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misérias

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.11.18

Se alguém se der ao trabalho de ouvir o que antes foi dito ("Clarim", 11/05/2018, "Contraponto", diversas edições) e escrito, a última das quais em 11/09/2018, (aqui no "Visto de Macau") reparará que tive oportunidade de chamar várias vezes a atenção para o aumento de conflitualidade social na RAEM, em vários casos vindo de sectores tradicionais da comunidade chinesa. Aos poucos, aqueles sectores foram dando sinais de exasperamento com a falta de soluções para os seus problemas, com o desinteresse na apresentação de soluções aceitáveis que se reflictam de modo positivo na qualidade de vida dos residentes e no protelamento do cumprimento de objectivos contidos na Lei Básica.

Ontem, na Assembleia Legislativa, ficou evidente que alguém anda de cabeça perdida e que a falta de sentido de algumas propostas legislativas tinha de acabar por ter consequências.

O motivo chegou com a despropositada, para não dizer ultrajante, proposta de alteração do regime dos feriados obrigatórios previsto na Lei das Relações do Trabalho.

Aqui há uns anos seria impensável ouvir na Assembleia Legislativa uma deputada como Ella Lei, oriunda dos sectores mais tradicionais e representando um dos braços fortes de Pequim em Macau, a Associação dos Operários – "um dos históricos satélites do Partido Comunista Chinês em Macau", chamou-lhe com propriedade a jornalista Sónia Nunes (Ponto Final, 17/09/2013) – dizer, perante uma iniciativa do Chefe do Executivo e do seu Governo, que "o desenvolvimento económico não é pretexto para enfraquecer as garantias dos trabalhadores", que "Macau é uma cidade rica mas está a retroceder quanto à garantia dos feriados obrigatórios", que existe "desequilíbrio de poderes" e que é inaceitável "uma redução das condições de trabalho e um recuo dos direitos laborais", alertando para o desprezo "dos costumes chineses e das tradições culturais", para rematar com um sonoro "produzir leis não é o mesmo que negociar numa feira".

Depois de Ella Lei ainda houve quem aproveitasse para citar o Presidente Xi Jinping e recordar o impensável em 2018, isto é, que os feriados já vêm do tempo da Administração portuguesa.

O que por aquela deputada foi dito, aliás secundado por alguns dos seus colegas, significa que o copo transbordou e que para os sectores tradicionais chineses quem está ao leme não consegue fazer a leitura do azimute político e desconhece o rumo que a embarcação devia seguir.

Mais do que um aviso, as intervenções de ontem no plenário marcam desde já a apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2019, que dentro de algumas horas começará a ser feita na Assembleia Legislativa. E vêm no seguimento do que já transpirou a propósito dos sucessivos recados de Pequim, o último dos quais antecedendo a participação de Macau na recente Expo de Xangai.

A somar às derrotas judiciais e aos novos atrasos na execução de obras públicas, com o consequente encarecimento, para o Chefe do Executivo não havia forma mais frágil e desoladora de entrar na derradeira fase do seu mandato do que com as declarações de Ella Lei.

E isso diz muito sobre o que foram os anos que se perderam. Também sobre o que ficou por fazer e o que aí vem a partir de Dezembro de 2019. Não vale a pena ter ilusões.

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