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whistlebowers

por Sérgio de Almeida Correia, em 29.01.20

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Ultimamente são muitos os que têm saído em defesa do hacker Rui Pinto. De Ana Gomes a Miguel Sousa Tavares, de Pacheco Pereira a Manuel Carvalho, já sem falar nos seus advogados, em Portugal e no estrangeiro, que aliás mais não cumprem do que o seu papel, são muitas as vozes que querem elevar o estatuto do fulano a um herói, um quase semideus, à espera de ser condecorado pelo Presidente da República e venerado pelos portugueses.

Se há coisa em que os portugueses percam com facilidade o sentido do equilíbrio, das proporções e do bom senso é quando vêm a turba aos gritos e aos empurrões, altura em que tendem a alinhar com ela, esquecendo o básico.

Gostaria, no entanto, antes de avançar de fazer a minha declaração de interesses, e já agora de simpatias e antipatias, para que as pessoas possam analisar o assunto com a atenção que entendam dar-lhe.

E quanto a este ponto, em poucas linhas direi que desde que me conheço que combato no meu dia-a-dia, pessoal e profissional, a corrupção, o compadrio, o clientelismo, o tráfico de influências, e que desde sempre procurei denunciá-los, existindo algumas largas centenas de textos em que o fiz, independentemente dos riscos e do custo que isso iria ter. E algumas vezes teve. Disso não me queixo. Cumpri. Quero, apenas, acrescentar que não conheço o hacker Pinto de lado nenhum e que tenho estima, simpatia pessoal e até admiração e amizade por alguns dos que agora saíram em sua defesa.

Posto isto, quero deixar bem claro que, em primeiro lugar, a Constituição da República define Portugal como um Estado de direito democrático, subordinado à Constituição e que se funda na legalidade democrática, que o sigilo da correspondência, dos meios de comunicação privada e das telecomunicações é um direito fundamental, e que as autoridades públicas só podem interferir nesses meios se para tal estiverem autorizadas em matéria criminal, sendo “nulas todas as provas obtidas mediante (...) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Sublinho que estes são, até à data, os princípios que nos regem, os que vinculam o Estado, os órgãos de soberania, os seus titulares, e que foram por todos nós reconhecidos, democraticamente, com ou sem o apoio de cada um de nós enquanto indivíduos, como aqueles em que nos revemos e fundamos a nossa comunidade.

A compatibilização do que aqui temos — não sendo pertinente neste momento estar a aprofundar o mais que consta da legislação vigente, até porque este debate deve ser aberto, acessível e compreensível por todos em termos absolutamente inequívocos, e não restrito a juristas, meia dúzia de entendidos e políticos em geral — com a imperiosa, e desde sempre inadiável necessidade de combate à corrupção e crimes conexos e associados, é o que nos deve mobilizar, mas tal deverá acontecer em termos racionais, deixando de lado a emotividade, a hipocrisia e o populismo em que normalmente os nossos predestinados cavalgam.

Querer transformar quem, primeiro, entrou ilicitamente em redes de comunicações privadas, espiolhou, copiou e guardou o que muito bem entendeu para uso futuro; depois distribuiu como quis parte dessa informação, a coberto do anonimato, a qual entretanto serviu para denunciar e julgar em praça pública quem não se pôde defender; e a seguir aproveitou para tentar, está por apurar se directa ou indirectamente, obter dividendos financeiros dos actos ilegais que cometeu, não me parece que seja suficiente para lhe lavar a alma e transformar um vilão num impoluto campeão do combate à corrupção.

Não está em causa, importa frisá-lo, a gravidade dos factos apurados ou a importância dos documentos divulgados, nem as consequências da sua divulgação pública por parte de quem criteriosamente os investigou para apurar da sua veracidade e actualidade. Há muito que se suspeitava do que foi divulgado, há muito que muita gente desconfiava de tudo o que se veio a revelar através dos documentos, e não poucos foram os que alertaram o Estado português e seus responsáveis, de Cavaco Silva a Passos Coelho, De Durão Barroso a Paulo, de José Sócrates a António Costa da necessidade de não nos colocarmos de cócoras de cada vez que falávamos com a família dos Santos, respectiva prol e criadagem empresarial, política, militar ou civil, de cá ou de lá.

Também há muitos anos que muita gente assumiu a denúncia e o combate às sociedades offshore como prioritário, e há muito que esses instrumentos deviam ter sido banidos e sujeitos a pesadas sanções. Em Portugal não só não foram banidos como depois disso ainda se alinhou numa política de criação de vistos gold que se nalguns casos correspondeu a verdadeiro investimento, noutros só serviu para ajudar a lavar,  branquear, pagar comissões a quem nada fez e enganar compradores que pagaram preços exorbitantes por imóveis que valeriam um terço do que foi pago.

A propósito das offshore recordo-me, inclusivamente, de ter estado num debate, em Braga, num congresso do PS aí realizado, em que também participaram Ana Gomes, Filipe Brandão Rodrigues, Luís de Sousa, autarcas e muitos outros, em que foram feitas denúncias vigorosas contra as offshore e a inacção do próprio PS sobre essa matéria, tendo havido inclusivamente alguém que lá estava na assistência que desenvolveu explicações sobre o funcionamento em concreto de alguns esquemas em jurisdições offshore, perante o espanto de Ana Gomes, que uma vez mais se interrogou, sem que até hoje tenha havido qualquer mudança ou vaga de fundo para se acabar com essas entidades que servem para dar guarida à bandidagem nacional e internacional que usa colarinhos de todas as cores, formas e feitios, comendo à mesa de reis, presidentes e chefes de governo para parecerem sérios.  

Pelo meio, ao longo de décadas, tivemos em Portugal dezenas de processos em que em causa estava a realização de escuta telefónicas não autorizadas por ordem judicial. Do que me recordo, não houve um único em que, por exemplo, Miguel Sousa Tavares considerasse, e com razão, que se devesse dar crédito a essas escutas atenta a forma invasiva, arbitrária e ilegal como foram obtidas; fosse nos célebres casos em que o Presidente do FCP andou envolvido, nos da Casa Pia ou do ex-primeiro-ministro Sócrates.

Curiosamente, o que hoje se vê é que toda essa gente que se manifestou contra a utilização das escutas, de Pinto da Costa ou de Sócrates, algumas até mandadas destruir por um antigo presidente do STJ, sem que outros conhecessem o respectivo conteúdo e apenas porque embora recolhidas legalmente excederiam o objectivo da recolha, venha agora manifestar-se em defesa do hacker Rui Pinto, como se este não fosse efectivamente um criminoso.

É evidente que não deixa de o ser, sendo certo que isso não coloca em causa a importância do que, num segundo momento, e, em minha opinião, apenas para se safar e criar um ambiente favorável à sua pessoa junto da opinião pública e da comunicação social, divulgou junto de um consórcio de jornalistas independentes aparentemente, digo eu, sem exigir contrapartidas.

Idêntico procedimento não foi seguido com os documentos obtidos do Sport Lisboa e Benfica, que foram directamente parar ao Futebol Clube do Porto, certamente que aos olhos do hacker Pinto a entidade mais isenta, imparcial e idónea para proceder à sua divulgação aos bochechos, alimentando as noites televisivas de alguns canais e enchendo as páginas da imprensa que vive da escandaleira, da devassa e da intromissão na vida dos outros.

Pergunto, por isso mesmo, se a forma como o hacker Pinto acedeu aos conteúdos que divulgou é menos intrusiva do que as escutas telefónicas abusivas, e se estas devem ser consideradas mais ou menos abusivas em função do juízo que se venha a fazer da importância do conteúdo divulgado?

É por isso de grande hipocrisia querer desvalorizar a ilicitude dos actos de intromissão em redes e computadores privados, quaisquer que eles sejam, face às regras vigentes.

Convém não confundir a atitude de Rui Pinto, o hacker, com a de gente como Snowden ou Frederic Whitehurst, ou seja, com verdadeiros whistleblowers, lista da qual Pinto não faz parte, embora para si se esforce em agora reclamar tal estatuto.

Considero ser necessária a criação de um estatuto, que já devia existir, destinado à protecção dos verdadeiros denunciantes. Isto é, daqueles que o fazem no cumprimento de deveres de cidadania, e não dos que só se lembram da cidadania quando são apanhados a fazer exactamente aquilo que um cidadão sério, consciente e responsável não faria. Sim, porque ninguém vai entrar em redes privadas e em computadores de terceiros, devidamente seleccionados, seja de Estados, empresas ou particulares, incluindo magistrados e advogados, apenas porque está a navegar pela Internet, a ver a paisagem.

A questão coloca-se a meu ver de forma pertinente não em relação aos que procuram aceder, e acedem, à informação de forma absolutamente ilícita, entrando abusivamente em redes, devassando e muitas vezes destruindo informação, apropriando-se da que lhes convém, mas no que diz respeito a todos os que, designadamente em razão do seu desempenho profissional, acedem legitimamente à informação e sobre os quais é discutível se têm ou não um dever de denúncia, por um lado, ou de bufaria, melhor dizendo, e se o tendo, quando confrontados com a sua obrigação de confidencialidade e preservação do sigilo, o devem exercer e fazer prevalecer sobre as outras obrigações que sobre si recaiam.

A solução não é simples e coloca muitas vezes problemas que estão muito para além da mera denúncia, envolvendo juízos éticos e morais que não são fáceis. Acontece que, em regra, quanto a este tipo de profissionais importa saber até que ponto é que aquelas são compatíveis com as necessidades de combate ao crime e à corrupção. E quando estas devem prevalecer sobre aquelas. E em que momento.

Abreviando, direi tão só que estou de acordo com a criação do estatuto de denunciante, de maneira a que esta condição confira protecção efectiva a quem se coloca em risco para cumprir deveres de cidadania, levando-se em consideração que na outorga desse estatuto  deverá ser feita uma separação clara entre aqueles que abusiva e totalmente à margem da lei circulam, devassam e pirateiam redes de comunicações, muitas vezes apenas com o propósito de destruírem, de se divertirem ou de chantagearem, daqueles outros que licitamente ou por mero fortuito têm acesso à informação e por a considerarem de interesse público a entender divulgar e remeter às autoridades competentes.

Uma coisa é certa: não poderá haver dois pesos e duas medidas. E o que vier a ser decidido não deverá ter carácter retroactivo, independentemente de poder haver um regime mais leniente para aqueles casos em que quer a informação não fosse acessível por outra forma, quer à acção criminosa se tenham sucedido actos inequívocos de arrependimento — o que não parece ser o caso de quem se recusa a divulgar as passwords de acesso aos discos rígidos contendo informação que foi obtida ilegalmente sem obtenção de contrapartidas — que levassem à divulgação dos conteúdos imprescindíveis para a investigação dos factos pelas autoridades e à punição dos criminosos.

Quero, ainda, acrescentar que considero absolutamente humilhante e procedimento indigno do nosso sistema judicial que se passeiem e divulguem imagens de arguidos, como no caso do hacker Rui Pinto, algemados e exibidos nas televisões e jornais como troféus de caça. Se as polícias o fazem, os magistrados deviam ser os primeiros a impedi-lo, pois que por aí não nos distinguimos em nada das imagens que os canais de televisão chineses apresentam em relação aos que do outro lado do mundo aguardam que se faça justiça. 

Combata-se a corrupção, sim, de forma clara e transparente, mas sem hipocrisias, partidarites e clubites, e acima de tudo respeitando o Estado de direito.

Como ainda ontem escrevia no Público a procuradora Maria José Fernandes, “porque não rever princípios no âmbito da doutrina constitucional e na jurisprudência, sem o objectivo de abastardar valores do Estado de direito, que tanto custaram a consagrar, mas sim para introduzir modulações de equilíbrio nas novas realidades da vida social? Uma possibilidade, a consagração de exce[p]ções baseadas na proporcionalidade, adequação, hierarquia de valores, por forma a que a realização da Justiça acompanhe as profundas modificações valorativas da sociedade de hoje, resultantes da evolução tecnológica, económica e ambiental.”.  

Mudem-se as regras do jogo, não se mudem os princípios de acordo com as circunstâncias e as conveniências do momento.

Faça-se isso sem populismo e sem a habitual demagogia retórica destinada a manipular a turba ignorante, visando a punição de alguns criminosos caídos em desgraça para se satisfazer o desejo de vingança das massas e do voyeurismo televisivo, enquanto ao mesmo tempo se heroicizam outros para se desvalorizar a gravidade dos crimes por estes cometidos, e assim se lhes permitir que, saindo impunes, continuem a praticar outros.

Porque é isto o que está verdadeiramente em discussão. Saber se queremos bandidos-denunciantes ou cidadãos-denunciantes.

Protejam-se os cidadãos que denunciam, não os bandidos que disso procuram tirar partido. Pelo menos até que se chegue à conclusão de que os fins justificam os meios, coisa contra a qual houve quem se indignasse quando se tratou das escutas telefónicas de outros processos que acabaram em nada.

 

(publicado originalmente no Delito de Opinião)

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corona

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.01.20

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Houve tempo em que corona era nome associado a uma marca de cerveja mexicana. Ou a charutos. Nos dias de hoje é sinónimo de perigo, medo, epidemia, susto, por vezes também de morte. O coronavírus, nas suas diversas variantes, é o perigo que aí anda à solta. Mesmo que não se queira corre-se o risco de lhe dar boleia. E de o disseminar com a ajuda da globalização e da irresponsabilidade.

Nos últimos anos não há doença que não chegue a Macau e a Hong Kong transportada pelas dezenas de milhões vindos do continente chinês e que anualmente visitam estes territórios. Os anos de socialismo puro e duro só trouxeram miséria e foi preciso esperar pelo processo de reformas e abertura de Deng Xiao Ping para que alguma coisa melhorasse e se corrigissem erros crassos em que o regime laborava e se recusava a reconhecer.

No entanto, a mentalidade manteve-se, e se há coisa que o regime, com ou sem abertura, não conseguiu incutir na população foram hábitos saudáveis de higiene. Em Macau, o problema também existe, mas com menor dimensão.

O Presidente Xi já tinha chamado a atenção para a necessidade de ser melhorada a higiene global do país, começando, evidentemente, pelas casas de banho. De cada vez que surge uma epidemia percebe-se imediatamente que o problema está nos baixos padrões de higiene e saúde pública e nos maus hábitos da população. A tradição, neste caso a porcaria, continua a ter muita força, e a ser exportada. A melhoria dos níveis económicos e a criação de riqueza trouxeram novos hábitos de consumo; não trouxeram educação e higiene.

E depois há um sempre presente problema de secretismo, de excesso de burocracia, e uma cultura permanente de medo, de negação da verdade e da realidade, também de irresponsabilidade e de falta de transparência. Como isso começa logo nas declarações oficiais dos principais responsáveis, depois vem por aí abaixo até chegar aos centros de saúde e hospitais que estão longe das grandes metrópoles.

Parece que, finalmente, em Macau, há alguém que mande na Saúde e no Turismo.

Depois da surrealista conferência de imprensa de imprensa de ontem dos SSM, onde o ponto alto e mais sensato foi a intervenção daquele especialista que lembrou que o problema não era de máscaras mas de limpeza, e em que se chegou ao ponto de afirmar que só os residentes teriam direito a máscaras (como se os não-residentes não fossem gente como todos os outros), em mais uma decisão ao arrepio da letra e do espírito da Lei Básica, discriminando onde não pode haver discriminação e fazendo-o de forma tão imbecil que se iria permitir aos não-residentes eventualmente infectados que continuassem a transmitir alegremente os vírus que transportassem, que adoecessem e causassem problemas a todos, vieram hoje dar o dito por não dito. Ainda bem que alguém deu a tempo por mais essa asneira, porque um erro desses nem sequer podia ter existido.

A interrupção de voos e de ligações devia ter sido, desde logo, prevista, bem como a suspensão de eventos festivos e outras manifestações susceptíveis de provocarem a concentração de multidões, pelo que é de saudar a decisão do Governo da RAEM. Os residentes de Macau andam há anos a pagar o preço da irresponsabilidade pelo que é bom saber que o Chefe do Executivo e a nova Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura tiveram o bom senso de se imporem, evitando que os SSM e a DST continuassem a disparatar. Se não se pode fechar as fronteiras com a Pátria, ao menos que se impeça os patriotas de espalharem o vírus.

E depois de passada a crise e da entrada novo Ano Lunar, talvez seja tempo de se aproveitar o calendário do zodíaco chinês para se começar a tratar dos ratos que por cá correm. Alguns já perceberam que está na hora de debandar, mas para os mais obesos, com dificuldade em mexerem-se, o melhor mesmo é dar-lhes umas pauladas no lombo, em sentido figurado, claro, para ver se a RAEM os consegue apanhar e metê-los numa bacia com água e sabão, para os esfregar bem e vaciná-los antes de começarem uma dieta de sólidos.

E, finalmente, quanto à meta dos 40 milhões de turistas/ano que a DST tão ardentemente anseia atingir, só se pode dizer uma coisa: tenham juízo. Curem-se.

Entretanto, Bom Ano do Rato para todos vós. E protejam-se.

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turbotrash

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.01.20
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(Macau Daily Times)

Confesso que de alguns ditos "empresários" locais espero cada vez menos quando se trata de ter um mínimo de bom senso, sentido de justiça social e sensibilidade política, três ingredientes essenciais para que a vida de uma comunidade possa fluir sem grandes sobressaltos e maiores injustiças e baixezas do que aquelas que não podemos evitar.

Todavia, também sou obrigado a confessar que sempre pensei que pelo menos a educação, a experiência e a herança familiar, já de que da riqueza se viu não dar nenhum daqueles atributos onde falte a massa cinzenta, fossem capazes, um pouco no velho espírito de Durkheim, de fazer nascer sentimentos de solidariedade social e amor ao próximo.

O caso da TurboJet, um empresa privada que é o resultado, tanto quanto sei, de uma sociedade entre a Shun Tak Holdings Limited e a China Travel International Investments Hong Kong são mais um caso empresarial perdido.

A decisão, inqualificável, diga-se de passagem, de ver milionários, que fizeram fortuna em situações de monopólio e oligopólio, graças à proximidade ao poder político, colonial e pós-colonial, e às redes de influências criadas e em que sempre participaram, a reduzirem salários, já de si muito baixos e de gente que não tem qualquer poder reivindicativo, que trabalha nas piores condições, faça chuva ou faça sol, com calor, humidade e por vezes frio, é na minha modesta maneira de ver um sinal de terrível baixeza empresarial e humana. É o juízo que faço.

Quando uma empresa propriedade de milionários, operando praticamente em situação de exclusivo, considera razoável baixar unilateralmente, em 8%, os salários de pessoas que ganham entre 10 mil e 30 mil patacas, numa terra onde uma refeição medíocre numa tasca da Taipa, para duas pessoas, pode sem esforço custar mais de MOP 1.000,00 (mil patacas), é também sinal de que se está de cabeça perdida e o decoro foi-se.

Dez mil patacas, por exemplo, que representam aquilo que Chan Chak Mo, um outro empresário e deputado de referência destes tempos de insânia que atravessamos, diz, naquele estilo muito peculiar de carroceiro rico, poder gastar numa refeição para justificar a desnecessidade da fixação de um salário mínimo para o pessoal doméstico. Sim, porque cada um tem as suas prioridades e há sempre alguns que podem ser tratados como gado enquanto nos forem prestando os serviços mínimos.

A qualidade do serviço da TurboJet tem vindo a cair diariamente. Os seus barcos, até por comparação com os da Cotai Water Jet, deviam ser carinhosamente designados por "Turbotrash", fazendo jus às nuvens de ar poluente que desencadeiam e ao aspecto deprimente, kitsch, dos seus interiores, com níveis de higiene deploráveis em cidades e sociedade civilizadas, que estão normalmente imundos, com restos de comida nos assentos velhos e puídos, onde as casas de banho são miseráveis, cheiram mal, o pessoal pouco atencioso. Tudo é desconfortável ao tacto, desagradável aos olhos e ao olfacto, de um tremendo mau gosto, incluindo na dita Super Class, com uma luz horrível para ler ou passar pelas brasas, uma temperatura interior desequilibrada, e acima de tudo caro para o serviço prestado. Enfim, com padrões dignos do terceiro mundo.

Para além disso, são hoje raras as vezes em que as embarcações andam a horas, sendo as pessoas tratadas não como gente, mas como ovelhas que se transportam e enxotam de um lado para o outro. 

Depois da lamentável deslocação a Genebra para fazer o frete ao Governo de Carrie Lam e aos seus interesses egoístas, no que só desajudou à situação de Hong Kong, talvez fosse tempo, no actual cenário e depois do anúncio feito em relação aos cortes salariais na TurboJet, de em Macau o Chefe do Executivo mandar uma pequena mensagem à Administração da empresa, atentos os serviços que ainda presta.

Numa altura em que a crise social aperta, em que há trabalhadores do jogo na rua a clamarem por melhorias nas suas condições de vida, exigindo o básico em termos de direitos laborais e sociais, e em que do outro lado do rio o próprio Governo de HK lança um pacote de milhares de milhões para fazer face aos crescentes desníveis e  às dificuldades sociais de toda a ordem, a TurboJet estava a precisar de começar a ser tratada pelo Governo da RAEM pela mesma bitola com que trata os seus passageiros, clientes e trabalhadores. Para se ir adaptando aos novos tempos.

A começar pelos que virão a ser os das futuras concessões do jogo. E isto, digo eu, só se a senhora que manda na coisa estiver ainda a pensar continuar a participar no festim. De outro modo não precisa de se incomodar. Haverá certamente quem de entre os futuros concessionários esteja disponível para ocupar o lugar da TurboJet no transporte de passageiros por via marítima, prestando mais e melhores serviços. 

Podia ser que se assim fosse a senhora aprendesse alguma coisa, e que a qualidade do serviço, e em especial da gestão, melhorasse. Entrasse nos eixos. Em termos sociais, é claro, pois é a isto que me refiro e que me preocupa.

Porque até agora, pelo que se vê, a senhora não conseguiu aprender nada com o velho Stanley. Mandasse ele e o filme hoje seria outro. Nem todos podem ser visionários.

Entretanto, pode ser que Pequim e o Dr. Ho Iat Seng leiam jornais, que estejam atentos ao que se está a passar, bem como aos péssimos sinais que estão a ser transmitidos para a sociedade de Macau por quem tinha a obrigação de fazer muito mais pelos que contribuem para aumentar a sua fortuna.

É muito feio maltratar quem está por baixo. Mais a mais fazendo-os pagar pela nossa má gestão e incompetência em saber criar riqueza, prestando ao mesmo tempo serviços de qualidade a preços razoáveis. E em distribuir aquela que se acumulou com justiça e sentido social em situações de mercado competitivo e aberto. Com ou sem crise.

Uma fortuna não serve só para alimentar as colunas do jetset. Também serve para ajudar a fazer face às dificuldades empresariais passageiras, e apoiar os outros, os que precisam quando precisam. Para gente decente e civilizada o dinheiro não é só para o vison e para o champagne.

O Dr. Ho Iat Seng devia dizer isto claramente à senhora. Com bons modos. Com aquele sorriso com que se predispunha a participar na inauguração dos escritórios que ele desejava que os assessores da AL, que a Mesa despediu ao fim de uma vida de bons serviços a Macau, abrissem.

Se o Chefe do Executivo não o fizer, pode ser que um dos senhores do Gabinete de Ligação o faça por ele. Sem querer.

 

[ (...) The case of TurboJet, a private company that is, as far as I know, the result of a partnership between Shun Tak Holdings Limited and China Travel International Investments Hong Kong is another lost business case.

The unqualified decision to see millionaires, who made their fortunes in monopoly and oligopoly situations, thanks to their proximity to political, colonial and postcolonial power, and to the networks of influences created and in which they always participated, to reduce wages, already very low, of people who have no bargaining power, who work in the worst conditions, rain or shine, in hot, humid and sometimes cold weather, is in my modest opinion a sign of terrible business wisdomand human baseness. This is the judgment I make.

When a company owned by millionaires operating almost monopolistically considers it reasonable to unilaterally reduce by 8% the salaries of people earning between 10,000 and 30,000 Patacas on a land where a mediocre meal in a Taipa tavern to two people, can effortlessly cost more than MOP 1,000.00 (one thousand Patacas), it is also a sign that one's head is lost and decorum is gone.

Ten thousand Patacas, for example, represents what Chan Chak Mo – another businessman and leading deputy from these times of insanity we have been through – says, in that very peculiar style of rich carter, to be able to spend on a meal in order to justify the need to fix a minimum wage for domestic staff. Yes, because each one has their own priorities and there are always some that can be treated like cattle while providing us with the minimum services.

TurboJet's quality of service has been falling daily. Their vessels, even compared to those on the Cotai Water Jet, should be affectionately called "Turbotrash", living up to the polluting air clouds that they trigger and the depressing, kitschiness of their interiors, with deplorable hygiene levels for cities and developed societies, being usually filthy, with leftover food in the old, worn-out seats where the bathrooms are miserable, stinky, and its staff uncaring. Everything is uncomfortable to the touch, unpleasant to the eye and smell, of tremendous bad taste, including in the so-called Super Class, with horrible reading lights or pass through the embers, an unbalanced interior temperature, and above all expensive for the service rendered. Anyway, its standards are worthy of third world countries.

Moreover, it is rare for vessels to be on time, and people are treated, not as people, but as sheep who move and chase.

After the unfortunate trip to Geneva to haul the Carrie Lam Government and its selfish interests, which only helped to make Hong Kong's situation worst, perhaps it was time, in the present scenario and after the announcement of the TurboJet pay cuts in Macao, to the Macau Chief Executive to send a short message to the company's Administration, mindful of the services the Company still provides.

At a time when the social crisis is tightening, when casino gambling workers are coming to the streets calling for improvements in their living conditions, demanding the basic in terms of labor and social rights, and on the other side of the river HK launches a billions package to deal with growing gaps and social difficulties of all kinds, TurboJet was in need of starting to be treated by the MSAR Government with the same gauge it considers its passengers, customers and workers. So that it adapts to the new times.

Starting with what will become the future game concessions. And this, I say, only if the lady who runs that thing is still thinking about continuing to participate in the feast. Otherwise, you don't need to worry. There will certainly be a number of future casino concessionaires available to take TurboJet's place in the carriage of passengers by sea, providing more and better services.

It could be that if it happens, she would learn something and that the quality of the service, and especially the management, would improve. Observe the parameters. In social terms, of course, that is what I refer to and what concerns me.

Because so far, you see, she hasn’t learned anything from old Stanley. were him to be in charge and the movie would be another one today. Not everyone can be a visionary.

In the meantime, it may be that Beijing and Dr. Ho Iat Seng read newspapers and are aware of what is going on in town, as well as of the bad signals being transmitted to the society of Macao by those who ought to do much more for those who contribute so much to increase their fortunes.

It is very ugly to mistreat those who below ourselves. Even more by making them pay for our mismanagement and incompetence in creating wealth while providing quality services at reasonable prices. And in distributing what has been accumulated with justice and social sense in a competitive and open market situation. With or without crisis.

A fortune is not just for feeding the jetset columns. It also serves to help dealing with fleeting business difficulties, and to support others in need when they need it. For decent and civilized people money is not just for mink and champagne.

Dr. Ho Iat Seng should say this clearly to the lady. With good manners. With that same smile with which he was predisposed to attend the opening of the offices he wished the Legislative Assembly advisors – who were fired at the end of a lifetime of good service to Macao – would open.

If the Chief Executive does not do so, it may be that one of the Liaison Office lords does it for him. Unintentionally, of course.]

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perspectivas

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.01.20

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(Philip FONG / AFP)

Os tempos que aí vêm vão ser muito difíceis. Dentro e fora da China.

Para quem vive neste canto tranquilo, “super-vigiado”, controlado e policiado, e cada vez mais poluído do império do Meio, os acontecimentos dos últimos meses e dias não nos podem ser indiferentes. Seria bom, por isso mesmo, que todos estivessem conscientes das dificuldades que vamos enfrentar.

Estamos a assistir aos primeiros resultados a que conduziu a reforma constitucional de 2018, saída do XIX Congresso do PCC. Como muitos se recordarão, em Outubro de 2017 foi aprovada a linha de rumo a seguir nos anos seguintes, tal como desejado pelo Presidente Xi Jinping e a elite dirigente.

Os últimos anos reforçaram o poder do Presidente, tornando-o num dos magníficos cuja doutrina mereceu assento constitucional e implicou, a coberto de uma pretensa vontade de acertar o período de exercício dos mandatos do Presidente da República e do Secretário-Geral do PCC, a eliminação da proibição do exercício de mais do que dois mandatos consecutivos no cargo de Presidente da República.

Como não existia limitação de mandatos para o Secretário-Geral do partido, em vez de se manterem as coisas como estavam, ou então de também se limitarem os mandatos do Secretário-Geral, alinhando-os com o de todos os restantes dirigentes dos principais órgãos de Estado, cujos termos continuam a ter acolhimento constitucional, optou-se por satisfazer a vontade do Presidente dando-lhe carta branca.

Sabemos que o combate à corrupção recebeu um forte impulso interno e o controlo da fuga e branqueamento de capitais reforçou-se, o que também contribuiu para o início de uma limpeza do aparelho central, regional e local que, todavia, ainda necessita de continuar e de se aprofundar a todos os níveis para que se acabem de vez com os maus hábitos do laissez faire anterior.

A personalidade forte e o carisma do Presidente Xi, que é ao mesmo tempo cultivada com uma aura simpática e bonacheirona, tem-lhe granjeado crédito e prestígio interno e externo. No entanto, se nesta última vertente isso é por demais compreensível, atento o estatuto que a RPC aspira vir a desempenhar na cena internacional, é na frente interna que se avizinham as maiores dificuldades da liderança chinesa. E não serão os inflamados, e cada vez mais distanciados da realidade, editoriais e artigos do China Daily, da Xinhua ou do Global Times que irão transformar más decisões em boas políticas.

Na verdade, toda a gente já percebeu, incluindo os mais fiéis, acríticos e submissos, que o desastre (não há que ter medo das palavras e continuar a escamotear a realidade) do princípio “um país, dois sistemas”, em Hong Kong, foi o resultado da intransigência e da falta de visão estratégica e política dos responsáveis pelos assuntos da Região vizinha, aliada a uma ostensiva incapacidade de obter conselho junto de gente informada, com capacidade, lealdade, espírito crítico e conhecimento da realidade social; preferindo-se antes ouvir a desde sempre desinteressada, egoísta e oportunista oligarquia política-empresarial local, que se curva hoje a Pequim da mesma forma como antes dobrava a espinha perante a potência colonial, procurando aproveitar o melhor dos dois mundos para se safar e aos seus. Nada de novo.

A entrega a essa visão mesquinha, comprometida com os seus próprios botões e com as corporações familiares e empresariais, só podia dar mau resultado, tanto mais que os seus enviados, tanto para Hong Kong como para Macau, isto é, os representantes oficiais, foram rapidamente capturados por essas elites locais, tornando-se seus íntimos e começando a beneficiar e a gozar os luxos do segundo sistema, não curando devidamente dos interesses de Pequim e das regiões que, de acordo com a velha tese de Deng, seriam também os interesses do PCC e das suas populações.

Os resultados que começam a chegar não podiam ser mais desanimadores: falta de estabilidade ao nível dos representantes oficiais locais em Hong Kong e Macau, maus resultados eleitorais sucessivos nas duas regiões, caos económico e social em Hong Kong, contestação elevada e sempre na rua, embora mais contida em Macau (veja-se o que se passa com os trabalhadores dos casinos, por exemplo), situações agora agravadas com os resultados eleitorais de Taiwan que deixaram de rastos o partido do Kuomintang, reelegendo à primeira volta e sem apelo nem agravo a Presidente Tsai Ing-we do Partido Progressivo Democrático, cujas ideais se encontra nos antípodas de Pequim.

É claro que a reacção da Agência Xinhua, fruto do seu impenitente seguidismo e teimosia, que a leva a ver uma realidade paralela e em perfeito delírio, vindo afirmar a existência de fraude eleitoral, que só ela viu, e que toda a gente logo se percebeu não ser verdade quando se ouviu o discurso do líder derrotado do partido do Kuomintang, e o seu reconhecimento da justeza da derrota sofrida ao apresentar um pedido de desculpa aos seus eleitores, indiciam o mau serviço que alguns órgãos oficiais e oficiosos continuam a prestar ao País e à sua liderança.

Naturalmente que na próxima reunião de Março da Terceira Sessão Anual da Assembleia Popular Nacional, que terá lugar em Pequim a partir do dia 5, muita coisa vai estar em discussão, a menor das quais será a análise da situação económica, da evolução verificada e as perspectivas de futuro. A maior será o acerto de contas dos últimos dois anos e meio.

A conclusão da primeira fase de negociações com os Estados Unidos da América e a assinatura de um novo acordo que abra caminho à melhoria das relações comerciais entre os dois países, libertando alguma tensão acumulada, pode contribuir para uma distensão do ambiente pesado que se vive.

Porém, como ainda esta manhã se viu pela crónica de Alex Lo, no South China Morning Post*, até os mais nacionalistas e patriotas que mantêm algum discernimento e espírito crítico, não se deixando engolir pela retórica oficial, já perceberam que o Partido vai te de pedir responsabilidades à actual liderança pelos resultados insuficientes a que tem chegado.

O sonho da unificação com Taiwan está agora cada vez mais distante; não se adivinham avanços na direcção correcta em Hong Kong, quer pela reafirmação de confiança no actual Governo, que perdeu o controlo da situação, quer pela nomeação de Luo Huining para o Gabinete de Ligação do Governo Popular Central em Hong Kong, um político tecnocrático sem qualquer conhecimento e experiência da realidade do segundo sistema e da forma de actuar que se exige neste para se garantir um módico de legitimidade que permita a realização das tarefas que se impõem, o que não augura grandes auspícios.

Como ainda há relativamente pouco tempo era sublinhado, “the Rule of Law has not been realized, despite the considerable progress made in building a legal system in China in the post-Mao era. In particular, it seems that the Chinese legal system is not moving towards a system in which top Party leaders who violate the law would be equally treated by the law and before the courts as others, and dissidents and others targeted by the regime would be accorded the same fair trials and due process that are accorded to others. It is probably true that China is making progress in extending some form of governance by law and adjudication in accordance with law in some domains of social and economic life. But insofar as the Party reserves the right to intervene selectively in any “politically sensitive” matter or case relating to the Party’s important interests and in which the Party leadership considers it necessary, expedient or desirable to intervene, the system cannot be regarded or described as “Rule of Law”, because Rule of Law is the antithesis of arbitrary power” (Chen, Albert, 2018). Este é um ponto crucial que continua a merecer atenção e que tem vindo a ser descurado, pelo que seria bom que, por exemplo, em relação a Macau fossem enviados alguns “recados” consistentes para alguns dos que agora tomaram posse.

Ninguém espera por aqui uma “caça às bruxas” embora seja evidente que há situações que precisam de ser devidamente esclarecidas. E se for necessário mandar mais alguém fazer companhia a alguns condenados, respeitando escrupulosamente o império da lei, a independência e autonomia dos tribunais, não fazendo interpretações manhosas e abusivas, e fazendo prova com factos cristalinos, então que se mande.   

A população de Macau precisa de reconquistar a confiança nos seus dirigentes. Para que não aconteça o que se está a passar em Hong Kong. De qualquer modo, vamos aguardar para ver o resultado das mexidas que se começaram a verificar.

A nomeação de André Cheong para a Secretaria da Administração e Justiça e como porta-voz do Conselho Executivo, bem como as indicações para as novas pastas da Economia e dos Assuntos Sociais e Cultura poderão vir a revelar-se boas apostas a partir do momento em que dominem os respectivas assuntos.

Há aqui, claramente, um reforço do pragmatismo e a compreensão da necessidade de se realizarem reformas urgentes, controlando o despesismo, a corrupção que continua latente e a medrar na sombra, dando maior transparência e vigor à acção governativa.

A manutenção dos actuais Secretários para a Segurança e Obras Públicas vejo-a como um compromisso com Pequim, mas que ninguém se iluda porque também vão ser pedidas responsabilidades a breve trecho.

Por isso mesmo, é a meu ver totalmente contraditória com esta postura de introdução de mais rigor a nomeação do agora caído em desgraça Alexis Tam, admoestado em público em termos a que não estávamos habituados, para a sinecura de Lisboa e Bruxelas, onde continuará a decidir da aplicação de verbas do erário que acabou há semanas de ser acusado de não saber gerir.

Como incompreensível é a criação de um gabinete para colocar a ex-Secretária Sónia Chan. Quanto a esta decisão continuo a pensar, volvidos todos estes anos, que a fiscalização das contas públicas devia ser feita por um órgão totalmente independente, isto é, entregue a um verdadeiro tribunal, a um verdadeiro tribunal de contas, composto por magistrados e que pudessem fiscalizar com autonomia, informação atempada, transparência e competência a acção do Chefe do Executivo e dos serviços que dirige, já que a AL se tem mostrado incapaz de fazê-lo, em parte também devido à passiva acção do anterior presidente e actual Chefe do Executivo enquanto conduziu os seus trabalhos, e à fraca qualidade geral e impreparação da maioria dos parlamentares.

Convém, finalmente, ter presente o momento delicado e a efervescência que se começa a verificar no sector do jogo, face à indefinição actual. Muitas das apostas feitas por alguns, em termos pessoais, não irão dar os frutos esperados. As apostas em homens, e não em princípios e valores, sempre deram mau resultado. Os bons resultados, quando surgem, são meramente conjunturais, e só se reflectem nos bolsos dos mamões habituais. Basta olhar para o desperdício das terras concessionadas ao longo destas décadas, e para o que serviram e a quem beneficiaram, e o desastre a que se chegou em termos sociais, urbanos e ambientais. 

É por isso de esperar que os novos cadernos de encargos se afigurem mais pesados e rigorosos, e com muito menos poder para as concessionárias, obrigadas como serão a abrir mão de alguns dos seus privilégios para ajudarem à dinamização e diversificação da economia local, contribuindo para a criação de novas oportunidades no sector dos serviços e dos transportes, ajudando a dinamizar a iniciativa empresarial local, quem sabe, e talvez seja isso o desejável, associada a empresas do continente e de outras partes do mundo que transfiram efectivo know-how para Macau, com estruturas tecnologicamente avançadas e bem geridas, o que também implicará uma nova filosofia na contratação da mão-de-obra externa qualificada. Para todas as tarefas. Das mais humildes às mais exigentes.

As concessionárias não podem ser responsabilizadas pela má gestão pública, nem por não terem dado um contributo mais duradouro à RAEM – nenhuma comunidade sobrevive à custa de elefantes brancos. Tivessem-lhes sido dadas as indicações devidas e o resultado teria sido outro. A iniciativa a esse nível tem de partir do Governo. O Governo tem de ter gente e ideias com cabeça, tronco e membros. Chega de artolas.

De igual modo, Macau não pode ficar eternamente prisioneira de uma política de contratação de mão-de-obra que apenas serve os interesses de alguns empresários e de uma meia-dúzia de agências de emprego, que com outro Governo já teriam sido encerradas por manifestamente nefastas ao interesse público, sendo prejudiciais quer a empregadores quer, ainda mais, aos trabalhadores.

Em todo o caso, estas serão contas para outro lençol, pelo que me restará desejar, desde já, votos de bom trabalho ao novo Chefe do Executivo e à sua equipa.

Macau precisa como de pão para a boca de uma boa governança. Espero que o novo CE aproveite o momento e apresente um programa suficientemente sério para conquistar a confiança dos cidadãos.

As ideias do seu antecessor, e a incapacidade de gestão que penosamente se arrastou até final do mandato, só trouxeram atrasos, incómodos, despesa e má gestão, como foi aliás reconhecido na entrevista que o Chefe do Executivo recentemente deu.

Não fosse, como alguém dizia, o investimento feito pelos concessionários do jogo e seríamos hoje um subúrbio de Zhuhai e Shenzhen, tão grande foi a falta de vistas e a má gestão dos dinheiros públicos na última década.

É tempo de arrepiar caminho e de se construir rapidamente algo decente para as gerações futuras.

Algo que não envergonhe o futuro e não desmereça a confiança depositada e reforçada nos residentes por ocasião da última visita do Presidente Xi Jinping. Tirando, finalmente, partido do contributo que ao longo destes anos foi realizado por algumas das concessionárias do jogo para transportarem a RAEM para um outro patamar. Seria uma pena que tivesse sido em vão e que todo esse trabalho se voltasse a perder por falta de adequada planificação, provincianismo e incapacidade da Administração Pública, enredada nas suas burocracias, em realizar o básico.

A começar pela limpeza da cidade e pela purificação do seu ar e das suas águas. Para que todos nos sintamos melhor na nossa pele.   

 

* “(...) Beijing must readjust its cross-strait-policies”; “Beijing old game of playing nice with the KMT and rough with Tsai’s Democratic Progressive party no longer works. In fact, it has become counterproductive”; “Beijing must learn to work with both parties, no matter which one is in power”; “Beijing should stop thinking about Taiwan in terms of Hong Kong and vice versa”; “After 2047 when the guarantee of 50 years of no change ends, China can do whatever it likes in the city. In other words, Beijing can make all the mistakes possible and still gets to keep Hong Kong, even if the city is reduced to wasteland”; “One country, two systems is dead as political option for the island voters”; “the diplomatic isolation of Taiwan is a pyrrhic victory for Beijing (…)”(SCMP, 13//01/2019, 2)  

(texto editado para correcção de gralhas)    

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charme

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.01.20

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"Macau mostra charme de hospitalidade para turistas mundiais", escreve a Xinhua.

Eu não sei muito bem o que será "charme de hospitalidade", mas certamente que essa magnífica frase merecerá a concordância do Instituto para os Assuntos Municipais e da Direcção dos Serviços de Turismo.

O que eu desconheço é se a gente da Xinhua que escreve frases como aquela frequentará a Rua de Londres. Porém, ainda que frequente,  desconfio que o novo Chefe do Executivo, em especial com a agenda que traz, não estará de acordo com a existência deste estendal, que se repete em vários locais do NAPE.

A porcaria que diariamente por ali se vê, e para a qual por diversas vezes já chamei a atenção, paredes-meias com as caixinhas destinadas a apanhar os roedores há muito instalados na zona, além de esteticamente deprimente e desconfortável para qualquer transeunte, só confirma a necessidade de mudanças urgentes. De alto a baixo. Nas ruas e nos serviços públicos e concessionados.

Uma cidade que se quer Centro Mundial de Turismo e Lazer não pode permitir esta nojeira pública, nem contentores de recolha de resíduos sempre abertos e que nunca são lavados, como o existente em frente ao Centro Unesco, pelo que faço votos de que Ho Iat Seng, entre as suas visitas aos serviços públicos, arranje tempo para dar uma volta pela cidade.

Até poderá ser durante as suas horas de lazer. E, se quiser,  poderei acompanhá-lo nesse passeio lúdico para lhe mostrar o "charme" e os "cheiros" das nossas ruas pelos olhos de um residente.

(fotografias tiradas esta tarde pelas 14:30) 

 

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evocação

por Sérgio de Almeida Correia, em 03.01.20

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Natural do Cercal (Alentejo), passou uma boa parte da vida fora do seu país.

Licenciado e Mestre em Sociologia pela Universidade de Paris III (Sorbonne-Nouvelle), com diploma de Estudos Aprofundados da Universidade de Paris VIII, doutorou-se em 1988 com uma tese que tinha por título "I república portuguesa: questão eleitoral e deslegitimação". Leccionou em Portugal e no estrangeiro e foi um dos fundadores da Associação Portuguesa de Ciência Política.

No início deste século, foi ele quem me introduziu nas questões do clientelismo e do caciquismo, mas creio que os seus trabalhos sobre os partidos políticos são o melhor que nos lega. Deu-me a conhecer Panebianco, ajudou-me a melhor compreender Michels, Ostrogorsky, Pareto, Mosca e tantos outros.

Mais tarde viria a ser meu orientador durante o mestrado, tendo-me chegado a propor, com o vasto material que eu na altura possuía, que prosseguisse logo para o doutoramento, o que por razões profissionais e económicas não pude fazer.

Aqui há uns anos, já reformado, estando eu então a fazer o prometido doutoramento, ainda tive o privilégio de o reencontrar, de participar e de o ver conduzir um pequeno seminário na Universidade Nova de Lisboa. De novo sobre os partidos políticos.

Na minha memória, para além das aulas que me deu e de tudo aquilo que me ensinou e deu a ler, ficam as manhãs passadas à mesa da Frolic, no Estoril, quando eu ia do Algarve para com ele me encontrar, aos sábados de manhã, e entre dois cafés me lia as notas que tinha deixado à margem dos meus textos e discutíamos as questões relacionadas com as elites e a minha dissertação. Não me esquecerei do seu sorriso e do abraço que me deu quando os Professores Costa Pinto e Tavares de Almeida anunciaram o resultado da sua paciência.

E também da satisfação que lhe deu a orientação do meu trabalho nessa fase inicial, bem como os resultados que entretanto obtive, mas já não irei a tempo de lhe dizer que também hoje dou aulas numa universidade, do outro lado do mundo, fazendo uso e transmitindo aos outros, o melhor que posso e sei, o que com toda a bondade deste mundo me ensinou.

Soube esta manhã da sua partida por uma curta e sentida nota do Prof. André Freire, também este seu discípulo e colega, a quem daqui envio um abraço solidário, extensivo aos seus familiares, colegas e amigos.

Se 2019 terminou triste, 2020 não podia começar pior. Mas espero que ao Professor Fernando Farelo Lopes, lá por onde agora andará, não lhe faltem os livros, nem o sorriso de sempre, nem a disposição para continuar a ver o que por cá vamos fazendo. Pelo meu lado, grato como sempre estou aos meus mestres, continuarei a divulgar a sua obra, onde quer que esteja.

E que descanse em paz.

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