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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Vou ao balcão de um banco de Macau depositar um cheque. No banco dizem-me que a conta tem mais do que um titular e que esse cheque deverá ser passado em nome dos vários titulares, isto é, com todos os nomes que figuram na conta existente nesse banco.
Achei a exigência uma imbecilidade porque, além do mais, se a conta tiver dez ou vinte titulares não haverá espaço disponível em nenhum cheque deste mundo para lá pôr os nomes de todos os titulares. O banco recusou o depósito do cheque na conta a que se destinava por só lá ter o nome de um dos titulares. A seguir escrevi à AMCM (Autoridade Monetária de Macau) para saber se esse procedimento do banco está correcto.
Pensava eu que a resposta seria simples. Enganei-me. A AMCM em resposta à minha comunicação veio dizer-me o seguinte:
"Segundo as informações disponíveis da AMCM, o Banco ............... (Macau), S.A. estabeleceu algumas regras na “Mandate for Joint Account”, relativas ao processamento de cheques a depositar nas contas detidas por mais de um titular. Para o esclarecimento de quaisquer dúvidas, poderá pedir mais informações adicionais junto do respectivo banco".
Volto a insistir dizendo que não foi isso que eu perguntei, pelo que repito de novo a pergunta para que não haja dúvidas. A AMCM envia-me nova resposta sobre a mesma questão:
"O beneficiário do cheque cruzado e o titular da conta destinada a depositar o cheque deve ser o mesmo, de modo a proteger o interesse do beneficiário".
Ainda havia uma outra dúvida que também foi respondida em termos idênticos. Isto é, não foi.
Fiquei sem perceber se nessa instituição pública da RAEM ainda existirá alguém que saiba ler e escrever a segunda língua oficial de Macau. Ou se preferem que me faça de estúpido. Estamos assim.
Esta semana, em entrevista à Rádio Macau e a Gilberto Lopes, motivada pelos imbróglios mais recentes criados pelas alterações à Lei de Terras, a advogada Manuela António passou em revista, de forma simples e clara, algumas das questões mais importantes do dia-a-dia da RAEM e que são fundamentais para o seu futuro enquanto região autónoma da RPC dotada de um estatuto especial.
Descontando aquilo que é a defesa dos interesses dos seus clientes relativamente aos terrenos junto aos lagos Nam Van, e muito embora seja possível perceber que se há situações de caducidade e reversão discutíveis, outras há que não levantam dúvidas quanto à justeza das posições do Secretário para as Obras Públicas e ao cumprimento da lei, as suas declarações e o conhecimento que tem da situação voltaram a sublinhar a necessidade de uma avaliação casuística.
O problema, como a própria reconheceu, é que a lei está mal feita, não se percebendo de todo como é que foi possível ser aprovada nos termos em que o foi, sabendo-se de antemão das respectivas consequências e sem que nos anos anteriores fossem tomadas medidas que obviassem à situação actual. A ignorância, a falta de coluna de alguns, o tradicional comodismo, o maior amor às patacas do que à causa pública, o medo de levantar ondas e o receio sempre presente de desagradar a quem manda, explicam muita coisa mas não explicam tudo.
De qualquer modo, e tirando esse que é um aspecto particular da sua causa, é difícil que alguém de boa-fé e com conhecimento do que se passa em Macau não esteja de acordo com a maioria das coisas que foram ditas aos microfones da TDM.
Das notas em relação à produção legislativa medíocre, à incapacidade de decisão patente a todos os níveis, do Executivo à máquina burocrática da Administração Pública, sem esquecer o nível sofrível dos novos juristas que actualmente exercem funções nesta, formados sabe-se lá onde e como e não tendo a mínima noção daquilo que é o direito local, foram poucas as áreas que escaparam ao crivo da análise.
A Associação de Advogados também teve a sua quota-parte de atenção devido à forma como tem lidado com o problema da admissão de advogados vindos de Portugal, mas onde a advogada esteve particularmente bem foi na referência à situação dos tribunais. Os aspectos positivos atinentes à boa formação geral da maioria dos magistrados não escondem a necessidade do Tribunal Administrativo ser dotado de mais juízes, de continuar a haver uma grande carência de magistrados portugueses experientes - fundamentais para elevar a formação local e transmitir uma certa maneira de lidar e de estar própria do exercício dessas funções - e de ser essencial promover uma alteração da lei da organização judiciária. Esta também foi pedida há alguma semanas por João Miguel Barros, devendo-se nisso insistir, para além da premência de se aumentar o quadro de juízes do TJB e de se fazer uma avaliação permanente do desempenho dos magistrados. Quanto a este ponto, importa volta a sublinhar que é fundamental conhecerem-se as classificações das avaliações que já se fizeram. Até para protecção dos bons juízes de Macau e do que de bom se faz quando se julga, de maneira a que possam ser afastados os que reconhecidamente não devem exercer funções na judicatura e que com o seu desempenho só prejudicam a classe a que pertencem e a justiça que por aqui se faz, desacreditando-a.
Em momentos de incerteza como o que atravessamos, em que a insegurança quanto ao futuro é grande, é fundamental que as instituições não dêem sinais de desnorte, de errância quanto ao futuro, não raro de fraqueza e desconforto para traçarem um rumo e decidirem com visão de futuro. Quando se torna mais óbvia a falta de debate público das grandes questões, a ausência de massa crítica, de gente competente na Assembleia Legislativa e de quem fale sem receio, mesmo quando defende os interesses de terceiros, das questões que interessam, seria bom que os poucos que em Macau têm estatuto não se refugiem neste.
Alguns dos que têm responsabilidades deviam ouvir a entrevista. Talvez mesmo pedirem a alguém que a transcreva e traduza para chinês quanto às partes mais essenciais. Pelo menos, e se isso não for pedir demais, para se inteirarem da dimensão de alguns dos problemas que nos afectam e de outros que eles próprios criaram e não sabem como resolver.
Quanto ao resto já nem peço nada. Já todos percebemos em que posição se encontram face a Pequim.
Agora que começámos a ter alguma disciplina táctica, organização e espírito colectivo, de tal forma que conseguimos conquistar um título europeu na mais portuguesa das capitais europeias, o melhor é o seleccionador nacional Fernando Santos avisar a malta de que já só temos menos de dois anos até podermos festejar o próximo título (a Taça das Confederações não conta). Não seria nada agradável, depois deste brilharete que repôs a verdade futebolística no Velho Continente e Scolari no seu merecido lugar, não conquistarmos o próximo Mundial de futebol por culpa dos festejos que começaram ontem à noite e ainda não se sabe em que ano terminarão.
"A barbatana caudal é bifurcada e os seus olhos grandes. As barbatanas peitorais são longas e em forma de gadanha. As escamas são ligeiramente serrilhadas dando ao corpo uma textura áspera. A boca contém muitas filas de pequenos dentes que ajudam na ingestão de pequenos peixes e camarões."
Vendido como cherne, no final verifica-se que não passava de uma xaputa (também grafado como chaputa).
A actuação do Executivo da RAEM, no sentido de declarar a caducidade dos terrenos concessionados que não foram objecto de aproveitamento durante o prazo contratado, tem dado azo às manifestações mais mirabolantes. O que se tem ouvido aos interessados, alguns mais outros menos, deputados incluídos, tem sido do domínio do surreal. Nada que se estranhe em Macau.
Compreende-se o desespero que se apoderou de alguns "investidores" que no tempo da Administração portuguesa beneficiaram de uma política de atribuição de terras obscura e que ostensivamente beneficiava os compadres políticos, de seita e de negócios, só possível em virtude da subserviência própria de quem se queria sentar à mesa do poder, rastejando se preciso fosse, para obter um favor, uma benesse, uma medalha e que agora vêem ser drasticamente reduzida a sua margem de especulação e a possibilidade de continuarem a manobrar e a ganhar dinheiro como sempre fizeram, com a inércia, a passividade, a incompetência dos poderes públicos e a ignorância de alguns parceiros "investidores" que atravessavam as Portas do Cerco com malas cheias de dinheiro para se apresentarem nos seus escritórios e "investirem" em fontes paradisíacas de onde jorrariam ninfas anafadas, dólares perfumados e mais concessões.
É natural que perante uma decisão política que tarde e a desoras, mas ainda assim a tempo, se lembrou de começar a cortar a direito as coisas piem mais fino. E haja quem sem culpa e sem nada ter feito para isso seja verdadeiramente prejudicado pela decisão do Chefe do Executivo da RAEM da mandar cumprir a lei. Estes têm de defender os seus legítimos direitos usando as armas que a lei lhes confere.
Mas, ao contrário do que diz o presidente da Nam Van, esta forma de funcionar do Executivo não "mina a confiança de pequenos e grandes investidores". Bem pelo contrário. É preferível minar, e não me aprece que seja o caso, a confiança de uma meia dúzia de "investidores" desses do que minar a confiança de todos os cidadãos e de todo o sistema jurídico da RAEM. O importante é que as regras do jogo estejam bem definidas e todos saibam com o que podem contar.
Antigamente, sempre se recorreu a uma forma arrevesada de fazer política e negócios, de dialogar entre-portas com quem decidia, de se combinar no gabinete e entre brindes glamorosos o que devia ser feito num mercado livre, transparente e com regras, embora depois sempre se quisesse dar para o exterior, para a população, para os papalvos, a imagem de que fora tudo muito transparente, rigoroso e patriota. Por isso mesmo, Macau cresceu da forma desordenada e caótica que todos conhecemos, que permitiu a alguns enriquecerem muitíssimo e à cidade e à maioria da população empobrecerem, de tal forma que se vive hoje muito pior do que se vivia no chamado "tempo colonial". Esta é uma realidade incontornável.
Se há gente afectada com decisões ilegais do poder político da RAEM, se há situações de injustiça na actuação desse mesmo poder, as situações deverão ser corrigidas. E se tiver de ser nos tribunais não há que ter medo disso.
Ao contrário do que se disse por aí, num seminário que, pelo que vi na televisão e li nos jornais, mais parecia uma conferência de imprensa dos espoliados do Ultramar ou do Movimento dos Sem-Terra, não é o recurso aos tribunais que desprestigia o exercício do poder ou mina a confiança na justiça. Os tribunais, em qualquer Estado de direito, têm uma função e constituem um órgão de soberania. Não são uns monos que estão ali só para inglês ver, com uns tipos obedientes, medrosos e submissos a quem os cidadãos pagam generosamente para que profiram as sentenças que nos dão jeito e quando nos convém.
O problema dos maus hábitos, mesmo em famílias com bons princípios, é que se tornam viciantes. E quando não são atalhados logo de início enraízam-se, passando a ser vistos por quem deles beneficia como direitos adquiridos. Só que como em todas as famílias, quando o patriarca que fechava os olhos a tudo morre, e outro mais novo e menos complacente lhe sucede e procura pôr ordem em casa, é evidente que os ociosos que passavam os dias a jogar mah-jong, a beber e a fumar umas cachimbadas enquanto as concubinas lhes massajavam os pés e as costas, se sintam penalizados nos seus hábitos de décadas. Habituados como estavam a dar ordens e a receber os seus proventos com um simples telefonema, os viciados estranham. E não se conformam.
Cada declaração de caducidade das concessões por incumprimento dos concessionários é uma excelente oportunidade para estes, isto é, os tais "investidores", testarem o funcionamento do segundo sistema em Macau. Bem como para colocarem à prova a máquina da justiça, a isenção, a independência e a autonomia dos tribunais da RAEM. Se tiverem direito a indemnizações elas serão seguramente chorudas. Basta que façam prova do seu direito, o que, pelo que tenho ouvido das suas inflamadas declarações, lhes deverá ser relativamente fácil.
É bom que fique claro que os tribunais da RAEM não devem ser só para os pobrezinhos e descamisados fazerem valer os seus direitos quando os "investidores" lhes pisam os calos. As questões "importantes" também devem ser decididas pelos tribunais, se tiverem que o ser. E os tribunais devem estar aos serviço de todos, incluindo dos "investidores".
Estou certo que os que se têm desdobrado em órgãos de comunicação social a defender esses mesmos "investidores", apesar de alguns também darem ares de "investidores" afectados, mas que tanto contribuíram com o seu empenho para a criação do sistema de justiça de Macau e o actual estado de coisas, alguns na Assembleia Legislativa pré-1999 e nos órgãos judiciários, estarão de acordo comigo. Outra coisa, aliás, não se esperaria deles.
"You govern with the government you have, not with the government you wish you had."
Esta é das boas.