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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
O acto de criação é um momento de grande frustração. Porém, é da frustração que nasce a realização e a criação que, por vezes, se torna obra.
Que a língua portuguesa e o seu uso têm sofrido tratos de polé nos tribunais e em diversas entidades que compõem a Administração Pública da RAEM é um facto. Os exemplos sucedem-se diariamente e não é por haver quem diga que há cada vez mais gente a aprender português que esta língua vê protegido o seu estatuto.
Apesar disso, há ainda quem consiga chamar à razão um ou outro decisor.
O mal, como bem se sabe, normalmente não está no cumprimento da regra. Desde que a regra seja igual para todos. O problema reside antes na falta de uniformidade na sua aplicação, quando não na ausência total de critério.
É indiscutível que, teoricamente, no papel, existem na RAEM duas línguas oficiais. Na prática só existe uma: a língua chinesa. Não está por isso em causa que o aplicador escolha aquela que melhor domina. A compreensão do destinatário é que poderá ficar em palpos-de-aranha quando seja confrontado com uma decisão que lhe diga respeito num idioma que não domina e ao qual deve obedecer ou dar resposta. E se esse destinatário tem uma missão que lhe foi atribuída por lei e é socialmente reconhecida como relevante, o mínimo a esperar seria que lhe fosse facilitada a vida para que terceiros, o visado e a própria justiça, não saíssem prejudicados.
Ainda há dias, em 13 de Maio pp., ficámos a saber que um advogado viu rejeitado um seu pedido de extensão do prazo de recurso, que havia formulado em razão de lhe haver sido notificada uma decisão judicial com noventa e nove (99) páginas em língua chinesa, num processo cuja audiência decorreu toda em português, e quando assim não foi houve tradução simultânea, e em que todos os articulados foram apresentados em português, com o despacho saneador redigido em língua portuguesa, língua em que também decorreram as conversas entre os magistrados e os advogados, até porque todos são fluentes em português e os advogados das três partes só nesta língua se expressam. O normal seria que a sentença fosse proferida em português. Não foi assim, ponto final. Adiante.
Duas semanas volvidas, um outro advogado, num outro processo, conseguiu uma extensão de dez dias no prazo para apresentação das respectivas alegações de recurso. Porquê? O tribunal entendeu dever ser aqui sensível ao argumento de que a sentença, cujo número de páginas desconheço, foi proferida apenas em chinês e o advogado do arguido teria direito a esse prazo extra para aceder à tradução e manifestar a sua posição, bem cumprindo o seu papel.
A lei é à partida igual para todos. Também devia ser igual à chegada. Tal como as partes deveriam ter ao seu alcance as mesmas armas.
E está correcto que quem receba uma decisão judicial numa língua que não domina, seja em chinês, português ou nuns hieróglifos rabiscados aparentados com o servo-croata, tenha direito a uma prorrogação de prazo para que – já que se o tribunal não o faz espontaneamente, como seria sua obrigação e a secretaria também faculta para juízes que só se exprimem em português quando recebem articulados e requerimentos em chinês que devem ser por eles despachados – lhe seja facultada uma tradução na sua língua de trabalho, que é aquela que também domina e a única que usa quando se corresponde com os tribunais.
Porém, na prática criam-se desigualdades onde elas não poderiam existir. E que não contribuem para repor, o que seria admissível, uma situação de igualdade entre as partes onde aquela estivesse ausente. E tais desigualdades são criadas, não porque não haja lei; antes porque se quer que a lei seja interpretada, algumas vezes, num sentido, diria, menos jurídico, menos justo, quase punitivo, justiceiro. Aqui mando eu.
Quando assim se actua, em rigor, não se está a ser verdadeiramente patriótico. Longe disso. Nem se está a respeitar um qualquer critério previamente definido, ou a cumprir a Lei Básica, ou a beneficiar o princípio "um país, dois sistemas". Ou, admita-se, a cumprir um ideal – ainda que por vezes manhoso – de realização da justiça que servisse a RAEM, a China e toda a população de Macau. Nada disso.
Quando assim se age, repare-se, a língua portuguesa também não fica mais mal tratada do que está. A língua chinesa não sai em nada beneficiada. E, tirando a arbitrariedade, admitamos, ninguém ganha.
Mas quem perde sabemos nós. Perde a realização da justiça. Como perdem os tribunais e todos os seus agentes, mais o Estado de direito e os cidadãos.
Não há justiça, não pode haver, onde falta critério e a regra mais básica e mais razoável muda à vontade de quem manda.
A vontade dos homens nunca foi boa regra. A insistência no erro ou a prepotência ainda menos. Não engradece os seus práticos, não dá dignidade às vestais.
Já me tinha apercebido do fenómeno há duas semanas. Há dias confirmei.
Antes de ser anunciada a nova ronda de cartões de consumo, houve vários restaurantes em espaços comerciais de concessionárias do jogo que apresentavam umas ementas simpáticas, com preços razoáveis, e ofereciam promoções nas escolhas à la carte para os residentes.
No chamado set menu, em regra, os valores continuam a ser convidativos, embora aí não haja descontos. Todavia, no que diz respeito ao menu à la carte, o que se passa assume outros contornos.
De repente, chegamos a Maio, publicam-se anúncios nos jornais da terra e anunciam-se reduções de 25% para residentes, enquanto se espera que a população comece a fazer uso das ofertas do Governo em Junho próximo.
O que não se diz, não deveria acontecer e está a verificar-se, é que a pretexto de se renovarem as ementas, incluindo e retirando um ou dois pratos do habitual cardápio, se tenha procedido a um aumento brutal dos preços, de maneira a que com as promoções e reduções o valor a pagar acabe por ser praticamente o mesmo, ou um pouco superior, ao que se pagava antes.
Quando um bife que custava 200 e tal patacas passa para 400, e o de 300 e tal passa para 500 é porque alguma coisa está mal. Muito mal.
É compreensível que depois de meses a fio suportando prejuízos, os restaurantes queiram a facturar alguma coisa que se veja, mas lá porque há por aí muito mau gestor, aldrabão e ladrão, isso não quer dizer que os consumidores sejam estúpidos e que os restaurantes tenham também de esportular à sorrelfa os clientes menos informados. Já bastam as variações dos preços nos mercados e supermercados.
Ou o Governo, através do Conselho dos Consumidores, começa a actuar, fiscalizando o que está a acontecer e pedindo a esses espaços que lhes apresentem as suas ementas de Abril, para comparar o preço dos pratos então vigentes com os praticados neste mês de Maio, ou o caldo vai entornar-se rapidamente.
E depois não digam que não os avisei.
(créditos: daqui)
Um comunicado dos Serviços de Saúde de Macau chamou a minha atenção. Depois percebi, por uma notícia da TDM, ser já o segundo caso este ano.
Não é normal que numa cidade como Macau, que ainda há pouco tempo apresentava um dos mais elevados do PIB/per capita do mundo, o que foi exaltado pelo Presidente Xi por ocasião do 20.º aniversário da criação da RAEM e da transferência para a RPC, apareça tifo epidémico. É, leram bem: tifo epidémico.
O tifo é uma doença infecto-contagiosa, que foi uma das grandes desgraças da humanidade, própria de gente imunda, sem acesso a higiene básica e limpeza, típica de lugares pobres, com más condições de vida, com maus ou inexistentes sistemas de esgotos e de tratamento de águas residuais, onde há ruas com dejectos e infestadas de ratos, piolhos e similares em barda.
Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, e durante a I e II Guerras Mundiais houve muita gente a morrer de tifo. E ainda hoje há quem padeça desse mal terrível no submundo de África e da América Latina. Mas em Macau, no século XXI?
Muitas vezes me tenho insurgido contra a falta de higiene urbana da cidade onde vivo, chamando inclusivamente a atenção para a quantidade de roedores à solta pela RAEM, da cidade velha ao NAPE, da zona dos lagos Nam Van ao Lilau e a Coloane.
Para o IAM, que se limita a distribuir ratoeiras pela cidade, de onde os ratos entram e saem alegremente, e que deixa os contentores de recolha de lixo abertos, de onde muitas vezes sai um cheiro nauseabundo e escorrem líquidos pestilentos para os passeios, como aqui ao meu lado no NAPE, parece que tudo isto é normal.
Com tantos alertas, e com o tifo entre nós, alguém deverá começar a tomar medidas a sério e avisar o impante líder (pode ser que ele se chegue à janela) de que está na hora dos seus serviços fazerem alguma coisa em matéria de higiene urbana.
Se assim não for, temo que em breve o tifo e doenças similares tomem conta da cidade. E aí, ainda que as fronteiras permaneçam semi-encerradas e não haja estrangeiros, teremos mesmo regredido até à Idade Média.
(créditos: Macau Daily Times)
Quando em Setembro de 2021 o Governo da RAEM lançou uma consulta pública sobre as alterações à lei do jogo (Lei n.º 16/2001, Regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino) referiu-se então que tal acontecia "no intuito da promoção do desenvolvimento sustentável e saudável do sector do jogo nos dias vindouros", levando em consideração "as enormes mudanças ocorridas", do ambiente social à situação económica, sem esquecer a dimensão alcançada pelo sector do jogo.
O Governo também esclareceu que o objectivo de rever e optimizar o regime jurídico vigente levava em consideração as "experiências de supervisão adquiridas ao longo dos anos". E não se esqueceu então de mencionar o relatório intercalar de 2016 sobre a exploração do sector do jogo, onde se identificaram uma série de "problemas sociais, a par das questões de desactualização e insuficiência no âmbito da supervisão sobre o sector".
Terminada a consulta pública, elaborado o respectivo relatório, munido dos melhores estudos e de toda a experiência acumulada de duas décadas, ciente das necessidades da RAEM, entendeu o Governo preparar e submeter à Assembleia Legislativa, em 14/01/2022, uma proposta de alteração à Lei n.º 16/2001. Votada no plenário dez dias depois obteve aprovação por esmagadora maioria (30 votos a favor, 1 voto contra do deputado Lam U Tou).
Nessa proposta que a AL aprovou constava expressamente o n.º 3 do artigo 5.º que dispunha o seguinte: "As concessionárias obrigam-se a explorar os jogos de fortuna ou azar em casinos nos locais cujos imóveis são da sua propriedade (...)."
A norma contida na proposta de lei era claríssima e não oferecia qualquer dúvida.
Depois, iniciada a discussão na especialidade, foi revelado que na 2ª Comissão da AL "vários deputados sugeriram a extensão do prazo de transição dos casinos-satélite, de três para cinco anos."
Perante tal sugestão, o Secretário para a Economia e Finanças assinalou que não era sua vontade que os denominados casinos-satélite fechassem, e que esperava que estes tivessem "margem para continuar a operar seguindo a lei”.
Queria isto dizer ser vontade do Governo, fazendo fé na proposta e nas declarações do responsável do sector do jogo, que os casinos-satélites continuassem, mas sendo operados pelas concessionárias.
Na sequência do charivari que se seguiu, e das questões levantadas por alguns deputados que haviam votado sem reservas a proposta de lei, o mencionado Secretário reafirmou a vontade do Executivo, esclarecendo que o período transitório de três anos era "para as concessionárias e os proprietários dos imóveis tratarem das respectivas formalidades, ou seja, tratar das questões dos casinos [satélite]".
Volvido tão pouco tempo, leio hoje que o Governo recuou e "deixou cair a exigência de que os imóveis onde operam os casinos-satélite tenham de ser adquiridos pelas concessionárias de jogo".
Aquilo que era um objectivo fundamental da lei, visando acabar com a balbúrdia reinante no sector e que tantos problemas causou a Macau, deixou de ser importante. E esse mesmo Governo que entrou tão determinado para acabar com os casinos-satélites e "moralizar" o sector, aparentemente, voltou a ser permeável aos interesses de alguns mandarins.
Da errância diz-se ser uma qualidade ou característica de quem é errante, de quem vagueia, de quem anda por aí mudando continuamente de lugar, aparentemente sem saber para onde quer ir, nem para onde vai, um pouco ao sabor do vento e das circunstâncias.
Eu não sei se isto se poderá qualificar como errância, mas a verdade é que não estranho nada disto, muito menos os patrióticos avanços e recuos do Governo, pois que ao mesmo tempo que se vê a cidade morrer fechada, entregue à sua sorte, assiste-se à tentativa de fazer um arroz de cabidela com a única galinha existente na capoeira – e que ainda produzia ovos em quantidade e qualidade suficiente para alimentar os donos da casa, os mordomos, as governantas e todos os serviçais que a mantêm, incluindo os vizinhos – sem antes tratar de se arranjar mais galinhas (e mais uns patos), destinando umas à sangria para as cabidelas, outras à produção de ovos, e as restantes para umas canjas e uns assados que alimentassem quem nos visita e os esfomeados que saem das quarentenas.
O que não esperava era este governar, que por mais estudo ou relatório que se faça, por mais "científicas" que sejam as conclusões e as propostas de lei do Governo, acabam sempre desqualificadas e mutiladas nas comissões da AL às mãos dos interesses de alguns, que não são confundíveis com os interesses de Macau, com os dos seus residentes ou, sequer, com os da China.
Não sei como em Pequim se avaliam estes sucessivos recuos do Governo de cada vez que as suas propostas chegam à AL, nem como se olha para este vagabundear tão pouco compatível com um governar esclarecido, seguro, transparente e visando exclusivamente a prossecução do interesse público.
Mas quer-me parecer que, tal como por estes dias se tem visto em Hong Kong, este já não é um problema de falta de patriotismo.
Concordo, assim, inteiramente com os membros da 13.ª Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e com Wang Yang, a quem daqui aplaudo efusiva e entusiasticamente, quando no seu exercício de autocrítica candidamente confessam a existência de "algumas deficiências e fraquezas no desenvolvimento de capacidades das fileiras patrióticas", identificando a necessidade de "reforço da integridade política e da capacidade de governação entre os dirigentes das regiões administrativas especiais", e sublinhando a necessidade de se ajudar os patriotas a melhorarem as suas capacidades, dada a falta de "talentos competentes e profissionais".
Aqui, o que custa é ver o retrocesso, os anos perdidos, coisa que tem muito pouco de patriótico, porque não é normal levar tanto tempo a apresentar uma proposta de lei sobre uma matéria tão importante para Macau, como a da alteração do regime jurídico dos jogos de fortuna ou azar em casino, de tal forma que até obrigou a uma prorrogação excepcional dos prazos das concessões para que a nova lei fosse ultimada e se possa levar a efeito o concurso internacional, para que depois tudo naufrague de forma tão caricata às mãos do presidente da 2.ª Comissão da AL e dos seus pares que antes votaram favoravelmente e sem reservas essa mesma proposta no plenário da AL.
Talvez seja tempo do Governo Central distribuir umas bússolas por Macau e por toda a Grande Baía. Se isso for feito, e ao mesmo tempo se capacitarem os patriotas aprovados para aprenderem a ler os instrumentos de navegação, ensinando-lhes a traçarem um rumo nas cartas de navegação, reforçando-lhes a integridade política e as capacidades de governação de que falava Wang Yang, será possível ultrapassar este período de desnorte, limpar e reformar a capoeira, voltando a ter ovos para tudo e para todos.
Até para vender alguns ovos que nos permitam fazer uma fábrica de bússolas que possam ser exportadas para outros países.
Artesãos, caseiros, gente habituada a estar dentro de capoeiras, enfim, talentos temos de sobra. E quanto a estes, se necessário for, também poderemos exportar alguns para Hengqin, ajudando à tão necessária diversificação.
Há sempre a esperança de que se possam reproduzir do outro lado agarrados a uma bússola. Para depois, adquiridas as competências, os integrarmos aqui.
Já passaram uns dias, é verdade, e nem sempre se pode estar em cima do acontecimento. O que, todavia, não invalida que se traga até ao presente o que já ficou lá atrás.
Vem isto a propósito do Dia da Europa, 9 de Maio, que certamente ninguém me levará a mal pelo facto de só hoje, 13 de Maio, ser aqui assinalado. Não tanto para que Maria proteja a Europa, posto que essa é prece de outro rosário, mas porque vale a pena sublinhar as duas entrevistas dadas a jornais locais por Paulo Canelas de Castro, professor de Direito Internacional e da União Europeia e orientador da Cátedra Jean Monnet na Universidade de Macau.
Intervenções claras, incisivas e esclarecidas, na linha, aliás, do desempenho que tem tido a Presidente da Comissão Europeia.
O ano passado, por ocasião da votação para escolha das personalidades e factos do ano de 2021, no Delito de Opinião, meses antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, tive oportunidade de eleger como frase do ano uma afirmação de Ursula von der Leyen: “Human rights are not for sale, at any price”. O ano em curso tem vindo a confirmar a justeza da frase e o papel cada vez mais crucial da União Europeia para a construção, não apenas de uma Europa melhor para os seus cidadãos, mas também de um mundo mais seguro, mais justo e mais solidário.
A União é cada vez mais uma comunidade de ideais, de sentimentos, de valores e de práticas assentes na democracia, na defesa do Estado de Direito e no respeito de cada um e de todos, que não tem oscilado quando se trata de defender a liberdade e o direito de escolha de todos os povos perante os autoritarismos.
Tenho pena que a sessão levada a efeito na Universidade de Macau, e que contou com a participação do próprio Canelas de Castro e com as sempre informadas e interessantes intervenções de Luís Pessanha e Paulo Cardinal não tivesse tido outra promoção, e não pudesse ser mais concorrida, quer pela ocasião, quer pela craveira dos oradores.
De qualquer modo, ficam aqui duas curtas frases e as respectivas ligações para que possam ter acesso às entrevistas a que acima me referi.
Ontem teve lugar mais uma conferência de imprensa promovida pelo Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus dos Serviços de Saúde de Macau.
A extensão da denominação dessa entidade não tem correspondido às expectativas. E à medida que o tempo passa e a onerosidade das medidas vai agrilhoando muitos residentes, aumentam as injustiças e as dificuldades para quem, finalmente, pensava poder descobrir uma nesga de céu azul no húmido e pesado emaranhado de nuvens e poeiras que por aqui circulam.
Quando em Pequim e Hong Kong se levantam restrições, reduzindo-se períodos de quarentena e permitindo-se a entrada de estrangeiros, em Macau continua tudo aferrolhado com sete trancas. Uma espécie de colónia penal de luxo.
Se em Pequim a quarentena foi reduzida para dez dias, e em Hong Kong para sete dias, em Macau continuamos a ter catorze dias de quarentena e mais sete de auto-observação em casa. Um incompreensível sufoco.
Bem sei que a natureza dos talentos de Hong Kong e de Macau é diferente, mas será que o vírus que assintomaticamente, de quando em vez, vai aparecendo por cá também se apresenta de outra estirpe? E a variante que levou alguns ao Centro Clínico de Saúde Pública do Alto de Coloane em quê que difere do vírus que circula no Interior e na região vizinha? Será que os tempos de incubação do vírus em Macau são excepcionais? Mas então tudo isso é extraordinário.
Científica e politicamente as decisões dos SSM e do Governo de Macau, que aqui não pode ficar à margem em matéria de responsabilização pelos seu efeitos nefastos, não têm qualquer justificação.
Não se pode copiar Pequim e Hong Kong só quando se trata de aumentar os ónus sobre os residentes e de cercear os seus direitos, impondo-lhes sempre maiores encargos à custa de uma visão doentia da segurança nacional. É também conveniente manter igual coerência quando em causa está o alívio de restrições e o bem-estar das populações que sempre se souberam comportar e respeitaram escrupulosamente as directivas oficiais.
E depois, a talhe de foice, repare-se que durante dois anos houve muitos residentes que entraram e saíram de Macau, beneficiaram de quarentenas gratuitas, alguns mais do que uma vez, de testes gratuitos, em muitos casos podendo escolher hotéis. Agora, quem esteve em Macau durante mais de dois anos, se quiser sair este Verão, vai ter de fazer quarentena no Hotel Tesouro, se houver quarto na data do regresso. Se escolher o Art Regency vai te de pagar por inteiro a sua estada, quando o que faria sentido, pelo menos para quem nunca beneficiou de quarentena gratuita em nenhum dos hotéis que estiveram anteriormente disponíveis, era que para a primeira vez o residente também pudesse escolher. E se esse período não fosse gratuito, então que fosse dada a possibilidade de pagar apenas a diferença de custo entre os dois hotéis.
O sistema de marcação das quarentenas, por outro lado, está a funcionar muito mal. Não se compreende que não haja um local único na Internet para esse efeito, na própria página dos SSM, com ligação directa aos hotéis, facilmente acessível e de leitura fácil, sem ruído visual extra. E menos se compreende que não estejam sempre garantidos quartos para as quarentenas dos passageiros dos voos que chegarão a Macau, que se sabe antecipadamente quais serão e quantos passageiros trazem. Tudo isto devia ser mais fácil, menos burocratizado e mais transparente.
Está na altura do Governo de Macau, a começar pelo seu Chefe do Executivo, assumir alguma coragem e deixar de se refugiar no medo e na acomodação.
A política, tal como a vida, é feita de riscos. Em cada momento é preciso ponderar e decidir. Não se pode ficar eternamente à espera, nem desgastar irremediavelmente o terço até que um milagre aconteça. Não se podem ignorar os malefícios de tudo o que é excessivo em matéria de controlo do vírus e de quarentenas. Basta olhar para as falências, para o aumento do desemprego e a caminhada para o abismo de pequenas, médias e até algumas grandes empresas, para se perceber que convém fazer alguma coisa que se veja. A crise não se resolve com cartões de consumo, com vales de 250 patacas para os velhinhos que se vacinarem e autorizando-se meia-dúzia de empregadas domésticas a virem das Filipinas.
O futuro não espera. Constrói-se todos os dias. E muitas vezes chega antes do momento em que o aguardamos.