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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Há acordos que os arguidos podem e devem fazer com o Ministério Público. Com o partido espero que quem manda tenha o bom senso de não fazer qualquer acordo e que sejam seguidos os procedimentos estatutariamente previstos para situações desta natureza. Quem assim procedeu não merece qualquer confiança, não está na política de forma séria, limpa, não faz qualquer falta aos partidos nem à democracia e, além do mais, dá cabo do nome da agremiação. Para esses só vejo um caminho.
(Lusa/Arquivo)
Num tempo de acentuada crise dos valores e da cidadania, perante um país empobrecido e carente de esperança, cansado de caixeiros-viajantes trapaceiros e de amanuenses para todo o serviço, Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu obter a maioria absoluta que lhe garante ser o Presidente da República. Independentemente das críticas que possam ser feitas à volatilidade de algumas das suas posições políticas no passado, Marcelo Rebelo de Sousa é um homem bem formado, com preparação académica e política, com uma carreira profissional de indiscutível mérito, com provas dadas em relação ao seu comprometimento cívico e com conhecimento do mundo e da vida. Tem, ainda, a seu favor o facto de ser senhor de um indiscutível carisma e de argúcia e perspicácia política, que nem sempre funcionaram para o seu lado, mas que poderão agora vir a ser indispensáveis para um bom desempenho. O resultado que obteve, apesar de uma abstenção grande e pela qual não é responsável, foi suficientemente bom para evitar uma segunda volta, poupando os portugueses ao espectáculo deprimente a que vinham assistindo, assim se evitando maiores rupturas e o aprofundamento de crispações recentes.
Como aqui disse e pelas razões que tive oportunidade de expressar, não apoiei nenhum candidato presidencial na actual contenda, e embora não tenha votado em Marcelo Rebelo de Sousa não posso deixar de dizer que espero que seja possível, dentro de cinco anos, ver o titular do cargo recandidatar-se e melhorar o resultado agora obtido, pois será sinal de que terá sabido cumprir bem o seu mandato. A forma como se comportar nos próximos meses será decisiva para o futuro a curto prazo do país e para o reforço da confiança dos portugueses nas suas instituições e na democracia.
Depois de um interregno de vários anos, os portugueses podem, finalmente, voltar a ter no Palácio de Belém um Presidente da República que não os envergonhe quotidianamente na sua acção, que não se queixe do valor da reforma, nem das agruras do cargo, o que só por si deverá ser motivo de satisfação. Com o seu primeiro discurso pós-eleitoral, no qual me revejo, e no espaço que tão bem escolheu para o fazer, deu um merecido destaque à sua Faculdade de Direito de Lisboa, que também foi a minha, deixando um sinal positivo daquele que poderá vir a ser o seu primeiro mandato.
Que se assuma como um homem livre e sem complexos, que não depende, nem nunca dependeu, do clientelismo partidário, por também dele não precisar, e um referencial da democracia, no qual através da sua acção todos os portugueses se possam rever, é o que desejo. E espero, sinceramente, que Marcelo Rebelo de Sousa seja capaz de recolocar a Presidência da República no local de onde nunca deveria ter saído, devolvendo-lhe o papel, o prestígio e a dignidade que perdeu na última década. Unindo os portugueses, seguindo a história, honrando a memória.
(Foto de Pedro A. Pina, RTP)
Eu já estava admirado com a sua ausência. Pensava que o homem se refugiara num retiro sabático no Copacabana Palace ou no Polana até depois das eleições, mas compreendo que não quisesse desiludir ninguém e eis que resolveu aparecer a tempo de dar uma mãozinha na recta final da campanha. Depois de ter pedido o apoio no Conselho Nacional do PSD ao candidato "independente" do partido e de ter conseguido a aprovação de uma recomendação desse mesmo Conselho Nacional para o voto no candidato "independente", eis que Miguel Relvas surge em força na recta final da campanha das presidenciais. Sei de fonte segura que o Prof. Marcelo ficou entusiasmadíssimo com esta aparição e prepara-se para logo à noite agradecer o empenho do apoiante.
Especialistas na arte de baralhar, partir e voltar a dar há poucos. Em Portugal é uma das profissões mais reconhecidas publicamente, mais bem pagas, e que para além de uma boa agenda telefónica, alguns contactos ao mais alto nível e muita lata, não exige especiais qualificações. Com as voltas que a banca dá, se o Prof. Marcelo for eleito ainda vamos ver o apoiante a ser recebido em Belém. Na qualidade de banqueiro, pois claro, que isso sempre dá outro estatuto.
"Li-o em diversos jornais e revistas, entrevistei-o na SIC e em vários jornais mais de uma vez, acompanhei-o em manifestações cívicas, estive ao seu lado em celebrações religiosas, fiz a sua “apresentação” nalguns fóruns e eventos. Em suma: conheço-o de há muito e da primeira fila.
Por isso cedo me apercebi de algumas debilidades na ossatura da sua personalidade. E cedo alcancei que elas poderiam por vezes fazer gripar o motor do seu carácter. É que, com o mesmo brilho e a mesma velocidade, Marcelo era capaz de dizer tudo e o seu contrário, ser tudo e o seu oposto, sem nunca estar inteiramente comprometido com nada (a sério, só com Deus, já lá irei)."
Um tipo depois de ler isto, e o resto do texto de Maria João Avillez, que o conhece de ginjeira, fica a pensar se será possível à esquerda haver alguém que a ultrapasse pela direita. O Observador, sem saber, prestou um serviço público. Temo que o único conselho que daqui posso dar ao candidato Marcelo, para ele não ter de repetir aquela rábula do mergulho no Tejo, é sugerir-lhe que peça uma prancha ao McNamara e entre por uma daquelas ondas do canhão da Nazaré antes de dia 24. Se não for assim, corre o risco de não evitar a segunda volta com um dos outros marretas.
Vale a pena ler o texto todo. Goste-se ou não se goste dele, diga-se o que se disser, por muitos anticorpos que possa criar e comichões que possa dar, certo é que Pacheco Pereira continua a pensar e a escrever em português como poucos. Concorde-se ou não com o que ali ficou, seria bom que algumas das suas afirmações pudessem ser devidamente discutidas e rebatidas sem preconceitos ideológicos, sem necessidade de insultá-lo, como parece ser mais fácil e cómodo para alguns no anonimato das redes sociais e dos blogues, porque aquilo que ele pergunta me parece de tal forma evidente que só por manifesta e voluntária acefalia se pode continuar a aceitar o modo como alguns discursos têm sido passados para a opinião pública. Do discurso do défice aos dos refugiados, sem esquecer o dos PEC de Sócrates e Teixeira dos Santos, do acordo ortográfico, da diplomacia económica na Venezuela e em Angola, de uma lusofonia imbecil e bestializante ou dos "vistos gold", para só referir alguns tanto à direita como à esquerda.
Como se houvesse um propósito dissimulado de se criar e moldar uma opinião pública servil e obediente, que não faça ondas e seja bem comportada, um país de cidadãos alinhados, de verdadeiros mentecaptos e pobres de espírito prontos a engolirem qualquer prato de lentilhas e a debitarem tudo o que lhes é oferecido pela propaganda dominante, quantas vezes gerada, trabalhada e promovida através da blogosfera por profissionais da manipulação em relação aos quais a maior parte dos leitores não sabe quem são, quem os alimenta e protege, porque essa informação, esse registo de interesses é sempre escamoteado, escondido, iludido quando as suas opiniões são divulgadas, porque não interessa saber-se quem é o mensageiro e a mensagem não se discute. Simplesmente porque só se pode rejeitar ou aplaudir e aceitar uma divisão maniqueísta da vida.
Como se houvesse medo que se soubesse coisas tão simples como quem são as pessoas, de onde vêm, o que fazem, que agendas prosseguem, para que fundações ou institutos trabalham, a que seitas ou confrarias pertencem, como têm sobrevivido e se têm colado às instituições, públicas e privadas.
Eu tenho sérias dúvidas, há muito tempo, que o léxico ideológico clássico continue a ter algum sentido nos termos em que hoje é utilizado, que a divisão esquerda/direita ainda sirva para compartimentar e catalogar pessoas e ideias, que sirva para algo mais do que ser uma espécie de bússola, como alguém escreveu, que nos ajude a perceber um pouco melhor o que nos rodeia. Por isso também não compreendo que partidos rotulados de social-democratas e não confessionais possam fazer parte de federações de partidos democratas-cristãos ou que o termo socialista possa encostar um indivíduo a um pensamento ou um modelo de acção política com o qual não se identifica, por ser profundamente não marxista e jamais se ter identificado com os monstros totalitários que medraram ao abrigo desse rótulo, nem com algumas práticas seguidas por partidos que como tal se assumem. Sociedades ideologicamente radicalizadas, catalogadas, definitivamente emparedadas, engaioladas, só servem para criar cidadãos estigmatizados, desequilibrados, complexados, preconceituosos, amestrados e estúpidos.
Se um dia, apesar de todas as nossas contradições e incoerências, ainda que as procuremos combater, formos capazes de ler um texto ignorando quem o escreveu e olhando só ao seu conteúdo, nesse dia talvez estejamos um pouco mais longe da ignorância e não tenhamos medo de caminhar sozinhos por vielas escuras e escorregadias, tentando iluminá-las à nossa passagem com um pequeno isqueiro ou uma lanterna de bolso. Se muitos por lá passarem e se o fizerem ao mesmo tempo, será mais fácil ver as pedras do caminho e as falhas nos passeios, perceber onde é necessário reparar, sem corrermos o risco de cada vez que por lá queremos passar termos de enfiar os pés na lama e na água, escorregar e cair numa espécie de fatalidade consciente e indiscutível. Porque é assim, porque foi assim, porque tem de continuar a ser assim. É isto que não aceito, é com isto que não me conformo.
O desaparecimento, ausência, rapto, fuga não esclarecida, chame-se-lhe o que se quiser, de Lee Bo dura há quase duas semanas e continua a fazer manchetes. Famoso por editar e vender livros críticos para com o regime chinês, o facto é que decorrido todo este tempo continuam a faltar as explicações para o que aconteceu. O livreiro e editor Lee Bo não morria de amores pela "democracia" vigente do outro lado, sendo conhecidas desde há muito as suas posições críticas para com o governo chinês e as políticas de Pequim em matéria de liberdades e direitos humanos. Dizer que foi raptado parece à partida uma explicação demasiado simplista. Numa entrevista relativamente recente o visado dera a entender que não se preocupava com o que lhe pudesse suceder porque em Hong Kong (HK) se sentia confortável e não fazia tenções de viajar para o lado de lá da fronteira que separa HK de Shenzhen. O mistério parece insolúvel, não havendo quem do lado da RPC preste os esclarecimentos necessários sobre o que possa ter sucedido.
As declarações prestadas pelas autoridades de HK, para além de não fugirem à subserviência habitual, deixam no ar a ideia de que nem tudo o que pode ser feito para desvendar o imbróglio está a ser conduzido. Escasseiam as informações e a confusão tornou-se maior quando a mulher do ausente, depois de ter participado o desaparecimento do marido às autoridades, foi ela própria desistir da participação apresentada alegando que um amigo do marido recebera um fax e lhe telefonara a esclarecer que estava tudo bem. A explicação soou a falso e evidentemente que qualquer outra pessoa colocada na situação da mulher de Lee não ficaria satisfeita com o telefonema recebido. Lee Bo também não era polícia nem investigador criminal não se percebendo a que propósito iria prestar apoio às autoridades chinesas numa investigação sobre a qual a RPC nada diz.
Em Taiwan, a Central News Agency publicou a carta que se supõe ter sido manuscrita por Lee e enviada por fax para a Causeway Bay Books, onde o livreiro pede aos trabalhadores que continuem a laborar normalmente. Mais estranho é que tivesse telefonado para a mulher e lhe tivesse falado em mandarim quando na antiga colónia britânica a comunicação se faz normalmente em cantonense e fosse neste dialecto que normalmente se entendesse com ela. Por agora há apenas uma certeza: Lee não saiu de HK pelos postos fronteiriços oficiais.
Este dado não tem passado despercebido e quaisquer que sejam as razões para o que está a acontecer mereceu ontem, finalmente, uma tomada de posição mais firme durante a cerimónia de abertura do ano judicial de HK por parte de Rimsky Yuen Kwok-keung, o Secretário para a Justiça, quando afirmou que não seriam toleradas investigações não autorizadas nem prisões ilegais, e que as preocupações da sociedade são totalmente compreensíveis e devem ser tratadas adequadamente.
Também o principal magistrado, o Chief Justice Geoffrey Ma Tao-li, recordou a protecção constitucional de que gozam os direitos e as liberdades dos cidadãos de HK através da sua mini-constituicão. No domingo, 3500 pessoas marcharam pelas ruas da ilha em protesto contra o desaparecimento de Lee e dos outros associados exigindo a sua "libertação", a despeito de um vídeo que aparentemente foi enviado por aquele à sua mulher pedindo às pessoas que mantivessem a calma e não se manifestassem.
Quaisquer que sejam as razões para o que se está a passar, os dias passam sem que o mistério se desvende e a população seja tranquilizada, numa altura em que se aproxima rapidamente 16 de Janeiro, data em que terão lugar as eleições em Taiwan para escolha do Presidente, do vice-Presidente e de 113 deputados. Como estas coisas andam todas interligadas, esta manhã, o editorial do influente South China Morning Post voltava a colocar o dedo na ferida e de forma contundente afirmava que as autoridades dos dois lados da fronteira "não fazem nada para manter a confiança no princípio "um país, dois sistemas" que é o fundamento da governação de Hong Kong", logo acrescentando que "o público precisa de respostas e garantias de autoridades credíveis", pois que continua a aguardar por "explicações convincentes" para o desaparecimento de Lee e dos outros, um após outro, desde há um ano.
Contrastando com a atenção e preocupação da população de HK sobre o desaparecimento de Lee Bo, mas dando mostras do seu apreço pela herança portuguesa nessa matéria, em Macau, a cultura cívica dos seus cidadãos continua a manifestar a habitual indiferença e alheamento sobre a sorte dos vizinhos. Porventura por isso é que também nenhum corajoso condecorado com a Torre e Espada tenha até agora dito qualquer coisa sobre o silêncio de Pequim e o que se está a passar. Compreende-se que depois da prontidão manifestada para condenar os milhares de cidadãos de HK que saíram à rua com o movimento "Occupy Central", que clamavam por democracia, nesta altura, para alguns, os euros ou os dólares acabem por falar mais alto. Livros, editores, combate político, democracia e direitos humanos nunca foram coisas que dessem dinheiro. A não ser para esses mesmos alguns.
"I wish I was a sailor a thousand miles from here
I wish I had a future, anywhere"
Passada a estranheza do convite inicial, de onde ressaltava o facto de um jornalista e autor vivo e “os poetas assassinados” convidarem “toda a população de Macau, Taipa, Coloane e Ilha da Montanha para a sessão de lançamento da revista Órphão”, um pouco mais abaixo esclarecia-se que haveria “comício e bebício”, atracções de feira, dramaturgos, criadores, ensaístas, autores, poetas, “etc.”. O local escolhido para tão ecléctico programa era a Livraria Portuguesa de Macau. Em causa estava o lançamento de uma revista de literatura, artes e ideias, com uma tiragem única de cem exemplares, destinada a comemorar, porque nestas coisas o tempo e as pessoas são sempre relativos, os cem anos da Orpheu que haviam passado em 24 de Março de 2015.
Habituado a ver este tipo de acontecimentos entregue a almas errantes e a meia dúzia de curiosos penitentes, estranhei quando cheguei ao local, uns minutos antes da hora agendada, e verifiquei que estava um ajuntamento de dimensões razoáveis no passeio com algumas caras conhecidas e gente da socialite da terra, junto à entrada da livraria, mas logo depois pensei que havendo "bebício", e à borla, poderia ser essa a explicação. Lá dentro, as pessoas aguardavam como podiam pelas escadas sobriamente decoradas com dois painéis a preto e branco que conduziam à pequena sala, ainda encerrada, onde iria ter lugar o evento.
Descidos os rápidos lances de escada, uma cortina negra recebia-nos no final franqueando o acesso a uma sala na penumbra, apenas iluminada por dois pequenos candeeiros. À entrada, que se fazia individualmente junto a uma pequena mesa com copos e garrafas, era-nos perguntado por uma máscara veneziana de capa negra se queríamos um trago de porto, de vodka ou de whisky, enquanto acordes, frases, monólogos, textos vários se iam libertando da aparelhagem sonora. Aos poucos, os convivas foram-se encaixando num espaço que rapidamente se tornou francamente exíguo. Carlos Morais José, também ele de máscara e trajes negros, aguardava junto a uma bancada que a movimentação desse lugar ao espectáculo por onde pouco depois, entre fumos e vapores, desfilaram textos dele próprio e dos seus heterónimos/pseudónimos em diversas roupagens, todos desventuradamente assassinados e dos quais só ficará a memória em artigos de jornal, nas páginas da Órphão, e nos ouvidos de quem lá esteve a música de Schubert, de Laurie Anderson e de mais uns virtuosos que por ali passaram.
No final, perante uma plateia rendida à imaginação do autor, que escreveu, coreografou, leu, declamou, monologou, ficámos a saber, entre outras coisas, que Pedro Magro e Propósitos de Trieste se inspirara no escritor, académico e ensaísta Claudio Magris, e que aconteceu em Macau como poderia ter acontecido noutro lado qualquer. Daqui a cem anos, se nessa altura ainda existirem maltes de respeito, pode ser que se volte a repetir.
On n'oublie jamais. On ne peut pas oublier. É preciso lembrá-lo, hoje e sempre, em qualquer lugar e a qualquer hora. A provocação é um direito que importa defender. Longa vida ao Charlie Hebdo.