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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Vejo que o atento director dos Serviços de Saúde de Macau, Alvis Lo, fez ontem um apelo à população para que se vacine contra a Covid-19. O modo como deixou registado o seu pedido foi veemente. E pela primeira vez veio acompanhado de um aviso sério à navegação: “A vacinação é uma urgência e uma necessidade”.
Acrescentou de imediato que "se não houver imunidade colectiva, não serão retomadas as entradas e saídas normais com outros territórios".
Noutra sede, uma das operadoras de jogo organizou em colaboração com os SSM uma campanha de vacinação dos seus trabalhadores, que fez acompanhar de um programa de incentivos no valor de 16 milhões de patacas.
Não deixa de ser triste que o cumprimento de uma necessidade por parte dos residentes precise ser de alguma forma incentivada e premiada para que as pessoas se predisponham a fazer o que devem.
Mas se assim é, então talvez seja altura de o Governo da RAEM, já que não quis fazer depender a entrega das comparticipações pecuniárias ao consumo de qualquer exigência aos residentes, impor restrições à circulação de pessoas entre Macau e o interior da China para quem não estiver vacinado.
Pode ser que por essa via os nossos números se comecem a aproximar dos apresentados pelos nossos vizinhos de Zhuhai, e não nos deixem ficar mal.
Quem tenha ouvido e lido as notícias relativamente ao que aconteceu com um avião da Ryanair, num voo entre Atenas e Vilnius, no exacto momento em que se preparava para sair do espaço aéreo da Bielorrússia, não pode deixar de ficar apreensivo com o que aconteceu.
O rumor da eventual existência de uma bomba a bordo para mandar um caça Mig-29, de fabrico russo, obrigar o avião civil a fazer meia-volta e escoltá-lo até que aterrasse em Minsk foi apenas o pretexto para encobrir um verdadeiro acto de pirataria e terrorismo de Estado, típico de governos autoritários dirigidos por autocratas corruptos.
Não se ignorará que o avião estava mais perto do destino final do que da capital da Bielorússia e que aterraria mais depressa em Vilnius do que no aeroporto onde foi obrigado a interromper o voo durante longas horas. Pelo que se em causa estava a segurança do avião e passageiros teria sido mais rápido e seguro deixá-lo seguir até ao seu destino final, avisando as autoridades da Lituânia da eventual existência de um engenho explosivo, em vez de interromper-lhe abruptamente a rota.
Terrorismo de Estado sim, mas também um acto de vingança bem revelador da baixeza de Lukashenko, que não hesitou em usar os meios do Estado e a Força Aérea para se proteger e ao seu regime de um jornalista e blogger de apenas 26 anos cuja única arma que possui é o que escreve.
Para além do risco da operação e do medo e incómodo que causou aos passageiros, já que o desvio de um avião comercial num voo regular, contra a sua vontade, por razões políticas, será sempre um acto de pirataria ainda que conduzido por um Estado ou uma organização política, a acção das autoridades da Bielorrússia constituiu uma violação grosseira do direito internacional aéreo e das convenções em matéria de aviação civil, pelo que suscitou uma reacção enérgica da maioria da comunidade internacional.
Reacção que não poderá ficar apenas pelas sanções económicas. A comunidade internacional não pode tolerar a existência de regimes corruptos que infernizam a vida do seu próprio povo e colocam em causa a segurança colectiva.
À margem desta reacção, uma vez mais, ficaram os aliados de Lukashenko. A Rússia de Putin, pela voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, e de outros altos dirigentes saiu de imediato em sua defesa, considerando que um acto de pirataria contra um avião comercial para detenção de um opositor político é uma acção razoável e legítima.
Enquanto isso, em Pequim, o editorial do Global Times dedica-se a levantar dúvidas e a desvalorizar o incidente, chegando a colocar a hipótese de que tivesse sido a própria tripulação do avião a pedir socorro, defendendo que a prisão de Roman Protasevich e da namorada foi praticamente um caso fortuito, e referindo que são precisos mais factos, devendo dar-se o direito de defesa às autoridades da Bielorrússia. Como se não entrasse pelos olhos de todos o que aconteceu e não se soubesse que a Bielorrússia é um "parceiro estratégico abrangente".
O editorial em causa é tão surreal que vai mesmo ao ponto de questionar por que motivo as autoridades da Bielorrússia iriam deter um jornalista que nem sequer é o mais "proeminente líder da oposição", se até existe uma "oposição" e há "eleições multipartidárias", certamente esquecendo o que ainda recentemente aconteceu aqui ao lado com a aprovação de legislação destinada a reduzir a democraticidade do sistema eleitoral para não se perderem eleições, se decapitarem os partidos da oposição democrática e se prenderem e condenarem dezenas de jovens estudantes, políticos e advogados.
O que aconteceu com o avião da Ryanair é a prova de que a violência, a repressão, a mentira oficial, a desinformação e o uso da força continuam a ser os argumentos dos autocratas, dos fracos, dos corruptos, e de todos os que temem a verdade e há muito perderam a razão.