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descalabro

por Sérgio de Almeida Correia, em 13.09.16

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Ontem, o South China Morning Post (SCMP) destacou o assunto. Esta manhã o Ponto Final voltou a pôr o dedo na ferida.

Duzentos milhões de dólares de Hong Kong são anualmente despendidos para enviar pacientes para Hong Kong. Para quê? Aparentemente para exames e tratamentos que deveriam ser realizados em Macau. O valor pode parecer irrisório face aos quase oito mil milhões de patacas que foram orçamentados para 2016 na área da Saúde, mas não pode deixar de ser considerado um valor brutal face à má qualidade dos serviços actualmente prestados nesta área pelo Governo da RAEM.

Não vale a pena, por agora, falar no mais do que escandaloso caso do novo Hospital, nos cheques-saúde de valor irrisório que são distribuídos pela população, que nem para duas consultas anuais chegam, nem nas promessas feitas pelo membro do Governo que tem a tutela em relação à excelência do serviço que se propunha oferecer à população, mas do qual toda a população foge como o diabo da cruz.

Para mim, o número de consultas ou de profissionais ao serviço do sector não me serve de indicador da qualidade, neste caso péssima, do que é oferecido à população sempre que é necessário ir um pouco mais além do que meia dúzia de pontos nos serviços de urgência ou da aplicação de um penso.

Da reportagem do SCMP, o que ressalta é a profunda desconfiança que a população tem no sistema de saúde de Macau, nas qualificações e competências dos seus profissionais, o que sendo injusto para alguns não é de espantar atendendo à sangria de quadros que se registou com o final da Administração portuguesa e com a forma como foram corridos do serviço público para o privado alguns dos melhores profissionais que ali trabalhavam para serem substituídos por outros que são perfeitamente incapazes de efectuarem um diagnóstico correcto e a tempo e horas, ignorando situações gravíssimas, as quais são geradoras de perplexidade perante os seus colegas de outras jurisdições quando confrontados com as situações clínicas e a percepção dos pacientes de que durante anos todos os exames e consultas que fizeram em Macau não serviram para nada.

As queixas, inquéritos e acções que correm e que têm sido instaurados, alguns arquivados sem que se perceba muito bem a razão para o arquivamento, não são sinal da excelência do serviço prestado, mas da sua incapacidade e falta de qualidade para responder ao que lhe é solicitado. Mais escandaloso quando se sabe que as dotações para uma certa associação de beneficência, que de cada vez que é necessário ajudar os mais pobres e desvalidos se recusa a tratá-los sem dinheiro à cabeça, "chutando-os" rapidamente para o hospital público como se tivessem lepra, está sempre a aumentar. É inaceitável que um utente que necessite de uma consulta e de fazer exames de rotina se dirija a um centro de saúde, lhe seja marcada uma consulta para daí a quase dois meses e depois passe mais um mês e meio até que esse mesmo utente possa voltar à consulta com as análises e os exames que lhe foram solicitados. Aconteceu comigo, sei do que falo. Vi salas cheias e gente à espera. Como eu.

Do que tenho visto e ouvido tem havido de tudo: doentes que são aconselhados pelos próprios médicos, perante situações mais graves, a não serem tratados em Macau; doentes que vão para HK sem necessidade, sendo-lhes depois perguntado por que não foram operados em Macau; doentes que devem ser enviados para tratamento no exterior por falta de especialistas competentes aqui e em relação aos quais ninguém quer assumir a decisão de enviá-los para o exterior; doentes que são tratados a maleitas ligeiras quando estavam com doenças do foro oncológico que aqui não foram diagnosticadas; enfim, um nunca mais acabar de situações que dão conta do estado de descalabro (consentido) que se vive em matéria de Saúde na RAEM. Da oncologia à oftalmologia, da dermatologia à estomatologia, da radiologia à endocrinologia, da cardiologia à cirurgia vascular, para só falar em algumas das especialidades mais badaladas, a situação é aterradora. 

A reportagem do SCMP e o valor que agora todos ficamos a conhecer é deveras escandaloso. Não tanto pelas queixas acolhidas na reportagem, as quais de há muito são de todos conhecidas, nem pelo valor em si, equivalente a um pacote de amendoins para uma região como Macau. Mas mais pelo que representa em termos de inépcia, de incapacidade de gestão e de incompetência face às verbas gastas em Macau e à péssima qualidade dos serviços prestados. Mas a mais quando nesse valor não entra aquilo que sai do bolso de cada um directamente para os médicos, hospitais e clínicas de Hong Kong, de Taiwan, da Tailândia ou de Portugal. Ainda que multipliquem por dez os subsídios directos ou indirectos à Universidade de Jinan ou a uma qualquer associação de "beneficência", se não se voltarem a contratar médicos e profissionais de saúde competentes, rapidamente e com capacidade para transmitirem conhecimentos e operarem os equipamentos parados, a situação não se irá alterar. 

Se a RAEM pretende ter áreas de excelência, se pretende diversificar alguma coisa, pode começar por oferecer um conjunto de serviços médicos capazes aos seus cidadãos, com especialistas competentes, responsáveis e responsabilizáveis, de maneira a que de cada vez que há algum problema não se refugiem na burocracia dos serviços, na falta de quadros, na insuficiência das instalações, na falta de equipamentos, na enfermeira ou no final do turno.

Uma região como a RAEM, que se gaba de apresentar os melhores casinos e hotéis do mundo e dezenas de restaurantes com chefes e estrelas Michelin, que se orgulha de ter um PIB per capita superior a 90.000 USD, o que coloca Macau no top 5 mundial, não pode continuar a ter a Saúde que tem. Com um rendimento ao nível dos suíços é de esperar que os serviços médicos e todos os outros que dependem do Governo estejam ao nível do que no país daqueles se faz. E não que, com o que aqui se factura, os diagnósticos estejam ao nível do que se faz no Congo ou no Bangladesh.

A má qualidade dos serviços médicos especializados e a desconfiança que os que são actualmente prestados gera junto da população de Macau deviam ser motivo de preocupação. E muita vergonha. É bom falar nisto no dia em que o Parisian é inaugurado com toda a pompa e o glamour de Lara Fabian. Aqui já escasseiam as rosas, e as Tulherias há muito que estão sem jardineiros. 

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