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circo

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.07.23

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Os romanos diziam panem et circenses (pão e espectáculos de circo), querendo com essa expressão simbolizar a política do governo desse tempo que se limitava a distribuir comida em banquetes e em proporcionar actividades lúdicas aos cidadãos.

A frase foi cunhada pelo poeta Juvenal e censurava a decadência dos romanos e da civitas que graças a esses artifícios dos maus políticos que ao tempo governavam, conseguiam controlar um povo que perdera o sentido crítico e a lucidez, e com esses logros ignorava aquilo que efectivamente lhe interessava e era importante para a vida colectiva. 

Quem tivesse ouvido a semana passada, no subserviente boletim oficioso do canal português da TDM, o Secretário para a Administração e Justiça, ladeado pelas excelências do Instituto Municipal de Macau (IAM), a pomposamente anunciar, como se fosse a coisa mais natural deste mundo e uma necessidade dos residentes, a construção de dois "projectos de lazer", um no local onde existia o velho canídromo, o outro nas imediações da praia de Hac Sa, envolvendo um custo estimado de MOP$ 1.600.000.000,00 (um milhão e seiscentos milhões de patacas), certamente que se beliscou e foi depois ouvir de novo para ter a certeza que ainda não tinha ensandecido por completo. A experiência recente em matéria de obras públicas mostra que não raro o valor da factura final pode facilmente duplicar ou triplicar.

A forma como a sociedade de Macau reagiu, com críticas intensas em diversos fóruns e nas redes sociais, gozando com a falta de senso da proposta, promovendo um abaixo-assinado para demonstrar a sua indignação, mostra que a população ainda não está suficientemente adormecida para embarcar em todos os dislates que o Governo lhe propõe do alto da sua presunção, jamais sufragada, de boa governação.

Não sei de quem partiu a ideia, mas temo que o IAM, que ainda recentemente, de forma totalmente inusitada, resolveu alcatroar, sim, leram bem, uma parte do trilho grande da ilha de Coloane, que é incapaz de preservar o património arquitectónico edificado, ignorando direitos de autor, que tem uma obra minúscula em curso nas escadas de acesso à praia de Choc Van que não há maneira de concluir, que não consegue erradicar as pragas de ratos, de baratas e de cães vadios, que deixa os contentores de lixo abertos e ao ar com temperaturas elevadíssimas, e que tudo enche de cimento e mau gosto, tenha aí uma parte relevante de responsabilidade.

Toda a população sabe o que fez o anterior Executivo e quantos milhões gastou em obras inúteis, enchendo os bolsos de algumas empresas e pessoas próximas do regime vigente, cujas ligações a alguns sectores empresariais são conhecidas de toda a população, mas há quem ainda não tenha aprendido a lição e pense que em Pequim e no Gabinete de Ligação todos dormem.

E a população também sabe que, actualmente, de cada vez que se quer fazer alguma coisa, se promove uma espécie de consultas populares, normalmente destinadas a conferirem a chancela ao que já foi antes superiormente decidido pelos génios que aconselham o Executivo e para fazer de conta que houve participação na decisão. 

Mas não deixa de ser estranho, eu diria muito estranho, que numa matéria destas, que vai dar cabo dos equilíbrios da ilha de Coloane, destruindo uma vasta área arborizada para se construir mais uns monos de betão, sem qualquer valor artístico, e onde serão investidos centenas de milhões de patacas, desfigurando e destruindo de forma irreversível, ainda mais, o único e último espaço com vocação verde e ambiental, não tenha sido realizada uma consulta pública dando conta aos residentes do que se pretendia fazer e gastar em duas obras faraónicas.

Numa terra onde as estradas estão cheias de buracos, em que de cada vez que chove tudo se inunda, em que diariamente se assiste à diminuição da qualidade de vida e do ar que respiramos, em que continua a não haver um serviço de táxis decente e civilizado, e em que não se investe o que é necessário para melhorar essa mesma qualidade de vida, é inacreditável que os decisores políticos e o IAM estejam tão apostados em gastar centenas de milhões de patacas na destruição do maior pulmão da RAEM, e um dos poucos espaços onde ainda se pode passear sem se ser incomodado pelo fumo dos escapes, pelos motociclos e demais veículos poluentes, pela música aos altos berros e pelos "pseudo-turistas" que nos invadem e vão distribuindo encontrões pelas ruas. 

Felizmente que há quem ainda não esteja totalmente adormecido pelo discurso para montanheses que tem vindo a ser veiculado, o que só prova que as pessoas não se deixam iludir apesar de todos os esforços que têm sido feitos nesse sentido. E têm sido muitos.

É notável que em tão curto espaço de tempo fossem recolhidas quase dez mil assinaturas através de uma associação chinesa ligada a um deputado que recebeu nas últimas eleições carta de alforria de patriota, o deputado Ron Lam, e que as pessoas se questionassem sobre a razão para que uma obra desta envergadura fosse dada por adjudicação directa (mais uma) à empresa "Cantão Shangguo", "quando ainda não foi concluída a concepção do Campo de Aventuras Juvenis".  

Essas dúvidas estenderam-se aos deputados ligados à Federação das Associações dos Operários, Ella lei, Leong Sun Iok, Lam Lon Wai e Lei Chan U, que pediram a suspensão da construção da estátua da Kun Iam, o que é sinal de vitalidade social e bom senso. As reacções da Associação Geral das Mulheres e do deputado Nick lei, citado pelo jornal Ou Mun, dizem bem do incómodo que tal decisão provocou em entidades que estão sempre ao lado das políticas oficiais e que não podem ser acusadas de falta de patriotismo. 

Dir-se-ia que a pressa e o modo como tudo isto foi feito pretende esconder alguma coisa e que há quem teime em permanecer agarrado aos desmandos do passado, esquecendo tudo o que nos últimos anos foi levado aos tribunais, analisado pelo CCAC e pelo Comissariado de Auditoria, e, nalguns casos, à falta de melhor, encaminhado para o "Coloane Hilton".

Em todo o caso, ainda se está a tempo de atalhar a mais um desastre político, urbano e ambiental ditado pela total falta de estratégia e de visão de quem decide estas matérias, pensando que o povo dorme e que basta pão e circo para o manter entretido e desatento ao que se vai passando na sua cidade.

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jazz

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.07.23

Jazz Macau CG 22072023.jpg

Um excelente serão jazzístico promovido na Casa Garden, que para o efeito abriu as suas portas, fez-me recordar os velhos tempos do Jazz Club de Macau e as noites vividas há mais de duas décadas numa Macau que desapareceu.

Mas se esta cidade já não é o que era, o jazz continua aí e de quando em vez faz prova de vida graças ao empenho de meia-dúzia de músicos e amantes dessa forma de expressão musical que dá asas à improvisação, à criatividade e à livre expressão artística.

E foi bom ouvir Zé Eduardo e a nova geração de talentosos jovens locais, estes sim – não as outras avantesmas que por aí andam inchadas e emproadas –, numa sala cheia, envolvidos na sua aprendizagem e evolução, mostrando o seu saber e a sua arte, e a que nem mesmo os anos de pandemia fizeram esmorecer.

Seria, aliás, bom que se aproveitasse este recente envolvimento das concessionárias dos jogos de casino numa maior responsabilidade social e apoio ao turismo para ajudar a reconstruir um verdadeiro e genuíno festival de jazz de Macau, incentivando-se o aparecimento de novos clubes e artistas, organizando um evento anual com alguma dimensão, trazendo músicos de fora que ajudem a dinamizar e a fazer crescer o jazz local.

Se é possível doar 120 milhões de patacas para a próxima edição do Grande Prémio, o que eu aplaudo, também poderão, seguramente, com um décimo desse valor dar um apoio significativo ao Clube de Jazz de Macau e aos músicos locais, contribuindo para que se volte a ter um espaço permanente, com condições acústicas e acessível a todos, que não seja exclusivo de um qualquer hotel de luxo.

Os hotéis poderão sempre ter os seus espaços e abri-los à actuação dos seus músicos e convidados, mas não se compreende como numa cidade com as características de Macau não seja possível ter um verdadeiro clube ou espaço exclusivamente dedicado ao jazz e a formas musicais alternativas, como acontece em tantas cidades asiáticas, e em que qualquer residente ou turista possa ir tomar um copo e ouvir boa música ao vivo, num ambiente simpático, descontraído e relaxado.

Aos organizadores do evento, em especial à nova delegada da Fundação Oriente, Catarina Cottinelli, a quem endereço votos de bom trabalho para o mandato que agora iniciou, ao músico Zé Eduardo e a todos os que o acompanharam nessa noite, o meu obrigado pelo bom momento que proporcionaram a quem lá foi.

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