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nice

por Sérgio de Almeida Correia, em 30.10.20

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A motivação, o pretexto, se quiserem, é cada vez menos compreensível. E pela forma como se exprime, saindo violento das entranhas guturais das bestas, resume-se a uma frase banalizada. A grandeza Dele é ofuscada pela sua miséria moral.

O que aconteceu em Nice e regularmente se repete numa espiral incontrolável, muito mais em França, também na Bélgica e noutros locais outrora marcados pela aceitação do vizinho, de quipá ou com turbante, e pela outorga de um espaço de liberdade e responsabilidade a cada um, numa fraternidade serena e acolhedora mesmo quando as marcas da vida tornaram os dias mais longos e as noites difíceis e sofridas, tornou-se uma distante recordação.

Agora já não se trata de recebermos o outro com fraternidade e igualdade. O outro vai obrigar-nos a repensar a nossa relação, a deixar tudo o que se construiu para trás. Porque na violência insana nada se constrói, e nem mesmo o que foi erguido com o sacrifício de todos se mantém de pé.

Quando uma igreja, local de entrega, reflexão e paz se torna em local de emboscada para os indefesos, quando a loucura faz dela um talho onde o cutelo processa a degola dos sacrificados inocentes, e as bestas se comprazem vendo o sangue fresco escorrer pela pedra fria e silenciosa, não há diálogo possível.

Deixou de ser um problema de diálogo intercultural ou inter-religioso para se tornar num problema de sobrevivência. De todas as civilizações. Da humanidade.

Sim, porque se a violência, a barbárie, o terror, tudo isso a que estamos a assistir e cujo nome já não faz a diferença, é afinal, como escreveu Camus, "l'hommage que de haineux solitaires finissent par rendre à la fraternité des hommes", então não se poderá continuar a assistir à homenagem passivamente, deixando que a indiferença, o relativismo moral e ético e a banalização do mal, de que falava Hannah Arendt, façam apodrecer o que ainda resta de saudável para se voltar a construir.

É preciso matar o caruncho que se apoderou das estruturas e subiu pelas colunas dos templos. Há que domar a besta, trazê-la de novo ao caminho da razão. Sem vacilar.

A esperança é um pranto. A tolerância está de luto.

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lapidar

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.10.20

Na conferência de imprensa que deu no Consulado Geral de Portugal em Macau, antes do seu regresso a Pequim, o Embaixador de Portugal na China, entre as muitas pérolas que por aqui foi deixando, entendeu desvalorizar as declarações proferidas pelo Presidente do Tribunal de Última Instância na sessão solene de abertura do ano judiciário.

E da sua boca saíram frases como “é a declaração de uma pessoa" e que "não há, para já, a ideia de uma reforma legal”, limitando-se a enfaticamente concluir que “acompanharemos o assunto, defenderemos aquilo que nos compete defender, mas enquadrando as coisas naquilo que é a sua devida dimensão.

Pois bem, a "declaração de uma pessoa", que até é o Presidente do Tribunal de Última Instância, passou no mesmo dia em que o Senhor Embaixador era entrevistado pelo jornalista Gilberto Lopes a ser subscrita pelo Secretário para a Administração e Justiça, que é só, curiosamente, o número dois do Governo de Macau e o homem que tem nas mãos todas as reformas que importa fazer no sistema jurídico, nos tribunais e na administração pública.

Bem sei que, usando o mesmo estilo, são declarações de "apenas" duas pessoas, mas em matéria de resposta ao que foi dito não deixa de ser lapidar.

Que Pequim está longe de Macau também sei. Que há, certamente, outras preocupações e assuntos que importa acompanhar não duvido. E três anos num posto como a China dão imensa experiência e conhecimento sobre o país e os assuntos de Macau.

Mas aflige-me que não haja uma pessoa, entre essas sumidades que costumam ser escutadas e sabem sempre tudo, com um mínimo de lucidez e experiência, que possa ajudar o Senhor Embaixador a ter o enquadramento das "coisas naquilo que é a sua devida dimensão".

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nebulosidades

por Sérgio de Almeida Correia, em 19.10.20

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Depois de lidas com a devida atenção as declarações do Senhor Presidente do Tribunal de Última Instância, proferidas na Sessão Solene de Abertura do Ano Judiciário de 2020/2021, importa tecer algumas considerações sobre a parte do seu discurso que fugiu ao ramerrão habitual, entrando em considerações de natureza mais política do que jurídica, a que não estamos habituados, e que fogem à habitual reserva dos senhores magistrados.

Não estou com isto a fazer uma crítica à natureza das observações produzidas, muito menos à pessoa, pois que me parece saudável não só que todos participem na vida pública e opinem sobre os assuntos verdadeiramente importantes que dizem respeito à comunidade; mas porque é igualmente relevante saber o que pensam os nossos mais altos magistrados sobre as matérias que a todos importam, já que isso nos ajudará a melhor compreender o sentido de algumas decisões judiciais por si produzidas.

Naturalmente que quando o fazem também se estão a expor, podendo as suas observações ser, também elas, objecto de crítica e reflexão.

Dito isto, quer-me parecer que não há nada de extraordinário nas declarações do Senhor Presidente do TUI, aliás na linha de outras anteriores e de uma concepção do Direito de Macau e do papel da magistratura judicial que, à luz da nossa tradição jurídica, tenderia a considerar como sui generis.

Na verdade, fazer um apelo à reflexão, como se fez, designadamente sobre “as experiências bem-sucedidas e as deficiências verificadas na aplicação da política de “um país, dois sistemas” em Macau, e “analisar e estudar atentamente os desafios e problemas enfrentados durante a aplicação do sistema jurídico de Macau,” parece-me saudável. Eu próprio muitas vezes o faço.

Dizer que passaram 21 anos sobre o “Retorno de Macau à Pátria” é uma evidência.

Como também é referir que foi no sistema jurídico de Portugal que se inspirou o sistema jurídico de Macau.

Que Portugal é um país do Continente Europeu é verdade desde há mais de oito séculos.

E criticar o regime dos impedimentos dos magistrados judiciais é um direito que lhe assiste, bem como a qualquer um de nós.

Até aqui nada de novo.

Então onde está o busílis que levou a que quer em Portugal quer em Macau tantos se mostrassem preocupados com o que foi dito?

Penso que as declarações produzidas deviam ter sido mais claras, pois que se o tivessem sido não teriam suscitado tantas dúvidas, as quais me parecem em todo o caso pertinentes.

Afirmar a existência de uma concepção de valores, usos e costumes distinta entre Portugal e a China é óbvio. O guanxi (关系) enquanto tal não existe em Portugal. A noção de face dos chineses é diferente da dos portugueses que, em regra, sendo bem formados, quando erram estão dispostos a assumir o erro e a corrigi-lo de imediato, não ficando melindrados com isso. Porque corrigir o erro faz parte da natureza humana e só os mal-formados não o fazem. E não é o facto de haver uns que são mais ricos e importantes do que outros que isso deixa de ser assim, muito embora a correcção do erro fosse também para Confúcio uma evidência a que todos os homens sérios se deviam ater.

Foi exactamente por existirem diferentes concepções entre o que existia em Macau até 1987 e o que se reconhecia serem as perspectivas dos políticos e órgãos de poder chineses, que a República Popular da China reconheceu, no momento de ser encontrada uma “solução apropriada da questão de Macau legada pelo passado”, entre outras coisas, a necessidade de “os actuais sistemas social e económico”, isto é, os existentes à época, não obstante as diferenças, permanecerem “inalterados, bem como a respectiva maneira de viver”, mantendo-se as leis “basicamente inalteradas”.

Assim como a RPC também aceitou, comprometendo-se expressamente, que os princípios e as “políticas fundamentais” mencionadas no Anexo I da Declaração Conjunta e que foram incorporados na Lei Básica de Macau “permanecerão inalterados durante cinquenta anos”.

E não foi uma hipotética dificuldade de transposição de valores, usos, costumes, património cultural e produto de uma diferente visão da vida e do mundo que levou a RPC a recuar nesse compromisso que, minha interpretação, o Senhor Presidente do TUI gostaria de ver corrigido.

Não há, nunca houve, qualquer dificuldade de transposição para Macau do direito português, e tanto assim foi que este sempre conviveu, e bem, com os usos e costumes chineses durante séculos. E de tal forma que a RPC e todos os líderes da China o reconheceram.

Além de que a exiguidade da dimensão de Macau nunca impediu a transposição e aplicação do direito português, ou de raiz portuguesa, em Macau.

Aliás, a reforma do direito chinês empreendida após 1979 bebeu muito dos direitos continentais europeus, designadamente dos direitos de raiz romano-germânica, não tendo sido por causa da diferença de valores, por exemplo, entre a Alemanha e a China, que as universidades chinesas deixaram de ir buscar professores à Europa para ajudarem à modernização e actualização do “direito” herdado da Revolução Cultural. Ainda me recordo bem do que vi e ouvi na Universidade de Sun Yat-Sen em 1988.

Acresce que, por outro lado, quanto ao regime de impedimentos, não é a dimensão de Macau que impede o seu funcionamento. Esse regime nunca deixou de estar em vigor antes e depois de 1999, e não foi por ele antes estar em vigor que se deixou de julgar, ainda que umas vezes bem, outras menos bem e nalgumas mal. Nada disso é ou foi problema dos impedimentos.

A mim também me parece excessivo o número de pedidos de escusa formulados pelos senhores magistrados, e do qual só fiquei a saber pelo discurso do Senhor Presidente do TUI. Mas, quanto a mim, tal número não tem a ver com o regime de impedimentos: antes com uma cultura paroquial e de súbdito, enraizada em Macau e nas suas elites, que tem o medo como vector dominante. É o medo de desagradar, de julgar num sentido que possa ser considerado desafiante para as instituições, para o poder político ou os senhores poderosos, ou de ser objecto de crítica por alguns maiorais provinciais ou pelos lobbies locais.

Todavia, o medo não é um problema do regime de impedimentos. É sim um problema de mentalidade, de formação e, provavelmente, nalguns casos, de formação do carácter. O que, de qualquer modo, não justifica que se mexa no regime dos impedimentos ou que se atirem as culpas para o sistema jurídico ou o direito de raiz portuguesa.

Igualmente me preocupa, e não é coisa de agora, que sobre quem acusa ou julga não haja a mínima suspeita sobre a imparcialidade, a independência e a autonomia de quem exerce o seu múnus.

Não creio é que por alguns exemplos (maus) do passado seja necessário mexer no que a China se comprometeu a respeitar até ao final do período de transição de cinquenta anos.

Pois que, como múltiplas vezes tive oportunidade de afirmar, a Declaração Conjunta é um tratado internacional depositado pelas altas partes contratantes junto da Organização das Nações Unidas, entidade que Portugal e China integram. Nada os obrigava a depositá-lo nessa instância. Se o fizeram é porque queriam que lhe fosse dado o relevo internacional merecido. E por razões de confiança, paz e segurança jurídica que era preciso transmitir aos residentes e à comunidade internacional.

Estou seguro de que para a RPC a Declaração Conjunta Luso-Chinesa não se tratou de um tratado desigual, que lhe tivesse sido imposto pela força por um pequeno país como Portugal, para que ao fim de tão pouco tempo, e ainda tão longe do seu decesso, o mais alto magistrado dos tribunais da RAEM viesse apresentar publicamente um rol de queixas e apreensões que, não deixando de ser legítimas, introduzem mais um elemento de incerteza, instabilidade e insegurança onde estas deviam estar ausentes. Mais a mais num período difícil da conjuntura interna e internacional, sendo que tais declarações são susceptíveis de acrescentar às existentes preocupações desnecessárias à vida política, jurídica e social da RAEM, enfraquecendo a posição do Chefe do Executivo e da RPC na cena internacional.

Até porque, sendo a RPC parte de centenas de tratados e convenções multilaterais e bilaterais, e constituindo um dos Estados que aceitou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969, procedendo ao depósito do instrumento de acessão em 1997 e não manifestando quaisquer reservas ao artigo 62.º (“A fundamental change of circumstances may not be invoked as a ground for terminating or withdrawing from a treaty: (a) If the treaty establishes a boundary; or (b) If the fundamental change is the result of a breach by the party invoking it either of an obligation under the treaty or of any other international obligation owed to any other party to the treaty.”), ela sabe que isso significa, enquanto estiver em vigor a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, que esta terá de ser cumprida nos precisos termos em que as partes se vincularam, e longe de interpretações sem qualquer correspondência no espírito e no texto do Tratado.

O princípio do cumprimento integral dos tratados é uma norma de direito internacional público universalmente reconhecida e aceite pelos Estados que compõem a comunidade internacional, não existindo qualquer justificação que faculte a introdução de uma excepção a essa regra.

De igual modo, a China também reconheceu e aceita a validade da norma constante do art.º 26.º dessa Convenção, na medida em que também o princípio pacta sunt servanda (“Every treaty in force is binding upon the parties to it and must be performed by them in good faith.”) aí consagrado mantém plena actualidade e todo o seu alcance.

Não há mal nenhum em discutirem-se estas questões. Não há, não deve haver, assuntos indiscutíveis. E algumas das preocupações manifestadas pelo Senhor Presidente do TUI terão o seu sentido. Pelo menos na sua perspectiva. Nada a dizer.

Só que isso não invalida que as suas declarações, pela forma e local onde foram colocadas as questões que o apoquentam, acabem por ter um efeito bem mais pernicioso do que aquele que foi tido em vista pelo declarante, colocando-o, atento o seu estatuto e responsabilidades, numa posição desconfortável; logo agravada pelas declarações de imediato proferidas pelo Senhor Chefe do Executivo no mesmo evento.

Desconforto que será extensivo à RPC – cujo estatuto e responsabilidades internacionais são indiscutíveis –, e a todos aqueles que confiam no valor da palavra dada e assinada, e que quase 21 anos depois de instituída a RAEM continuam a contar com uma interpretação rigorosa e de acordo com princípios universalmente aceites quer da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, quer da Lei Básica da RAEM.

Instrumentos jurídicos que todos os residentes, qualquer que seja a nossa nacionalidade, raça, credo ou etnia, temos o dever de proteger e defender.

Sem hipocrisia e sem a personalização das questões, tão típica dos lugarejos. Também sem fáceis e questionáveis oportunismos circunstanciais, como alguns fazem de cada vez que vêem um microfone.

Mas sempre, sempre, de forma elevada, séria, honrada, digna e consistente. Pois que é desta massa que são feitas as relações entre gente de carácter, que se respeita e é capaz de falar a mesma linguagem independentemente da diferença de opiniões. 

É preciso afastar a nebulosidade dos últimos dias e colocar as coisas no seu devido lugar.

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enfim

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.10.20

Nasceu em Lourenço Marques, por acaso, em 1929. Saiu de lá aos 8 anos para a Índia, depois estudou no Liceu Afonso de Albuquerque, salvo erro, e daí rumou a Lisboa.

Nunca viveu no Maputo.

Mas se lhe disseram que aos 8 anos, quando ele partiu, já era "uma figura estimada e muito estimável", antes mesmo de receber qualquer prémio literário e ser traduzido numa data de línguas, isso só pode fazer dele um génio.

Quem sou eu para discordar de um Harold Bloom.

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exposição

por Sérgio de Almeida Correia, em 12.10.20

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Existe um tempo para chegar, ficar e partir. E isso é válido em quaisquer circunstâncias.

Não me refiro ao evento cultural. Refiro-me ao acto de uma pessoa se expor.

A vida pública e cívica de um indivíduo é, ou pelo menos devia ser, um acto transparente de exposição orientado por valores e princípios em prol de um combate pelo bem comum, pela realização dos interesses superiores da comunidade. Um exercício de cidadania, um exercício de seriedade, de rigor ético e coerência moral, de correspondência entre o pensamento, o discurso e a prática.

O mesmo se diga quanto às instituições e as organizações colectivas.

Está tudo errado quando a exposição não é, ou deixa de ser, transparente (se é que alguma vez o foi), quando a acção se esconde através de decisões opacas e de um discurso redondo, quando se percebe que o acto de exposição apenas visa a realização de interesses egoístas, pessoais ou de grupo.

A exposição é um risco. Expõe os indivíduos, as instituições e as organizações à crítica, ao juízo de terceiros. Isso faz parte da própria da exposição e da essência da vida pública. Daí que a crítica rigorosa, fundamentada, também ela transparente, seja uma exigência da nossa vida colectiva.

Confundir isso com a crítica pessoal orientada, com a maledicência generalizada, é não só um erro como releva de um processo deficiente de formação da personalidade.  

Quando não se percebe isto dificilmente se compreenderá o sentido da exposição e da acção colectiva. Perder-se-á o objectivo, o rumo, a clarividência.

E estes não poderão faltar quando se escolhe o momento de chegar, enquanto se está, e na escolha da hora de partir.

Por vezes é difícil, mesmo doloroso, como aconteceu com Churchill. Mas foi isso que fez a diferença em relação ao seu sucessor.

Hoje todos sabem quem foi Churchill. Ninguém sabe quem foi Eden.

É sempre mau sair empurrado pelas circunstâncias porque não se percebeu qual a hora de sair. Ou depois dessa exposição se ter tornado prejudicial, indiferente e/ou irrelevante. Dar o lugar aos outros também pode ser um acto de grandeza se se souber sair de cena.

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misérias

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.10.20

"Entre a multidão, estavam a deputada Susana Chou e o então presidente da Associação Geral dos Operários, Lau Cheok Va. O Comité Unitário de Macau estava “consciente que a estabilidade e a democracia são essenciais para o futuro de Macau.

Homenagem aos mártires” foi o título do editorial do Ou Mun após o massacre. “O dia 4 de Junho é o dia mais negro e desumano dos cerca de 40 anos após a implantação da República Popular. Esse dia negro, a história virá a contá-lo para sempre”. O diário, que ainda não estava convencido que linha dura do PCC tinha vencido a ala liberal, escrevia também que “não haverá nada pior que essa trucidação de irmãos de sangue” e que “sem democracia não haverá socialismo”.

 

Eu sei que não é politicamente correcto dizê-lo; muito menos recordá-lo.

Mas a notícia de hoje, do South China Morning Post, de que há cidadãos de Hong Kong detidos porque ajudaram gente do movimento pró-democracia que queria escapar à prisão, merece muitos comentários. Por todas as razões e mais algumas, e até porque Hong Kong, com todos os seus defeitos e virtudes, foi sempre uma cidade acolhedora, justa e saudável.

De qualquer modo, não obstante já ter sido privado de muita coisa, até mesmo de jantar razoavelmente com os meus amigos, às sextas-feiras, num Clube que muito prezo, gostaria apenas de recordar, já que da memória não me privam, que se a Lei de Segurança Nacional que está em vigor em Hong Kong existisse no pós-4 de Junho de 1989 muitos legisladores de Macau, incluindo uma conhecida e milionária patriota, teriam sido presos se o 4 de Junho de 1989 tivesse sido neste ano de 2020. Como hoje foram detidos cidadãos de Hong Kong apenas por terem dado guarida, eventualmente ajudado, alguns jovens que queriam fugir para Taiwan, território chinês, para continuarem a defender a Lei Básica de Hong Kong. 

Convinha que os estafermos (estou a ser brando) que hoje vivem em Macau, alguns com passaporte português como um dos fugitivos, e que aplaudem e/ou se calam perante a vergonhosa perseguição que é feita — e que nunca cá estariam se aquela gente de 4 de Junho de 1989 não tivesse escapado para hoje andarem por aí a receberem subsídios, tirarem fotografias, fazerem exposições e editarem livros nos editores e fundações do regime —, se lembrem disso.

Dos vermes nunca a História se lembrará.

Nem dos idiotas.

E ainda menos dos inúteis que mudaram de passaporte por mera conveniência. Serão os primeiros a cair do trapézio devido ao peso dos bolsos. E a enterrarem-se sem motorista no lodo protegido da "protecção ambiental".

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outono

por Sérgio de Almeida Correia, em 08.10.20

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O Outono regressou a Macau sem que pareça ser esta a estação da segunda Primavera que todos os anos se repetia e de que Camus falava. Aqui, as folhas não se tornam flores.

Desta vez também não houve Semana Dourada nem para os residentes, nem para os turistas, nem para os cofres da RAEM.

As expectativas criadas pelo Chefe do Executivo e membros do Governo relativamente ao reinício da emissão de vistos na RPC, bem como as previsões (absolutamente hilariantes) que foram anunciadas sobre a ocupação de hotéis para a Semana Dourada, revelaram-se de tal modo afastadas da realidade que se diria não ter havido qualquer base minimamente rigorosa de informação para se terem produzido as declarações que se fizeram durante os meses de Agosto e de Setembro.

O número de visitantes, ainda que vindo exclusivamente do interior da China, e a receita esperada ficaram extraordinariamente aquém daquilo que se projectava. Pouco mais de 120 mil turistas é um número ridículo. Uma queda superior a 86% por comparação com os números do ano anterior, numa altura em que aqui ao lado as estações de comboios estavam cheias e milhões se deslocavam de um lado para outro. Alguém já devia ter vindo explicar o que correu mal, e porque correu tão mal e tão distante do que foi equacionado e transmitido para a opinião pública ao longo de meses e semanas.

Percebeu-se, e há muito – pelo menos desde 2017, não tendo sido necessário esperar pelos acontecimentos de Hong Kong de 2019 –, que a autonomia da RAEM estava a ser cada vez mais cerceada em razão dos múltiplos erros cometidos na governação de Macau. Quer pelo seu próprio executivo, quer pelas decisões tomadas, orientadas ou estimuladas por Pequim, quer, ainda, pelo próprio rumo tomado pela política interna chinesa após as alterações constitucionais promovidas pelo Presidente Xi. Até aqui não houve nada de novo.

O que importaria agora perceber é por que motivo – depois de um encerramento abrupto das ligações ao exterior, cujo critério em relação ao impedimento de entrada dos trabalhadores não-residentes e aos estrangeiros ainda está por explicar a partir do momento em que foram criadas as condições para a realização de quarentenas rigorosas a todos os que chegavam, e sabendo-se que a situação de muitas empresas, e não apenas os diversos concessionários, e escritórios de profissionais liberais, grandes e pequenos, têm vindo a fazer um esforço imenso para manterem postos de trabalho, suportando estoicamente o peso de um prolongamento de medidas que perde justificação em cada dia que passa pela situação de total dependência em que se colocou a RAEM –, continua a não haver uma perspectiva mínima de curto e médio prazo que permita a revitalização da economia local sem colocar em risco a saúde pública e os resultados já alcançados.

Depois, as decisões tomadas em relação ao Grande Prémio de Macau, o maior cartaz turístico e único com dimensão mundial, reflectem um confrangedor amadorismo e falta de visão e rumo numa altura de crise. Ainda há um mês um dos principais responsáveis pela organização dizia, sem se rir, que havia imensos pilotos estrangeiros interessados em correr em Macau fazendo quarentena. Como se esta hipótese fosse minimamente razoável e viável para equipas e pilotos de topo.

Num momento em que todos os campeonatos mundiais de automobilismo e motociclismo estão a decorrer em todo o lado, muito embora com apertadas medidas de segurança, não havia nenhuma justificação para se cancelar a realização das provas da Taça do Mundo de F3 e da Taça do Mundo de GT, ou as corridas do WTCR.

Teria sido preferível realizar as provas sem público, garantindo transmissões televisivas e assegurando a promoção de Macau como um destino seguro e livre de COVID-19, se fosse o caso, e utilizando a experiência adquirida para testar e concentrar equipas e pilotos num espaço único, de onde sairiam apenas para o circuito, do que cancelar as provas e apresentar um programa de corridas sem qualquer interesse, apenas com pilotos vindos da RPC e locais, com muitos carros velhos e pouco competitivos, e substituindo a  venerada prova de Fórmula 3 por uma corrida de Fórmula 4 chinesa, cujo relevo no panorama automobilístico internacional é praticamente nulo.

Mas mais estranho, ainda, é que sem corridas internacionais e tendo perdido, tanto quanto se sabe, o principal patrocinador, o orçamento previsto para o Grande Prémio se mantenha e os preços dos bilhetes para o público sejam os mesmos como se fosse tudo decorrer dentro da normalidade, com um cartaz de categoria e como se viessem cá todas as estrelas da F3, do GT ou dos carros de turismo.

Há muita coisa por explicar, há muitas respostas que precisam de ser dadas. Vamos ver quanto tempo será preciso esperar até que tal aconteça.

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