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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(créditos: daqui)
Os portugueses e as suas instituições celebram em 25 de Abril o Dia da Liberdade. Eu chamar-lhe-ia antes, como os italianos, o Dia da Libertação (“Festa della Liberazione”). Muitos, mais novos, perguntarão que libertação é essa; e porquê. Outros, mais velhos, olharão para a data como mais uma simples efeméride referida a qualquer coisa que aconteceu num passado cada vez mais distante e que de tempos a tempos é recordada nas escolas, nos jornais, nas rádios e televisões. Não mais do que isso.
Há cravos vermelhos, discursos, fanfarra, cantoria e romaria. Há festa.
E depois, a seguir à festa, voltam todos à escola, os que a frequentam, ao trabalho, à inflação, ao desemprego, às doenças, aos subsídios, ao futebol, aos Santos Populares, ao fado, aos tribunais e às praias. Outros voltam às ruas para reclamarem por melhores condições de vida, um ambiente mais saudável, cidades mais sustentáveis, reivindicarem ajustamentos salariais, melhores carreiras, dignificadas e revalorizadas, por mais feriados, mais habitação, mais creches, mais saúde, mais igualdade. Querem mais, sempre mais, cada vez mais. E, no entanto, são incapazes de lutar pelo básico, de orientar as suas vidas por um verdadeiro altruísmo que nos liberte das amarras criadas à sombra da libertação, à sombra de Abril.
Quem viveu, quem ainda conheceu, quem se recorda do muito que aconteceu, em especial a partir da ocupação dos territórios portugueses na Índia e do início das guerras coloniais, do que foram esses anos que antecederam o 25 de Abril de 1974, estará hoje menos sensível a grandes mudanças. Dá a democracia – a verdadeira, não a que outros dizem “que funciona”, a que alguns ditos “democratas” se adaptam com grande facilidade, exultando-a, e que não passa de uma ditadura que distribui gelados quando não está ocupada a distribuir máscaras, controlar, vigiar, reprimir, prender e punir – como adquirida e cumprida com a bênção ritual e regular de formalidades. Tudo se esgota no poema decorado, lido, declamado e apregoado até à náusea, no jantar de confraternização, no entoar compassado e ritmado da canção.
Esquecendo, a avaliar pelas pérolas que se ouvem nalgumas entrevistas ou em concursos televisivos, que há quem confunda Otelo com um hostel ou Salazar com Soares, não sabendo quem foi Salgueiro Maia, desconhecendo que Ramalho Eanes foi Presidente da República. Nada disso seria grave não fosse dar-se o caso de até o líder parlamentar de um partido estruturante do regime confundir Diogo Freitas do Amaral com Adelino Amaro da Costa. E teimar.
Os indicadores económico-sociais permitem-nos ver a distância a que estamos do Estado Novo e da primavera marcelista. Em 1975 as nossas estatísticas indicavam que havia 122 médicos por cada mil pessoas; em 2023 já eram 578 para os mesmos mil. Os enfermeiros eram 205, hoje são 783. A esperança média de vida era em 1970 de 67 anos. Em 2023 é superior aos 80. Em 1975 apenas 60% dos partos ocorria em hospitais e clínicas. Actualmente são 99,8%. O número de habitações mais do que duplicou. No início da década de 70 do século XX havia 53% de habitações sem água canalizada; em 36% não havia electricidade e 40% não tinha esgotos. Hoje não se constrói nenhuma que não tenha tudo isso. A taxa de analfabetismo era em 1970 de 25,7%, mas nas mulheres era superior a 30%. Hoje são 3,1% os analfabetos. É muito menos sem deixar de ser um número triste e avassalador. São mais de 250 mil os portugueses que não sabem ler nem escrever. A mortalidade infantil desceu colocando-nos entre os dez países mais seguros para se nascer. O número de estudantes no ensino superior aumentou sete vezes. A mulher adquiriu outros papéis. Muitas puderam deixar de ser parideiras militantes para abraçarem carreiras profissionais sendo ao mesmo tempo mães.
Quase tudo mudou. Muitos dirão que quase tudo mudou para melhor. Eu também.
Mas quando num país como o meu, o nosso, se verifica que em 1985 as mulheres recebiam um salário que era, em média, inferior ao dos homens em 23,2% nos cargos superiores, e em 2022 essa diferença aumentou para 25,6%, é porque há qualquer coisa que não está a funcionar. Há o dobro das casas. Porém, há mais de 80 mil famílias com carências habitacionais graves. E há mais de 700 mil habitações devolutas. Há dois anos, uma sondagem indicava que mais de 80% dos portugueses não estavam plenamente satisfeitos com a sua democracia. E o ano passado uma outra sondagem revelava que apenas dois em cada dez portugueses confiavam no Governo e na Assembleia da República. Nos vinte anos anteriores ao 25 de Abril de 1974, mais de um milhão e meio de portugueses emigrara. Segundo a ONU, em 2024 serão 2,3 milhões os portugueses nascidos em Portugal que vivem no estrangeiro. Não estamos a falar de filhos de emigrantes. Quanto ao estado dos tribunais e à situação do Ministério Público nem vale a pena falar. Acabaram os tribunais plenários, é verdade, mas a imagem que os portugueses hoje têm do sistema judicial é a de uma coutada atávica sem rei nem roque, ao serviço dos ricos e poderosos, das corporações e dos bandidos das seitas do regime, e em muitos casos entregue a gente frustrada que se preocupa com tudo menos com a realização da justiça em tempo útil. Há excepções? Há. Muitas. Há, felizmente, gente séria e decente. É para esses que escrevo. São os que me importam.
Gente séria e decente que com o apodrecimento do regime e das instituições não se revê com força nem poder suficiente para fazer a mudança a que todos aspiram. Porque os sonhos dos votantes do Chega, sendo portugueses como os outros, não são diferentes dos sonhos de quem vota no PSD, no PS, no IL, no BE, no PAN ou no PCP. Todos aspiram à mesma dignidade, ao mesmo bem-estar, a um tecto digno, à mesma decência, à mesma saúde, à mesma educação, à mesma segurança.
Perguntar-me-ão então que solução aponto para tão deplorável estado de espírito. Responderei dizendo que defendo uma revolução. Uma revolução na verdadeira acepção da palavra. Uma revolução integral. Não um golpezinho misericordioso num regime podre que se transformou numa festa bunga-bunga permanente para algumas famílias que engradeceram à sombra dos partidos. Uma revolução sem dó para com os quadrilheiros das juventudes partidárias que se assenhorearam do regime e tomam conta de uma casta de portugueses mansos que só sai à rua quando lhes cravam um ferro curto nos bolsos.
Uma revolução que leve por diante o que se começou em 25 de Abril de 1974. Uma revolução que preservando-nos a alma nos mude os costumes, os vícios, as manhas e as entranhas da mentalidade. Uma revolução que nos faça sair do estado de letargia em que nos colocamos. Uma revolução que abane os alicerces do sistema judicial, que a todos nos eduque nas virtudes do verdadeiro espírito republicano, que desfira golpes sem parar nas oligarquias partidárias, nos gangues que se apoderaram do regime, uma revolução que dê uma machadada no corporativismo, no exibicionismo da mediocridade, na falta de vergonha da ignorância, que construa um sistema fiscal verdadeiramente distributivo, sem manhas, que faça assentar a democracia num sistema eleitoral moderno e mais justo, que rasgue auto-estradas para o mérito, que premeie a intervenção cívica, que proteja quem tem de ser protegido, que seja implacável com os poderosos que falham e rigoroso com todos os outros. Uma revolução assente na ética política, no conhecimento e na sensatez. Uma revolução que não marginalize os melhores para premiar os mais espertos dos piores. Uma revolução digna desse nome, que afaste o medo que nos rodeia, que dê um pontapé na falta de coragem e no comodismo, uma revolução que não nos castre diariamente a identidade e faça de nós uns perfeitos eunucos cívicos, sempre aos saltinhos, sempre contentinhos com mais um subsídio e um golo do CR7. Uma revolução que não atire o bebé ao rio com a água do banho.
Está, pois, na hora de fazermos a revolução.
Cinquenta anos, para nós, portugueses, não é nada. Para a nação é muito tempo quando ainda está toda uma revolução por fazer. Quando há toda uma mentalidade para mudar. Quando há um país para amar e uma nação para honrar. Não percamos mais cinquenta anos. Comecemos hoje a revolução. Em casa, nas escolas, nos partidos políticos, nos sindicatos, nos quartéis, nas ruas. Antes que a nova fradalhada do regime crie a carreira de dona de casa.
(Hoje, no Ponto Final)
"Três deputados candidatando-se nas legislativas para logo a seguir se candidatarem às europeias é uma fraude ética e um desrespeito aos eleitores. O pior da política, visto como um meio à disposição dos militantes do PS para tratarem da sua vida. Serviu para quê? Para estes três elementos terem ordenado até rumarem a Bruxelas? É pequeno, poucochinho e desmerece a democracia."
"No PSD, o cenário não é melhor. Não sei se houve alguma viagem no tempo da cúpula do PSD até às cavernas, mas a primeira mulher do PSD (Lídia Pereira) aparece em quinto lugar da lista. Ou seja, se a AD eleger cinco, seis ou sete eurodeputados (muito provável), só haverá uma mulher do PSD. Para comparação: em 2019, o PSD, em seis, elegeu três mulheres. Piora. O cabeça de lista é Sebastião Bugalho, escolhido por mistérios insondáveis que deixaram o PSD em choque (e pavor). Nada contra o comentador, que conheço há vários anos. Simplesmente escapa-me o CV mostrando qualquer mérito que valha a promoção a cabeça de lista para o Parlamento Europeu. Foi brevemente jornalista, esteve brevemente ligado a Miguel Pinto Luz em Cascais. De resto, fez comentário político. Usualmente sobre a espuma dos dias, nem sequer comentário particularmente reflexivo ou com pensamento próprio." (Público, Maria João Marques, PS e PSD: listas para as europeias que desmerecem o 25 de Abril)
Faço minhas as suas palavras, discordando apenas num ponto: isto que se passa na véspera dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, não é uma fraude. Aí a articulista está errada, lamento. Isto é um deboche. São as catacumbas de um bordel clandestino. É o pior que a política nos pode dar. E não é exclusivo desse albergue de pavões, inúteis e cambalachistas em que se tornaram estes dois partidos. Há outros a acelerar na mesma direcção para não ficarem atrás.
Amanhã há mais.
Aproveito a VI Conferência Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau), mais conhecido como Fórum Macau, e a vinda à RAEM do novo ministro da Economia de Portugal, Pedro Reis, para escrever algumas linhas sobre um problema de natureza prática que afecta a reputação de Portugal no exterior. Penso que nenhum governante minimamente interessado e competente deixará de prestar atenção às consequências das más apostas e das boas políticas, pois qualquer que seja o caso perduram no tempo. E, nalguns casos, colam-se de tal forma ao país que muitas vezes se torna difícil, quando o produto é mau, recuperar de um desastre.
Ainda tenho na memória a crise que se abateu há quatro décadas sobre as exportações de azeite espanhol depois da crise da síndrome da colza ou do azeite tóxico, que afectou mais de 20 mil pessoas e provocou mais de um milhar de mortos. Tudo porque o óleo de colza desnaturado que era utilizado na indústria, devido à ganância do lucro, foi adulterado e desviado para consumo humano. O Supremo Tribunal espanhol considerou o Estado espanhol co-responsável pelo sucedido e o azeite de Espanha levou um abanão do qual levou anos a recompor-se. Em 2001 foi o óleo de bagaço de azeitona com benzopireno, um produto cancerígeno e péssimo para a saúde, a causar novos problemas.
Aqui o assunto não é tão grave e o exemplo serve apenas como chamada de atenção para o importante papel que o Estado, e neste caso específico o Ministério da Economia, tem na definição de políticas, na promoção das nossas exportações e no papel que algumas instituições devem assumir na defesa do nome de Portugal e dos bons produtores nacionais.
Ao longo da minha vida, e até da conversa com amigos que exploram negócios, nomeadamente restaurantes e lojas de venda a retalho de produtos alimentares (vinhos, enchidos, queijos, produtos de cosmética, por exemplo) em diversos pontos da Ásia, tenho-me apercebido da necessidade de se fazer uma aposta na qualidade dos produtos que são exportados pelos produtores portugueses, que aparecem e saõ apoiados em campanhas promocionais no exterior, participando em feiras internacionais por todo o mundo. Muitos produtores têm eles próprios capacidade de inovação e de internacionalização e estão cientes da importância de se exportar com qualidade. Veja-se o caso dos Douro Boys e como a sua aposta no melhor vinho que se produz na região que abraça o rio que lhes deu nome se tem revelado um sucesso na China.
O programa do XXIV Governo de Portugal enfatiza em diversos pontos uma aposta na internacionalização e no aumento de competitividade da economia portuguesa, referindo mesmo a aposta num “novo paradigma da economia portuguesa”, a exigir instituições e um tecido empresarial capaz de se posicionar entre os melhores a nível europeu e mundial, orientando os fundos europeus para “proje[c]tos que permitam à economia promover a criação de riqueza, que potenciem as vantagens competitivas nacionais e que elevem o valor acrescentado da economia portuguesa e que promovam as exportações, assente em critérios de sele[c]ção claros, uma aplicação transparente e fiscalização rigorosa.”
Oxalá assim seja. Quem circule pelos supermercados de Macau, de Hong Kong e de outras cidades asiáticas, já se terá apercebido da co-existência nas suas prateleiras e corredores de produtos portugueses de excelente qualidade, apreciados e venerados por qualquer gastrónomo ou enófilo, com outros produtos de péssima qualidade. Do pior que se produz e vende inclusivamente em Portugal. Estar a exportar presunto com menos de seis meses de cura, intragável, queijos industriais que são uma verdadeira pasta, peixe “prensado” e muitas vezes congelado em deficientes condições, de péssimo sabor, cheiro repelente e pior textura, são produtos exportáveis que em nada contribuem para uma boa imagem do país no exterior.
E, ao contrário do que já ouvi por aí, não se trata apenas de um problema de mercado do tipo “se o consumidor não gostar não volta a comprar”. Porque da primeira vez pode vender-se tudo; depois exporta-se uma segunda vez, para já não se vender como da primeira ou ser comercializado no destino, em final de prazo, com 50% de desconto. Os consumidores têm boa memória e dificilmente haverá uma terceira vez porque a seguir virá produto idêntico de Espanha, do Chile, de Itália ou da Austrália, a preços igualmente competitivos e de melhor qualidade.
O Ministério da Economia deverá conduzir internamente campanhas massivas de consciencialização dos produtores nacionais para a imperiosidade de se produzir com qualidade para a exportação. E através do AICEP e da rede consular tem de fazer um aposta nessa qualidade, no melhor que somos capazes de produzir para diferentes segmentos de mercado, mas que terá de ser necessariamente acessível a várias bolsas nos países de destino.
O que não se pode de todo é apoiar as exportações e a presença em certames internacionais apenas por apoiar. Tem de haver critério, tem de haver selecção nos apoios e no que se deixa sair. Não pode haver apoio, seja a que nível for, à exportação da mediocridade. Não se podem exportar nacos de banha dentro de tripa com o rótulo de “chouriço tradicional” porque nem é chouriço nem é tradição em parte alguma do país comer o que não presta.
Isto não significa, obviamente, promover as empresas dos amigos e correligionários do partido que estão sempre disponíveis para agilizar negócios, financiá-las e abrir a porta dos fundos aos fala-barato que travestidos de empresários ou fazendo de "secretários de Estado", andam por aí e vão percorrendo a rede consular, visitando os amigos e “irmãos”, falando de cátedra sobre a política nacional, como se fossem umas drag queens, arregimentando apoios para as próximas eleições, enquanto gesticulam muito e vão amealhando comissões de intermediação à custa de um lobbying fomentado à sombra das juventudes partidárias e que não raro dificilmente se distingue do tráfico de influências.
Os exemplos que nos chegam de França, de Itália, da África do Sul, da Austrália, da América do Sul, ou de países europeus com a dimensão de uma Dinamarca, de uma Bélgica ou dos Países Baixos, mostram que é possível produzir a preços competitivos, com qualidade e exportar em quantidade. Portugal também pode e deve fazer o mesmo. Já que não somos capazes de segurar os nossos melhores dentro do país, ao menos que sejamos capazes de exportar o melhor. Que chegue a todos e a preços competitivos. Olhem para a rapaziada dos Douro Boys. Não será muito difícil fazer como eles, ganhar escala, dimensão e cultivar a excelência. E que não haja medo. A qualidade dá sempre frutos a médio e longo prazo.
Por uma vez sejamos inteligentes e façamos alguma coisa por Portugal e os portugueses. A começar com o que enviamos para a China e os PLP. As câmaras de comércio, os consulados e o AICEP não servem só para jantaradas. Deles se espera que sejam úteis e façam o melhor por Portugal. Muitos já o fazem. É preciso alargar a rede e cultivá-la com critério, controlando o que de mau sai de Portugal para o exterior. E aí é fundamental o papel do Ministério da Economia. Não sejamos tolerantes com a mediocridade. Ainda que seja da nossa cor política.
(créditos: Miguel A. Lopes/LUSA)
Tenho estranhado o silêncio, enorme silêncio, do PSD, dos seus antigos companheiros de partido e da direita em geral, com excepção de Manuela Ferreira Leite, às declarações proferidas pelo antigo líder do PSD e ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.
Desconheço se Passos Coelho ainda tem, e quais sejam, as suas ambições políticas. Não sei se pretende tomar de assalto o PSD a seguir às eleições europeias, se vai abandonar esse partido para se juntar ao Chega, se equaciona a formação de um novo partido ou se, simplesmente, naquele dia acordou com os pés de fora. Mas qualquer que seja a resposta, o que ficou registado não é bonito de se ver.
Independentemente do momento escolhido para a entrevista, e a quem foi, logo após apadrinhar a apresentação de um livro onde colocou em xeque o novo primeiro-ministro, antigo líder parlamentar e seu companheiro de partido, o teor do que disse sobre Paulo Portas, o actual PSD e Cavaco Silva, e as revelações que entendeu por bem fazer, levantam várias questões.
Começa por colocar em causa o seu sentido de Estado; muito em especial a confiança que outros nele depositaram, e a confiança que aqueles que o ouviram terão de si no futuro.
Não é normal, mesmo para quem não ambiciona outros voos políticos, que um político faça as acusações que ele fez a um antigo parceiro de coligação e membro do seu Governo, meia-dúzia de anos volvidos, sem mesmo esperar que a poeira assentasse e se resguardasse numas futuras memórias.
Acusar Paulo Portas e o CDS de falta de solidariedade política – não tenho procuração de nenhum deles – sabendo que sem aqueles não teria vencido eleições, nem sido primeiro-ministro, dizendo perante os portugueses e o mundo que um ex-ministro de Estado, duas vezes, dos Negócios Estrangeiros, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar que não era pessoa confiável, inclusivamente confessando publicamente um facto que, segundo o entrevistado, nem o visado tinha conhecimento, é um exercício de grande baixeza ética e política.
Esse juízo revela-se de tal forma hipócrita que me levou a pensar por que motivo, depois de ser ter “atravessado” por Portas perante a troika, e sabendo que essa pessoa não era politicamente confiável, e apesar de todos os problemas que lhe causou no Governo, ainda se apresentou de novo a eleições perante os portugueses integrando Paulo Portas e o CDS na coligação “Portugal à Frente”. Imagino, se tivessem chegado a governar, que o rol de queixas e confissões seria hoje um lençol muito maior. E mais imundo.
Depois, é natural que o modo como se pronunciou sobre aquele que foi o seu líder parlamentar durante anos, actual presidente do PSD e seu “companheiro” de partido, acusando-o pifiamente de querer “desconectar-se do passado”, enquanto dizia bem compreender a sua posição, tenha deixado incrédula Manuela Ferreira Leite. E certamente que muitos dos que o apoiaram ao longo dos anos e entusiasticamente o aplaudiram na apresentação do tal livro do homem das Neves e desse visconde de saias saído directamente da Baixa Idade Média para as páginas dos jornais.
Se a isto somarmos o que disse de Cavaco Silva, sublinhando que o ex-Presidente da República, quando se reunia com ele, Passos Coelho, “não sabia do que falava” e que “estava ultrapassado”, compreende-se mal o que quer dizer quando, ao referir-se ao PSD actual, enfatiza que tem uma “relação natural e descomplexada” e “o grande cuidado de não interferir”, pelo que a última coisa que queria era “criar constrangimentos”. Nota-se.
Não sei, à semelhança do que se passou nos tempos da troika, se Passos Coelho virá ainda corrigir o que disse, ou defender-se com uma deficiente interpretação das suas palavras pelos destinatários, mas como sempre desconfiei da bondade da criatura, e sempre achei que o homem não prestava, fico satisfeito, sabendo que vai andar a vaguear por aí, por ficarem todos cientes, em toda a plenitude, da sua formatação jotinha como político e homem de Estado.
Nunca saberemos o que o futuro nos reserva, mas não há nada como ser o próprio a revelar-se perante os outros. Na primeira pessoa. Sem filtros. Os portugueses ficam a dever-lhe essa generosidade.
Durante anos a fio os residentes de Macau viram crescer os obstáculos nas suas ruas, nos seus jardins e monumentos.
Os estados policiais, os regimes autoritários e os sistemas autocráticos sempre tiveram a obsessão com a segurança. Seja com a segurança interna, com a integridade dos dirigentes ou com a sombra dos que circulam.
Ainda todos se devem recordar que uma das primeiras decisões do primeiro Chefe do Executivo da RAEM foi vedar o Palácio do Governo, também conhecido como Palácio da Praia Grande, antiga residência do Barão do Cercal adquirida pela Administração no final do século XIX, erguendo muros e grades, fechando portadas que estavam normalmente abertas, com excepção dos dias de tufão, e alterando a circulação e estacionamento de veículos nas suas imediações.
Durante a pandemia de Covid-19 houve uma talentosa luminária que mandou fechar os jardins. E depois, quando se reabriram os seus portões, até era necessário mostrar código de saúde a um segurança e usar máscara para se poder atravessá-lo de um lado para o outro. Inenarrável.
Mas parece que, finalmente, alguém com dois dedos de testa terá percebido o ridículo que é ter jardins públicos murados e gradeados, sabendo-se que há câmaras de CCTV por todo o lado. Pelo que depois de se alimentarem as clientelas e se gastarem milhões em ferro, a que nem Coloane escapou, eis que como por milagre foram retiradas as grades do Jardim Dr. Carlos D' Assumpção, no NAPE. Agora é possível circular livremente pelo jardim, a qualquer hora, gozando de uma vista desafogada, encurtando percursos e fugindo à gordura e falta de limpeza dos passeios adjacentes.
Importa, pois, seguir o exemplo noutros espaços. Em todos.
Os jardins, os passeios, os espaços públicos, as cidades, querem-se sem grades, sem barreiras, sem pilares e pilaretes à beira dos passeios, limpas, sem ratos nem pragas de baratas, agradáveis à circulação pedonal. E quem não estiver educado, peões, ciclistas, motociclistas ou automobilistas, que se eduque.
Em Abril, onde quer que se esteja, não há que ter medo da liberdade. Mesmo na escuridão dos dias que nos assolam.