas estão permanentemente sobre ameaça da E-coli, do dengue ou do vibrião da cólera é péssimo sinal. Culpar as águas das chuvas pelo desprezo ambiental, pelas marés vermelhas, pela má qualidade das águas e pela recorrente falta de higiene é argumento gasto.
Antigamente também chovia, só que os níveis de poluição do ar, das águas e das areias nunca foram tão elevados.
Convirá ter presente que estamos a falar de doenças provocadas pela falta de limpeza, de higiene, de tratamento adequado das águas, dos resíduos e do ambiente.
E também ausência de educação cívica de muitos dos que nos visitam e largam as caixas de comida, os lenços, as máscaras e as latas de bebidas vazias em qualquer lado, apesar de haver quem teime em chamar esses bárbaros de "turistas" e os considere fundamentais.
Em 2018, numa interpelação ao Governo levada a cabo na Assembleia Legislativa, a deputada Agnes Lam Iok Fong sublinhava que o problema já era antigo, embora continuasse a agravar-se. Referiu então que entre 2015 e 2017 o número de bactérias de E-coli em Cheoc Van e Hac-Sa esteve sempre a subir e passou de cerca de 40 para mais de 300 por 100ml de água; que a qualidade da água era insatisfatória durante a maior parte da época balnear e que até em Dezembro, quando não chove por estes lados, a água era má.
Hoje continuamos na mesma. Foi em Junho, aconteceu a semana passada de novo. E nem a piscina do Parque Central da Taipa escapou. O cartonista Rodrigo Matos, com o seu humor e incisivo traço, voltou a colocar a vergonha em destaque. Situações que se repetem sempre com os mesmos de sempre e com as desculpas de ontem cada vez mais esfarrapadas.
Ganham os hospitais, as clínicas, os laboratórios de análises e as farmácias. Paga a população com a sua saúde e bem-estar. Também o erário público através dos sacos de pomadas e comprimidos com que nos aviam de cada vez que há um problema.
Anos de má governação, desprezo pela qualidade de vida dos residentes e total irresponsabilidade política só podiam conduzir a esta dramática situação.
Sam Hou Fai vai ter muito para fazer. Oxalá consiga recrutar gente competente e capaz para dar a volta a isto. Para bem de todos.
A imagem do Macau Daily Times que aqui reproduzo e ilustra o meu contributo para o debate sobre a Grande Baía de Guangdong, Hong Kong e Macau, publicado na edição de sexta-feira passada, foi gerado por Inteligência Artificial. É uma curiosidade. A outra é perceber até que ponto será possível, e haverá disponibilidade, para fazer muito melhor e com mais utilidade em prol do princípio "um país, dois sistemas", tirando partido do know-how das regiões administrativas especiais em prol de todos.
E ciclicamente lá chega mais um caso às páginas da imprensa. Ontem foi Isaltino Morais, hoje é o inefável Miguel Pinto Luz. Amanhã será outro autarca ou governante qualquer.
Sobre os usos e abusos dos dinheiros públicos por parte de mais um ex-autarca e actual membro do Governo, a pagar os linguados, os robalos e a vinhaça nos melhores restaurantes aos amigalhaços e correligionários políticos, aos empresários dos "ajustes directos", a consultores de imagem, jornalistas e investidores anónimos que nunca ninguém sabe se chegaram a investir, nem onde nem quando, nem que benefícios os contribuintes viriam a retirar desses convívios, remeto-vos para a investigação das páginas da revista Sábado e a reportagem publicada na edição desta semana, cujo texto assinado pelo jornalista Marco Alves volta a destacar a inadmissibilidade de alguns comportamentos de titulares de cargos políticos. Comportamentos transversais, de uma forma ou de outra, a todo o espectro político.
O destaque aqui vai inteirinho, em primeiro lugar, para a argumentação da Câmara Municipal de Cascais para fugir à prestação das informações e de documentos (facturas de despesas do fundo de maneio e acesso a extractos de cartões bancários usados por “Suas Excelências”) relativamente a essa investigação.
Recusar a prestação de documentos e informações alegando “impacto nas rotinas”, perturbação ao “regular funcionamento dos serviços (...) para dar cumprimento a um pedido quase abstracto” para acabar depois no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a dizer que “não constitui interesse público manifesto e relevante a informação sobre com quem é que os membros do executivo almoçam” e que esses gastos realizados com dinheiro público deviam ser entendidos como reserva da intimidade da vida privada e mereciam protecção constitucional para não ofenderem os limites impostos pela boa-fé e os bons costumes, revela bem o entendimento que esta malta tem da forma como devem ser exercidas funções públicas e de qual o escrutínio a que consideram não dever estar sujeitos.
À argumentação da autarquia de Cascais, digna de um cabo de esquadra, respondeu a decisão judicial referindo desconhecer “quaisquer bons costumes que digam respeito ao número de documentos que se mostra aceitável requerer à administração pública” e que almoços nos exercício de funções públicas e pagos com dinheiros públicos não se inseriam, evidentemente, na esfera íntima e privada dos senhores autarcas.
A este propósito vale ainda a pena ler o editorial do director da revista onde se revela que Miguel Pinto Luz deixou de entregar aos serviços da autarquia as facturas dos seus repastos a expensas da Câmara Municipal de Cascais com os seus amigos políticos após ser publicada, no ano passado, a reportagem sobre as preferências gastronómicas de Isaltino Morais. Atitude infantil e reveladora de que o actual ministro sabia perfeitamente o que estava a fazer e que tal seria censurável. De outro modo não teria mudado de atitude. Percebeu que mais dia menos dia poderia vir a ser apanhado. E foi. Não se tratou de um simples problema de ingenuidade, ignorância ou diferente interpretação de normas legais, mas uma atitude consciente de abuso a coberto da falta de transparência e de escrutínio público.
Como bem diz Nuno Cunha Rolo, na entrevista que na mesma revista dá sobre essa concepção de “bons costumes” do(s) autarca(s) de Cascais, “não há gestão autárquica privada”, menos ainda quando subsidiada pelo dinheiro dos contribuintes, e que as escolhas que estes responsáveis políticos fazem acabam por reflectir “a qualidade ética e confiável da sua gestão”.
É claro que depois, quando vão a ministros, transportam consigo pela vida fora esse sentimento geral de impunidade.
Que cultivado desde os tempos em que andaram pelas autarquias e empresas delas dependentes, ao jeito de coutadas privadas, de onde ascenderam por um bambúrrio e múltiplas manobras de bastidores, aprendidas nessas associações organizadas de formação de demagogos, populistas e irresponsáveis que são as juventudes partidárias, os guiará até aos mais altos cargos do Estado, assim se assegurando que os melhores trapezistas, não sendo os mais bem preparados e habilitados para o exercício de funções públicas, as exercerão com o maior desprezo pelo escrutínio público, em mais um sinal profundo do grau de degenerescência ética e moral atingido pelas nossas elites.
Não sei como, nem quando, será possível sairmos deste tugúrio onde nos abrigamos e melhor ou pior, mais ou menos passivamente, vamos convivendo com a mediocridade. Eu convivo muito mal.
Mas ao contrário do que diz a grande Lídia Jorge, na excelente entrevista ao El Pais, publicada em 12 de Outubro pp., e que a Sábado noutra secção também sublinha, nós não criámos uma democracia que permitisse a corrupção ou fomentasse o nepotismo.
Nós permitimos sim que a nossa democracia, exactamente porque as elites que havia envelheceram, fracassaram e se desinteressaram pela formação de uma nova, se deixasse perverter, condescendendo com a banalização da corrupção, do nepotismo e as más práticas, constantemente fechando os olhos e fomentando modelos de sucesso cimentados na esperteza, na ignorância, no culto da frivolidade, que depois alastraram à magistratura, à banca e à classe empresarial, tudo impregnado numa política de robalos, de tacos de golfe, de convites e bilhetes para jogos de futebol, numa multiplicidade de oferendas e prebendas que se perdem no laxismo ético e moral da classe política.
E essa condescendência, essa perversão de valores e de princípios, esse abandalhamento daquilo que é básico e essencial ao futuro de qualquer nação, à defesa da democracia e do Estado de Direito e à formação de novas elites, é o que transparece até no discurso dessa referência senatorial da nossa democracia que é um Marques Mendes, quando a propósito dos hábitos feudais do ministro Pinto Luz na autarquia de Cascais, esclarece o jornalista, desvalorizando esse tipo de comportamentos em jeito de gracejo, ao afirmar que “se só aparece essa factura é porque fui eu que paguei os outros almoços”.
Como se isso desse vontade de rir. E como se a promoção desses almoços de convívio entre amigos e políticos, do partido dele e de “outros quadrantes”, ainda que fosse apenas um, enquanto titulares de cargos políticos e pagos com dinheiros públicos, para se discutirem listas, prepararem congressos ou se gizarem estratégias políticas, empresariais e/ou eleitorais, devessem ser considerados e aceites como banais e até desejáveis.
Sim, porque não consta que de cada vez que um munícipe de Cascais tem um problema para resolver, o vice-presidente da autarquia ou o vereador com o pelouro o convidem para almoçar no Visconde da Luz ou n’ O Pescador para se inteirarem do problema do esgoto em S. Domingos de Rana, da licença que nunca mais é emitida ou do buraco não sinalizado no pavimento da Estrada da Torre que dá cabo das jantes e arrumou com a suspensão de uns quantos carros. Embora estes últimos até pudessem ser considerados mais de trabalho do que aqueles que Pinto Luz partilhou com Sebastião Bugalho, o que agora é militante do PSD e deputado europeu, com Moita de Deus ou Marques Lopes.
E não, não se trata de um qualquer problema decorrente de uma visão miserabilista destas coisas. Ou de não se perceber em que medida esse tipo de atitudes, e o seu culto, visto como sendo um padrão aceitável, é prejudicial à imagem da política e dos políticos, esquecendo-se que por aí também se impulsionam, à mais leve faísca, como ultimamente se tem visto, comportamentos vandalizadores e desafiadores da autoridade do Estado e das instituições entre sectores mais desfavorecidos, dos quais se aproveitam uns quantos gandulos que a nossa sociedade deixou que proliferassem e se reproduzissem sem eira nem beira.
Desconheço se esta gente terá a noção do desprestígio que tudo isto acarreta para a democracia, para os partidos e as instituições do Estado. E de como isso é ofensivo para a generalidade dos cidadãos que trabalha e educa os seus filhos procurando transmitir-lhes o melhor e esperando que um dia sejam cidadãos bem formados, trabalhadores e interessados. Admito mesmo que nunca deverão ter tido tempo para pensar nisso, olhando para tal como questões menores que não dão dinheiro nem enchem os sentidos. Nalguns casos, a apreciar pela voracidade, será mais o bandulho.
O que conheço e sei de muitos destes parolos é que quando se trata de serem eles a pagar a conta do seu próprio bolso começam logo por dizer aos outros que se pode dispensar o couvert, e estão sempre a iniciar dietas, ou com problemas de falta de apetite, e no final ficam à espera para ver se alguém se chega à frente porque só comeram um queijinho fresco e umas pataniscas.
Existe uma percepção errada, e pelo que se vê e ouve aceite como normal, do que deva ser a utilização das verbas de representação e de cartões de crédito facultados aos titulares de determinados cargos públicos. Como antes havia em relação às viagens. Quem não se recorda das negociatas de deputados com agências de viagens. Procedimento extensivo a membros de diversos governos.
Escasseiam hoje exemplos de servidores públicos que dêem nota de contenção, frugalidade e bom senso no uso que é feito das facilidades inerentes aos cargos políticos. Quase que existe uma convicção generalizada de que se há um limite até X no cartão de crédito pago pela autarquia é preciso gastá-lo, ainda que em finalidades diferentes das que estiveram na base da sua atribuição pelo legislador, apenas porque é possível fazê-lo sem dar nas vistas, cultivando figura de abastado e benemérito, ou porque não serão os subordinados que irão fazer o escrutínio, mesmo que depois o comentem por portas travessas.
Bem pelo contrário. O que vemos em abundância são membros do Governo, autarcas, dirigentes dos partidos políticos, em especial dos estruturantes da nossa democracia, dando os piores exemplos. O caso de Pinto Luz, como antes o de Isaltino Morais, como há dias, noutra vertente, os protagonizados pelo “cantinflas” que faz de chefe da diplomacia, perante chefes militares, e pelo “fedayin” que hoje dirige o PS, em relação à imposição de uma nova lei da rolha aos militantes do partido do senhor Carlos César, a juntar a tantos outros que são motivo de chacota, vergonha e revolta entre tantos dos nossos compatriotas, que olham para a política como uma actividade para chicos-espertos e videirinhos, ultrapassam os limites da mais surreal das imaginações.
Mas é o que temos. E dos outros, dos pirómanos, é melhor nem falar.
Um bom trabalho numa zona crítica.
Era um local praticamente sem berma, perigoso, numa curva, normalmente coberto de gramíneas de diversas espécies e não raro algum lixo. Desde há dias passou a ter uma passagem aprazível em madeira, protegida por rails e dando continuidade ao percurso anterior que se iniciava nas imediações da antiga cadeia.
Bastará então que no futuro tenha conveniente manutenção para durar uma eternidade.
Quando se quer não é difícil fazer bem feito.
(créditos: SCMP)
Macau é por estes dias a cidade dos palpites. Para alguns será mais das palpitações. O caso não é para menos.
Passada a fase em que os oligarcas e "talentos" da terra apostavam na continuidade de Ho Iat Seng, acreditando este que também seria o ungido por Pequim, e apanhados com "as calças na mão" perante a surpresa da escolha de Sam Hou Fai, são agora muitos os palpites segredados de futuras escolhas para os lugares da equipa governativa vindos por estes dias de todos aqueles que, embora participando na eleição, se viram marginalizados.
Colocados à margem, ou despachados para lugares de segunda linha onde se limitam a fazer prova de vida pelas piores razões, quando ainda se julgavam os detentores das verdades oficiais e dos segredos da corte, viram-se de repente obrigados a engolir toda a espécie de sapos e de insectos voadores e rastejantes para primeiro subscreverem e depois aplaudirem a eleição pelos membros da Comissão Eleitoral do futuro Chefe do Executivo.
Antecipam-se partidas, passagens à reforma, umas mais apressadas do que outras, enquanto não chega a chuva para lhes ensopar os sapatos, as calças e as saias.
Certo é, também arrisco aqui o palpite, que a equipa governativa está escolhida e a preparar-se para os urgentes trabalhos que a esperam, inteirando-se dos dossiês, recolhendo informação, trabalhando silenciosamente, e procurando arrumar as peças no tabuleiro antes deste ser conhecido da população.
O Dr. Sam Hou Fai precisa de ter a certeza de saber com quem é que conta para não correr o risco de ver torpedeada a sua acção governativa. Alguns "patriotas", disfarçadamente, começarão, como sempre fizeram no passado, a tentar atirar areia para a engrenagem. Tentarão encostar-se ao futuro CE para evitar que este tire dos armários os esqueletos herdados, os coloque à luz do dia e limpe os cantos à casa. Como a população anseia e terá de ser feito.
Conhecendo Macau, o novo CE sabe onde estão os estrangulamentos no funcionamento da máquina administrativa e judicial, quais as reformas que se mostram imperiosas executar, e como voltar a dar trabalho ao IAM, agora que algum mobiliário inútil será dispensado e substituído por peças mais funcionais.
E também sabe que terá de se descartar dos vários Sir Humphrey Appleby que ainda por aí circulam, estando impedido de entregar funções de comando à nobreza terra-tenente, entretanto desapossada de alguns bens que lhes iam permitindo especular e acumular ao mesmo tempo que empobreciam a RAEM. Os comícios da Nam Van e associados acabaram. O Beijing Imperial Palace Hotel, que de imperial não tinha nada, a não ser o mau gosto, e de palácio ainda menos, verá finalmente o camartelo que o deitará abaixo. De igual modo, não vai haver mais nenhuma ideia peregrina para reinterpretar a Lei de Terras. A interpretação autêntica é a única admitida.
Creio que particular atenção será dada à Fundação Macau, na linha do que se começou a fazer no mandato do CE ainda em funções; bem como ao trabalho de algumas associações que se especializaram em cobrar contrapartidas leoninas a quem precisasse dos seus serviços, embora recebessem ao mesmo tempo financiamentos públicos exorbitantes. O novo Hospital Macau Union, mais conhecido como Hospital das Ilhas, contribuirá, assim se espera, para se moralizarem algumas prestações de serviços médicos elevando a qualidade da oferta.
A campanha do candidato eleito deixou muitas pistas sobre a sua acção futura. As suas palavras e o modo como se conduziu pareceram-me claríssimas. Só não viu quem ainda acreditava no Pai Natal. Sam Hou Fai tem ideias claras, não deixou a população durante semanas a fio sem saber o que pensava em relação às principais questões que tem de resolver, sabe o que o espera e o que tem de fazer.
Apesar disso, há quem queira reinterpretar as suas palavras. E ainda sonhe em ver escorrer algum melaço por debaixo das portas da Praia Grande. Não haja ilusões. O Dr. Sam Hou Fai é um homem regrado, seco e disciplinado.
E sabe que uma equipa de gente com uma prol imensa de dependentes, obesa, com problemas cardíacos, hipertensão, gota e diabetes nunca poderá funcionar bem. E tem mais dificuldade em mexer-se, cumprir em tempo útil as tarefas que lhe serão distribuídas, subir consecutivos lances de escadas ou acompanhar as limpezas que se aguardam, colocando termo à reprodução do baratame e da rataria.
O que, convenhamos, em circunstância alguma constituirá obstáculo a que usufrua de uma boa garrafeira. De preferência com vinhos tintos de excelência, que ele bem precisa de se inspirar ao serão enquanto pensa nos problemas que tem pela frente para resolver em várias línguas.
Em chinês, em português e em inglês. Espera-se que o faça sempre com frases curtas e simples. Para a mensagem poder chegar a todos os destinatários sem problemas de tradução. Mesmo em chinês, porque há quem só domine o cantonense e continue com dificuldades evidentes na articulação do mandarim. E também na leitura do chinês simplificado, evitando-se que confundam, na leitura dos despachos e das instruções, os reminbis com euros ou estes com os dólares de alguma contabilidade mais criativa.
Mas sabendo-se que há imenso para fazer, e com urgência, e que as traduções são caras e morosas, não se pode correr o risco de notificar as pessoas numa língua que não entendam. Ainda que alguns sejam "bandidos". Porque esta é a parte que, ainda assim, dói mais.
Enquanto exerceu as suas funções profissionais, como diplomata, cumpriu o seu papel de servidor sem rasgos.
Depois, quando resolveu dar-se ares e enveredar por uma carreira política e lobista, tem sido um serviçal disponível e bajulador, que se pavoneia de leque aberto convencido de que o mundo gira em torno da sua sapiência.
A passagem pelo Governo português foi um desastre, e acabou com a sua precipitada saída pela porta dos fundos por causa do triste episódio da cunha que fez também cair o então ministro da Educação. Na memória de muitos ficou a limpeza política e pessoal que desencadeou no Palácio das Necessidades, coisa até aí nunca vista, e a forma vergonhosa como afastou Seixas da Costa.
Sempre reverente a quem manda e de onde vem o "kumbu", postura que é normalmente seguida por muitos que ainda perdem tempo a ouvi-lo, de cada vez que abre a boca debita banalidades, lugares-comuns e asneiras. Voltou a ser igual a si mesmo.
Fala de cátedra, sem contraditório e sem a mínima humildade, esquecendo-se que do outro lado da antena ou do ecrã também haverá, em circunstâncias normais, gente que vê e acompanha a actualidade política, económica, social e as relações internacionais.
O elogio barato a cleptocratas – de José Eduardo dos Santos, o ditador que se encheu e à família delapidando o Estado angolano, ao mesmo tempo que encarcerava opositores políticos, disse em tempos que deixava um legado "positivo" e chegou a compará-lo a Nelson Mandela, como se este fosse algum vulgar ladrão e torcionário –, caucionando a fraude eleitoral angolana no seu diligente papel de "observador internacional", condescendendo com Manuel Vicente e as acusações de corrupção, criticando a acção da justiça portuguesa, são episódios que constam do seu currículo.
Levantar a voz contra os fracos, ou caídos em desgraça, como na Venezuela, enquanto verga a cerviz, arredonda o discurso e fecha os olhos a tudo o que venha de outras ditaduras, colocando os interesses económicos à frente de valores e princípios, é coisa que o atrai e constitui a sua imagem de marca, tal a satisfação com que o faz.
O jornal angolano Folha 8 chegou a apelidá-lo de "sipaio luso" e escreveu a dada altura o seguinte: "Que trate os portugueses como matumbos, é um problema dos portugueses. Agora que queira pôr os angolanos no mesmo plano, isso não. Seguindo à risca as instruções recebidas de quem lhe paga, Martins da Cruz disse que além de terem sido cumpridos os prazos, a justiça angolana foi até mais rápida que a portuguesa, pois marcou o julgamento num tempo recorde. O MPLA sorriu. De facto, não é fácil encontrar um sipaio tão submisso."
Na entrevista à cada vez mais obediente e desinteressante TDM não desiludiu.
Convencido de que a ouvi-lo estaria mais um punhado de matumbos, apressou-se a dizer que Macau "diversificou a sua economia", o que constituirá certamente uma novidade para o Governo Popular Central e as autoridades da RAEM.
O futuro Chefe do Executivo, Sam Hou Fai, também deve desconhecer esta diversificação porque em Agosto passado dizia que a indústria do jogo está a consumir demasiados recursos e há dias, em 10 de Ourubro, voltou ao tema para criticar a excessiva dependência do sector do jogo. No entanto, para Martins da Cruz, Macau "excedeu todas as expectativas".
De caminho aproveitou para criticar o Governo português e encostar o atraso na política de vistos da RPC em relação a Portugal ao problema da Huawei, dando guarida à narrativa de alguns bípedes sempre ansiosos por mostrarem serviço quando estão de gatas.
Esqueceu-se foi de explicar por que motivo outros países que foram bem mais críticos e apressados em sancionar a Huawei, e que, caso da Itália, inclusivamente, abandonou a sua participação na Belt and Road Initiative, não foram tão penalizados como Portugal o foi. E de tal forma aconteceu que ainda em Março passado o Embaixador de Portugal em Pequim dizia não perceber a política de vistos chinesa, entretanto corrigida há dias em relação aos cidadãos lusos.
Pois foi a este figurão que, uma vez mais, a TDM deu tempo de antena. Dir-se-ia que a empresa lhe deve alguma coisa. Ou aos patrões dele, sei lá, tanto foi o tempo concedido ao pavão lobista para debitar as "pérolas" que normalmente distribui a eito de cada vez que fareja a hipótese de uma nova ração.
Vergonha e bom senso são coisas que muita gente desconhece. Alguns que os tiveram pioram com a humidade e a idade e acabam dando entrevistas confrangedoras. Ultimamente tem havido vários casos destes na TDM.
Poderá não ser por necessidade. Por feitio será certamente.
E acaba por vir à superfície. No que, ainda assim, terá esbatidos contornos, nessa parte, de serviço público.
Quanto ao mais fiquemos por aqui. Hoje ainda é segunda-feira.
(créditos: daqui)
Revelava esta manhã um matutino que o deputado Ngan Iek Hang defendeu no Jornal do Cidadão (市民日報 Si Man Iat Pou ) mais rigor na cobrança de tarifas dos parques de estacionamento e que "a fórmula de fixação de preços tem de ser mais científica e transparente, para que a população tenha a percepção dos critérios utilizados na definição de valores".
E o referido deputado vai mesmo mais longe ao sugerir a cobrança de tarifas a cada meia-hora ou que, tal como acontece no interior do país, os primeiros quinze minutos sejam gratuitos para assim se incentivar a rotação.
O deputado tem razão. E creio que se deverá ir ainda mais longe do que aquilo que ele defende.
A cobrança de tarifas de estacionamento tem sido muitas vezes uma fonte de aumento ilegal de receitas a favor dos beneficiários da cobrança, num negócio pouco transparente que torna a RAEM parceira de uma fraude com cobertura legal.
E nisto Sam Hou Fai também vai ter que mexer e moralizar, já que até agora os responsáveis por mais essa "manhosice" que enriquece privados à custa da população nada fizeram.
Como em qualquer país civilizado, os utentes devem pagar pelo que usufruem. Nem mais nem menos. Mas quem recebe não pode estar muitas vezes a receber a dobrar pelo mesmo serviço, isto é, pelo mesmo lugar de estacionamento.
Já basta terem acabado com a utilização de moedas, que antes sempre serviam para alguma coisa quando recebidas em troco, nos parquímetros.
Tal como nas chamadas telefónicas, o utente deve pagar pelo tempo de utilização do serviço. E não pela hora toda. Se o utente ocupou o espaço durante duas horas e dez minutos é isto que deve ser cobrado. E não duas horas e trinta minutos ou três horas.
Muitas vezes o espaço vago tem a hora paga e é ocupado alguns minutos depois por outra viatura que vai pagar por um estacionamento que já foi cobrado até ao final da hora contada para o que saiu. Desse modo, o concessionário factura a dobrar durante uma parte do tempo. Ou até a triplicar se a paragem for curta e o lugar voltar a ser ocupado antes do final da hora.
O mesmo se diga quanto aos parquímetros quando estão pagos para lá do final do período de cobrança (depois das 22:00 horas e até à manhã seguinte).
Em Portugal, por exemplo, em muitas autarquias, caso de Cascais, se um automobilista pagar o parquímetro mais dez ou trinta minutos para lá do tempo limite de cobrança desse dia, terá direito a receber o valor pago em estacionamento quando se reiniciar a cobrança na manhã seguinte, depois das 9:00 horas, o que lhe permitirá retirar o veículo, por exemplo, às 9:15 (se ainda beneficiar de quinze minutos) sem ter de ir a correr meter moedas para não ser multado.
Em Macau estamos há muitos anos (décadas, vem desde o tempo colonial) a condescender com estas pequenas coisas, estes pequenos "truques", que só têm beneficiado quem explora o serviço.
São pequenas coisas que rendem milhões aos privados à custa de todos nós e onde também tem de haver mais justiça social, mais equilíbrio e, acima de tudo, mais seriedade. Basta de estarmos sempre a engordar as mesmas linhagens.
Espero que o futuro Chefe do Executivo, que não tem empresas, nem familiares, nesse e noutros ramos de negócio, não deixe de ser sensível a isto e acabe rapidamente com estes "esquemas".
E lá começou, na curva dos quarenta anos, a 36.ª edição do Festival Internacional de Música de Macau. Não me recordo há quanto tempo não havia uma programação com tanta qualidade.
Juntar nesta edição a equipa do Mariinsky Theatre e a sua Orchestra, começando com a Tosca, e uma orquestra dirigida pelo grande Valery Gergiev, receber Leonidas Kavacos e o AppollΩn Ensemble, ouvir e ver Hélène Grimaud e a Camerata Salzburg (que extraordinária performance!), enquanto se aguardam Winton Marsallis e Jazz at Lincoln Center Orchestra, Ivo Pogorelich, Herbie Hancock e Mariza, para só referir alguns, não é fácil.
Alguns dirão que há muitos russos, mas isso é fruto das circunstâncias em que vivemos, dos tempos conturbados que atravessamos. E além de não se poder confundir o povo com a canalha do regime que o conduziu para a guerra, a arte, a beleza e o génio não escolhem nem conhecem fronteiras. Já bastam as que temos e as que a estupidez se encarrega de erguer.
Dois reparos, para já, e espero que não haja mais nenhum.
O primeiro para a continuação do péssimo serviço de bar do Centro Cultural de Macau que não está, obviamente, à altura do local e da qualidade do festival. Trata-se de uma tecla que não deixará de bater. Será que não há ninguém no Instituto Cultural que consiga perceber esse básico? Será que os seus dirigentes nunca foram a um espectáculo do mesmo género em Hong Kong? E será assim tão difícil perceber que tão mau serviço é uma vergonha, uma afronta à imagem internacional de Macau, ao trabalho da organização e à dignidade dos seus residentes? Talvez que a Fundação Oriente, a Fundação Rui Cunha ou a Casa de Portugal possam dar uma ajuda ao pessoaI do ICM facultando-lhe os contactos de quem possa disponibilizar uns copos decentes, umas chávenas de café e preparar uns salgados para os intervalos.
O segundo ponto não diz respeito ao FIMM, mas ao facto de alguém se ter lembrado de trazer Plácido Domingo para um espectáculo no Cotai no mesmo dia em que Ivo Pogorelich actua. Era difícil mais pontaria.
Entretanto, é ir aproveitando o que nos está a ser proporcionado. Confesso que já estava com saudades de ver e ouvir gente desta craveira por estas bandas.