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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Agora que o espectáculo chegou ao fim e se começou a desmanchar a feira, já posso repetir o que digo há anos e nos últimos meses silenciei para não prejudicar ninguém e não correr o risco de me chamarem ave de mau agoiro.
Tenho muita pena de dizê-lo, mas irei continuar a bater na mesma tecla. O mau resultado nacional do PS resume-se a um problema de castas. Não de hoje, nem de ontem. O partido vai ter de decidir se quer continuar a fazer vinho com tudo o que aparece, misturando sem critério e a granel, apresentando uma zurrapa sem alma, sem profundidade, de consumo imediato e sem hipóteses de atingir a maturidade, produzida por produtores envelhecidos, que não se modernizam nem querem que a casa se modernize, ou se quer começar a escolher devidamente as castas, arranjar bons enólogos, renovar a adega para lhe tirar aquele cheiro a mofo que impregna o ar, e apresentar um produto decente, inovador, capaz de ser valorizado e de ser apreciado pelos portugueses sem necessidade de se lhes estar a prometer um salpicão com a fotografia de especialistas em sueca, PPP e futebol de estúdio.
Estar a produzir vinho para concorrer com os pacotes de cartão de Marco António Costa e o marketing de Assunção Cristas e Paulo Portas, feito de porta-chaves, amostras de lavanda e bandeirinhas, nunca me pareceu boa política. Porque a venderem em feiras, com a experiência deles em cervejas e a apresentarem maus produtos valorizados, eles são muito melhores.
(AFP)
VENCEDORES
1. Passos Coelho e Paulo Portas - Vence eleições quem chega à frente com mais votos e mais deputados. Foi este o caso da coligação PSD/CDS-PP. Com mais truques ou menos truques, com mais ou menos propaganda, aqui não há volta a dar. Ganharam, estão de parabéns, mas vão governar, se conseguirem fazer aprovar um programa de governo, em cima de gelo fino. Ao menor deslize estampam-se.
2. Catarina Martins – O BE ressuscitou graças a ela. Não interessa, por agora, se os bloquistas foram buscar votos ao PS, à direita, à CDU ou à feira da ladra, mas o facto é que passaram de uma votação de 5,19% e 8 deputados para 10,22% e 19 deputados. Se o BE radicalizou o discurso, se sofreu uma sangria com a saída de dezenas de elementos, se quem lá ficou foram os ex-UDP, e ainda assim sobreviveu à saída de Louçã e a uma atípica liderança bicéfala, para depois obter um resultado destes, é difícil dizer que os votos obtidos se devem aos extremistas. Porque se o fossem, seria então caso para dizer que a extrema-esquerda também renasceu das cinzas.
3. CDU – Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia conseguiram mais um deputado. Ganharam “poucochinho” mas ganharam alguma coisa. Para quem pensa “pequenino” e sempre dentro da sua zona de conforto deverá ser motivo de satisfação, mas convenhamos que não foi pelos “trabalhadores” que a coligação PSD/CDS-PP perdeu a maioria absoluta. Com mais um deputado vai aumentar a alegria no trabalho.
4. Grupo Parlamentar do PS – Passou de 73 para 85 deputados, correspondendo ao aumento da percentagem global do partido de 28,05% em 2011 para 32,38%. O resultado é importante para os aplausos e os apartes e garante emprego a alguns que estavam ansiosos por se mudarem para Lisboa durante os dias úteis.
5. PAN – Elegeu um deputado à custa da sua concentração de votos em Lisboa, vai ganhar visibilidade e tempo de antena e os animais e a natureza ganham um porta-voz. Pode não servir para muito, nem sequer para aprovar ou chumbar orçamentos, mas sempre é melhor do que nada.
6. Abstenção – Pouco passava das 20h de Lisboa quando Rodrigues dos Santos anunciava a projecção da abstenção, e com a pompa habitual vaticinava uma abstenção “historicamente baixa”. Falhanço rotundo. A abstenção voltou a subir e conseguiu ser superior à de 2011 passando de 41,08% para 43,07%. Com nulos e brancos são mais de 46% os portugueses que não se revêem nos actuais partidos. Dava para uma maioria absoluta. Como desta vez todos se poderão queixar da abstenção, pode ser que para as próximas legislativas as coisas já sejam diferentes e o pivot possa finalmente acertar.
7. Sondagens – Os resultados que foram sendo apresentados fizeram muita gente duvidar. Tanto a coligação vencedora como o PS fizeram tudo para não acreditar no que ia saindo. No final, confirmou-se que venceu quem surgia à frente, não houve empate, não houve maioria absoluta e a diferença foi de cerca de 6%. Com a incerteza diária e projecções feitas a partir de amostragens muito reduzidas para o universo de eleitores, penso que seria difícil fazer melhor.
(AFP)
VENCIDOS
1. António Costa e o PS – O PS pode continuar com o secretário-geral que o trouxe até aqui. Até às presidenciais ou até que apareça alguém capaz de federar o partido sem errância e liberto de alguns espantalhos que agora foram mandados para o parlamento. Mas é inegável que o resultado obtido não é “poucochinho”. O resultado obtido é miserável. O PS não ganhou, inviabilizou uma solução compromissória ainda antes das eleições, que agora vai ser obrigado a aceitar contrariado, alienou uma boa parte do seu eleitorado e conseguiu transformar dois líderes sofríveis – Passos Coelho e António José Seguro – e uma novata arreliadora e bem preparada – Catarina Martins – em estrelas.
2. Livre – As deserções do BE de figuras com algum peso mediático e tribunas regulares nos jornais, rádios e televisões, a inovação nos procedimentos, a abertura demonstrada nas directas e alguma simpatia, transmitiram a ideia de que poderiam ir muito mais longe. Eu próprio me convenci disso. Podem queixar-se, apesar de tudo, de algum voto útil, mas os 0,72% alcançados, correspondentes a menos de 39 mil votos, são pecúlio muito parco para quem tinha ambições. Reduzido à sua insignificância, o Livre deverá transformar-se num clube de amigos.
3. Coligação PSD/CDS-PP – Em 2011, quando se iniciou o programa com a troika, os votos somados dos partidos da coligação ascendiam a 50,37%. Agora, essa percentagem passou para 38,55%. Foram menos quase 12%. É muito. Em muitos círculos a coligação PSD/CDS-PP de 2015 teve menos votos do que o PSD sozinho de 2011. O número de deputados agora obtido beneficiou das regras do nosso sistema eleitoral, mas em termos globais, embora vencendo, a percentagem conseguida não pode nessa parte deixar de ser considerada um mau resultado. Um resultado de Pirro para as louras afectadas poderem celebrar.
4. Cavaco Silva – Não foi o Presidente da República quem perdeu com estas eleições. Nada de confusões, quem perdeu foi o titular do cargo. À beira do final de um mandato em que tudo fez para beneficiar a sua família política, até na hora da marcação das eleições o tiro lhe saiu pela culatra. Nenhum partido obteve maioria absoluta, a abstenção aumentou, as soluções de governabilidade e de estabilidade são menores que zero. Passos Coelho vai ter de lhe emprestar o crucifixo que lhe ofereceram para Cavaco Silva ter alguma coisa a que se agarrar no final de um mandato feito de equívocos e gaffes, com muita miopia a dar ares de aleivosia.