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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
(foto daqui, do Macau Daily Times)
Numa terra onde os arguidos em processos criminais normalmente escusam-se a falar e a esclarecer, preferindo a opção pelo direito ao silêncio, registam-se as declarações prestadas em juízo pelo anterior director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Que tenha rejeitado as imputações de culpabilidade que lhe foram feitas pelo Ministério Público, e se tenha declarado inocente da prática dos crimes por que vem acusado, não é nada que se estranhe.
Importante é, todavia, o facto de se ter declarado inocente apontando responsabilidades, quanto às decisões tomadas e a todos os atropelos verificados no projecto de Alto de Coloane, a Chui Sai On e ao actual Secretário para as Obras Públicas, acusando o primeiro de ter dado as ordens para o reinício das obras e "coordenado pessoalmente" o processo, com instruções específicas para que andasse depressa, logo no primeiro dia no cargo.
É público que a escolha do ex-director das Obras Públicas foi uma opção pessoal de Raimundo do Rosário, secundada pelo anterior Chefe do Executivo. Na altura em que essa decisão foi tomada, o próprio Chui Sai On justificou a escolha dizendo que Li Canfeng foi escolhido depois de avaliadas "a sua disciplina, as suas habilitações e a sua experiência", critérios que foram tidos em consideração. Chui Sai On ainda acrescentou que Li Canfeng foi nomeado pelo secretário em consideração a tais critérios, e que embora tivesse sido testemunha no processo de corrupção que envolveu o ex-secretário Ao Man Long "nunca foi arguido". Saiu, pois, em sua defesa.
Recorde-se que no processo de Ao Man Long, a então testemunha evidenciara preocupantes sinais de falta de memória. Agora vê-se que recuperou. Eu congratulo-me com isso. Ainda bem que assim foi. Urge tirar partido desse facto antes que o arguido volte a ter falhas de memória, apurando-se com urgência todas as responsabilidades.
A prudência, e tudo o que aconteceu naquele processo que ditou a prisão do antigo secretário, aconselharia a que quem directa ou indirectamente tivesse estado envolvido naquela pouca vergonha nunca mais pusesse os pés na Administração Pública e no Governo da RAEM, ou que para este trabalhasse, fosse como dirigente, a apresentar projectos ou a fiscalizar obras. Mas não foi isso que se viu. Fizeram-se ouvidos moucos a todas as suspeições e críticas.
Para quem está de fora, olhando para os factos conhecidos, os "artistas" – alguns que antes eram amigos dos arguidos e disso se ufanavam continuam inexplicavelmente na sombra – e as noticias publicadas ao longo dos anos, verifica-se que corresponde tudo ao mesmo padrão de actuação, aos mesmos esquemas, que acabavam sempre com o enriquecimento de uns quantos figurantes, respectivas famílias e amigos. Sempre os mesmos.
Seria por isso importante que perante a gravidade das acusações feitas – até porque poderá haver gente de boa fé envolvida na lama contra a sua vontade, por temer represálias, e que tem o direito de ver o seu bom nome protegido, seja o secretário ou o contínuo, o caso Sun City ainda não acabou e os negócios desta empresa cruzaram-se múltiplas vezes com a acção governativa e diversos departamentos, evidenciando-se ao longo dos anos ligações múltiplas e extensas ao poder político –, se investigasse tudo até ao fundo.
Isso também poderá ajudar a avivar a memória de mais algumas pessoas, evitando-se que pelo meio haja quem procure atalhar a que se saiba o que não é conveniente, para alguns, para assim se impedir que a verdade a que todos os residentes têm direito não seja integralmente conhecida.
O Ministério Público tem a obrigação de investigar tudo, a começar pelas denúncias feitas em juízo, mandando extrair certidões e iniciando novos processos, mesmo que isso envolva anteriores administrações ou gente ainda em funções, apurando-se eventuais pressões ilegais ou enriquecimentos injustificados dos próprios, das respectivas famílias e dos seus amigos e parceiros de negócios.
O combate à corrupção tem de ser integral e não pode proteger ninguém. Muito menos quem no passado tiver praticado actos com contornos criminais que provocaram, a diversos níveis, o empobrecimento da RAEM.
Macau e as suas gentes já foram demasiadamente prejudicadas. É urgente esclarecer.