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envergonhado

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.11.16

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A menos de um mês da data agendada para o início do 1.º Festival Internacional de Cinema de Macau, a demissão do consagrado Marco Müller, seu director, antigo responsável por festivais em Roterdão, Locarno, Veneza e Roma, entre outros, pessoa sobejamente conhecida na China e no mundo da Sétima Arte, caiu como uma bomba. E levanta muitas interrogações e perplexidades.

Enquanto o próprio não falar e apresentar as suas razões, as declarações entretanto produzidas por quem ficará com a responsabilidade de conduzir o evento daqui para a frente foram, no mínimo, hilariantes e são sinal do amadorismo e da falta de noção que por cá se tem da importância e dimensão de um evento da natureza daquele que se queria produzir.

Ninguém sabe o que vai sair do " Committee" (o festival só tem como línguas na sua página oficial o inglês e o chinês), mas bastará olhar para os currículos da presidente e dos vice-presidentes executivos para se perceber que levaram a vida toda a ler a Première, frequentando festivais e ciclos de cinema e que estão habituados a tratar por tu os De Niro, as Binoche, as Deneuve, os Scorcese e os Tarantino que regularmente desembarcam em Macau, para com eles discutirem as escolhas feitas em Berlim, San Sebastian ou nas margens do Lago di Como.

A demissão de Marco Müller é uma vergonha para Macau porque representa o fim da única garantia de qualidade que um festival de cinema, com pretensões de grandeza internacional, podia apresentar. Para este desfecho não valia a pena tê-lo trazido.

Não deixa por isso de ser estranho que alguém com o passado e prestígio do director que se demitiu, do qual não consta que seja um amador irresponsável ou esteja habituado a ser um pau-mandado de quem está no poder, fosse arriscar-se a enterrar o seu nome e reputação no Cotai. Um profissional com o prestígio internacional de Müller, construído ao longo de décadas, que inclusivamente está habituado a trabalhar na China, não precisa de Macau para nada. E, evidentemente, não está disposto a contemporizar com o amadorismo dos "talentos" locais que valeram as prédicas do primeiro-ministro chinês, na Torre de Macau, quando por aqui passou no mês passado.

Agora podem tentar salvar a face de Macau, irreconhecível de tão chamuscada, mas alguém terá de explicar, em vez de manifestar espanto com uma decisão "inesperada", como é possível que um homem como Marco Müller consiga organizar quase tudo e mais alguma coisa em todo o mundo, sempre com apreciável sucesso, e depois venha estampar-se em Macau, com todos os milhões que puseram à sua disposição, saindo a três semanas do começo do evento a que emprestou o seu prestigiado nome para a divulgação internacional e para convencer realizadores e actores de renome a por aqui aparecerem. 

É por isso mesmo ridículo que depois da sua saída se tenha dito o que que se disse, designadamente quanto a uma eventual acção judicial contra o agora ex-director, sem que fossem prestadas quaisquer outras explicações, e fazendo de todos nós parvos. E que tenha, inclusive, havido o descaramento de dizer que "vamos manter tudo o maior possível, para ser tudo igual, mas a gente vai ter mais coisas, ainda vai ter mais coisas". Mais coisas? Como por exemplo? Rifas? Algodão doce? Divergências de opinião? Esta gente está a gozar com quem? Com Pequim?

O que aconteceu com Müller já tem antecedentes não constituindo nesse ponto, infelizmente, uma novidade. É apenas mais um triste sinal da forma alucinada como por aqui se gere a coisa pública. Mas o que torna tudo isto ainda mais delirante é ver como os milhões são esbanjados em patos de borracha e afins, e em iniciativas que podendo vir a representar uma mais valia para a RAEM acabam por ser tão mal conduzidas, e de forma tão básica e provinciana, que mais se parecem com a organização de concursos de dança ou de misses no Restaurante Portas do Sol. A reacção das autoridades, pela forma e modo como se produziu, só serviu para envergonhar ainda mais Macau e as suas gentes, quase fazendo esquecer tudo aquilo que de bom, e também de muito bom, com muitos menos "talentos", meios e milhões do que aqueles que agora estão disponíveis, por aqui foi realizado durante décadas. 

O crónico nepotismo, aliás herdado da administração portuguesa e agora aliado à protecção de uma míriade de associações e sociedades comerciais sem gente, história ou meios, algumas recebendo milhões sem que se perceba bem para quê, com que finalidade, nem que resultados apresentam, é de tal forma vergonhoso e indigno da seriedade das gentes de Macau que um destes dias ainda vamos ver um anúncio nos jornais a pedir uma intervenção cirúrgica na RAEM para que seja feita uma limpeza eficaz e sem contemplações, que elimine o abundante lixo que se vê no NAPE e todas as famílias de roedores, rastejantes e moluscos que, dotados do dom da ubiquidade, se reproduzem por terra, mar e no ar em todos os negócios, concursos e iniciativas promovidas pelo ou com a chancela do Governo de Macau.

Temo, confesso, é que nesse dia seja tanta a bicharada apanhada na rede, entre graúdos e amanuenses, que acabem a ter de fazer uma ponte aérea entre Pequim e Macau para dotar o Ministério Público de procuradores trilingues, isto é, versados em cantonense, mandarim e inglês comercial, com especialização em "invoices", "subsídios" e "talentos locais" que consigam dar conta do recado.

Em todo o caso, como o seguro morreu de velho, o melhor será também tratarem da melhoria dos formulários destinados à exportação. Esgotada a capacidade de acolhimento para todos os que há anos se preparam afincadamente para se instalarem nos renovados aposentos do hotel que a Direcção dos Serviços Correccionais mantém em Coloane, seria boa ideia alargar a diversificação económica à exportação do muito mexilhão e da praga de lagostins, também conhecidos como "empresários", "investidores" e "empreendedores", que infesta as margens do estuário do Rio das Pérolas, dando cabo do habitat de espécies naturais que durante séculos mantiveram o equilíbrio e a convivência com os vermes que as marés e tufões iam trazendo ao final da tarde para a saudosa baía da Praia Grande, sem danos de maior ao ambiente, ao contrário do que hoje sucede em que até os habituais níveis de humidade de Novembro estão descontrolados. Quem sabe se o IPIM não encontraria aí um novo maná?

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