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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Foram vários os jornais que esta manhã deram destaque ao relatório do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) relativamente à denúncia que fora oportunamente formulada a propósito do tão falado donativo de cem milhões de patacas à Universidad de Jinan. Como seria de esperar, não foi encontrada nenhuma ilegalidade, nenhum conflito de interesses, nenhuma irregularidade, e isso mesmo foi sublinhado, por exemplo, no Ponto Final, no HojeMacau e no Macau Daily Times.
A questão é que o CCAC pode afirmar isto mil vezes e repetir até à exaustão as conclusões da sua investigação que isso não irá mudar nada em relação ao sentimento que muitos cidadãos têm em relação ao que se decidiu. O problema de muitos regimes, e isso é verdade tanto para as democracias como para as ditaduras, é que confundem burocracia e legalidade com ética e moral.
O que estava, e está, em causa na decisão de atribuição do subsídio de cem milhões de patacas – valor que não pode ser considerado uma ninharia – não é o altruísmo ou filantropismo da decisão de apoiar uma universidade chinesa, de contribuir para uma elevação dos padrões dessa casa onde são formados muitos dos profissionais da RAEM, ou um mero acto magnânimo da Fundação Macau.
O problema da eventual legalidade ou ilegalidade até era uma questão secundária na apreciação que houvesse de ser feita. Como também o era aquela decisão, que felizmente aguarda melhores dias, de atribuição de subvenções pela cessação de funções a ex-governantes pelo exercício de funções que são altamente remuneradas e das quais só tiveram benefícios (o trabalho é inerente a qualquer profissão), por comparação com aquilo que ganha a maioria da população de Macau e a resistência que tem havido a conferir um módico de dignidade à remuneração e direitos de alguns profissionais.
Nem tudo o que é legal é eticamente aceitável ou moralmente inquestionável. E sabe-se como muitas vezes, não necessariamente em Macau, mas também aqui, o cumprimento de formalidades serve para encobrir cambalachos, negócios reprováveis e tratamentos de favor.
Não é o facto de um qualquer donativo ser legal, ter visto todos os seus trâmites respeitados e ser decidido por quem tinha competência para tal, que escamoteia o tratamento que é dado a determinados grupos ou entidades. Não é dessa forma, isto é, pela distribuição de benesses cumprindo formalismos dentro dos parâmetros legais, que o poder se valoriza e os titulares dos cargos se prestigiam aos olhos dos cidadãos.
Numa terra que, como alguém escrevia há umas semanas, está infestada de ratos e roedores de várias estirpes, em que coisas básicas como a limpeza das ruas ou a lavagem dos contentores de lixo não existe, acumulando-se o lixo diariamente às portas dos mais variados serviços públicos, em que a emissão de fumo pelos escapes dos autocarros ou a obrigatoriedade dos veículos pesados circularem pela faixa da esquerda nas vias com mais do que uma não merecem qualquer atenção, para já não falar no escândalo que é a construção do novo hospital ou as obras do Metro, não deixa de ser curiosa a rapidez com que se vai buscar a lei para justificar o que é censurável aos olhos da população. Não porque a Universidade de Jinan não seja uma entidade merecedora de um donativo, mas tão simplesmente porque existem outras prioridades, bem mais prementes para os cidadãos de Macau e que mexem com o seu dia-a-dia, do que a atribuição de donativos à Universidade de Jinan.
Não perceber isto é não ver o quanto se degradou nos últimos anos a relação entre a população e os seus governantes. Cumprir a lei não basta quando não se interiorizou o seu sentido. E, pior do que isso, se continua a confundir o seu cumprimento com o rigor dos princípios subjacentes ao exercício do poder e com a exigência de elevação ética da decisão.