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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Se ainda não viu, ainda está a tempo de visitar a estupenda mostra de pintura austríaca, cobrindo um século entre 1860 e 1960, que está patente no Museu de Arte de Macau. Dividida em Sonata, Andante, Minuet e Finale, a exposição reúne 89 obras de 34 colecções de entidades públicas e privadas. Partindo do evento designado como Secessão de Viena, no século XIX, podemos apreciar obras de Klimt, de Schiele, de Moser, de Kokoschka, de Pauser, de Olga Wisinger-Florian e de muitos outros. Naturezas mortas, auto-retratos, paisagens de montanha e do campo, algumas de cidades de Itália, como Positano e Nápoles, também de Xangai, cenas do quotidiano, circos e alguns nus belíssimos.
Lamentável é que a língua portuguesa continue a ser tão maltratada pelas entidades oficiais da RAEM. O estatuto de igualdade das línguas é cada vez mais uma miragem. Dos discursos oficiais à prática dos serviços públicos, dos tribunais à cultura, sem esquecer o que aconteceu recentemente na Universidade de Macau, a língua portuguesa continua a levar tratos de polé sem que as autoridades oficiais portuguesas lhe dêem a atenção que o assunto merece.
Aquilo de que a comunidade chinesa se queixava, com razão, no período anterior a 1999, e que durante tanto tempo foi descurado pelas autoridades portuguesas, e depois tão mal e tão tardiamente resolvido pelo último soba que por cá andou, é agora alegremente praticado pelas entidades responsáveis da RAEM, inclusive num domínio como o da cultura e num Museu, um dos mais importantes da cidade, numa mostra com características internacionais.
Como pode dizer-se que Macau é uma cidade de turismo, virada para o turismo, multicultural e aberta ao mundo e a quem nos visita, quando uma exposição tão importante como "Um século de arte austríaca 1860-1960" nem sequer tem um catálogo bilingue? Já nem digo em português, que isso é um resquício colonial, mas ao menos em inglês. Quando procurei o catálogo disseram-me que desta vez só havia em chinês. E neste nem os nomes dos pintores aparecem de outra forma que não seja em caracteres chineses. Também as explicações relativas a cada obra só existem em chinês, bem como os painéis informativos relativos aos pintores. Com excepção do painel da entrada e dos que abrem cada uma das partes da exposição, que surgem em chinês, português e inglês, o resto é tudo só para falantes e leitores chineses.
E se isto é assim num Museu de Arte e numa cidade que se diz internacional, quando ainda estamos a mais de trinta anos do final do período de transição, imaginem em que estado chegará a Língua Portuguesa a Dezembro de 2049. A avaliar pelo interesse e abastardamento a que tem sido votada pelas entidades oficiais de cá e de lá, presumo que será vista como uma lamentável excentricidade da Lei Básica da RAEM e da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau com a qual ninguém se importa e que só serviu para alguns pavões retirarem dividendos políticos e receberem as bugigangas alusivas, que sem qualquer pudor ainda penduram ao peito.
Já houve tempo em que acreditei que um dia isto mudaria. Hoje tenho a certeza de que nunca irá mudar. Há muitos prismas de análise, muitas maneiras de justificar a forma como estas práticas se vão enraizando e reproduzindo, e até agora têm sido todas igualmente más. Para fazer melhor era também preciso saber fazer diferente. Correr riscos, dar o exemplo, mudar. E não é o facto de se manterem dois ou três da cor dos outros que serve de desculpa para o que se faz. Assunção Cristas também lá ficou com um comissário que não tinha para onde ir durante a travessia do laranjal.
Porque para contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir há merceeiros que não falham e também apresentam resultados. Por isso nunca me revi neste tipo de práticas, nunca as aceitei, e serem feitas pelo PS não altera a minha maneira de ver as coisas. São tão medíocres os centristas e social-democratas que justificavam as suas miseráveis nomeações com o que se passava no tempo de Sócrates, como os que agora fazem o mesmo e saem em defesa do Governo justificando com o que se fez no tempo de Passos Coelho e Paulo Portas. Não há boys bons e boys maus.
A maré vai e volta mas os detritos que se mantêm à superfície e chegam à praia são sempre os mesmos. Latas velhas, bocados de esferovite, plásticos imundos, peixe podre. Muito. Ninguém se importa, ninguém os quer limpar porque isso dá muito trabalho. E continua-se a estender a toalha na praia, a levar a cadeirinha, mais o jornal com as palavras cruzadas, a grafonola para ouvir os discos pedidos e o bronzeador. Por mais janelas que se abram o cheiro será o de sempre.
Não há regime que aguente. Não há confiança que resista. No meu país só a inércia é que se reproduz. A inércia e os maus exemplos.
Ao fim de mais de quatro anos de Governo em coligação com o PSD, tendo a seu cargo pastas nas áreas do trabalho e da segurança social (Mota Soares foi ministro da Solidariedade, Trabalho e Segurança Social), económica (Pires de Lima foi ministro da Economia, Mesquita Nunes foi secretário de Estado do Turismo) e fiscal (Paulo Núncio foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), sem esquecer que ela própria Assunção Cristas foi ministra da Agricultura e do Mar, ou seja, pastas que tinham que ver com a vida das empresas, a nova presidente do CDS-PP foi ao XXVI Congresso do CDS-PP propor "que na economia sejam identificados os obstáculos à criação e ao desenvolvimento das empresas".
Um tipo lê e fica na dúvida se era mesmo isso que a senhora queria dizer. Porque se ao fim de quatro anos de Governo os membros do CDS-PP nesse mesmo Governo não conseguiram identificar os obstáculos à criação e desenvolvimento de empresas, tendo além do mais tantos empresários nas suas fileiras, é caso para perguntar o que andaram a fazer nessas pastas que Passos Coelho lhes atribuiu. Propaganda?
(Estela Silva/Lusa)
Nos seus quarenta anos de existência, o CDS-PP, antes apenas CDS, talvez em breve de novo CDS, passou por diversas fases e conheceu vários presidentes (Freitas do Amaral, Francisco Lucas Pires, Adriano Moreira, Manuel Monteiro, Paulo Portas, Ribeiro e Castro, e de novo Paulo Portas). A partir de amanhã o CDS-PP terá um novo líder.
Assunção Cristas vai assumir os destinos de um partido histórico da democracia portuguesa numa altura particularmente difícil para o partido que vai dirigir e para o país. Não é normal que assim seja, mais a mais tratando-se de uma mulher. Menos ainda porque o país já foi, numa infelicidade manifesta mas que diz muito do país que somos, definido como uma “coutada do macho latino”, um país de forcados, chicos espertos e fala-barato.
O CDS-PP tem passado por momentos menos bons, outros melhores, mas conseguiu sempre resistir em fases difíceis da sua existência a acontecimentos nefastos e à pressão externa e interna (por exemplo: Palácio de Cristal, falecimento de Amaro da Costa, conflito Monteiro/Portas, lideranças de Adriano Moreira e Ribeiro e Castro), afirmando-se como um partido com indiscutível representação social, embora sujeito a um eleitorado demasiado volátil e à mercê das constantes oscilações, incertezas e ajustamentos de rota provocados pela navegação de cabotagem a que o PSD habituou os portugueses e o seu eleitorado de centro-esquerda.
Também por via disso, o CDS-PP tem oscilado entre o centrismo puro de inspiração democrata-cristã, o conservadorismo clássico, o liberalismo moderado (mais moderado do que o do seu congénere situado imediatamente à esquerda) e alguns desvarios neoliberais, com mais ou menos pozinhos populistas, numa acomodação q.b. ao regime e ao poder, através da qual procura transmitir a imagem de comprometimento enquanto está neste e as coisas correm bem, e de descomprometimento e distanciamento assim que se vê com um pé fora, estratégia em que Paulo Portas foi exímio. Os ciclos de ascensão e poder, aliás coincidentes com períodos de grande imoderação verbal e fortes apelos populistas, tensões e rivalidades, têm-se sucedido a momentos de grande incerteza, procura de afirmação da sua própria identidade e reencontro com o seu eleitorado, estes últimos servindo para manterem o partido à tona da água.
O actual momento não foge a esta incerteza. A saída de Paulo Portas marca o fim de um ciclo que foi também marcado por expulsões e defecções em massa de militantes, sublinhando o afastamento de um líder que teve tanto de eucaliptal como de carismático, para o pior e o melhor, e uma tentativa de descolagem dos últimos quatro anos, marcados pela menorização e subordinação do CDS-PP ao PSD e às contingências económicas e financeiras ditadas pela troika e a irresponsabilidade e a negligência que sublinharam o segundo mandato de José Sócrates, atirando o país — marcado pela cegueira da oligarquia dirigente e dos militantes do PS, a conivência oportunista do PSD, do então Presidente da República, dos partidos da esquerda dita radical e do próprio CDS-PP — para um crise gravíssima. O CDS-PP acabaria por ser um dos beneficiários dessa crise, mas em razão do seu tacticismo e falta de ousadia não soube tirar partido das circunstâncias ficando até ao fim agarrado ao poder, numa altura em que a sua manutenção na geringonça de Passos Coelho já não antevia nada de bom para o partido e para o país. A participação no falhado Governo dos dez dias foi o estertor do portismo (também do passismo que segue por aí moribundo de bandeirinha na lapela enquanto os seus apoios são investigados em Gaia).
A saída de Paulo Portas, colocando ponto final a um período de estagnação, centralismo e política de sacristia que envolvia a distribuição de hóstias a pedido de várias famílias e ao domicílio, abre um novo momento para o CDS-PP e a possibilidade da sua afirmação num campo eleitoral subitamente alargado pelo quase desaparecimento do PSD da cena política, cada vez mais agarrado aos seus fantasmas e às suas sombras (Pacheco Pereira tem sido exemplar na forma como tem analisado este período da vida do PSD).
Os primeiros sinais deixados por Assunção Cristas no XXVI Congresso indiciam a sua indiscutível vontade de mudar e de corrigir algumas das disfunções identificadas por Adolfo Mesquita Nunes (Visão, 7/1/2016) num texto recente e de que amiúde se queixou José Ribeiro e Castro (vd. "O “Napalm” como arte dirigente", Público, 02/01/2014; "O dia em que morreu o CDS", Público, 11/8/2015, "O “napalm” como arte dirigente 2", Público, 29/02/2016, mas em especial "Para que serve o CDS", in CDS - 40 anos ao serviço de Portugal, Prime Books, no prelo), creio que com inteira razão, designadamente quanto ao desprezo a que os militantes foram votados nos últimos anos (a este propósito leia-se também a carta de desfiliação do desencantado militante Luís Russo Pistola, publicada em 16/06/2014, na sua página do Facebook), havendo inclusivamente decisões sem qualquer suporte jurídico-estatutário tomadas pela direcção à revelia dos órgãos próprios do partido e dos seus militantes (“Comissão Política Nacional da Coligação Portugal à Frente”). Um outro sinal da vontade de imprimir uma mudança por parte de Assunção Cristas é a sua decisão de apoiar a criação de um órgão próprio de acolhimento e integração de novos militantes (decisão que vivamente saúdo e gostaria de ver replicada no meu próprio partido), imposta pela necessidade da renovação e relegitimação perante o seu eleitorado e de afirmação perante o potencial.
Também a chamada de mais mulheres aos órgãos nacionais – pese embora o anacronismo da inclusão de Cecília Meireles – e de novos dirigentes, reconduzindo os mais capazes, menos comprometidos com o passado e que mais garantias podem dar de consolidação de uma liderança (João Almeida e o ostracizado Filipe Anacoreta Correia, são exemplos) e de um projecto que necessita do apoio das suas normalmente desconfiadas bases para singrar, contribuem para essa ideia.
O CDS já tinha ficado órfão de pai (Freitas do Amaral) e de mãe (Adelino Amaro da Costa), sem nunca se ter depois verdadeiramente identificado com a liderança dos seus filhos biológicos (Lucas e Pires e Ribeiro e Castro). Ainda menos, com o afilhado (Manuel Monteiro) ou com o padrasto, um senhor respeitável e de dimensão intemporal ao qual o partido muito deve sem jamais o ter reconhecido em toda a sua dimensão (Adriano Moreira). Agora o CDS ficou órfão do pai adoptivo (Paulo Portas), pelo que em continuação do seu drama familiar vai agora entregar-se aos cuidados de uma mãe adoptiva. E esta poderá ser a chave do sucesso e da reafirmação e crescimento eleitoral do partido, porque uma mãe adoptiva gosta tanto dos seus filhos como uma mãe natural, com a vantagem de que tendo a noção das dificuldades e do drama pelo qual os filhos já passaram terá tendência a gerir com mais equilíbrio a distribuição de afectos, mantendo a disciplina, a participação de todos e o respeito dentro de portas para afirmação da sua própria autoridade no seio familiar, na gestão das questões escolares da rapaziada e nas actividades da sua paróquia.
Assunção Cristas tem um estilo próprio, ao mesmo tempo duro e caloroso, nada afectado e bastante prático, sendo pois de antever que funcionará assim como uma espécie de Nossa Senhora do partido, ungida pelo anterior líder, para manter a estabilidade interna enquanto afirma a sua liderança, e conduzir o CDS (aqui já sem PP), transformando-o numa espécie de CDU à portuguesa, mas mais à esquerda, com responsabilidade, preocupações sociais e cívicas, e onde um independente como Bagão Félix se poderá voltar a rever.
A chanceler Merkel veio do Leste, da ex-RDA. Assunção Cristas nasceu no pós-revolução, em dia de manifestação da infame e tenebrosa Maioria Silenciosa, e chegou de Angola com os seus pais nos conturbados tempos de 1975, integrando uma família numerosa, que passou pelas dificuldades próprias de quem sai da terra onde se formou e cresceu para sobreviver num meio politicamente crispado e hostil que vivia o PREC e os “tempos áureos” da reforma agrária. Ironia das ironias, o CDS-PP que tantas e tão repetidas vezes teve dificuldade, ao nível de algumas das suas bases mais reaccionárias e ignorantes, de conviver com a integração dos “retornados”, apesar de muitos destes com ele se identificarem, vai agora ser liderado por uma para todos os efeitos “retornada”, que felizmente para ela não viveu o desprezo e o estigma a que alguns foram outros votados e pelo qual foram perseguidos ao longo da sua adolescência e vida adulta no Portugal democrático. Cristas é senhora de um percurso académico, de uma frontalidade e uma transparência no discurso (por vezes enganadora quanto às suas reais intenções) que podem começar a fazer a diferença (também alguma mossa nos adversários) e a marcar um tão desejado tempo novo, não apenas para o CDS-PP como para todos os restantes partidos portugueses. Tempo novo, é justo referi-lo, já iniciado pela presença mais assídua e saudável de mulheres jovens e bem preparadas na direcção de um outro partido (Bloco de Esquerda) e a que o novo Presidente da República se vem diariamente associando.
Para já, a frase que Assunção Cristas proferiu no Congresso e que irá marcar os próximos tempos, porque proferida por uma dirigente de um partido tradicional e dos mais responsáveis pela situação actual do país (“porque ser política e estar na política deve-nos entusiasmar a todos e ser um motivo de orgulho para todos, não é uma actividade menor, não é uma actividade de má fama, apenas para aqueles que não conseguem fazer outra coisa na vida, tem de ser para os melhores de nós") deve ter deixado alguns dos militantes do seu partido em estado de choque. Pelo que traz de novidade ao tradicional cinzentismo, opacidade e oportunismo de alguns dos seus militantes mais poderosos, habituados a verem no partido, à semelhança do que acontece recorrentemente noutros partidos à sua esquerda e do chamado arco da governação, o subsídio de aleitamento da suas incapacidades.
Ainda que não se saiba por agora se será só uma líder transitória, embora não seja essa a minha leitura, mas pelo que pode representar de mudança e sangue novo na política, afronta ao passado recente, coragem e afirmação feminina na política, mudanças que no país do O'Neill, Sena e Cardoso Pires, que é também o meu, são sempre de saudar, estou convicto de que a assunção de Assunção vai gerar muita expectativa.
A motivação do combate político à esquerda do CDS passa por aí e pelo aparecimento à direita de lideranças fortes, preparadas e frontais, que a libertem do espírito proteiforme e moluscóide das suas lideranças das últimas décadas. Oxalá que à esquerda haja quem saiba ler os sinais, o que ficou expresso e as entrelinhas. Os comboios de alta velocidade não costumam parar em apeadeiros para apanharem os atrasados, os renitentes e os incautos.
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P.S. (1) Vai daqui uma saudação ao Adolfo Mesquita Nunes, colega de tribuna no Delito de Opinião, desejando-lhe as maiores felicidades na vice-presidência do CDS-PP. E formulo votos de que o exercício desse cargo não seja pretexto para se afastar desse espaço. Os partidos têm de saber conviver com a liberdade de opinião dos seus dirigentes e militantes. E o debate também tem de ser feito fora de portas (literalmente) para se poder tornar mais rico e mais inclusivo.
P.S. (2) Este texto ignora a participação de Assunção Cristas nos anos de Governo de Passos Coelho. O balanço do que ali fez, com ou sem ar-condicionado, perfumado ou a cheirar a catinga, não constituía objectivo destas linhas.
Passaram muitos anos e aquilo que recordava dele era o entusiasmo com que o ouvia contar as histórias das suas aulas de música. Na altura aprendia a manejar o violino. Os anos passaram e, como escreveu Thiago de Mello (Cantiga quase de roda), o menino foi levado pela roda da vida, rodando e cantando. Voltou agora para mostrar à terra onde nasceu e cresceu o que viu e aprendeu.
Aos dezoito anos partiu com uma bolsa de estudo rumo ao sonho. Tirou o seu curso de Música na Universidade de Chichester. Depois tentou a sorte. Tornou-se percussionista e efectuou quatro digressões mundiais com os Incognito, uma das mais importantes bandas inglesas de acid jazz, soul, jazz-funky e pop, fundada em 1979 por Paul "Tubbs" Williams & Jean-Paul "Bluey" Maunic. Tocou ao lado de nomes como Chaka Khan, Mario Biondi, Anastasia, Leona Lewis, Jessie J. e Dione Bromfield. Começou a aparecer em vídeos no YouTube e a ser reconhecido no seu meio artístico. Londres, Zurique, Milão, Tóquio, Madrid, Singapura, apreciaram-lhe o talento.
Mas havia muita coisa que não o deixava acomodar-se. Com imensas ideias, com o entusiasmo de sempre e sem alarido, discretamente, iniciou o seu percurso. Em 2013 começou a preparar um projecto a solo. Conheceu gente aqui e ali. Por onde foi passando espalhou a sua arte e a sua simpatia. Compondo, imaginando, reinventando. Aprendendo a conhecer o mundo e a vida nos seus encantos e desencantos.
Há tempos falou-me da sua vontade de reunir uma equipa de músicos que o ajudassem a pôr de pé um projecto que há muito idealizara. Aproveitando a oportunidade que lhe foi dada pelos organizadores do Festival Rota das Letras, subiu esta noite ao palco para mostrar o que aprendeu. Mais a sua equipa. E esteve à altura.
Creio que poucos, muito poucos, esperariam ver o que viram. Fazendo jus ao seu extraordinário sentido para a percussão, utilizou-o para projectar o ritmo e a sua poderosa voz nas composições que criou, onde juntou as sonoridades da guitarra e do erhu. Num ápice, "O Menino de Sua Mãe" (Fernando Pessoa) preparou o caminho para o excelente "Vale do Rossio", com letra de Paulo Abreu Lima, antes de avançar corajosamente para as suas próprias letras e composições.
Com um ritmo sempre em crescendo, surgiram então temas como "A Loucura", "A Despedida" e "Eterno Farol", antes de “A Cegueira” e “Até Sempre”. Encerrou com a mais conhecida “É Tempo de Mudança”, conquistando definitivamente o ouvido e o ritmo do público, logo depois de fazer mais uma demonstração das imensas capacidades da sua voz numa recriação, sem microfone e sem qualquer acompanhamento, da Pedra Filosofal.
Vai ter um longo caminho a percorrer. Vai ter de continuar a porfiar para impor o seu imenso talento e a qualidade da sua voz e composição. Mas quem tem a sua vontade, a sua capacidade de trabalho, humildade, disciplina e rigor, aliada a uma presença poderosa, capaz de encher palcos em qualquer latitude e de olhar para o mundo que o rodeia de olhos bem abertos, está condenado a ser uma estrela. Dentro e fora de portas. Em português.
Não sei há quanto tempo não ouvia alguém cantar em português, alguma coisa que não fosse fado, num registo que não fosse enfadonho, anasalado, desafinado e monocórdico. O João Caetano reconciliou-me com a música portuguesa. Tomem nota do que vos digo.
Num país que continua a ter meio milhão de analfabetos, isto é, gente que não sabe ler nem escrever, a desastrada (e inaceitável) intervenção do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior na Assembleia da República pode ter muitas explicações. A começar pelo nervosismo. Essa será uma parte da história mas que, apesar de tudo, não a tornará desculpável.
A um primeiro-ministro que conjugava o verbo haver no plural junta-se agora um ministro que diz "interviu", em vez de interveio, e "tinhemos", em vez de tenhamos. O currículo do ministro pode ser o melhor do mundo, mas não há acordo ortográfico nem reforma educativa que remedeie o que aconteceu.
O ideal era voltarmos todos à Cartilha de João de Deus, a uma edição actualizada e aumentada, e que as televisões organizassem alguns concursos que, em vez de mostrarem analfabetos a dizerem asneiras e a exibirem os cus e as mamas à hora do jantar, ou que ande a perguntar aos concorrentes o preço dos electrodomésticos, os obrigasse a responder a questões sobre a cultura e a língua portuguesa. Um concurso que atribuísse prémios chorudos, em euros, e levasse os concorrentes a estudarem os tempos verbais, os advérbios, os pronomes e a fazerem provas de composição, talvez pudesse operar milagres. E, quem sabe, se até não poderia contar com o patrocínio do Presidente da República eleito e das fundações que por aí temos para levar todo o país a reaprender a ler, a escrever e a dizer. Eu também; que com estes exemplos que nos chegam em cada dia que passa vou desaprendendo e esquecendo o pouco que me ensinaram.
Com a devida vénia.
Um tipo ainda está a recuperar da inqualificável gestão política feita por João Soares para substituir António Lamas no Centro Cultural de Belém e eis que temos a ex-ministra a gerir a dívida que andou a ser vendida por Portugal e pelo BANIF aos seus novos patrões.
Foram-se os anéis, os dedos e a vergonha. Agora é tudo muito mais limpinho, mais transparente. Perdido o período ficamos só com o nojo.
O novo bispo de Macau, D. Stephen Lee, está preocupado com o futuro da Universidade de S. José e não percebe por que razão as autoridades da R. P. da China não autorizam a vinda de estudantes para essa instituição.
Qualquer pessoa que se preocupe com o futuro de Macau e o papel de uma das suas universidades estará igualmente preocupado. Compreendo, por isso, a posição do novo bispo, tanto mais que conhece mal Macau e que sendo um recém-chegado está sujeito à filtragem que lhe fazem da informação. Duvido é que fazer nesta altura eco público das preocupações que lhe transmitiram vá resolver-lhe algum problema. Isso não está nas mãos dos seus parceiros na RAEM e de nada lhe servirá o aumento do investimento em marketing para encher a casa. Um estabelecimento de ensino não é uma igreja, pelo que é pouco provável que em pleno século XXI a triste recordação das missas cheias do Cardeal Cerejeira (Jornal i, 24/12/2011) traga algo mais do que um intenso cheiro a bafio.
Como o Papa Francisco não se tem cansado de pregar, os tempos são outros e a solução para os estragos feitos pelo obscurantismo não é fácil. Estragos que tendo sido de monta afectaram a reputação de um estabelecimento que, se é que isso significa alguma coisa, ademais se queria académico.
Quem sabe se começando por um acto de contrição, que continua por ser assumido em relação ao passado próximo, refrescando-se as ideias e arrumando a casa com gente que dialogue com Deus e a Academia noutros termos, as coisas não se alterariam?