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silêncio

por Sérgio de Almeida Correia, em 28.06.19

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(créditos: Ponto Final)

Há muito que se afigurava inevitável. E o inevitável chegou ontem por via do Comité Disciplinar da FIFA. Dez mil francos suíços de multa e derrota na secretaria por 3-0, perante uma selecção perfeitamente ao alcance de Macau, por violação do art.º 5.º da Taça do Mundo de 2022 e do art.º 56.º do Código Disciplinar da FIFA.

À desonra, à vergonha, soma-se agora o silêncio. O silêncio dos responsáveis pelo futebol da RAEM, que a esta hora já deviam ter apresentado a sua demissão por manifesta falta de vocação e competência para o exercício das funções em que foram investidos. Deles e dos responsáveis governamentais pela área do desporto.

Será que o Chefe do Executivo, que Alexis Tam ou Pun Weng Kun sentem alguma vergonha pelo que aconteceu com a Selecção de Futebol de Macau? E ainda assim entendem nada dizer perante o que aconteceu? Logo eles que estão sempre prontos a agitar o papão da lei até para justificarem a sua própria inércia? E o Dr. Alexis como explica que seja exactamente no Egipto, que ocupa, juntamente com o Sri Lanka e a Turquia o nível 2 de alerta de viagens da Direcção dos Serviços de Turismo, que se esteja a realizar a CAN 2019, o Campeonato Africano das Nações? 

Posso compreender, perante tantos e tão promíscuos que são os interesses que envolvem a política, o desporto e os negócios locais, que seis anos depois dos primeiros alertas internacionais ainda o Governo da RAEM não se tenha preocupado, nem se preocupe, em apresentar uma proposta de lei na Assembleia Legislativa destinada a criminalizar o tráfico de influências. Ninguém quer que a RAEM pare para ter a sua elite empresarial e política no xilindró*, fazendo companhia a Ao Man Long e Ho Chio Meng. E todos sabemos que o que aconteceu em Hong Kong com Donald Tsang e outros membros dos Governos de HK seria impensável por cá. Mas, que diabo, uma palavrinha não custava nada.

E permitiria à opinião pública perceber que o facto de haver indíviduos que dependem da casta para sobreviver não os transforma automaticatamente em mudos, nem faz deles tipos intelectual, ética e moralmente eunucos.

Há silêncios que dizem tudo. Como há mínimos para quem exerce funções públicas. Ou devia haver.

 

(* - grafia brasileira, chilindró na grafia da norma portuguesa)

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joshua

por Sérgio de Almeida Correia, em 21.06.19

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(Isaac Lawrence, AFP)

Carrie Lam pediu desculpa duas vezes mas, aparentemente, a genuinidade desses gestos perdeu-se há muito na altivez arrogante com que a Chefe do Executivo foi gerindo a crise desencadeada pelas alterações às leis de extradição.

De nada serviu a decisão de adiar e depois suspender a discussão do diploma ou a manifestação de amor a Hong Kong e ao seu povo. Há muito que a confiança desmoronara, há muito que falava sozinha e que as suas palavras tinham perdido sentido para os seus concidadãos.

Não tendo sido anunciado o cesto dos papéis como destino final da proposta do Governo de HK sobre as alterações às leis de extradição, nem retirada a classificação de "motim" (riot) aos acontecimentos da semana passada, não é de admirar que esta manhã a população da ilha tenha voltado a sair à rua e tomado posições nas imediações de Central e de Admiralty. Gloucester Road está  encerrada, bem como os serviços públicos, e a situação de semi-caos e confronto permanece.

O director do Macau Daily Times, em mais um dos seus notáveis editoriais, chamava a atenção para a segunda oportunidade pedida por Carrie Lam. Ciente dos erros cometidos por aquela e do teatro que entretanto aconteceu, o editorialista lucidamente antevê que a sua demissão poderá estar para breve.        

Esse será apenas mais um episódio, a ocorrer, na triste saga dos falhanços que desde 1997 têm acontecido com a governação de HK. O que a actual situação comprova é que os dirigentes do PCC nunca chegaram a compreender a dimensão, alcance e consequências da tese de Deng Xiao Ping e do princípio "um país, dois sistemas". O preço da incompreensão das teses do arquitecto da reforma vai continuar a ser pago. Nas ruas. E em dólares. Todos os dias na Bolsa de Hong Kong.

No meio deste turbilhão que volta a envolver Hong Kong há um nome que sobressai, o do activista Joshua Wong. Libertado da prisão no passado dia 17, imediatamente prestou declarações à imprensa e se juntou aos manifestantes.

Nascido em 1996, menos de um ano antes da transferência de soberania da ex-colónia britânica, e educado na tradição luterana, frequentou uma escola católica de Kowloon. De caminho trabalhou na correcção da dislexia que lhe fora diagnosticada. Destacou-se na contestação de 2014, conhecida como o Movimento dos Guarda-Chuvas, altura em que foi preso pela primeira vez. Intrépido defensor do sufrágio universal, da democracia e do rule of law, em 2016 fundaria, juntamente com Agnes Chow e Nathan Law, figuras de proa do chamado Scholarism, o partido Demosisto. Apesar de ter conquistado, por via eleitoral directa, o direito a estarem representados no Legislative Council, o parlamento local, o partido nunca chegou a assumir funções na câmara em virtude do seu afastamento por via burocrática e judicial.

Desconheço até que ponto a influência de Joshua Wong se fará sentir nos protestos que hoje (re)começaram, embora esteja convencido de que o processo de aprendizagem dos últimos anos, por vezes feito à custa de muitos erros, com detenções, julgamento e prisão pelo caminho, será decisivo para o rumo que os acontecimentos vierem a tomar a partir daqui.

Uma coisa é certa: apesar da sua idade, Joshua Wong é uma referência e uma garantia de solidez do movimento pró-democracia e dos oposicionistas a Carrie Lam. A capacidade de mobilização da Frente Cívica tem sido imensa. Aliada à liderança de uma personalidade com o carisma, a maturidade, a convicção, a coragem, a clareza discursiva e a visão estratégica e politica de um Joshua Wong é de temer um endurecimento do movimento, o que quer dizer trabalhos dobrados para Pequim. Joshua Wong não é um miúdo qualquer. Como alguém escreveu, Joshua é um super-homem. 

A aceleração do processo histórico promovida por Pequim começa a ter um preço demasiado elevado para as forças tradicionalistas. Não se prevêem tempos fáceis para o governo de HK, nem para Xi Jinping e o Partido Comunista Chinês.

E o que aí vem não se resolverá com a demissão de Carrie Lam, cujos contornos de inevitabilidade se tornam cada vez mais evidentes.

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elucidativo

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.06.19

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chugani

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.06.19

"When hundreds of thousands march to demand Lam’s resignation, it’s clear they feel she is speaking the language of Beijing, not that of Hongkongers. Lam ran for chief executive with a campaign pledge to unite Hong Kong [the city, in the printed version] after the divisive rule of predecessor Leung Chun-ying. The trouble is, she has united the people against her." – Michael Chugani, Fugitive bill is not just another law to Beijing, SCMP, June 13, 2019

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infelicidades

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.06.19

Há muito tempo que o futebol de Macau anda por umas ruas contíguas à da amargura. Agora, a Associação de Futebol de Macau (AFM) resolveu não comparecer à segunda mão de um jogo de qualificação para o Mundial de Futebol de 2022. O argumento foi o da falta de segurança em razão dos atentados ocorridos no Sri Lanka em Abril passado.

Creio que, todavia, depois das garantias dadas pela FIFA, pela Confederação Asiática e pela Federação de Futebol do Sri Lanka, em que inclusivamente se referiu que o exército asseguraria a segurança da comitiva macaense, não há de facto razões que justifiquem nesta altura, dois meses volvidos sobre os atentados terroristas, e depois do reforço de segurança no país, a não deslocação e a exposição do futebol de Macau a pesadas sanções desportivas, a somar ao desencanto dos jogadores e à exposição da RAEM a mais uma vergonha internacional.

No imbróglio criado não deixa de ser inesperada, e até mesmo grotesca, a invocação de que existe um alerta de viagens de nível 2 para o Sri Lanka emitido pela Direcção dos Serviços de Turismo. Isto é, esse alerta é emitido pela mesma entidade que licenciou o Hotel 13, o qual se encontra de portas fechadas ao público e cujos fundos já nem devem ser suficientes para manter acesa a iluminação nocturna, e que continua a pensar que o número de pseudo-turistas em Macau pode subir todos os anos.  

Convém ter presente que nesse nível de alerta (2) também estão o Egipto e a Turquia e que, de acordo com o esclarecido pela própria DST, deslocações aos países de nível 2 são as deslocações que devem ser reconsideradas se forem não-essenciais, traduzindo-se para os residentes de Macau num aumento da ameaça à sua segurança pessoal.

Ora bem, estes avisos da DST destinam-se a turistas e para viagens não-essenciais. Não a comitivas da RAEM, desportivas ou outras, em viagens oficiais ao estrangeiro, organizadas pelas entidades oficiais, sob a supervisão de organizações internacionais idóneas e com garantias extraordinárias de segurança que não estão ao alcance, em regra, nem do turista individual nem do excursionista.

Uma viagem ao estrangeiro de uma comitiva oficial da RAEM, salvo desvio de poder, abuso de poder, corrupção ou outras peculiaridades de idêntico calibre, são por natureza essenciais. De outro modo não deviam sequer ser encaradas como possíveis.

Também não consta que as agências de viagem de Macau organizem viagens de grupo ao Sri Lanka com protecção da polícia e do exército locais.  

E se não fosse já suficientemente absurdo, talvez mesmo destinado a idiotas, o argumento invocado para cancelar a viagem da selecção de futebol da RAEM, bastaria verificar que no nível 1 dessa lista de alertas estão países com a Bélgica e o Reino Unido, e que países como a Coreia do Norte, o Iémene, o Congo ou o Sudão do Sul não aparecem em nenhum dos três níveis de alerta.

Não vou aqui discutir os critérios da DST usados para elaboração da lista, não é isso que aqui interessa. Mas certamente que, na óptica de quem se guia por essa lista, e a invoca como sendo fiável, os países que dela não constam deverão ser considerados como seguros. Conclusão lógica, penso eu, dos dirigentes da AFM.

Perante isto, vale a pena poupar na adjectivação. Duvido de que entre os destinatários houvesse alguém habilitado a entender aquela que, assim de repente, me veio à cabeça.

Digamos que é apenas mais uma infelicidade a somar a tantas outras de cada vez que por estes dias se olha para o que se passa na vida pública da RAEM. E não há ninguém que dê a volta a isto.

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portugal

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.06.19

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(Getty Images)

"Porque na sociedade portuguesa actual, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber não foram ainda quebrados por novas forças de expressão da liberdade.

Numa palavra, o Portugal democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo. É o medo que impede a crítica. Vivemos numa sociedade sem espírito crítico – que só nasce quando o interesse da comunidade prevalece sobre o dos grupos e das pessoas privadas. (...)

Portugal conhece uma democracia com um baixo grau de cidadania e liberdade" – José Gil, Portugal, Hoje – O Medo de Existir, Relógio D'Água, 2004, pp. 40-41 

 

Combatamos, pois, o medo. Sejamos cidadãos de corpo inteiro. Sejamos melhores portugueses. Onde quer que estejamos.

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memória

por Sérgio de Almeida Correia, em 04.06.19

merlin_155529741_1308c562-024d-46ea-9e15-6a044a6c4(Catherine Henriette/Agence France-Presse — Getty Images)

Trinta anos depois promove-se a estratégia OBOR (One belt, One road) e a Grande Baía. Há sorrisos, brindes e fatos de bom corte em tecidos nobres. Tudo o que aconteceu em 4 de Junho se mantém escondido e silencioso. Em Hong Kong e Macau, outrora locais de abrigo e acolhimento de quem precisava, são poucos os que conhecem a história recente do País. Há jovens que desconhecem, inclusivamente, o passado anterior a 1997 e 1999 e a herança de outras administrações. Pensam que tudo foi sempre assim. A ignorância ajuda a manter o silêncio. Goza da cumplicidade dos poderosos. E tirando uma ou outra vigília, uma ou outra vela que se acende, os anos passam sem que se faça luz sobre o que aconteceu em 4 de Junho de 1989. A perpetuação da memória é a única forma de honrar os mortos e manter a chama acesa, mesmo sem quebra-vento que a proteja dos golpes que diariamente lhe são desferidos em nome do patriotismo e do desenvolvimento. A História pode ser escondida, manipulada, deturpada, omitida, ostracizada, vilipendiada, numa palavra ignorada. Só não se apaga.

 

Mais leituras:

The land that failed to fail

What I learned leading the Tiananmen protests

How I learned about Tiananmen

The new Tiananmen papers

Reflections from Macau – We don't talk (enough) about Tiananmen

Acontecimentos em Portugal noticiados como banho de sangue

O outro lado

As datas-chave de Tiananmen

Atonement

How Tiananmen crackdown left a deep scar on China's military psyche

Tiananmen Square crackdown 30th Anniversary

Tiananmen: resistir para não esquecer

Sete semanas de sonhos democráticos destruídas numa madrugada

There is every reason why Beijing must revisit its June 4 verdict

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reset

por Sérgio de Almeida Correia, em 04.06.19

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E se fizessem o reset do sistema?

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