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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Uma pequena crónica de Dinis de Abreu chamou a minha atenção. O título é “O descalabro da Global Media” (JTM, 31/07/2019).
Para quem não sabe, convém dizer que a Global Media se anuncia como “um dos maiores grupos de Media em Portugal, marcando presença nos se[c]tores da Imprensa, Rádio e Internet”, contando no seu universo com “marcas de referência como a TSF, marcas centenárias como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias”, entre outras de menor projecção e história. É também accionista da LUSA, “maior agência de notícias de língua portuguesa”, onde detém uma participação de 23,36%, de que é accionista maioritário o Estado português.
E que nos relata o experiente e reputado cronista? Em resumo, que o património do DN foi entregue à “gula imobiliária, perante a indiferença do Município [Lisboa] e do Governo”, que a sede do JN seguiu a “mesma lógica de vender os anéis para salvar os dedos”, que o Grupo tem vindo a ser paulatinamente destruído, entrou em colapso e tem o futuro comprometido.
Admito que haja quem tenha ficado espantado com o que aconteceu. Eu não.
Vejamos resumidamente os factos.
Em Novembro de 2016 foi anunciada a entrada da KNJ (Investment) Limited, liderada pelo empresário Kevin King Lun Ho, na Global Media, através de um investimento de 17,5 milhões de euros. A KNJ fora constituída em 2012 tinha como objecto social o “investimento imobiliário”, acrescentando depois o investimento “médico e saúde”, bem como “a restauração”, esta vista como “comes e bebes”, e não recuperação de antiguidades e velharias ou restauração de imóveis.
Quando li a notícia confesso que não percebi o que iria uma empresa com tal objecto fazer para um grupo de comunicação social. O programa anunciado parecia-me coisa a atirar para o megalómano, mas o apelido Ho, o facto do empresário ser sobrinho do primeiro Chefe do Executivo e director do Banco Tai Fung ainda deixava a hipótese de haver mais do que castelos no ar.
Já antes de isso, em Outubro de 2016, o próprio Kevin Ho dissera que “o conteúdo dos media do grupo não sofrerá alterações e não haverá despedimentos”, o que bem se compreendia porque em 2014 uma reestruturação da Global Media levara ao despedimento colectivo de 134 pessoas. A Global Media preparava-se para voltar aos “seus tempos de glória”, tendo para isso um plano a dez anos. Ora bem.
Oito meses depois da assinatura do memorando, o Clube Português de Imprensa escrevia que o dinheiro de Macau estava “em falta na Global Media”. Assim, sem mais, de chofre.
Um ano volvido sobre a primeira data, em Novembro de 2017, o então vice-presidente da Global Media, anunciava que Macau iria dirigir a rede externa do grupo, cuja ambição era conquistar quotas de mercado nas áreas digitais e no espaço económico que representa a língua portuguesa”. Havia “a ambição de crescer”, e como “Portugal não conseguiu encontrar relações de parceria com o mundo lusófono eficazes e consistentes”, havendo necessidade de “proteger o jornalismo, encontrando formas de o pagar”. Como se isto fosse pouco, Kevin Ho ainda iria “ajudar a LUSA a desenvolver-se”. Um verdadeiro mecenas.
Pelo caminho, os 17,5 milhões de euros prometidos eram afinal 15 milhões, verba nada desprezível, mas situação normal entre quem se habituou a lidar com milhões como quem lida com tremoços e por isso nunca sabe quanto dinheiro tem disponível para “investir”.
Com uma regularidade impressionante, em Novembro de 2018, não sabendo eu se a escolha do mês tem algo a ver com as cheias que por essa altura do ano ciclicamente ocorrem nalguns locais, Paulo Rego deixou de ser vice-presidente do Grupo, passou a administrador não-executivo. Eu fiquei ainda mais desconfiado e pensei para com os meus botões: a água está a chegar à casa das máquinas.
Ainda em 2018, os trabalhadores começaram a ver atrasos nos pagamentos a que tinham direito, e 2019 viria confirmar, tristemente, as desconfianças que tinha quando, depois de ter lido que não iria haver despedimentos, me apercebi de que Ho se preparava para despachar uns meros duzentos trabalhadores, e começava a pairar o espectro da insolvência, pois não havia dinheiro para pagar aos fornecedores. Apesar disso, ainda há duas semanas, Kevin Ho admitia reforçar o investimento na Global Media. Visão de futuro, claro.
Neste momento está tudo muito mais transparente. Não há ninguém que em Portugal não esteja satisfeito. Até o Presidente português se reúne com o Sindicato dos Jornalistas, para comer umas chouriças e beber um copo de tinto, digo eu.
Dinis de Abreu está preocupado com o facto de Proença de Carvalho ficar “com o nome manchado e ligado ao naufrágio”. Pois eu não estou.
Tirando Stanley Ho, a CESL-ASIA e um ou outro dos antigos, fico preocupado, isso sim, com a imagem que alguns empresários locais ultimamente dão de cada vez que se metem em cavalarias. Andam de braço dado com aqueles autarcas que por lá temos, muito holofote, muito croquete, muita viagem, e no fim nada. Há tempos era um investimento gigantesco em Tróia. Depois veio a Global Media. Amanhã dizem que será um hotel no Porto. Anunciam sempre imensos milhões, projectos fantásticos, a longo prazo; depois é ver os balões esvaziarem-se rapidamente, os foguetes encherem-se de humidade e os milhões evaporarem-se. Serão mal aconselhados?
Seria interessante saber o que o Presidente Xi e os conservadores dirigentes do Partido Comunista Chinês pensam destes “investimentos”. Ou melhor, deste tipo de empresário.
E que nos dissessem se a imagem que um empresário delegado de Macau à Assembleia Popular Nacional, sobrinho de Edmundo Ho, deixou em Portugal em tão pouco tempo – “um descalabro”, escreveu Dinis de Abreu – se coaduna com os projectos de cooperação com os PALOP, com a estratégia do Fórum Macau ou com o objectivo “uma faixa, uma rota”.
Uma coisa é dizer a um jornal local, à laia de humor negro, que em Macau “não há especulação imobiliária”. Ou que não é necessária uma lei sindical. Ninguém o leva a sério. Outra é ser patriota, ter um nome sonante, e deixar em Portugal aquela pegada.
No fim, a gente revê o filme e só pergunta, entre nós, aqui, que contribuição deu Kevin Ho, através da Global Media, para a credibilidade e prestígio dos empresários de Macau? E aos investimentos chineses na Europa? Que confiança se transmitiu?