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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
“No organization or individual is privileged to act beyond the Constitution or the law. All acts in violation of the Consitution or the law must be investigated. (…)
We must ensure that all citizens enjoy extensive rights in accordance with the law, that their right of the person and property and basic political rights are inviolable, and that their economic, cultural and social rights are exercised. We must safeguard the fundamental interests of the overwhelming majority of the people, and fulfill their aspirations for and pursuit of a better life. We should address public demands impartially and in accordance with the law, enable the people to feel that justice is served in everyt case before the courts, and eradicate elements that hurt their sentiments or damage their interests.”, Xi Jinping, 4/12/2012, Commemorate the 30th Anniversary of the Promulgation and Implementation of the Current Constitution
As condições em que ocorreu a renovação da concessão da Companhia de Corridas de Cavalo de Macau, mais conhecida como Macau Jockey Club (MJC), pela falta de transparência de todo o processo que conduziu à situação actual, permitindo uma renovação por mais 24 anos e 6 meses de um negócio altamente deficitário e do qual se comprova agora que a comunidade não retira os benefícios devidos, assume foros de escândalo.
E os dados que estavam em cima da mesa e que aos poucos vão sendo conhecidos da população vêm confirmar aquilo que há muito se suspeitava: na RAEM a aplicação da lei é obscenamente selectiva e o grau de exigência do seu cumprimento não é igual para todos.
Oportunamente já o economista Albano Martins havia chamado a atenção para o tratamento que essa empresa concessionária estava a receber do Governo da RAEM. As declarações ontem proferidas pelo Secretário para a Economia e Finanças que revelam a existência de uma dívida acumulada de mais de 150 milhões de patacas aos cofres da RAEM e um comportamento recorrentemente relapso que se prolonga há vários anos e que inclusivamente levou há alguns anos à introdução de alterações e revogação de cláusulas do contrato de concessão, constituem, pois, motivo de forte preocupação para todos os cidadãos cumpridores da lei.
Que a aplicação da lei estava a ser selectiva, dessa forma se violando em termos inequívocos a Lei Básica e a própria Constituição da República Popular da China, há muito que se desconfiava.
Em especial depois do Secretário para a Segurança ter publicamente admitido que as autoridades tinham utilizado uma medida para com um adversário político do Governo, numa questão de lana caprina, diferente daquela que fora usada em relação aos desacatos provocados pelos enganados promitentes-compradores do “Pearl Horizon”.
A bizarra decisão de renovação da concessão do MJC coloca também em xeque decisões anteriores do Executivo da RAEM, muito em particular todas as que dizem respeito à rescisão e declaração de caducidade de contratos de concessão de terras que tiveram por fundamento incumprimentos contratuais por parte dos concessionários.
Quem aplaudiu, como eu, a decisão do Governo de resgatar os terrenos aos concessionários relapsos não pode ficar calado perante este deboche que constitui a renovação da concessão do MJC.
Na verdade, não se percebe por que razão o Governo da RAEM foi, e bem, tão exigente para com os concessionários dos terrenos que não cumpriram as suas obrigações contratuais e é agora tão tolerante para com quem durante anos seguidos não cumpre.
Repare-se que a cláusula 29.º do Contrato de Concessão (1995) referia, sob a epígrafe “Rescisão do Contrato”, o seguinte:
“Um. Além do caso especial previsto no número quatro da cláusula anterior [suspensão da concessão por iniciativa do concedente], a concessionária fica ainda sujeita à rescisão deste contrato nos casos seguintes: (…)
c) Quando deixar de pagar à entidade concedente, nos prazos e pela forma estipulados, a renda, as percentagens e outras quantias previstas no presente contrato; (…)
Dois. A falta de pagamento da renda contratual e adicionais previstos neste contrato, bem como dos respectivos acréscimos percentuais, importa, sem prejuízo da rescisão da concessão, relaxe das respectivas dividas nos termos do Código das Execuções Fiscais.
Três. No caso da rescisão reverterão para o Território, sem direito a qualquer indemnização, o imóvel destinado à exploração do exclusivo e todos os móveis a ele afectos, as benfeitorias introduzidas no terreno arrendado e, bem assim a caução.
Quatro. A rescisão deste contrato implicará, também, a rescisão do contrato de arrendamento do terreno, sem direito a qualquer indemnização.”
A decisão tomada pelo Governo da RAEM de renovar a concessão do MJC, pela sua opacidade e irracionalidade económica, traz problemas acrescidos em relação a outras situações que envolvam o respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade, designadamente em matéria de concursos públicos. Porque se um concessionário incumpridor pode ver a concessão renovada tendo violado em termos tão gravosos as suas obrigações para com o Governo da RAEM, então nada impede que uma empresa com dívidas ao fisco, porque é disto mesmo que se trata, se possa apresentar nesses concursos em condições de igualdade com as empresas que cumprem as suas obrigações fiscais. Para que servem a prestação de cauções e de garantias nas empreitadas?
Pior do que tudo isso é que essa perversa decisão também desvirtua a livre concorrência entre empresas, permitindo que haja umas mais iguais do que outras a operar no mercado, com isso transmitindo um péssimo sinal à sociedade e aos jovens: na RAEM é possível deixar alegremente de cumprir contratos com o Governo, não havendo qualquer inconveniente nisso e sendo merecedor de um tratamento de favor, porque a simples promessa de se vir a cumprir, mesmo que não haja qualquer garantia, justifica uma extensão pornográfica do prazo da concessão, e ainda que daí não resulte benefício visível para o interesse público.
Espera-se pois que o Comissário Contra a Corrupção analise este processo de fio a pavio e seja tão rigoroso quanto o foi noutras situações para se perceber quem e em que medida falhou tão escandalosamente na defesa dos interesses da RAEM e da RPC. E para que o MP possa exercer as suas competências com o mesmo zelo com que acusou o deputado Sulu Sou, de maneira a que os senhores do Grupo de Ligação tenham alguma coisa decente com que se preocuparem.
O Núcleo de Estudantes de Economia da Universidade de Coimbra decidiu convidar o antigo primeiro-ministro José Sócrates para ser um dos oradores no seu ciclo de conferências sobre "O Projecto Europeu depois da Crise Económica".
Não posso deixar de louvar o seu esforço. E de aqui dar publicamente os meus parabéns à rapaziada, registando uma vez mais o sentido de oportunidade da iniciativa e do convite.
Com excepção de Teodora Cardoso, que me pareceu destoar um pouco no naipe de convidados, é a confirmação de uma aposta de sucesso. Depois de lá terem tido Passos Coelho, a apreciar o Orçamento de 2018, Jorge Coelho e Marques Mendes, trata-se do regresso a uma receita vencedora.
Nos tempos que correm não é fácil aparecer quem esteja disposto a apostar em espectáculos de stand-up comedy. Ricardo Araújo Pereira que se cuide.
“A seriedade moral na vida pública é como a pornografia, difícil de descrever mas imediatamente identificável quando a vemos. Descreve uma coerência de intenção e de acção, uma ética de responsabilidade política. Toda a política é a arte do possível. Mas também a arte tem a sua ética” – Tony Judt
Um tipo fica sem palavras. Aliás, as palavras de pouco servem. Depois de ler o seu currículo ("Em 1996, onze anos depois de ter começado a tirar o curso, Feliciano licenciou-se, finalmente, em Ciência Jurídicas e Políticas na Universidade Autónoma de Lisboa. Onze anos (para tirar cinco de curso) e onze valores na nota final."), passar os olhos pela sua "tese de mestrado" e mais uns quantos textos entretanto publicados sobre a figura no Observador, na Visão e em mais alguns jornais portugueses, fico com a sensação de que, de facto, quem tem razão sobre o que aconteceu, e vai continuar a acontecer (não se iludam, o Nanito corresponde genericamente ao padrão parido pelos nossos partidos políticos), não consigo tirar nem pôr uma palavra que seja (deixo as vírgulas para o deputado Duarte Marques e o "Catedrático" Coelho) ao que tenho vindo a escrever. Sem grande sucesso, é certo (Desabafo, O Padrão, Deve ser tempo de dizer basta, para só citar alguns).
O que me obriga a concordar com a perspectiva do Ricardo Araújo Pereira. Dá muito trabalho chegar a Berkeley.
Para a história ficarão todos os professores catedráticos, como os da foto, que de um forma ou de outra ampararam a sua ascensão política, profissional e académica, por esta ordem, e fizeram dele – não uma, nem duas, mas por três vezes – secretário de Estado dos governos de Durão Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho, "mestre" (aqui a principal responsabilidade é do Prof. Leite Campos e dos outros membros do júri, partindo do princípio de que leram a coisa) e, quem sabe, mais um "catedrático convidado". Com a sua lábia e experiência deve ser uma mais-valia em qualquer curso de mestrado e/ou doutoramento.
Esta é a nossa elite política. Este é também um produto do nosso sistema de ensino. Um sistema de ensino que se especializou a formar "nanitos" com dezenas de 'livros" publicados*. Este é um produto genuinamente nacional. Mais português não há. Para todos os nossos males, com ou sem a nossa concordância.
(* – Se alguma dessas editoras que publicou os livros do Nanito quiser publicar a minha tese de doutoramento, cujo interesse comercial foi julgado nulo pela Almedina, fico à espera do contacto, mas aviso já que não escrevo nos termos do Acordo Ortográfico de 1990)
“Contrariamente ao que circula por aí, o Gabinete de Ligação, se realmente comunicou com o Festival e desaconselhou [os escritores] a vir, eu penso que isto é de louvar, porque quando falha o Governo, se não há outra entidade para pôr mão nas coisas, acaba por ser o Gabinete de Ligação” – Jorge Morbey dixit
Primeiro ouvi. Depois li na página da TDM – Rádio Macau. E fui confirmar.
Bom, se o JTM e o HojeMacau também reproduzem no essencial as declarações do Dr. Morbey é porque efectivamente o disse.
Bem sei que nem o Ponto Final nem o Macau Daily Times deram acolhimento às declarações proferidas, mas estou convencido de que só não o fizeram porque os seus jornalistas não devem ter acreditado no que ouviram e leram. Uns tansos.
É natural, evidentemente, que o Dr. Morbey, que nunca foi propriamente um tipo das esquerdas, daqueles que andavam por aí a berrar pela democracia, o sufrágio universal e os direitos humanos, já antes de 1999, considere a malta do Gabinete de Ligação uns "tipos óptimos". Aliás, estou convencido de que deve haver outros, tão ou mais coerentes do que ele, que são da mesmíssima opinião, mesmo em Macau, embora não se manifestem com o seu à-vontade.
Pessoalmente, acredito que o Dr. Morbey depois de ter expressado o seu apoio ao deputado Sulu Sou, e de ter dito que a Assembleia Legislativa de Macau não é uma assembleia democrática, o que é sempre discutível, voltou a ter um momento de lucidez. E regressou à pureza do seu pensamento.
Não sei se o objectivo do Dr. Morbey era, como alguém diria, colocar-se a jeito (para quê?), mas é claro que o Dr. Morbey não é como esses portugueses que têm interesses no jogo e no imobiliário e que não vão a manifestações. Com excepção, já se sabe, daqueles que passam os doze meses do ano ansiosos na expectativa de poderem desfilar nuns lindíssimos e garridos fatos de treino, mais as suas barrigas, pelas ruas da cidade. Ele não é como aqueles palermas que têm medo de perder o emprego, de serem recambiados para Portugal, e que por isso estão dispostos a fazer todos os fretes e mais alguns. E fazer vénias aos senhores de Pequim, mudar de passaporte ou dar lições sobre a forma como o autoritarismo funciona não é seguramente com ele. Ainda menos comigo.
Espero é que o Ricardo Pinto e os "tipos óptimos" do Gabinete de Ligação, mesmo aqueles que por lá passaram e estão agora a ser investigados do outro lado da fronteira, sejam compreensivos. E percebam que aquilo que é hoje verdade pode ser mentira amanhã. E vice-versa.
Não sou de dar conselhos a ninguém. Muito menos a um historiador. De qualquer modo, permitam-me a ousadia, gostaria apenas de vos recordar que qualquer historiador que se preze (também podia ser advogado para não dizerem que me ponho de fora), com pretensões à eternidade, não ignora que o segredo destas coisas está em saber de que lado sopra o vento quando o tufão se aproxima. Isto é, ter um cata-vento ligado às vísceras. E se possível à conta bancária.
É sempre desagradável ver um historiador com as datas baralhadas. De repente, um tipo sem saber porquê fica do lado errado da História. Que Deus me perdoe. Um desastre.
A imagem que ilustra este texto foi obtida no passado Sábado, 10 de Março, no Centro Cultural de Macau (CCM), em dia de concerto. Actuavam a Orquestra de Macau e o violoncelista Mario Brunello. E a captação não ocorreu durante o concerto mas sim durante o seu intervalo, quando muita gente procura uma bebida qualquer, um aconchego para o estômago, uma guloseima. A casa estava cheia, muitos vieram do exterior, mas o bar estava impecavelmente encerrado.
O que se passou nesse dia no CCM não foi inédito. O bar fechado no CCM é hoje um cenário normal, que se repete, e que tem vindo a agravar-se sem que os responsáveis pelo Instituto Cultural ou o Secretário para a Cultura e os Assuntos Sociais tomem quaisquer medidas que se vejam. Até há uns meses, embora a situação já fosse deplorável e de uma pobreza franciscana, ainda era possível tomar alguma coisa. Neste momento nada. Nem uma água.
Esta é a primeira casa de espectáculos de Macau. Todavia, se alguém dissesse que estava encerrada para férias muita gente acreditaria. Apesar de recorrentemente as audiências esgotarem e de ali se realizarem muitos dos concertos do Festival Internacional de Música, do Festival das Artes ou, mais recentemente, do Festival de Cinema. Uma tristeza que é bem o espelho da falta de vistas, da desorganização e do desleixo que vai grassando para os lados das tutelas do Dr. Alexis Tam (para governar não basta ser simpático e educado).
Se o que se passa no CCM é um exemplo de Macau "governado pelas suas gentes", então o melhor é chamar alguém de fora. Alguém que seja pago para trabalhar, para fazer alguma coisa.
Será que é assim tão difícil pôr o bar do CCM a funcionar nos dias dos espectáculos? Já nem peço que aproveitem o espaço e a varanda contígua durante os dias de semana para servirem refeições ligeiras à hora do almoço ou uns snacks ao final da tarde. Isso seria pedir muito. Mas se não querem entregar o espaço ao IFT, nem fazer um concurso público para a sua exploração, coisa deveras complicada, então que convidem um dos amigalhaços da praxe para fazer esse serviço. Até pode ser um primo afastado. Um dos mais magrinhos. As adjudicações a familiares e amigos de quem manda não constituiriam novidade por estes lados, mas ao menos prestava-se um serviço aos utentes do CCM. Isto é, os que pagam os bilhetes para os espectáculos.
E, olhem, se não encontrarem ninguém disponível chamem o Clube Militar. Ninguém gosta de ficar à sede e um presuntinho, uns croquetes e umas tapas de queijo marcham sempre. O coronel Manuel Geraldes que o diga.
"Entre as coisas que distinguem a vida sentimental dos seres humanos está também a modesta, mas não irrelevante, diferença entre quem tem a vocação de "andar com" e de quem tem, por sua vez, a de "estar com". A primeira tem uma dignidade moral que supera a segunda. "Andar com" é um eros claro e honesto, que não promete falsamente, nem a si próprio nem aos outros, uma duração, nem simula a partilha do bem e do mal da existência – como se se tratasse de um casamento ou de uma união completa, profunda e duradoura – e, precisamente por este franco desencanto, pode também transmitir ternura, afe[c]to e amizade destinados a durar além do breve encontro.
"Estar com", ao invés, é frequentemente a auto-enganatória paródia do casamento, significa partilhar a existência durante seis meses ou um ano, mas com todas as obrigações e as regras do casamento: fidelidade recíproca pro tempore, um casal fixo que deve ser convidado em conjunto, coabitação, laços de família a tempo determinado incluindo sogros e sogras, simulação melancólica ainda que sincera de serem uma só carne, incapacidade de viverem sozinhos. "Estar com" é bem diferente de reconstruir uma existência ou fundar uma nova união sentimental depois do falhanço ou, todavia, do fim de uma relação precedente, interrompida pela incompreensão, pela morte, pela incompatibilidade ou pelo esgotamento afe[c]tivo. "Estar com" é a programação, consciente e inconsciente, de muitos sucessivos mini-casamentos, já previstos a priori.
A minha vizinha tem um rosto terno e temerário; na sua boca não existe nem uma prega acídula gravada pela presunção agressiva, nem tampouco a repulsiva dureza muitas vezes esculpida, em certas classes, pelo hábito e sobretudo pelo desejo de sublinhar a própria pertença aos Senhores. Com aquele rosto, que se intui ser capaz de paixões e de ternura, aquela mulher merecia um verdadeiro companheiro ou o amante de uma noite, em vez de um namorado, como se costuma dizer quando se "está com", recorrendo a uma palavra que, já como prelúdio aos casamentos de outrora, soava a qualquer coisa bastante insulsa."
Cada vez mais incontornável. O que se aprende com um tipo destes, e como se torna tão fácil olhar para dentro, para trás e para a frente. Para o que somos, para o que nunca fomos, para o que deixámos no passado. Não é possível resistir à sua simplicidade profunda, à forma como nos descontrai página a página para nos tornar mais humanos, mais reais, mais sensíveis. Ternura ..., há quanto tempo não lia essa palavra.
Incontornável. Por estas e por outras. Magris soberbo, dilacerante. Em 1.ª edição. De luxo, pela Quetzal, não fora o acordês. Ainda assim. Genuíno. Puro. Para ler e reler.