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leitura

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.07.20

O artigo de Arvind Subramanian (China Has Blown Its Historic Opportunity) reflecte aquilo que muita gente pensa sobre o assunto, incluindo eu próprio.

Tenho pena que a liderança chinesa não o tivesse visto antes, mas o caminho empreendido em 18 de Outubro de 2017 só podia conduzir a uma situação como a actual. Ou pior, a ver vamos. 

Para já vale a pena ler e pensar na forma como todas as suas conquistas têm sido hipotecadas, não obstante a ausência de liderança nos EUA. 

Que o mundo estava perigoso não era novidade. Que havia muitos loucos à solta também. A novidade é que houve quem com a sua gula quisesse torná-lo ainda mais perigoso.

Duvido que no fim, quando o Covid-19 passar e Trump sair de cena, a China tenha conseguido alguma coisa que não tivesse já antes do XIX Congresso do PCC.

Bem pelo contrário, até agora só tem perdido. Em dinheiro, prestígio internacional, credibilidade, confiança e soft power

Vão ser muitos os anos para recuperar os erros cometidos, se entretanto não forem cometidos mais uns quantos, e voltar ao caminho que a projectou nas últimas duas décadas.

Cada um sabe de si, é bem verdade, mas não deixa de ser triste que depois sejam milhões a pagar, dentro e fora das fronteiras do país. A teimosia e a falta de visão estratégica têm na política um preço muito elevado. Qualquer que seja a dimensão do país.

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perversidade

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.07.20

3581-2020-07-22.jpg(Macau Daily Times)

Se há coisa que o chamado processo do IPIM, onde estão a ser julgados antigos dirigentes desse organismo, tem revelado é a perversidade da actuação de alguns responsáveis e funcionários por ignorância, má-fé ou incompreensão dos mecanismos procedimentais, dos seus deveres e do alcance das exigências legais.

Quem tem acompanhado as peripécias do julgamento, em boa hora abundantemente relatadas pela comunicação social, não pode deixar de se interrogar sobre a formação que foi dada a alguns dirigentes antes de se alcandorarem às posições que exerceram ou ainda ocupam.

Considerar que os critérios da Administração Pública não podem ser conhecidos, por secretos ou confidenciais, e que os cidadãos não devem ser esclarecidos sobre o que devem fazer e como fazer para preencherem as condições que devem ser cumpridas para obterem aprovação nos  processos administrativos em que são interessados, porque tudo é "secreto" e "confidencial", é revelador de uma formação muito deficiente, de uma mentalidade policial, ignorante, arcaica, irresponsável e desrespeitadora da lei.

Mas se, para além disso, houver quem, além de considerar tudo isso como normal, ainda admita que existem regras, ao arrepio da lei, não escritas e de natureza confidencial e secreta, a regularem vulgares procedimentos administrativos, remetendo para o domínio da arbitrariedade pura aquilo que de todos deverá ser conhecido, então já se está no domínio da perversidade.

A aplicação da lei e as regras da sua interpretação e aplicação na Região Administrativa Especial de Macau são em cada dia que passa cada vez mais esotéricas, não obstante não haver ninguém com poder de decisão que não esteja sempre a invocá-la, tal e qual como algumas beatas que estão constantemente a invocar os nomes do Senhor e dos Santos para tudo e mais alguma coisa.

E o que é mais triste, e revoltante, é que tal acontece não apenas ao nível da actuação da própria Administração Pública. Essa contaminação é agora vulgar, como tem sido denunciado e é visível pela simples leitura dos jornais, em muitos casos da actuação das polícias, do Ministério Público e, pior do que isso, da forma como alguns julgamentos são conduzidos e as decisões fundamentadas.

Se virmos bem, o entendimento que a testemunha Irene Lau tem das regras que regem a actuação de um ente público e das suas chefias vai ao encontro das teses de um proeminente académico da Universidade de Pequim, Jiang Shigong, quando considera que o constitucionalismo chinês só pode ser entendido numa perspectiva de uma constituição não-escrita, que esta é que corresponde à verdadeira Constituição, pois que inclui as doutrinas e comentários do Partido e dos líderes do Estado, bem como os relatórios e decisões do Comité Central sobre as questões constitucionais (Jiang Shigong, 2010, in Modern China, 36/1, 12-46). Ou seja, o que não vem na Constituição, o que não vem na lei também serve conforme as circunstâncias.

Aqui em Macau a lei relevante também começa a ser a lei não-escrita. Isto é, a que resulta da interpretação, da apropriação e do uso que dela seja feita pelos responsáveis políticos, administrativos e policiais.   

Primeiro passámos do legal para o domínio do surreal. Neste momento torna-se evidente, até pelo depoimento prestado em juízo pela madame Lau, que se confirma o que há muito se suspeitava, ou seja, que já vivemos no campo do arbítrio (louvado) sob uma capa de legalidade.

A aproximação ao primeiro sistema está praticamente concretizada. Quando todo o sistema judicial, o legislativo e a Administração Pública estiverem ao serviço de quem exerce o poder, a segurança nacional estará totalmente garantida. O resto não conta.

É esta a perspectiva. E a última prova que faltava de que a formação de quadros locais por parte da Administração portuguesa no período de transição foi um rotundo fracasso.

Formatar autómatos, mesmo com viagens pelo meio a Portugal, não é o mesmo que formar bons dirigentes e bons quadros técnicos, incutindo-lhes uma mentalidade e uma ética de serviço público e de verdadeiro respeito pela lei.

E isto também se aplica, cada vez mais, pelo que se tem visto, à formação de advogados, polícias e magistrados.

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medo

por Sérgio de Almeida Correia, em 21.07.20

Macau-Airport-4_WEB.jpg

A consulta dos dados estatísticos da PSP atinentes aos períodos de Janeiro a Maio de 2020 revela uma queda nas entradas e saídas de Macau de 75,16% (média). Se olharmos só para Junho a diminuição de visitantes foi de 84%.

Entretanto, em 26 de Junho pp., aproveitando as regatas de barcos-dragão, o Chefe do Executivo referiu ser a abertura das fronteiras crucial para a recuperação económica, mostrando-se esperançoso quanto à possibilidade de Julho permitir a inversão do ciclo de quebra acentuada de turistas, permitindo-se uma abertura gradual das fronteiras. Estamos a 21 de Julho e o número de pessoas que entraram em Macau andará entre os dois a três mil por dia. Macau é uma região em que o número de doentes com COVID-19, ao longo de meses, se tem mantido em zero, ou muito próximo deste número. E, todavia, a cidade continua a viver uma situação como se estivesse no primeiro ciclo da pandemia. Casinos e restaurantes às moscas, não há ligações a Hong Kong e o aeroporto está praticamente inactivo.

Perante o agravamento da crise económica, das condições de vida, dos problemas sociais e o aumento do número dos trabalhadores “dispensados”, alguns depois estranhamente readmitidos após intervenção da DSAL e de algumas associações, parece que a única preocupação continua a ser a revisão da legislação relativa à defesa da segurança do Estado, sem que até hoje alguém tenha tido o discernimento de esclarecer a população, em termos inequívocos, sobre quais os pontos em que a lei falhou, quais as ameaças que o correr dos anos em concreto revelaram, e onde se mostra necessário o legislador intervir para aumentar a nossa segurança interna e a da RPC, sem que essa desejada intervenção se traduza numa compressão de direitos e liberdades fundamentais garantidos pela Lei Básica e pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa de 1987.

Dizer que é preciso mexer na referida lei estando a cidade parada, com gente a viver dificuldades, e sem que se diga o que está mal e porquê soa demasiado a conversa de burocrata para iludir problemas mais prementes.

Como Hannah Arendt escreveu, “a essência do totalitarismo, e talvez da burocracia, é transformar os homens em funcionários”, “em meras peças da máquina administrativa, ou seja, desumanizá-los”, até porque a burocracia “corresponde, em última análise ao domínio de Ninguém” (cfr. Eichmann em Jerusalém – Uma reportagem sobre a banalidade do mal, 2017).

Salvo aparições de circunstância, assistimos ao desaparecimento do espaço público do Chefe do Executivo e da sua equipa, com excepção pontual de um ou outro dos secretários; normalmente com intervenções que pouco se elevam, exactamente, do domínio do burocrático.

A política, que é o campo por excelência da arte de governar, enquanto definição e defesa de um rumo e de uma estratégia, está cada vez mais arredada da vida pública, limitando-se a uma gestão do corriqueiro, sem compromissos, ausente de qualquer rasgo, à vista de costa e sempre pelas mesmas razões de saúde pública. Há seis meses.

Todos compreendem, e aplaudiram, o modo como o Chefe do Executivo geriu a crise pandémica no início do ano, mas será impossível ficarmos eternamente a ver os outros e a controlar a estatística sem nada mais fazer, esperando que a crise se resolva.

Aparentemente estamos num impasse.

Tirando os anúncios de distribuição de máscaras, os buracos nas estradas, os números do COVID-19, o acompanhamento da situação em Hong Kong, e, ultimamente, o julgamento novelístico da gestão do IPIM, dir-se-ia que por aqui nada acontece. Desconfio que também não se quer que aconteça.

Estranho o silêncio das concessionárias do jogo e de muitos empresários que perdem diariamente largos milhões de dólares, mantendo empregos, embora admita que a esse comportamento não será alheio um certo instinto pavloviano de sobrevivência, atenta a aproximação do período crítico das eleições nos EUA, que terá inevitáveis repercussões nas decisões que aqui venham a ser tomadas em matéria de casinos.

O Chefe do Executivo manifestou esperança em que haja melhorias a partir de Dezembro. Parece-me pouco, muito pouco.

Esperança todos temos, uns mais do que outros. Mas sem se conhecerem as respostas para os “ses” que se levantam, nem o quando, há questões que antes dessas melhorias surgirem, e esperamos todos que sim, devem ser colocadas e respondidas.

Presumo que não seja com dois mil visitantes diários, por muito abonados que sejam, e exigências de certificados de testes de ácido nucleico abrangendo residentes que aqui são obrigados a permanecer há meses, que os casinos voltem a apresentar uma actividade que compense os prejuízos registados desde o final de Janeiro.

E admito que a vontade de conversão a uma outra religião não constitua uma prioridade do magnata Sheldon Adelson. O seu ópio é outro. Acredito, sim, que será antes a miragem da atribuição de uma nova concessão que leva a organização que dirige a promover um seminário com o sugestivo título de “Applying the Spirit of NPC and CPPCC, and One Country, Two Systems in Macao”, ao mesmo tempo que recebe das mãos de um alto responsável pelo Gabinete de Ligação do Governo Central em Macau, um certificado de reconhecimento pelos esforços desenvolvidos no interior da China e em Macau durante a crise do COVID-19. O agradecimento, verdadeira operação de relações públicas, foi extensivo a outros, não faltando o habitual recado patriótico.

Há quem alvitre que a actual situação prolongar-se-á, pelo menos, por mais um ano, tanto por motivo da continuação do combate à pandemia como para se poder concluir a “operação de limpeza” em curso – há muito necessária –, encetada do outro lado para combater a corrupção, a lavagem e o branqueamento de capitais, e a que a pandemia servirá para dar adequada cobertura deste lado. Tudo isso poderá ser verdade, e compreensível, numa perspectiva de higienização da vida pública e empresarial futura, depois dos improdutivos anos que vivemos.

Isso não esconde o quanto seria bom que com seriedade, e sem propaganda, os residentes fossem esclarecidos sobre a estratégia delineada para sair da crise. Se é que existe alguma; e quais as condições que será necessário preencher para que se possa regressar a uma vida mais próxima da normalidade. 

Bem sei que para muitos empresários, cuja falta de mérito e indiferença perante as questões sociais e cívicas faz deles potenciais conselheiros oficiais, é mais fácil viver e conviver com o medo, porque mais rentável, do que enfrentá-lo. À semelhança do que fazem, sem queixas e desde sempre, com a burocracia. Esta é igualmente apreciada por dirigentes como os que temos, com pouca apetência para a decisão, e que exibem um discurso redondo quando se trata de apresentar soluções. Até para ultrapassar os obstáculos mais simples.

Também o medo de decidir dos governantes nunca gerou riqueza, crescimento, desenvolvimento económico, equilíbrio, harmonia, em suma, felicidade. E é desta, e só desta, que se trata quando em causa está a manutenção do emprego, a retoma dos negócios, a estabilidade social, a regularização da vida das famílias e a liberdade de circulação e deslocação para destinos onde a pandemia esteja controlada sem mais constrangimentos do que os necessários.

Viver é um risco. Governar não é menos. Mas alguém tem de fazê-lo, pois não somos pandas nem podemos continuar a viver como se fôssemos os do Parque de Seac Pai Van, tirando fotografias e recebendo donativos e certificados.

Esperar passivamente que uma crise passe nunca garantiu bons resultados. E se a pandemia justifica muita coisa, muitas mais há que não pode esconder, e que em cada dia que passa ficam mais a descoberto.

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lição

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.07.20

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(créditos: Deutsche Well)

A despeito da propaganda, da permanente intimidação e dos discursos ameaçadores, quer por parte de Eric Tsang, quer por parte do Gabinete de Ligação do Governo Central, a população de Hong Kong resolveu participar massivamente nas chamadas eleições primárias do campo pró-democrático para escolha dos seus candidatos para as eleições que se avizinham.

As alterações legislativas provocadas pela entrada em vigor no passado dia 1 de Julho da nova Lei de Segurança Nacional de Hong Kong, redigida e aprovada em Pequim contra o que estava determinado pela Lei Básica, e de um modo juridicamente inconsistente e à revelia dos procedimentos previstos na mini-Constituição de Hong Kong, poderiam constituir um factor de dissuasão a essa participação.

Ao contrário, não foi isso que demoveu a participação e o que se viu foram longas filas de gente, dos mais novos aos mais velhos, em que todos se comportaram de forma ordeira e suportando a inclemência do sol, do calor e da humidade sem curarem das consequências da sua atitude.

É previsível, se o calendário eleitoral for mantido pelo Governo de Hong Kong, que as eventuais candidaturas dos elementos mais conhecidos e mais válidos do campo pró-democrático sejam invalidadas, quer por minudências formais, quer por manobras dilatórias e interpretações destinadas a alargarem o campo de aplicação das normas legais visando suportar decisões previamente tomadas, mas o simples facto de mais de 600 mil residentes terem respondido à chamada, mais do que triplicando a participação inicialmente prevista, são um sinal de resiliência, de determinação e de coragem dos residentes de Hong Kong na defesa das suas convicções e na exigência de uma mudança que lhes tem sido negada antes e depois do colonialismo, assim levando à prática a possibilidade dos cidadãos escolherem de uma forma limpa e transparente os seus próprios governantes.

Não será a nova lei que permitirá concretizar as aspirações de um sufrágio universal pleno e verdadeiramente democrático em Hong Kong, até porque tal nunca teria qualquer sentido num clima de insegurança, permanente ameaça e hostilidade, e depois de quem está no poder tudo fazer para decapitar o campo pró-democrático de maneira a que no dia em que tal fosse possível apenas se pudessem apresentar a votos aqueles que não têm qualquer representatividade junto da população, ou os que estejam de tal modo debilitados que não possam fazer frente aos candidatos tradicionalistas. Um pouco à semelhança do que Putin tem feito na Rússia com a oposição democrática, em termos de manter-se eternamente no poder e melhor controlar os candidatos, as eleições e os resultados.

Em todo o caso, fica o registo da impressionante participação popular independentemente do que possa vir a seguir.  E só esse facto já é em si notável pelo que representa num momento tão difícil como é aquele que se atravessa.

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incertezas

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.07.20

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(créditos da foto: Robert Harding Picture Library, Nat Geo Image Collection)

O médico Alvis Lo, que no acompanhamento da situação epidemiológica provocada pelo COVID-19 em Macau se tem revelado uma aposta segura dos Serviços de Saúde, tanto em termos de comunicação para o público como no domínio das matérias que normalmente aborda (deixo de fora as que têm manifesta dimensão política e para as quais não está preparado, nem é pessoa adequada para referi-las), revelou-nos que o Secretário para a Economia e Finanças, Lei Wai Nong, e o antigo Chefe do Executivo, Edmund Ho Hau Wah, que estiveram nas exéquias de Stanley Ho, serão obrigados a acatar e cumprir as medidas de saúde pública aplicáveis à generalidade das pessoas que chegam do exterior.

Tirando o facto de não se saber qual o local destinado ao segundo, a decisão é à partida compreensível e reveladora da saudável preocupação em se assegurar, pelo menos na aparência, que a lei é igual para todos, o que sabemos nem sempre ser verdade por estes lados.

Porém, essa decisão acaba por esconder um outro problema e que decorre da questão de se saber quando terminarão as actuais restrições à circulação de residentes e à entrada e saída de pessoas, turistas ou não?

Já se percebeu que depois da forma atempada com que o problema do COVID-19 e o esquema de entradas e saídas de Macau foi gerido numa fase inicial, o prolongamento da situação presente se por um lado começa a revelar uma inquietante falta de respostas, por outro denota dificuldades em se assumir o risco inerente às decisões que mais dia menos dia não poderão deixar de ser tomadas.

Governar é mais do que controlar as entradas e saídas de uma região minúscula, gerir a distribuição de máscaras e concessões, controlar manifestações e activistas, contar fichas em casinos ou um simples negócio de importação e exportação.

A dependência da RAEM em relação a Hong Kong para voos de médio e longo curso, aliada à incapacidade, mais uma entre muitas, do governo de Carrie Lam em controlar o aparecimento de novos focos locais da doença, acentuam as nossas dificuldades.

Muitos não percebem quais os obstáculos na manutenção em aberto de um corredor para as chegadas e partidas do Aeroporto Internacional de Hong Kong, que não causasse maiores transtornos do que aqueles que têm sido impostos, e que garantisse na medida do possível a segurança sanitária dos passageiros e dos residentes.

Como também não se compreende por que podem residentes de Macau deslocarem-se às demais cidades da Grande Baía, contactando com quem aí reside e regressando sem qualquer problema, mas o contrário não se admite.

O estrangulamento da actividade económica vai dando sinais de não ser comportável sine die por muito vastas que sejam as reservas financeiras da RAEM e dos seus maiores empresários.

As consequências para já têm sido de índole económica e financeira, mas são hoje igualmente de índole psicológica. Muito dos que habitualmente residem em Zhuhai têm enfrentado dificuldades para se deslocarem à região vizinha, passando longas temporadas afastados de suas casas e dos familiares, praticamente acampados deste lado em condições de vida deploráveis, alimentando-se mal, repartindo apartamentos e quartos, enfrentando custos acrescidos e com as suas vidas, e dos seus filhos, permanentemente desreguladas.

Entre a proibição absoluta de deslocações, a existência de entraves burocráticos desproporcionados e a necessidade de manter o controlo da situação epidemiológica, haverá certamente um meio termo, sendo a falta deste que começa a tardar num momento em que um pouco por todo o lado onde a situação se apresenta controlada se procuram aliviar as restrições à circulação de pessoas.

O quadro que vivemos poderá, com mais ou menos esforço do Governo de Macau, ser mantido durante mais algumas semanas, ou meses, mas haverá um dia em que será necessário começar a pensar em tomar decisões.

A situação afigura-se a longo prazo insustentável, pois que não é com os subsídios que têm sido dados às empresas e a particulares, alguns discutíveis visto que houve trabalhadores que não sofreram cortes salariais a receberem “bónus” de MOP15.000 (que deveriam ter sido desde logo “endossados” aos empregadores pelos assalariados que não sofreram cortes, ou retendo estes apenas a parte proporcional aos que tivessem sido concretizados), nem com o turismo “interno”, transportando-se residentes da Areia Preta para o Parque de Seac Pai Van, ou com vales de consumo ou os descontos em refeições proporcionados por alguns espaços, que será possível voltar a uma normalidade mínima e dinamizar uma actividade económica que represente, pelo menos, cinquenta por cento daquilo a que estávamos habituados nos últimos anos.

E não será com alterações à lei de segurança, educação patriótica, a habitual propaganda e as “distracções” similares em que os nossos "comissários" são exímios, que se resolverão os verdadeiros problemas e se dará esperança às pessoas.     

Espera-se, pois, e isso não será exigir muito, atendendo a que estamos quase em Agosto e há meses que não temos casos, que o Chefe do Executivo e o seu governo, sozinhos ou em articulação com o Governo central e os das regiões vizinhas, apresentem com urgência um quadro de soluções que reduzindo a nossa dependência em relação a Hong Kong, cuja situação política com ou sem a nova lei de segurança nacional irá manter-se efervescente durante muitos e bons meses (ou anos), nos traga alguma esperança quanto à sua capacidade de pensar os problemas e apontar caminhos que nos permitam sair do marasmo em que nos encontramos.

Está na altura de começarem a mostrar que para lá da gestão corrente, da distribuição de cheques, da instalação de câmaras, da pintura de passadeiras e abertura de buracos nas ruas, e de vagas promessas, serão capazes de fazer mais alguma coisa.

É nas crises, e na confiança que transmitam, na capacidade de liderança demonstrada e na dinamização que consigam imprimir para se ultrapassarem situações adversas, que se reconhecem os bons dirigentes e se identificam os maus governantes. Haja esperança.

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entrevista

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.07.20

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A TDM Rádio transmitiu no sábado passado (11/07/2020) a entrevista realizada, a partir de Macau, pelo jornalista Gilberto Lopes ao académico Luís Tomé, professor da Universidade Autónoma.

Debruçando-se sobre vários temas, que foram da actual situação política de Hong Kong, em resultado da aprovação e entrada em vigor da nova Lei de Segurança Nacional de Hong Kong, aos desafios da liderança chinesa, passando pelas iniciativas "uma faixa, uma rota" e a "nova rota da seda", as relações da China com os países do Sudeste Asiático e os Estados Unidos da América, as lideranças de Trump e Xi Jinping, a perpetuação dos autocratas no poder, e, ainda, as repercussões em Macau do momento vivido, tratou-se de um excelente trabalho jornalístico, valorizado pela correcção da dicção, a fluência do discurso e os sólidos conhecimentos teóricos e factuais do entrevistado.

Tratou-se de uma verdadeira lufada de ar fresco, a fugir ao habitual ramerrão e à tradicional e pouco informada conversa de café local, trazida por alguém que, como é timbre dos verdadeiros académicos, não esteve com meias-palavras, nem se preocupou em fazer passar opiniões politicamente correctas para não melindrar as luminárias locais que se dedicam à caça de subsídios e de lugares na mesa da copa do Chefe do Executivo da RAEM. 

Pela sua actualidade e importância, recomendo a todos a audição da entrevista, que é pena não ser transmitida pelo canal português da TDM num horário decente, deixando aqui o link para esse efeito, e agradecendo ao entrevistador o saudável trabalho realizado e a escolha do convidado.

Nada como ouvir os outros que sabem, com um discurso estruturado e que se apresentam bem preparados sobre os temas em discussão, para se aprender alguma coisa, melhorar a reflexão e alargar horizontes. 

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confrangedor

por Sérgio de Almeida Correia, em 08.07.20

A entrevista de Ronny Tong, actualmente membro do Conselho Executivo de Hong Kong, que foi fundador do Civic Party, e que continua o transumante percurso que o levou nos últimos anos do campo pró-democrático para o dos mais alinhados e subservientes seguidores dos diktats do Governo central, é um momento televisivo a não perder.

A conversa que manteve com Stephen Sackur, no programa Hardtalk da BBC, é a prova de que se pode sempre descer mais baixo do que aquilo que se imaginaria possível. E fê-lo com a maior das facilidades.

Procurando sistematicamente fugir às questões simples que lhe eram colocadas pelo entrevistador com o propagandístico discurso oficial que decorou, faz-nos pensar no que leva uma pessoa normal, com uma carreira outrora respeitada, a prestar-se a tal papel.

Incapaz de argumentar e contra-argumentar, não esteve sequer com meias-medidas para disfarçar a irritação de cada vez que lhe interrompiam o "comício" que procurou fazer ao auditório da BBC para debitar as verdades oficiais.

Com conselheiros da estirpe deste Ronny Tong não é, pois, de admirar o desastre que tem sido a governação de Hong Kong sob a batuta de Carrie Lam, e por que razão foi necessário Pequim aprovar a nova Lei de Segurança Nacional de Hong Kong.

Mas pior do que a confrangedora prestação do entrevistado é o estilo do seu discurso, que bebe da cartilha oficial, e o conteúdo da mensagem que se quer fazer passar.

Completamente enredado e atrapalhado pelo seu próprio discurso, acabou a entrevista estraçalhado. Vale a pena ver e ouvir.

Se Ronny Tong e a gente que representa tivessem a humildade de perceber que não estão a falar para tolos nem analfabetos, que a população de Hong Kong não vive numa remota montanha do interior sem acesso à Internet, à imprensa livre e a canais de televisão sem censura, tudo poderia ter sido diferente. Do processo de preparação e aprovação da lei ao seu conteúdo e às justificações que apresentam. 

Nem mesmo pagando a actores profissionais conseguiriam fazer um filme tão mau.

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morricone

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.07.20

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O mundo foi hoje surpreendido com o falecimento de Ennio Morricone, vítima de uma queda com uma idade (91 anos) em que devia ser proibido cair.

O aclamado compositor e maestro italiano, vencedor de dois Óscares (2007, pela carreira, e 2016, pela banda sonora de “The Hateful Eight”), foi autor de algumas das mais inesquecíveis melodias para o cinema, tendo trabalhado com inúmeros realizadores.

Primeiro com Sergio Leone, de quem foi colega de escola, a partir da década de 60 do século passado, nos chamados Western Spaghetti, depois com quase todos os grandes nomes da realização. Bertolluci, John Carpenter, Brian de Palma, Giuseppe Tornatore (no inesquecível “Malèna”), Barry Levinson ou Quentin Tarantino foram apenas alguns.

De “Por um punhado de dólares” a “Cinema Paraíso”, de “O bom, o mau e o feio”, a “Era uma vez na América”, de “Frantic” a “Os homens do presidente”, sem esquecer “Sacco & Vanzetti”, a “Missão” ou “Kill Bill”, foram mais de quinhentas composições e bandas sonoras para o cinema.

Estudou na Academia de Santa Cecília, em Roma, onde se diplomou em trompete. Reconhecido em todo o mundo pela excelência do seu trabalho, a banda irlandesa U2 dedicar-lhe-ia uma música (Magnificent).

Em Outubro de 2007 fez uma incursão pela política italiana, integrando a lista de Walter Veltroni. Participou nas primárias e acabou eleito para a então Assembleia Constituinte do Partido Democrático.

Parte o homem que, como alguém disse, não era apenas um compositor de música para filmes, mas um grande compositor.

Ficará a saudade, e  uma obra monumental que continuará a ser ouvida até ao fim dos tempos

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solidário

por Sérgio de Almeida Correia, em 03.07.20

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(foto daqui)

Enquanto por Macau há advogados que se manifestam compreensivos, para não dizer que apoiam, a nova Lei da Segurança Interna de Hong Kong, por lá os advogados, incluindo os que são tradicionalmente pró-Pequim, apontam as suas dúvidas e temores face ao que acabou de entrar em vigor.

Os receios manifestados pelos meus colegas de Hong Kong merecem ser conhecidos, quer para que lhes possa ser manifestada a nossa solidariedade, enquanto advogados e cidadãos preocupados com o Estado de Direito e as suas garantias, quer para que depois não se façam tristes figuras.

E já agora fica também aqui o link para dois trabalhos da Hong Kong Free Press: "Worse than the worst-case scenario" e "Explainer: 10 things to know about Hong Kong's National Security Law".

Statement of the Hong Kong Bar Association

"(...) Taken together, these and other provisions of the NSL operate to erode the high degree of autonomy guaranteed to the HKSAR under the Basic Law and the Sino-British Joint Declaration, and to undermine core pillars of the One Country Two Systems model including independent judicial power, the enjoyment of fundamental rights and liberties, and the vesting of legislative and executive power in local institutions. The Hong Kong Bar Association calls on the Chief Executive to reaffirm these foundational values of the HKSAR, and to commit her Government to applying the NSL in a manner that is fully consistent with the Basic Law and Hong Kong Bill of Rights."

National Security Legislation Further Observation

"According to the Explanation, among other things, the Chief Executive of the HKSAR (“CE”) will designate (指定) current or former judges or magistrates at any level to handle cases concerning national security. We express concern that such process of designation of judges would give the CE the power to oversee and interfere with the Judiciary. That (or the perception arising therefrom) prejudices judicial independence. Judicial independence is a cornerstone of our justice system within a common law jurisdiction, and cannot be compromised."

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lido

por Sérgio de Almeida Correia, em 01.07.20

"A pandemia acabou com qualquer ilusão europeia — e sobretudo alemã — sobre a China, que exercita sem máscara a sua crescente ambição mundial e que não hesita em impor a lei do mais forte em Hong Kong ou se entrega à repressão brutal e desumana da minoria uigur no Oeste do país. O silêncio deixou de ser opção. Merkel adiou sine die uma cimeira entre a União e a China, que chegou a ser um dos pontos altos previstos para a sua presidência. A última, há uma semana, correu bastante mal.

Mas, com um novo Presidente na Casa Branca, a proposta de Mike Pompeo aos europeus para uma estratégia comum destinada a conter os avanços da China nos mais diferentes domínios, passa a fazer todo o sentido." (Teresa de Sousa, Transformar a crise numa oportunidade, Público, 01/07/2020, p. 6)

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