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assustador

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.02.23

davidjudgmentcambyses.jpgGerard David (c. 1450/1460–1523), The Judgement of Cambyses (1489)

 

Que a advocacia caminhava a passos largos para um beco sem saída, estava subjacente a qualquer análise séria ao trabalho realizado nas últimas duas décadas e meia.

E se isso não aconteceu mais cedo, tal ficou a dever-se a meia dúzia de advogados, e de bons magistrados, justiça lhes seja feita, que com maior ou menor dificuldade foram cumprindo as respectivas funções com o brio, a dignidade e a coragem possível num ambiente profundamente hostil em cada dia que passava.

Os relatos que diariamente me chegam, pelos jornais e de viva voz, de algumas diligências e da forma como alguns julgamentos vão decorrendo, e o que cada vez mais esporadicamente (felizmente) vou vendo, são simplesmente assustadores.

Dir-me-ão que essa será uma consequência do caminho da integração da RAEM na RPC, ou que existem sempre os direitos de protesto – que desconheço quantas vezes, se é que o foi alguma vez, terá sido usado –, de participação, de reclamação e recurso, o que é verdade, mas estes institutos não podem, não devem, ser usados como solução corriqueira para o atropelo da lei e/ou dos seus princípios, como forma de colmatar a ausência de bom-senso, a deficiente formação humana e jurídica, a impreparação funcional ou a errada percepção dos poderes-deveres inerentes à função desempenhada.

Assistimos, cada vez mais, ao desvalorizar da advocacia, dentro e fora dos tribunais, remetida para o lugar de uma mera solicitadoria cara e desprestigiante, que se basta com o cumprimento de formalidades, e a uma maior funcionalização e trivialização do ofício de julgar, que arrasta consigo todos os vícios inerentes aos maus burocratas.

Como se a adequada aplicação da lei e o desempenho destas elevadas e exigentes tarefas, essenciais para a dignidade e manutenção de um Estado de direito decente e o funcionamento de sociedades justas, estruturalmente sãs e equilibradas, fossem coisas para confiar a espíritos mercenários ou carreiristas, ou para serem vistas como mera solução para o preenchimento de quotas, afirmação de egos imaturos e a transmissão para a opinião pública de uma imagem desconforme à realidade.

Os prémios e os elogios podem ser impostos, ou comprados; a dignidade não.

Quanto maior for o silêncio de quem tem o direito e o dever de se pronunciar sobre o que se está a passar, maior será o desprestígio inerente à justiça e à advocacia.

Não temos todos as mesmas responsabilidades. E o problema, convenhamos, não é de segurança interna ou de legalidade. Estas nem sequer se colocam. É acima de tudo de sensatez, mas também ético, moral e deontológico. 

Há que ter a coragem de não ser indiferente. E não ficar indiferente quando se tem o poder e a riqueza e há valores que nos transcendem, que estão muito para lá da interpretação circunstancial da lei e da nossa simples existência física e terrena.

Alguém devia fazê-los ver o quanto estão errados. Nem tudo vale uma missa. Ou um penacho.

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