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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Vale a pena ler o texto todo. Goste-se ou não se goste dele, diga-se o que se disser, por muitos anticorpos que possa criar e comichões que possa dar, certo é que Pacheco Pereira continua a pensar e a escrever em português como poucos. Concorde-se ou não com o que ali ficou, seria bom que algumas das suas afirmações pudessem ser devidamente discutidas e rebatidas sem preconceitos ideológicos, sem necessidade de insultá-lo, como parece ser mais fácil e cómodo para alguns no anonimato das redes sociais e dos blogues, porque aquilo que ele pergunta me parece de tal forma evidente que só por manifesta e voluntária acefalia se pode continuar a aceitar o modo como alguns discursos têm sido passados para a opinião pública. Do discurso do défice aos dos refugiados, sem esquecer o dos PEC de Sócrates e Teixeira dos Santos, do acordo ortográfico, da diplomacia económica na Venezuela e em Angola, de uma lusofonia imbecil e bestializante ou dos "vistos gold", para só referir alguns tanto à direita como à esquerda.
Como se houvesse um propósito dissimulado de se criar e moldar uma opinião pública servil e obediente, que não faça ondas e seja bem comportada, um país de cidadãos alinhados, de verdadeiros mentecaptos e pobres de espírito prontos a engolirem qualquer prato de lentilhas e a debitarem tudo o que lhes é oferecido pela propaganda dominante, quantas vezes gerada, trabalhada e promovida através da blogosfera por profissionais da manipulação em relação aos quais a maior parte dos leitores não sabe quem são, quem os alimenta e protege, porque essa informação, esse registo de interesses é sempre escamoteado, escondido, iludido quando as suas opiniões são divulgadas, porque não interessa saber-se quem é o mensageiro e a mensagem não se discute. Simplesmente porque só se pode rejeitar ou aplaudir e aceitar uma divisão maniqueísta da vida.
Como se houvesse medo que se soubesse coisas tão simples como quem são as pessoas, de onde vêm, o que fazem, que agendas prosseguem, para que fundações ou institutos trabalham, a que seitas ou confrarias pertencem, como têm sobrevivido e se têm colado às instituições, públicas e privadas.
Eu tenho sérias dúvidas, há muito tempo, que o léxico ideológico clássico continue a ter algum sentido nos termos em que hoje é utilizado, que a divisão esquerda/direita ainda sirva para compartimentar e catalogar pessoas e ideias, que sirva para algo mais do que ser uma espécie de bússola, como alguém escreveu, que nos ajude a perceber um pouco melhor o que nos rodeia. Por isso também não compreendo que partidos rotulados de social-democratas e não confessionais possam fazer parte de federações de partidos democratas-cristãos ou que o termo socialista possa encostar um indivíduo a um pensamento ou um modelo de acção política com o qual não se identifica, por ser profundamente não marxista e jamais se ter identificado com os monstros totalitários que medraram ao abrigo desse rótulo, nem com algumas práticas seguidas por partidos que como tal se assumem. Sociedades ideologicamente radicalizadas, catalogadas, definitivamente emparedadas, engaioladas, só servem para criar cidadãos estigmatizados, desequilibrados, complexados, preconceituosos, amestrados e estúpidos.
Se um dia, apesar de todas as nossas contradições e incoerências, ainda que as procuremos combater, formos capazes de ler um texto ignorando quem o escreveu e olhando só ao seu conteúdo, nesse dia talvez estejamos um pouco mais longe da ignorância e não tenhamos medo de caminhar sozinhos por vielas escuras e escorregadias, tentando iluminá-las à nossa passagem com um pequeno isqueiro ou uma lanterna de bolso. Se muitos por lá passarem e se o fizerem ao mesmo tempo, será mais fácil ver as pedras do caminho e as falhas nos passeios, perceber onde é necessário reparar, sem corrermos o risco de cada vez que por lá queremos passar termos de enfiar os pés na lama e na água, escorregar e cair numa espécie de fatalidade consciente e indiscutível. Porque é assim, porque foi assim, porque tem de continuar a ser assim. É isto que não aceito, é com isto que não me conformo.