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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
"One of the most fundamental questions about political life – or political science, as some like to call it, as if it were one – is 'Who are we?' With what pattern of loyalties do we identify? Which narratives, memories and experiences shape our behaviour? Do we always find ourselves caugh in the some threads of that spider's web? Can we move about from one strip of the silky trap to another? All of which raises a preliminary question. 'We' is simply the collection of 'I's'. So who am I? What makes up my identity? Genetics, nature, nurture play a major role. But in addition, as with everyone else, my identity in part reflects choices I make. It is also in part the result of influences over which I have little or no control. 'Know thyself' was Socrates' challenge, a challenge both to personal memory and to honesty. Here, perhaps, is the beginning of a justification for writing in this rather different way about my life."
(créditos: Raquel Wise)
Um após outro. Este ano tem sido assim. Vendo-os partir.
Foi assim com o Rui, com o Luís, com o Pedro, agora com o Zé Pedro, que não sendo meu amigo era amigo do Paulo e por isso também meu amigo.
Nós sabemos que ela anda por aí, que está sempre presente, mesmo nas manhãs mais cristalinas quando os primeiros raios cortam o azul penetrante do céu. Rondando como uma repugnante e irritante varejeira que, por vezes, atordoada pelo jornal se esconde para logo de seguida reaparecer e nos irritar. Ou entrando pé ante pé, como se fosse uma fada, sem que nada nem ninguém se aperceba da sua presença, impondo-se de repente, sem aviso prévio, destroçando sonhos, corações, vidas. Muitas.
Ultimamente tem-se feito sentir com mais intensidade e cada vez mais perto de mim. Todas as esperanças depositadas num brinde de ano novo vão-se esvaindo com o correr dos meses, à medida que o ciclo se fecha e, impotente, vejo este carrossel que sem parar, em cada volta que dá, vai ficando mais vazio, até ficar quase sem ninguém, mas continuando a rodar, rodando, embalado por aquela música monótona e repetitiva que não pára e pelas luzes que não se apagam depois de todos partirem.
O mais estranho de tudo isto é que tudo se passa cada vez mais perto de mim. Com quem de um modo ou de outro me acompanhou ao longo de décadas, e que ao seu jeito ajudou a moldar a minha forma de ver o mundo. Mas também com quem fazendo parte de nós à distância foi comigo comunicando até ao fim, deixando aquele rastilho que me acaricia todas as manhãs e me faz sentir que vale a pena, que vale sempre a pena ser um homem livre.
Uma palavra, um gesto, um sorriso, sempre um estímulo e uma dignidade imensa na forma como iam acomodando os dias à sua dor, no seu combate, na sua liberdade, sem esmorecer, sublinhando aquilo que de mais belo existe na simplicidade de um olhar, na cumplicidade de um cumprimento, na ternura de um aceno.
E, é claro, com aquele "pouco de fé" que nunca fez mal a ninguém e se torna imenso quando o dia chega ao fim e se sabe que há mais uma noite esquinada para dobrar. Ainda que não raro saibamos que não somos únicos porque somos todos feitos da mesma massa e da mesma matéria, e que de cada vez que olhamos o céu e vemos os sonhos partirem irremediáveis a nossa raiva é igual, e se despeja sabendo que o sol voltará a brilhar.
Quem faz a estrada acaba sempre por conhecer o caminho. E sabe que é por ali que se deve seguir, com energia, com convicção, com carácter, sem olhar para trás, mantendo a constância e o ritmo. Com ternura, sem pieguices. Porque tudo valeu a pena. E nunca foi de mais.