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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Enquanto não for operada uma reforma da legislação eleitoral, que mantendo a segurança diminua a burocracia, reduza custos e assegure maior rapidez do processo de votação e escrutínio, lá começaram a chegar as cartas da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna contendo a documentação necessária ao exercício do direito de voto por correspondência, por parte dos cidadãos residentes no estrangeiro, para as eleições legislativas de 10 de Março.
Pode ser que desta vez, não havendo mais feriados e greves pelo meio, sejam contabilizados os milhares de votos que nas últimas eleições ficaram por contar.
Entretanto, gostaria de perceber qual a razão para que nos boletins de voto os nomes dos partidos e coligações que se apresentam a sufrágio surjam nalguns casos só em maiúsculas.
Quem olha para o boletim não pode ficar indiferente, visto que aquelas saltam de imediato à vista e, nessa medida, as forças concorrentes que têm o seu nome impresso exclusivamente em maiúsculas acabam por ser favorecidas.
Desconheço qual seja a magna razão que leva a que nos boletins de voto os nomes de "Nós, Cidadãos!", "Reagir Incluir Reciclar", "Bloco de Esquerda", "Iniciativa Liberal", "Juntos pelo Povo", "Ergue-te", "Partido Socialista" e "Volt Portugal" não surjam grafados nos mesmo termos em que aparecem "ALTERNATIVA 21", "ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA NACIONAL", "ALIANÇA DEMOCRÁTICA", "CHEGA", "NOVA DIREITA", "LIVRE" e "PESSOAS-ANIMAIS-NATUREZA"? E a "CDU - Coligação Democrática Unitária" também é diferente porquê? Não faria sentido que os nomes surgissem todos uniformizados, com o mesmo tipo de letra e recorrendo a igual critério no uso de maiúsculas, tal como acontece com as siglas?
(créditos: daqui)
Confesso que ainda estou chocado.
Nos últimos dias tenho pensado muitas vezes no que aconteceu. E só de pensar imagino-me a contorcer-me e a sentir o sofrimento atroz que foi infligido a um homem, preso, que condenado à pena capital em 1988 assistiu 34 anos depois ao falhanço, com sequelas, da primeira tentativa para a sua execução, cuja macabra concretização só ocorreu há alguns dias.
Da primeira vez, em Novembro de 2022, o desgraçado estivera durante quatro horas amarrado a uma maca para ser depois devolvido à sua cela devido à manifesta incompetência dos seus carrascos, incapazes de encontrarem uma veia adequada para lhe injectarem o líquido letal antes de expirar o prazo para execução da sentença de morte.
A opção, desta vez, passou por fazer do preso uma cobaia e matá-lo por asfixia usando uma máscara para onde foi bombeado nitrogénio. Fazendo-o respirar o gás e sofrer até que a asfixia fosse completa, de modo que pudesse viver cada segundo de agonia a plenos pulmões. Com outros a assistir ao espectáculo do sofrimento, como se este fosse uma espécie de justiça divina carregando em si a reconciliação e a esperança.
É óbvio que quando um dos carniceiros que faz de Solicitor General do Alabama diz que o processo escolhido foi “o menos doloroso e mais humano que se conhece”, LaCour só mostra porque não passa de um primitivo saído do largo esgoto do trumpismo, com vasto cadastro em matéria de direitos humanos, que justifica a barbárie em pleno século XXI e os procedimentos macabros de execução do prisioneiro usando uma linguagem só compreensível para si e para cafres de igual linhagem.
Estranho, em particular, nesta miséria global em que vivemos e não conhece fronteiras, que tantas organizações devotadas à protecção e ao bem-estar animal não se tenham insurgido e manifestado em todo o lado e a toda a hora, com a mesma veemência com que o fazem contra as touradas, perante aquilo a que assistimos no Alabama, continuando todos sentados no conforto dos seus gabinetes, enquanto tomam um cafezinho e discutem a emergência climática com o vizinho que está de comando na mão a regular a temperatura do ar-condicionado ou a fazer zapping para ver as diatribes dos ignaros que por aí se dedicam a invadir museus e a destruir património que pertence à memória de todos os povos, pensando que com isso arregimentam adeptos para a sua causa.
Tirando uma ou outra peça nos noticiários, um artigo nos jornais e as tomadas de posição de algumas organizações de defesa dos direitos humanos, esta selvajaria, que remete os EUA e a Humanidade para um estado pré-animalesco, onde desprovidos de tudo, de intelecto, da mais leve racionalidade ou de qualquer sentimento conhecido, nos dedicamos à grotesca exterminação da nossa própria espécie, infligindo o maior sofrimento possível ao condenado, sem qualquer ponta de compaixão ou remorso, aconteceu sem que as nações que se consideram civilizadas se levantassem em uníssono a condenar o sucedido.
Ignorou-se a imposição de sanções, como tantas outras vezes se faz por questões menores, a começar pela União Europeia, e esqueceram-se de colocar os carniceiros numa qualquer lista de pessoas a evitar, impedindo-as de viajar e entrar em países terceiros, sujeitando-as internacionalmente a perseguição criminal.
Como se LaCour ou os executores do homicídio de Kenneth Smith fossem melhor que os projectistas da "Solução Final", os funcionários de Treblinka ou de Auschwitz-Birkenau, os suicidas do Hamas, os seus sósias da IDF, os carniceiros putinescos, a escória fardada do Mianmar, os talibãs afegãos, ou tantos outros vermes que andam por aí à solta sem que nada lhes aconteça.
Sim, porque se mais não se ouviu da parte dos defensores e das organizações protectoras dos direitos dos animais, não terá sido por falta de vontade, de meios ou de megafone, mas antes porque a preocupação com os maus-tratos às galinhas ou aos bovinos, inteiramente devida, certamente terá uma qualquer outra dimensão, inatingível para mim, que a torna incompatível com a protecção da nossa própria espécie e os remete ao silêncio.
Uma democracia que se preze, um Estado de direito, um país que queira ser visto pelos outros como civilizado e desenvolvido, não pode continuar a conviver com a pena de morte como se fosse uma qualquer teocracia fundamentalista ou uma dessas autocracias "democráticas" da Ásia. Muito menos permitindo execuções com o grau de sadismo imposto ao condenado do Alabama.
É em momentos como o que correu nos EUA que sinto verdadeiro asco por alguns dos meus semelhantes; como se não fossemos todos da mesma espécie, não tivéssemos direito a respirar o mesmo ar, numa espécie de sentimento misto de desprezo e revolta que com todas as forças procuro combater, para não ser como eles, e que jamais conseguirei compreender.
Antes o regresso à guilhotina, ao tiro na nuca ou ao pelotão de fuzilamento.