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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
A Global Finance publicou um ranking com aquilo a que chama os países mais ricos do mundo ("The richiest countries in the World"). Macau não é um país, mas constituindo uma região dotada de algum ("cada vez menos") grau de autonomia, surge como se fora um país. Medalha de bronze é uma óptima classificação, visto que o indicador encontrado foi o PIB com ajustamentos. À frente de Macau ficaram o Qatar e o Luxemburgo. Logo a seguir vêm Singapura, Brunei, Kuwait, Irlanda, Noruega, os Emirados Árabes Unidos e a República de San Marino. A Suíça vem em 11.º e os outros, Portugal incluído (46.º lugar), a seguir.
Agora, pergunto eu, tirando esse indicador, há algum outro que coloque Macau nessa posição se comparado com os restantes que integram os dez primeiros? Por exemplo, em matéria de qualidade de vida, zonas verdes, poluição, educação, saúde, desporto, energias renováveis, reciclagem de lixos urbanos, higiene e limpeza de espaços públicos, acessibilidade para deficientes, civismo rodoviário, transportes públicos?
De democracia, direitos humanos, desburocratização administrativa, protecção ambiental, bilinguismo ou clientelismo sabemos do que a casa gasta. Sobre isto estamos conversados.
Mas quanto ao resto, creio que Macau poderia não ter a medalha de bronze. A de lata teria com toda a certeza.
O lugar de Macau no ranking dos países ou territórios mais ricos não tem qualquer significado. Rico é aquele que tem liberdade, saúde, educação, bem-estar, tranquilidade, ar puro, um poder legislativo fiscalizador, insubmisso e com iniciativa, um poder judicial forte e independente e uma administração pública ao serviço da comunidade. O Luxemburgo devia estar em primeiro lugar. Qualidade de vida e boa governança é tudo o que não temos e que nos faz falta. Muita.
O tema, à partida, afigurava-se interessante. O orador é um reconhecido intelectual de direita, homem culto que sempre assumiu com coragem as suas convicções. Discutir o populismo e a democracia, compreender fenómenos como o Brexit, Le Pen e Trump não poderia ter mais actualidade. Sobre estes temas e outros idênticos já eu próprio participei num debate público e tive intervenções versando esses temas num programa de rádio onde regularmente intervenho. E, pergunto eu, que poderá haver de mais estimulante, mesmo para quem professe ideias contrárias, do que debater com um intelectual da craveira de Jaime Nogueira Pinto essas questões da actualidade política, questões que por esse mundo dividem a direita da esquerda, o pensamento neo-liberal e conservador do socialismo democrático, os radicalismos extremistas dos diversos modelos de democracia?
Confesso que tanto me faz que a intolerância venha da direita xenófoba e racista, de uma "associação de estudantes" de "orientação maoista" (ainda há maoistas?; eles sabem o que é o maoísmo?) ou de um triste Sousa Lara.
Como uma vez mais se prova, a estupidez não tem cor política. Aquilo que aconteceu na Universidade Nova de Lisboa, uma respeitável instituição de ensino, com excelentes professores e pensamento crítico, é mais uma evidência de que muitas vezes os piores sinais vêm de onde menos se espera. De onde não podem vir. Uma academia, uma universidade, é um espaço de excelência para a troca de ideias, para a discussão e o debate, para a divulgação de experiências e conhecimentos. Sem debate e discussão não há pensamento crítico, não há inteligência, não há luz.
Como qualquer homem livre, avesso à intolerância, às trevas e à estupidez – esta passagem dá para perceber o nível dos censores: "[n]ão compactuamos com eventos apresentados como debates sob a égide de propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional" (sic) –, adepto de um bom debate, de uma discussão acalorada em torno de um punhado de ideias, quero aqui deixar registada a minha indignação e tristeza pelo que aconteceu na Universidade Nova de Lisboa.
Jaime Nogueira Pinto não será um novo Savonarola ou um Giordano Bruno. Ele merece a nossa solidariedade e eu espero que possa apresentar as suas ideias, para que possam ser discutidas, criticadas e apoiadas por quem quiser, tão breve quanto possível numa qualquer outra instituição universitária onde os estudantes se comportem como tal.
Porque só isso poderá ser salutar para a universidade, para a democracia e para a liberdade. Porque as ideias combatem-se com ideias, e não com a estupidez ignorante. Porque a intolerância não é esquerdista. A intolerância é pura e simples estupidez. E só no reino da estupidez é que a manifestação de uma opinião, seja de direita ou de esquerda, é um crime ou um delito. Portugal já tem estupidez que chegue.