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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
O Sr. Fong, conhecido como Fong Soi Kun, é um funcionário público da RAEM, como milhares de tantos outros. Daquilo que sei, é um indivíduo íntegro, preparado e trabalhador. Pode não ser, e não é, um bom comunicador, mas tem a grande virtude de falar português, melhor do que eu alguma vez falarei chinês, ser esforçado e genuíno. Provavelmente terá muitos defeitos, e outras qualidades, que nós desconhecemos. O que não lhe pode ser apontado é o pecado do exibicionismo, em que são pródigos tantos dos que por aí andam pela administração pública e pelos tribunais da RAEM, nem a falta de autenticidade. Eu estava à espera, depois daquilo que ouvi na tarde da chegada do tufão Nida, que entre as vinte e duas e as duas horas fosse içado o sinal 8. Estava à espera mas não aconteceu.
Eu vi da minha janela as árvores agitando-se, vi motociclistas em dificuldades, senti o vento sibilar a noite toda, a chuva bater violentamente contra a enorme superfície vidrada do meu quarto, mas nada. Não havia notícias, pelo menos para portugueses, em português. Nem na rádio, nem na televisão. Quando de manhã ouvi as primeiras notícias percebi que o sinal 3 continuava içado. Na minha modesta opinião, o sinal 8 devia ter sido içado durante a noite. Não foi, paciência. Não houve acidentes pessoais, a coisa passou sem danos de maior.
Nada do que ocorreu justifica um pedido de demissão do Sr. Fong. Explicou, como pôde e da melhor forma que soube, o que se tinha passado. Assumiu as suas responsabilidades. Eu nunca vi outros profissionais, alguns exercendo funções mais elevadas do que o Sr. Fong, assumirem as suas responsabilidades por decisões mais graves. A meteorologia não é uma ciência exacta, apesar de ter pretensões a sê-lo. E aqui há uns meses o Sr. Fong e os serviços que dirige foram criticados por causa de dois avisos de chuvas fortes que na altura, felizmente, não ocorreram nos termos que haviam sido previstos. Nessa ocasião houve papás e mamãs que se queixaram, muito incomodados, porque tinham tido que ir buscar os petizes à escola, não tinham com quem deixá-los e afinal não choveu o anunciado. Quando agora o criticaram por não ter sido içado o sinal 8, todos se esqueceram disso.
O Sr. Fong está sempre no olho do tufão. Ou da chuvada. Um dia quis ser previdente, evitar que as pessoas fossem apanhadas desprevenidas, foi criticado. Agora optou por seguir os critérios do manual e foi de novo criticado. Justificou-o. Falou à imprensa, foi à televisão.
Nada do que aconteceu justifica que se peça a sua demissão, mas até a isto o Sr. Fong respondeu, dizendo que está ali para servir e que se quiserem afastá-lo poderão fazê-lo.
O Sr. Fong pode ter muitos defeitos. Pode não perceber nada de meteorologia (eu também não percebo, é tudo a olho). Mas o Sr. Fong é um homem sério. O Sr. Fong é um homem em quem se pode confiar, mesmo que depois o tempo lhe pregue algumas partidas. Eu gostava que a Administração de Macau tivesse tantos homens e mulheres tão sérios quanto o Sr. Fong. Gente que dê a cara nos momentos de sucesso e de insucesso, que decida, que assuma os seus próprios erros, que seja bilingue e fale uma linguagem compreensível para os portugueses, gente que não se esconda atrás do chefe, que não tenha medo dos poderes informais, que não receie os gritos estridentes da populaça e dos paus-mandados, que não seja fala-barata.
Gente séria merece o meu respeito. O Sr. Fong tem o meu respeito. E desta vez, também, a minha compreensão.