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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
A propósito da notícia de um jornal de que "as autoridades insistiram ontem na necessidade de criminalizar a realização de sondagens", entretanto corrigida, de acordo com um esclarecimento revelado pela TDM, de que "o Governo não quer impedir a realização de inquéritos de opinião ou sondagens eleitorais, mas apenas proibir e punir a respectiva divulgação durante os períodos de eleições", remeto os leitores para o capítulo VII (Ma vie de sondeur de opinion), já aqui referido, do livro recentemente publicado de Roland Cayrol.
Como o autor tem sobre a matéria alguma autoridade, conhecimento e experiência, deixo nesta breve nota alguns extractos do original em francês, mas com tradução para português, de modo a que os nossos governantes e legisladores possam, eventualmente, interessar-se pela sua leitura e melhorarem os seus conhecimentos, afastando as ideias erradas e os preconceitos em que possam laborar.
Nada como as pessoas se esclarecerem antes de começarem a opinar e a legislar sobre o que não sabem, embora todos percebamos quais são as intenções por detrás das medidas tomadas e das que se anunciam.
A bem dizer, sempre me fizeram confusão os elefantes que têm medo de formigas.
"Il faut aussi dire et redire que le sondage ne prévoit rien! Entre la date de la publication d'un sondage et un scrutin, il peut s'écouler des heures, des jours, où l'opinion peut encore être sensibilisée, modifiée, se cristalliser, décider d'aller ou non voter et infléchir ce qui semble devoir être les résultats attendus. Cela peut expliquer des écarts entre les derniers sondages et les résultats réels du scrutin.
(...)
Le plus important est évidemment que les sondages permettent de suivre les évolutions de l'opinion et des intentions de vote, de dessiner les courbes qui montrent comment et à quel moment se prennent progressivement les décisions électorales, quelle est la sociologie du vote, à quel degré les citoyens s'impliquent dans une élection ou dans la politique en général, et là les sondages sont irremplaçables.
(...)
L'activité sondagière est liée à l'existence même de la démocratie. Aucun pays autoritaire, quelle que soit la nature de l'autoritarisme, n'autorise des sondages libres. Le sondage n'existe que parce que la démocratie politique existe. La démocratie libérale n'est pas complète si n'existe pas l'intervention de l 'opinion. (...) Les dirigeants politiques sont au service de l'opinion et craignent forcément l'opinion, qui est leur juge permanent. Parfois trop d'ailleurs. L'important pour le personnel politique devrait être de savoir garder un cap, au lieu de s'arrêter à chaque mini-événement, d'imaginer à chaque fois une petite mesure pour colmater une brèche et espérer que 'ça se calme'.
Le sondage, pour peu qu'il soit correctement mené, exerce une fonction essentielle dans nos démocraties modernes , il donne la parole au peuple, il porte sa parole. Grâce aux sondages, on ne peut plus avoir des orateurs qui prétendent que 'l'opinion ne comprendrait pas que ...'ou que 'l'opinion n'admet pas que ...', faisant parler les électeurs comme s'ils faisaient campagne depuis le fond d'une arrière-salle de bistrot. L'opinion s'exprime désormais directement. "
(tradução)
"Também é preciso dizer, uma e outra vez, que uma sondagem não faz previsões! Entre a data de publicação de uma sondagem e uma eleição, podem passar-se horas ou mesmo dias, durante os quais a opinião pública pode ainda ser sensibilizada, modificada, cristalizada, decidir se vai ou não votar e influenciar o que parece ser o resultado esperado. Este facto pode explicar as discrepâncias entre as últimas sondagens e os resultados reais.
(..)
O mais importante, evidentemente, é que as sondagens de opinião permitem seguir a evolução das opiniões e das intenções de voto, traçar as curvas que mostram como e quando as decisões eleitorais são gradualmente tomadas, qual é a sociologia do voto e em que medida os cidadãos estão envolvidos numa eleição ou na política em geral, e aqui as sondagens de opinião são insubstituíveis.
(...)
A actividade de sondagem está ligada à própria existência da democracia. Nenhum país autoritário, seja qual for a natureza do seu autoritarismo, permite sondagens de opinião livres. As sondagens só existem porque existe a democracia política. A democracia liberal não está completa sem a intervenção da opinião. (...) Os dirigentes políticos estão ao serviço da opinião pública e temem inevitavelmente a opinião pública, que é o seu juiz permanente. Por vezes demasiado. O importante para o pessoal político deveria ser saber manter o rumo, em vez de parar em cada mini-acontecimento, inventando sempre uma pequena medida para colmatar uma lacuna e esperar que "as coisas acalmem".
As sondagens, desde que sejam bem conduzidas, desempenham uma função essencial nas nossas democracias modernas: dão voz ao povo, transmitem a sua mensagem. Graças às sondagens de opinião, já não podemos ter oradores que afirmam que "a opinião pública não compreenderia isso..." ou que "a opinião pública não admite isso...", fazendo com que os eleitores falem como se estivessem a fazer campanha nas traseiras de um bar. A opinião é agora expressa directamente."
Uma das grande vantagens de se viver num estado autocrático é que qualquer pessoa pode ver os escolhidos fazerem publicamente os seus cursūs honōrum, e confirmar que serão alçados a distintas figuras, o que lhes permitirá escrever e dizer publicamente os maiores disparates.
Serão então efusivamente apoiados, citados, aplaudidos, acenarão para as câmaras, e ficarão sem resposta, o que normalmente acontece em razão de todo o povo ter percebido, logo com a primeira decisão tomada, depois sucessivamente confirmada ao longo do seu percurso público, que não passam de destituídos.
Outra é que a ausência de resposta pública mostra que a maioria pode ficar sossegada em silêncio, fazendo figura de boi, com o que vai revelando a sua tolerância e compreensão para com a infelicidade alheia; no que também é visto pelos eleitos como manifestação de reverência e respeito.
São estas vantagens – mas há mais – que lhes permitem continuar a mostrar a sua valia, até ao final dos seus dias, sem que nada lhes aconteça, dando assim oportunidade a que a História o registe, a sua ciência se reproduza, e os outros, os que fazem de bois, alguns entre os verdadeiros e senhores bois, possam pastar tranquilos.
O António que me perdoe. O Monte do Pasto não devia ser no Alentejo. Lá só há bois a sério.
(P.S. Espero que os latinistas também sejam compreensivos para com quem tem de pastar)
“À la fin de la séance, un auditeur est venu me dire qu’il était le responsable des études de la télévision publique, et me demandais si j’étais libre le soir. C’est ainsi que j’ai fait la connaissance de Pavel Campeanu, qui est ensuite devenu un ami, ainsi que de son épouse, Stefana Steriade, sociologue.
Le soir, Pavel m’a entrainé au siège de la télévision, où nous avons retrouvé quelques collègues à lui. Il m’a présenté en affirmant que j’étais un ami, et qu’on pouvait parler librement devant moi. Tous étaient des démocrates convaincus. En plein Bucarest, dans un organisme public, au pire moment de la dictature de Ceausescu, nous avons ainsi échangé tranquillement et, je dirai, chaleureusement.
Pendant des années, nous avons travaillé ensemble. Notamment en construisant un échantillon national de la population roumaine et en organisant des sondages libres. La Roumanie étant un pays rural, mes amis ont demandé à des acteurs de films ou de séries connus du public d’être leurs ambassadeurs auprès d’habitants de leur village, pour leur poser des questions dont on leur garantissait que les réponses ne seraient transmises à l ‘État, ni au parti. Progressivement, l’échantillon bricolé est devenu représentatif. Des résultats ont été reproduits en ronéo, à l’intention de démocrates choisis. Parfois, les questions étaient les mêmes que celles posés par des organismes officiels. Nous avons souvent enregistré des différences de cinquante points de pourcentage entre ces organismes et notre méthode !
Pour vérifier leur légitimité, l’équipe de Pavel a parfois demandé aux répondants de se livrer, à heure dite, à une action : éteindre cinq minutes leur téléviseur, marcher quelques minutes autour de la fontaine de leur village … À chaque fois cela fonctionnait, les citoyens le faisaient !
J’ai acquis la conviction que, dans les pires régimes autoritaires, l’opinion publique existait et que l’information circulait…J’ai pu vérifier cela dans d’autres pays – au Chili, au Maroc, j’y reviendrai.
J’ai donc toujours été sceptique, par exemple aujourd’hui concernant la Russie pendant la guerre d’Ukraine, devant ces affirmations, chez nous, selon lesquelles les peuples seraient abrutis par la propagande et ne sauraient pas ce qui se passe réellement.” (p. 182/184)
Escolhi esta passagem por razões pessoais que alguns compreenderão. Poderia ter sido outra que serviria do mesmo modo para ilustrar a riqueza do texto. E muito embora outra ordem de preocupações me tenha impedido de aqui vir com mais regularidade para vos dar conta do que ainda vou lendo de interessante, acontece que este livro cuja sugestão vos deixo me prendeu da primeira à ultima linha e não merecia ficar esquecido.
Trata-se do último livro de Roland Cayrol, da editora Calman-Levy, e que constitui uma "espécie" de exercício auto-biográfico em final de carreira.
Digo uma espécie exactamente porque na verdade não é uma auto-biografia, mas antes um exercício de memória e reflexão que percorre a sua infância em Marrocos, na Rabat onde viveu os seus primeiros 17 anos ("... cette étonnant mélange de bonheur de vivre lá et de soucis sociaiux et politiques très rudes, un mélange détonant d'insouciance adolescente et de prise de conscience politique précoce, face aux violences entendues et aux injustices observées"), enquanto filho de um alto funcionário da administração pública e de uma professora de árabe, ambos pieds noirs nascidos na Argélia, antes de ingressar no mundo novo e efervescente de Sciences Po e do Direito, em Paris, e de realizar um percurso académico, cívico, empresarial, literário e jornalístico a todos os títulos notável.
Estou a falar de um homem que foi secretário do Clube Jean-Moulin, membro da Fondation nationale des sciences politiques, director de investigação do Cevipof, que publicou mais de duas dezenas de livros sozinho e tem mais uns tantos em colaboração com outros autores, cuja socialização, como escreve, se deu com De Gaulle e Pompidou, mas com quem nunca se encontrou e jamais trabalhou.
Em contrapartida, porém, e daí o principal interesse da obra, trabalhou directamente com aqueles a quem chamou os seus presidentes – Giscard d'Estaing, Mitterrand, Chirac, Sarkozy, Hollande e Macron –, relatando agora pequenas histórias e revelando detalhes curiosos desses anos de vivência e convivência, em diversos papéis, o que faz com inteligência, sentido de humor e numa escrita que tem tanto de elegância e correcção quanto de simples e clara.
Não vou aqui dar conta dessas histórias, algumas passadas em França com esses personagens, outras no exterior, em épocas e locais tão diversos como na Roménia de Ceuasescu, numa Polónia a sair do comunismo, no Chile, em Marrocos ou na Argélia, nem os interessantíssimos detalhes de quem escreveu três romances de grande sucesso sob pseudónimo retratando pessoas vivas, pelos seus próprios nomes, e com títulos tão sugestivos como Meurtre à l'Élysée e Meurtre à TF1, cinq jours qui ébranlèrent la Repúblique, o que retiraria aos potenciais leitores o prazer da sua leitura e da fina ironia dos seus relatos.
Gostaria, todavia, de sublinhar dois capítulos que deviam merecer a atenção de universitários, professores e alunos, politólogos e especialistas de sondagens e de comunicação social, bem como de jornalistas e simples curiosos, e que são os capítulos VII (Ma vie de sondeur de opinion) e VIII (Le goût de la transmission: enseignement et médias), que nalguns pontos quase parecem tirados de manuais académicos e desmistificam, sem deixar de questionar, o universo das sondagens e do papel da comunicação social, de cronistas e comentadores.
O pequeno prefácio de Arnaud Mercier é um aperitivo e um convite à leitura de uma obra que seria lastimável não conhecer uma tradução portuguesa. Espero que haja algum editor disposto a correr um risco que vale a pena ser corrido, até porque temos muita gente em Portugal, de São Bento à Gomes Teixeira, da São Caetano ao Largo do Rato ou à Soeiro Pereira Gomes, do continente às ilhas, do interior ao litoral, de norte a sul, que não lendo em francês precisa como de pão para a boca de ler este e muitos mais livros como este devidamente traduzidos.
Porque essa será a única forma, já que não estudaram antes e não estudam agora, de poderem alargar horizontes e de se cultivarem aprendendo algo de útil.
Pena que entre nós não haja "senadores" dispostos a fazerem o mesmo exercício de Roland Cayrol com a classe e a distância com que ele o fez. Teríamos todos a ganhar.
(foto obtida no sábado, 24/06/2023, pelas 16:18, num supermercado da Taipa)
Desconheço se será pelo facto de alguns produtos populares e de consumo corrente não estarem incluídos no chamado "cabaz básico" que os valores da inflação em Macau continuam tão distantes da realidade de quem frequenta supermercados, mercados, cafés e restaurantes.
Já anteriormente chamei a atenção para essa situação que distorce os números reais, mas que, continuando a passar ao lado das autoridades da RAEM, se agravou bastante durante a pandemia.
A pandemia, entretanto, por artes mágicas, passou a integrar o passado. O mesmo não se diga da realidade inflacionista – sejamos moderados – que continua a florescer sem qualquer controlo depois de abertas as fronteiras e restabelecida a normalidade.
As duas fotos que aqui deixo foram obtidas com um intervalo de menos de 24 horas, em dois estabelecimentos da Taipa que distam cerca de 100 metros um do outro, sendo facilmente identificáveis.
Se há três semanas já existia uma diferença média de MOP$ 10,00 em relação a produtos iguais, sempre com vantagem para a grande superfície, como explicar que de um momento para outro o preço tenha voltado a aumentar no supermercado e a diferença de preços entre os dois estabelecimentos seja neste momento de MOP$ 23,80 e de MOP$ 16.90? No supermercado, que por natureza deveria vender mais barato, as embalagens de salmão fumado custam, respectivamente, MOP$ 101,80 e MOP$ 104,90. Na pequena loja "gourmet" de bairro custam MOP$ 78,00 e MOP$ 88,00.
Não sei se alguém quererá qualificar esta situação que está muito para além da simples especulação. Eu irei abster-me de fazê-lo, deixando aqui apenas os exemplos devidamente ilustrados à vossa consideração.
Recordando um velho exemplo, ocorre-me dizer que se não der para o salmão, então que comprem caviar.
Mas sabendo-se como começam as revoluções, e atendendo à dimensão que a especulação atinge entre nós, que vai dos iogurtes e do leite aos sumos, à carne de porco ou ao salmão, e que até se verifica com produtos agrícolas que vêm do interior da China, espanta-me que os nossos legisladores se tenham esquecido de incluir o crime de especulação alimentar nas últimas alterações legislativas à lei relativa à defesa de segurança do Estado. Imperdoável falta de visão.
(foto obtida no domingo, 25/06/2023, pelas 15:07, numa loja de bairro da Taipa)
Fez-se história. Cumpriu-se com classe e mérito.