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lei

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.07.18

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 (créditos: Macau Daily Times)

"Primeiro, uma instituição de ensino superior deve respeitar a lei. Mas, a primeira coisa e a mais importante é a liberdade académica. Não só tem de ser respeitada e mantida, como deve ser desenvolvida. Só com liberdade é que os professores conseguem pensar, criticar e criar. Toda gente fala de inovação e criatividade. Sem liberdade não há inovação ou criatividade, os estudantes não podem criticar livremente. É preciso criar com base na crítica. Aqui não deve haver limites. Por um lado, deve respeitar-se os docentes, por outro os alunos devem desafiá-los. Só assim se constrói uma geração melhor que a anterior." 

 

Não, desta vez não me refiro à lei enquanto proposição normativa, como preceito dotado de autoridade soberana. Estas linhas têm em mente não uma, mas um Lei. Trata-se do Professor Lei Heong Iok, Presidente do Instituto Politécnico de Macau (IPM).

Já sabia que ele se iria retirar no final deste ano lectivo por atingir a idade de reforma. E é claro que na plenitude das suas capacidades tinha todas as condições para continuar, desde que assim o desejasse, não fosse esta sanha que se tem imposto na RAEM contra todos aqueles que perfazem 65 anos estando ao serviço das instituições públicas. 

Acontece com o Prof. Lei como também se verifica em relação aos magistrados (o caso do Dr. João Gil de Oliveira é apenas mais um a somar a tantos outros) ou a qualquer outro servidor público; bem ao contrário do que se passa em Hong Kong. Ainda esta manhã, nem de propósito, depois de eu ter falado sobre o assunto na semana passada, a respeito da nomeação de duas juízas estrangeiras para o mais alto Tribunal da região vizinha, uma com 73 e a outra com 74 anos, o South China Morning Post anunciou que o Governo de Carrie Lam submeteu ao Conselho Legislativo, o parlamento local, uma proposta visando autorizar a continuação do exercício de funções até aos 70 anos por parte dos magistrados que atingem a idade de reforma. O objectivo, lê-se na notícia*, é a retenção no sistema judiciário de juízes experientes e a atracção de juristas experientes e de qualidade que trabalhem actualmente no sector privado. Como os próprios podem estender as suas comissões por vontade própria durante mais cinco anos, a alteração que se tem em vista permitirá que só se retirem aos 75 anos. As mudanças permitirão que Hong Kong fique em sintonia com "a maioria das jurisdições da common law".

Mas o pretexto destas linhas não é carpir pelo que a falta de bom senso torna inevitável entre nós, em claro prejuízo de Macau, das suas gentes e da imagem da República Popular da China.

Aqui viso tão só deixar uma palavra de profundo reconhecimento ao inestimável serviço que, ao longo de décadas, foi prestado pelo Prof. Lei Heong Iok. Não só ao IPM, à comunidade que esta escola serve, mas em especial à Língua Portuguesa como instrumento de aproximação entre povos e culturas, como ferramenta destinada ao diálogo, ao intercâmbio e à elevação dos padrões civilizacionais entre nações que há séculos se respeitam e procuram mutuamente conhecer e engrandecer através das respectivas línguas e do convívio entre as suas gentes.

Por detrás do sorriso generoso, do espírito tolerante e bondoso, da sua inesgotável afabilidade, simpatia e capacidade de trabalho está um homem cujo percurso fala por si em tudo quanto teve de amor à sua própria Pátria e à língua que tão bem e profundamente estudou, e incansavelmente divulgou sem conhecer fronteiras ou barreiras qualquer que fosse a sua natureza.

A entrevista que o Prof. Lei Heong Iok deu esta semana ao semanário Plataforma merece ser lida e guardada. Porque a postura do Prof. Lei Heong Iok foi sempre essa. O Prof. Lei não precisa de mendigar mais um aninho depois da reforma para amealhar mais uns patacos, nem uns subsídios para obras. O que afirma não é um rebate de consciência na hora da despedida.

Por tudo isso fico ainda mais grato ao Prof. Lei Heong Iok e espero que Portugal e os portugueses saibam agradecer-lhe o quanto fez por todos nós e pela língua de Camões, de Gil Vicente, de Eça e de Pessoa. Aprendendo, lendo, traduzindo, ensinando, divulgando com rigor. Sempre com um sorriso nos lábios e uma infinita paciência.

O Prof. Lei não foi meu professor. Se tivesse sido provavelmente estas palavras não teriam sido suficientes. Como nunca são para todos os que, como o Prof. Lei, levam a vida a ensinar os outros com toda a sua paixão e saber, acabando por sair de cena de forma tão discreta como a que sempre cultivaram quando entraram, quantas vezes sem o mínimo reconhecimento por tudo quanto fizeram por todos nós ao longo de uma vida de exigência. 

Que tenha uma reforma tranquila e reconfortante, junto aos seus netos. E, se possível, que nos escreva mais alguma coisa.

 

* – o texto da edição impressa é ligeiramente diferente

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