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semelhanças

por Sérgio de Almeida Correia, em 29.10.15

"Mas fosse o Governo cair daqui a 12 dias, a 12 meses ou a 12 anos, há um nome que nunca poderia constar de uma lista de ministeriáveis de uma democracia digna, responsável e madura. Refiro-me ao novo ministro da Administração Interna, João Calvão da Silva.

Há 14 milhões de razões para João Calvão da Silva não poder ser nomeado ministro, uma por cada euro que Ricardo Salgado recebeu do construtor José Guilherme. E nenhuma razão para que alguém se lembre de o pôr à frente da Administração Interna, tendo em conta que ele foi um dos dois distintos professores de Direito de Coimbra a assinar um parecer atestando a idoneidade de Ricardo Salgado para continuar à frente do BES após ter embolsado a famosa “liberalidade”. - João Miguel Tavares, Público

 

Um recebia empréstimos de milhões do amigo para viver acima das suas possibilidades. Outro viajava para Bruxelas para tratar dos assuntos de terceiros e só recebia as despesas de transporte e alojamento. Um outro serviu o país e a Europa tão desinteressadamente que hoje acumula dezenas de tenças; e ainda há aquele velhote que recebe centenas de milhares de euros dos chineses, diz ele, "por mérito". Este de que fala agora João Miguel Tavares vai a ministro depois de ser pago para justificar "liberalidades" de 14 milhões dadas a um banqueiro que se esquecia de declarar milhões ao fisco e levou um dos bancos do regime à falência, deixando os portugueses a arder e a pagarem pelos desmandos que praticou.

Enfim, tudo gente altruísta cujo espírito de serviço público é atestado por quem lhes dá posse. A idoneidade, essa, já foi atestada pelo cartão do partido, pelos fatos de bom corte e, em especial, pela subserviência a quem lhes paga o sebo que os faz brilhar nos salões. É Portugal no seu melhor. O deles.

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descavacanço

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.10.15

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"[É] meu dever, no âmbito das minhas competências constitucionais, tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados"

 

A posição do Presidente da República (PR) de indigitar Passos Coelho para formar um executivo é compreensível. Difícil seria conceber que optasse pela outra solução que lhe foi soprada de nem sequer convidar Passos Coelho e remeter desde logo para António Costa a responsabilidade de apresentar um Governo para a legislatura.

E tem razão quando diz que é da tradição portuguesa que seja convidado a formar Governo o líder do partido ou força política vencedora das eleições. Sobre isto também já aqui manifestei a minha posição.

Mas posto isto, o espectáculo deprimente que o PR encenou ao longo dos últimos dias, embora tenha começado ainda antes das eleições, de que a ausência no Cinco de Outubro fazia parte, a posição agora manifestada, a forma que utilizou para fazê-lo e, em especial, os argumentos a que recorreu para inviabilizar qualquer outra solução que não fosse a por ele desejada e justificar a sua irrelevância política perante o país é do domínio do surreal político.

Ao longo dos seus mandatos Cavaco Silva foi coerente na forma como sempre se esforçou por se mostrar aos olhos dos portugueses como uma personagem politicamente inimputável, o que foi fazendo com o esmero e a diligência naturais de quem sempre demonstrou ter o espírito e a visão de um funcionário, e não o arrojo intelectual e político que seria de esperar de um académico desempoeirado e de vistas largas que foi ministro das Finanças, primeiro-ministro e líder de uma dos partidos estruturantes do regime e do nosso sistema político.

Embora demonstre ser para ele fundamental cumprir com todos os formalismos constitucionais, Cavaco Silva é incapaz nas múltiplas leituras - e pelos vistos insuficientes - que faz do texto constitucional de dele extrair as respectivas consequências e deixa-se trair pelos seus complexos, pela sua visão economicista da vida, da política e dos valores, para se apresentar aos portugueses como se fosse a peça obediente de uma engrenagem primária ao serviço das instituições financeiras, dos investidores e dos mercados.

Recorde-se que quando se apresentou como candidato presidencial, e em ordem a afastar os outros candidatos, Cavaco Silva procurou sempre afirmar-se como um referencial de estabilidade, como um fiel e um garante da confiança dos mercados, o único que estaria em condições de proporcionar condições de governabilidade a Portugal e confiança aos portugueses. Os últimos quatro anos mostraram quão longe estava da realidade.

O discurso que ontem fez aos portugueses para anunciar uma escolha que era mais do que previsível, poderia ter sido um discurso normal de Estado, dando conta das suas diligências, dos factos e da sua decisão. Uma coisa limpa e transparente. Sem mais. Ao invés, tal como em outras ocasiões fizera, só formalmente é que o PR cumpriu. O seu discurso revela a reserva mental com que sempre actuou - para quê a encenação de pedir ao primeiro-ministro cessante e vencedor das eleições que fizesse diligências; para quê perder tempo a ouvir o PS, o BE e o PCP, se já tinha a decisão tomada? -, dando a entender que jamais confiaria numa solução maioritária à esquerda simplesmente porque desconfiava dela desde o início em razão do histórico do BE e do PCP.

Do ponto de vista da legitimidade política, e não obstante a sua reduzida representatividade, o BE e o PCP têm-na tanta como os outros partidos. As posições políticas que defendem não são um crime, mesmo no contexto europeu que é tão querido de Cavaco Silva, e não actuam à margem da lei ou recorrendo a expedientes manhosos para se manterem dentro da legalidade. Não sendo comunista - aliás não gosto deles nem do que o PCP representa - nem tão pouco simpatizante do BE, não posso todavia aceitar a forma como destratou esses dois partidos, como também não aceitaria que um "Presidente de esquerda" tratasse da mesma forma os "fascistas e reaccionários" do CDS/PP só pelo facto de historicamente terem votado contra a Constituição da República em 1976.

Cavaco Silva desconfia de tudo e de todos, tem medo da sua sombra, sente-se perseguido por fantasmas que transformam os seus sonhos em pesadelos e não sabe o que é a divergência em democracia porque o seu pensamento tem dificuldade em acomodar-se a cenários divergentes, não sabe pensar fora da caixa.

E desconheço em que parte da Constituição se apoia Cavaco Silva para dizer que o PR tem nas suas competências constitucionais tudo fazer para impedir que sejam transmitidos "sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados". Que sinais errados? Ao dizer o que disse, o Presidente da República mostrou que afinal nunca esteve ao serviço de Portugal, dos portugueses e dos princípios e valores ínsitos na Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir.

Prisioneiro dos seus complexos, da sua amargura por a democracia não corresponder ao que gostaria que fosse, Cavaco Silva esqueceu-se que foi ele o último bastião do azedume, da radicalização do discurso político e do extremar de posições. O europeísmo que agora defende deve ser o mesmo que lhe permite confiar na palavra, receber, apoiar e apertar a mão a Obiang, o ditador da Guiné-Equatorial, cujas promessas feitas para aderir à CPLP continuam por cumprir. Incapaz de sair de si, de se apartar dos seus lábios sibilinos, de se colocar num patamar onde a sua figura institucional não se deixasse enredar pelos seus complexos e que merecesse dos portugueses o respeito que lhe é devido pelas funções que exerce, Cavaco Silva termina o mandato deixando o país entregue a si próprio, virando costas à situação política e remetendo para os deputados da nova Assembleia da República a responsabilidade de encontrarem as soluções de governabilidade que ele próprio se encarregou de escaqueirar e inviabilizar com as posições que foi tomando ao longo do mandato. A imagem que deixa é a de uma total inimputabilidade política. Pode ser que Portugal venha a ter um primeiro-ministro que politicamente entre pela "porta dos fundos", já que constitucionalmente estará sempre respaldado, mas se for o caso ele cruzar-se-á na sua hora de saída com o que entrar. Dessa não se livrará.

Com o discurso de ontem, e não foi pela solução apresentada aos portugueses, que devia desde sempre, e não apenas desde 4 de Outubro pp., ter sido uma evidência para ele, sem necessidade de considerandos adicionais e avisos pré e pós-eleitorais disparatados, Cavaco Silva estampou-se de vez. Desintegrou-se, descavacou-se por completo.

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prioridades

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.10.15

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Numa cidade que tem visto a qualidade de vida dos seus habitantes decrescer a olhos vistos, que já vê as pessoas manifestarem-se nas ruas para pedirem mais e melhor habitação social devido à especulação do mercado imobiliário e à falta de alternativas de habitação condigna para quem não aufere salários milionários; onde um subconcessionário do jogo se permite fazer do alto do seu palanque apreciações descaradas sobre decisões políticas do governo legítimo da RAEM; onde o presidente do Tribunal de Última Instância se queixa das pressões sobre o poder judicial no discurso de abertura do ano judiciário, numa terra onde aquele mesmo governo se mostra absolutamente incapaz de fazer uma lei de arrendamento equilibrada ou de meter na ordem para protecção dos seus próprios cidadãos a mafiagem das agências imobiliárias que impõe contratos de arrendamento sem a morada ou o número de telefone do senhorio, e em que a sua mediação é tornada obrigatória para poderem cobrar dos arrendatários, que não têm alternativa, comissões anuais equivalentes a meio mês de renda; onde os preços, dos bens de primeira necessidade aos lugares de estacionamento em edifícios residenciais e escritórios, estão há muito cartelizados e a desregulação do sistema de transportes e do estacionamento público é um dado evidente, a preocupação é agora a negociação e aprovação de um código de ética para junkets. O caos na área do jogo é tão grande que ninguém sabe, a começar pelas concessionárias que permitem as operações debaixo do seu nariz, onde andam os milhões depositados nas mãos dos operadores anónimos que floresceram nos últimos anos como se fossem bancos licenciados, cujos milhões são reinvestidos nas mesas de jogo sob a forma de empréstimos aos jogadores e cuja actividade tem uma face visível nas carrinhas de vidros escuros que aceleram pela cidade aos ziguezagues e, noite fora, se plantam em segunda fila à porta dos restaurantes de luxo.

A preocupação com a aprovação de um código de ética para os junkets de Macau afigura-se neste momento tão bizarra quanto seria a aprovação por parte do Governo da RAEM de regras rigorosas para a falsificação de moeda por parte de organizações mafiosas. Como se gente que se habituou a viver e enriquecer à margem da lei com a conivência dos diversos poderes soubesse o que é ética.

Estamos a caminho do ponto de não retorno. Ou a República Popular da China dá dois berros e um murro na mesa e esta gente acorda para Macau poder retomar o caminho de uma autonomia saudável e responsável, em benefício dos seus residentes que sempre tiveram uma vida próspera e tranquila, ou isto descamba de vez.

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jactos

por Sérgio de Almeida Correia, em 18.10.15

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A Vespa já tinha dado um sinal no dia da tomada de posse. Quatro anos depois há nomeações feitas de mota, outras que vão de Audi, algumas que utilizam submarinos, e um montão delas vai de jacto. Isto é, de Falcon, para não se perder tempo.

Desconheço se são estas coisas que agora se ensina na catequese, mas o que vale é que os portugueses já estão habituados a pagar para este peditório. Há quem lhe chame falte de vergonha e outros nomes que não se coadunam com a elevação deste blogue, mas o certo é que desta forma evita-se que aumentem as listas de desempregados e continua-se uma prática que vem do passado e se insere já no programa de reforma do Estado do ... próximo governo. De "eliminação de gorduras" e acrescento de "emplastros".

Embora não se saiba muito bem quando existirá um novo Governo, nem com quem, o importante é que assim a molecada do partido fica orientada para os próximos anos, com um salário jeitoso, e pode ir comungar descansada depois do cafezinho na Garrett.

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riscos

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.10.15

A diferença entre um meteorologista e um político é que o primeiro não precisa de correr riscos e a única coragem que lhe é exigida é a de olhar para o céu e para os instrumentos e pôr a mão fora da janela para perceber se está vento ou se já chuvisca. Em alturas de borrasca essas diferenças ficam mais nítidas. É o caso com Rui Rio que, afinal, é mais dado à meteorologia do que à política.

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leilões

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.10.15

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Vai para aí um chinfrim tão grande por causa da formação do novo Governo que quer-me parecer que ainda há muita gente que não percebeu em que ponto estamos. Eu vou explicar.

Imaginem que os líderes dos partidos portugueses gostam de automóveis e que o melhor deles todos é o automóvel do Governo. Trata-se de uma máquina para a qual é necessário dinheiro para a ela aceder e mãozinhas para a guiarem.

De quatro em quatro anos, mais coisa menos coisa, troca-se de carro e faz-se um leilão entre os partidos políticos para ver quem fica com o novo. Este ano, como a troika se foi embora, o carro em questão é um Ferrari. O problema é que só leva o condutor e um pendura.

Em 4 de Outubro, teve lugar o leilão e os líderes dos partidos, com o alto patrocínio do PR, quiseram todos licitar o novo bólide.

O problema é que os licitantes estão todos tesos e a oferta mais alta só cobre um terço do valor do carro. Esta veio de dois licitantes que uniram esforços para levar o carro, mas que estoiraram nos últimos anos umas centenas de milhares (votos) que lhes permitiriam levar o carro sem pedir licença.

O leiloeiro só deixa o carro ir para a estrada com 50% do valor em caixa. Passos Coelho e Paulo Portas querem ficar com o Ferrari, mas para o sacarem precisam de pedir um empréstimo a António Costa, que está a pensar ele próprio ficar com o carro se conseguir financiar-se junto do BE e do PCP, embora já tenha percebido que não cabem os três naquele carro e que nem Jerónimo quer levar Catarina ao colo, nem esta está para ir ao colo do avozinho.

Passos Coelho anda a fazer o choradinho a Costa e promete-lhe umas voltas ao fim-de-semana no lugar do pendura, o que deixará Paulo Portas sem transporte para os jantares de sábado. Costa vai fazendo exigências porque também quer o Ferrari à quinta-feira, nos feriados e durante as férias.

Entretanto, os amigos de Passos Coelho querem que ele ande com o carro e estão zangados por Costa não lhe emprestar o que ele precisa para ir a Belém dizer ao PR que já pode assinar os papéis para ele levantar o Ferrari.

Neste momento, a situação é de impasse: Passos Coelho quer viver acima das suas possibilidades e comprar o Ferrari com o dinheiro que não tem; Costa não lhe empresta com receio que o tipo e o seu compincha gripem o motor ou que nos festejos metam lá dentro uma loura e se estampem todos antes do próximo leilão, que só ocorrerá daqui a quatro anos, deixando-o apeado. E porque também gosta do carro, quer guiá-lo e está disposto a tudo para poder fazê-lo.

O PR, que ficou sem gestor de conta com o caso BPN, está na dúvida e não sabe se há-de assinar a livrança pedida pelo leiloeiro para o carro ser entregue sem os 50% ou se vai deixar que continuem a aumentar os custos de armazenagem enquanto os licitantes não se entendem para saber quem vai lá buscar o carro.

Do outro lado da rua, na bomba de gasolina, está o Zé Povinho. Exasperado. De mangueira na mão à espera que o mandem atestar o Ferrari.

Este é o ponto em que estamos. Esta é a situação a que o PR nos conduziu quando marcou o leilão para Outubro e se lembrou de pedir garantias a tesos com vícios. Ou cauciona ele próprio - o que será difícil porque se sabe que é medroso - ou os custos vão começar a subir.

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detritos

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.10.15

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 (foto DN/Reuters)

É legítimo que quem ganhe eleições tenha pretensão de formar governo. Já não é legítimo que quem ganhe eleições sem programa eleitoral ou com o programa das anteriores eleições faça depois o pino e se predisponha a incluir no Programa de Governo que irá submeter ao parlamento, caso venha a conseguir formar um executivo apresentável, as medidas que sempre rejeitou e que durante toda a campanha eleitoral afirmou serem perfeitamente inexequíveis porque colocariam em causa a retoma das finanças públicas e em risco a recuperação nacional e a reputação internacional do país. 

É legítimo que quem tendo perdido eleições admita vir a encontrar uma solução governativa se chamado a tal pelo Presidente da República. Já não é legítimo que essas iniciativas sejam tomadas antes mesmo do vencedor das eleições perceber que deixou de ter condições para se manter no poder e apresentar num prazo razoável a solução governativa estável que o Presidente da República pediu nas suas orações.

É legítimo que os partidos que representam mais de cinquenta por cento dos votos dos eleitores que votaram contra as soluções propostas pela coligação vencedora não estejam dispostos a viabilizar, contra a vontade dos seus eleitores que nunca foram confrontados com essa possibilidade, uma solução de governo da qual faça parte essa mesma coligação. Já não é legítimo que as soluções propostas desrespeitem a vontade dos eleitores expressa nas urnas em função dos programas eleitorais apresentados.

É legítimo que quem tenha uma solução de governo para o país a apresente ao Presidente da República. Já não é legítimo que o Presidente da República queira forçar uma solução de governo da sua conveniência.

É legítimo que os partidos conversem, se reúnam, discutam, apresentem soluções. Já não é legítimo que ao mesmo tempo se esteja a negociar em várias sedes soluções opostas.

É legítimo, à semelhança do que já aconteceu em qualquer democracia civilizada, estável e consolidada do Velho Continente, qualquer governo maioritário saído do quadro parlamentar, ainda que deste não faça parte o partido ou a coligação vencedora das eleições. Já não é legítimo falar em golpe de estado constitucional, acenar com papões ou fazer de conta que as soluções que vêm da Europa só nos convêm quando não coloquem em causa as nossas próprias pretensões de exercício do poder.

É legítimo que todos queiram chegar ao poder ou, aqueles que já lá estão, queiram conservá-lo. Já não é legítimo que isso seja feito de forma tão pouco séria, recorrendo a estratagemas variados e argumentos opostos àqueles que sempre utilizámos. 

É legítimo que todos os que reúnam condições se queiram candidatar ao lugar que está vago, há anos, na Presidência da República. Já não é legítimo que perante as condições tão graves que o país atravessa haja quem se entretenha a apresentar candidaturas presidenciais, tendo tido antes todo o tempo do mundo para fazê-lo, sem que ao menos se vislumbre uma solução provisória no horizonte que possa conferir um mínimo de normalidade à vida dos portugueses.

 

São muitos os peixes podres, os plásticos, as latas, os detritos que agora vêm à superfície. Mas tudo o que está a acontecer em Portugal na sequência das eleições de 4 de Outubro era demasiado previsível para qualquer pessoa séria e medianamente informada. Só para quem estivesse de má-fé, e publicamente fosse dizendo o contrário para ganhar votos, audiências ou intenções nas sondagens, ou então para quem acreditasse piamente nas propriedades sobrenaturais e anticancerosas da água benta é que não. Se virmos bem as coisas, tudo se resume, há duas décadas e uma vez mais, a um problema de seriedade na política. Ou de falta dela. De montante a jusante. 

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indignidade

por Sérgio de Almeida Correia, em 12.10.15

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Primeiro o aquecimento, por onde desfilaram Arvo Pärt (Frades para Violino, Cordas e Percussão), Weinberg (Concertino op. 42 para Violino e Cordas), excertos de A Arte da Instrumentação: Homenagem a Glenn Gould, com dedicatória a J.S. Bach, com peças de Silvestrov, Zlabys, Tickmayer e Kissine. A última peça já deixava antever o que aí viria. Terminado o intervalo, Kremer reduziu-nos à nossa condição, trazendo Igor Loboda, no seu Requiem para a Ucrânia, dedicado aos refugiados ucranianos, a abrir o seu projecto Rússia: Máscaras e Rostos, antes de estrategicamente se resguardar e deixar a Kremerata Baltica entregue a Mussorgsky, a si própria e ao talento dos seus geniais intérpretes. A anteceder as despedidas uma soberba execução da Serenata para Violino de Silvestrov, onde a estrela de novo brilhou muito alto. Toda a segunda parte foi um profundo exercício introspectivo, sublinhando a miséria moral do maniqueísmo e a necessidade de olharmos com olhos de ver para o sofrimento alheio, de nos revermos nas nossas contradições perante a dureza das nossas acções ante a fragilidade e efemeridade da vida. Quando de repente se deixou de ouvir falar dos refugiados, dos milhares que demandaram a Europa Central nos últimos meses e dos muitos que pararam junto às vedações de arame farpado ou dos canhões de água, eis que Kremer veio recordá-lo, trazendo consigo para encher o fundo e nos deixar ainda mais incomodados as fantásticas imagens de Maxim Kantor.

Naquele que foi e será, posso afiançá-lo, um dos momentos mais sublimes desta edição do XXIX Festival Internacional de Música de Macau, a nota negativa vai para a organização. Nem que fosse necessário oferecer bilhetes à porta a quem fosse a passar ou distribuí-los gratuitamente pelas escolas, é lamentável que um violinista da craveira de Kremer e um naipe de músicos de outra galáxia se apresente em Macau com uma sala meio-vazia.

Sabendo-se das queixas que têm sido feitas a muitos espectáculos em que são anunciadas lotações esgotadas e depois se verifica haver muitos lugares vagos, não posso deixar de apontar o dedo à organização. Alguém devia ser responsabilizado pelo que aconteceu. Receber Gidon Kremer e a Kremerata Baltica com pouco mais de meia-casa pode não ser um crime, mas uma indignidade para Macau e para o FIMM sê-lo-á, e foi, com toda a certeza. Valeu a satisfação e a emoção de quem os ouviu.

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brás gomes

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.10.15

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(Fotografia de Paulo Cabral Taipa)

 

"Meu Deus, como a sua presença eleva o nível da conversa!", disse-me Swann como que para se desculpar diante de Bergotte, ele que no meio dos Guermantes adquirira o hábito de receber os grandes artistas como bons amigos a quem se procura apenas dar a comer os pratos de que gostam, jogar os jogos ou, no campo, praticar os desportos que lhes agradam. (...) Eu dissera-lhe tudo o que sentia com uma liberdade que me surpreendera (...). Do mesmo modo que os padres, que têm a maior experiência do coração, podem melhor perdoar os pecados que não cometem, também o génio, que tem a maior experiência da inteligência, pode compreender melhor as ideias mais opostas às que constituem o fundo das suas próprias obras." - Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, Volume II, À Sombra das Raparigas em Flor 

 

Conheci-o em Novembro de 1986, num jantar em casa de um companheiro da juventude de meu pai. Eu chegara à cidade no dia anterior. Tinha vinte e quatro anos. Quando me conheceu perguntou-me o que fazia. Tímido, acabado de aterrar, lá lhe respondi, com a deferência devida para com quem é simpático, agradável, e nos recebe em terra estranha fazendo jus a um sorriso largo e bondoso sem nos conhecer de lado nenhum. Como se me conhecesse há uma eternidade. Disse-me para no dia seguinte ir ter com ele, ou quando quisesse, para tomarmos um café, ele estaria por lá. Lá era o Banco Nacional Ultramarino, em Macau. E ele era uma estrela. Ele era o Brás Gomes.

Frequentara a Escola Naval, de onde não saiu almirante, mas como em todos os locais por onde passava deixou um rasto de amigos, de companheiros, de conhecidos e desconhecidos que o admiravam. Pela simplicidade, pelo trato, pela educação. Com amigos comuns no ramo naval, nesse tempo voltámos a ver-nos várias vezes, nas mais diversas circunstâncias, em reuniões de amigos e em cerimónias oficiais. Sempre jovial, sempre bem disposto, uma referência onde quer que estivesse.

Amante das coisas boas da vida, gostava de estar com os seus amigos, de um bom convívio, de uma boa gargalhada, de uma refeição generosa ou de um vinho de excepção, transportava consigo toda a herança de um império. Da Índia aos pântanos da Guiné-Bissau, por onde andou no tempo da outra senhora. Tinha histórias e recordações de todo o lado, que relatava com prazer enquanto puxava do seu Lancero ou do seu Churchill.  

Quando Carlos Móia, de quem era amigo, chegou à vice-presidência do Benfica, conseguiu convencê-lo a trazer a equipa de futebol a Macau. Então treinada pelo grande capitão, Mário Wilson, tive o prazer de com ele ver, num épico final de tarde, o Benfica golear (8-0) a jovem e inexperiente Selecção de Macau.

O José Manuel Brás Gomes era a porta para tudo. Pelo BNU, em Macau, passou muita gente, muitos directores, mas ali Portugal tinha sempre um rosto e um nome: o dele.

Certamente que haverá pelas pátrias desse mundo outros parecidos com o José Manuel. Duvido é que haja algum igual. E nem sei se Portugal, algum dia, depois de ficar sem império, voltará a ter outro assim. Conhecia meio-mundo, e não precisava de conhecer a outra metade porque, em contrapartida, todo o mundo o conhecia. Não havia quem chegasse de Portugal, da China, do Brasil ou dos Estados Unidos, sem nunca ter posto os pés em Macau, que não trouxesse um cartão, uma carta, uma recomendação ou o número de telefone dele. Para simplesmente falar com ele, levar-lhe um abraço de alguém, encontrar um parceiro de negócios ou ser aconselhado sobre um bom restaurante. O número de negócios que proporcionou entre portugueses, chineses, macaenses e até alguns marcianos que lhe apareceram à frente é incontável. E a muitos ajudou a construírem fortunas.

Não havia vez alguma que o encontrasse que não tivesse um sorriso, uma palavra amiga, um abraço para oferecer. Até quando o Benfica perdia. Um dia, depois de alguns anos infindáveis e miseráveis, disse-lhe que se quisesse ser candidato eu apoiá-lo-ia para a presidência. Há tempos repeti-o entre amigos. Ele sorria, ria-se, piscava-me o olho e arrancava mais uma fumaça.

Apaixonado pelo ténis e pelo golfe, que praticava com assiduidade, recordo-me de com ele ter acompanhado o primeiro Open de Macau a contar para o circuito internacional. Corria mundo para jogar golfe. Um dia encontrei-o em Guam com a sua inseparável companheira, sua mulher, onde tinha ido experimentar os novos campos. Recordo-me, também, de uma manhã ter ido ter com ele ao banco, tendo ele acabado de chegar de férias. Perguntei-lhe onde tinha estado dessa vez. O olhar cintilante e um sorriso ainda mais largo abriram-se para me dizer duas palavras mágicas: St. Andrews! "Mas estava frio", acrescentou logo a seguir.

Não sei ao certo quantos governadores de Macau passaram por ele. Não sei quantos lhe ficaram a dever favores, muitos, atenções, gentileza, simpatia, boa educação. Nunca cobrou nada a ninguém. Nem aos chatos. E fazia questão que fosse mesmo assim. Era um tipo de uma seriedade à prova de bala. Podia ter saído do BNU e ter tido todas as "avenças" que quisesse, só que a sua liberdade, o seu espírito livre e rebelde, a sua honradez e o seu carácter nunca o permitiram. O José Manuel Brás Gomes podia ter sido Governador de Macau. E teria sido, seguramente, o melhor Governador de Macau. Porque o José Manuel Brás Gomes era acima de tudo um construtor de pontes, de estruturas sólidas e duradouras, que ainda por cima sabia conservar com elegância.  

De vez em quando contava histórias do fim do mundo, fazia-nos rir a bom rir. E, todavia, nunca ninguém lhe ouviu uma inconfidência ou soube da boca dele o que não pudesse ser conhecido. Sabia histórias de reis e de rainhas, de ricos e de pelintras simpáticos, do Spínola, de comandos e de fuzileiros, porque teve de lá andar com eles, e também de sacanas da pior espécie e de filhos da puta, que ele também conheceu alguns e distinguia-os à légua. Sabia os nomes deles todos. E gostava tanto de esquerdistas, de comunistas ou de socialistas, entre os quais sabia que eu me incluía, como gostava de sportinguistas. Porém, duvido que algum tivesse deixado de ser seu amigo ou de lhe dar um abraço por essa razão. O José Manuel era franco, leal, directo, um modelo de cavalheiro. Um senhor.

Ultimamente tive o privilégio de estar com ele com mais frequência. Estava com mais disponibilidade, fosse no Clube Militar, do qual era membro da direcção, ou noutro lado qualquer. Encontrava-o regularmente às sextas-feiras, nas reuniões do nosso "Comité Central". Nos últimos tempos não apareceu. Não podia. Falei com ele ao telefone, há duas semanas, como muitas vezes fazemos com os "camaradas" ausentes sempre que nos reunimos. Não sabia quando regressaria. Avisei-o de que iria ver os jogos com o Galatasaray e o Boavista. Confidenciou-me que ainda estaria por Lisboa nessa altura. Disse-me para lhe ligar quando chegasse, para irmos almoçar. Já não chegarei a tempo.

O príncipe, o José Manuel Brás Gomes, foi-se hoje embora. Vamos todos sentir a sua falta. A esta hora estará a cear noutras paragens, construindo novas pontes. Ou a acender um charuto entre amigos. Rindo a bom rir, espalhando classe, educação e muita liberdade. Era o que melhor sabia fazer.

Portugal, mais do que a muitos outros, fica a dever-lhe o fim honroso do império. Sozinho ele valia por um exército.

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infelicidade

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.10.15

Anunciou que não ia às comemorações oficiais do 5 de Outubro apesar de ser o primeiro representante da República. Justificou com o facto de se estar em período eleitoral, dizendo que outros também o fizeram anteriormente. Uma vez mais só disse meia-verdade. Nas outras situações as eleições foram depois do 5 de Outubro. Este ano já tinham sido, por isso a sua presença não iria influenciar o que já não podia ser influenciado. Também se disse que se fosse teria de falar sobre as eleições legislativas, o que também não era verdade. No 5 de Outubro os Presidentes falam, normalmente, sobre a República e os seus valores, não para comentar resultados eleitorais. Ninguém o obrigaria a falar sobre o que não queria. Depois também veio a desculpa de que iria receber os líderes dos partidos nesse dia ou de que estaria a reflectir sobre os resultados das eleições. Quanto aos líderes dos partidos só vai começar a recebê-los hoje, 6 de Outubro. Essa desculpa também não serve E sobre a reflexão disse em Nova Iorque que já tinha todas as soluções pensadas, não se vendo porque iria ficar a reflectir logo no 5 de Outubro, não podendo tirar uma horita para celebrar a República que o pôs em Belém.

Enfim, teria sido mais honesto e menos infeliz se tivesse dito, simplesmente, que os valores da República não são os seus. Ou que não lhe apetecia ir. Ninguém ficaria escandalizado. Já todos o conhecem. 

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castas

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.10.15

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Agora que o espectáculo chegou ao fim e se começou a desmanchar a feira, já posso repetir o que digo há anos e nos últimos meses silenciei para não prejudicar ninguém e não correr o risco de me chamarem ave de mau agoiro.

Tenho muita pena de dizê-lo, mas irei continuar a bater na mesma tecla. O mau resultado nacional do PS resume-se a um problema de castas. Não de hoje, nem de ontem. O partido vai ter de decidir se quer continuar a fazer vinho com tudo o que aparece, misturando sem critério e a granel, apresentando uma zurrapa sem alma, sem profundidade, de consumo imediato e sem hipóteses de atingir a maturidade, produzida por produtores envelhecidos, que não se modernizam nem querem que a casa se modernize, ou se quer começar a escolher devidamente as castas, arranjar bons enólogos, renovar a adega para lhe tirar aquele cheiro a mofo que impregna o ar, e apresentar um produto decente, inovador, capaz de ser valorizado e de ser apreciado pelos portugueses sem necessidade de se lhes estar a prometer um salpicão com a fotografia de especialistas em sueca, PPP e futebol de estúdio.

Estar a produzir vinho para concorrer com os pacotes de cartão de Marco António Costa e o marketing de Assunção Cristas e Paulo Portas, feito de porta-chaves, amostras de lavanda e bandeirinhas, nunca me pareceu boa política. Porque a venderem em feiras, com a experiência deles em cervejas e a apresentarem maus produtos valorizados, eles são muito melhores.

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rescaldo

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.10.15

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(AFP) 

VENCEDORES

1. Passos Coelho e Paulo Portas - Vence eleições quem chega à frente com mais votos e mais deputados. Foi este o caso da coligação PSD/CDS-PP. Com mais truques ou menos truques, com mais ou menos propaganda, aqui não há volta a dar. Ganharam, estão de parabéns, mas vão governar, se conseguirem fazer aprovar um programa de governo, em cima de gelo fino. Ao menor deslize estampam-se.

2. Catarina Martins – O BE ressuscitou graças a ela. Não interessa, por agora, se os bloquistas foram buscar votos ao PS, à direita, à CDU ou à feira da ladra, mas o facto é que passaram de uma votação de 5,19% e 8 deputados para 10,22% e 19 deputados. Se o BE radicalizou o discurso, se sofreu uma sangria com a saída de dezenas de elementos, se quem lá ficou foram os ex-UDP, e ainda assim sobreviveu à saída de Louçã e a uma atípica liderança bicéfala, para depois obter um resultado destes, é difícil dizer que os votos obtidos se devem aos extremistas. Porque se o fossem, seria então caso para dizer que a extrema-esquerda também renasceu das cinzas.

3. CDU – Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia conseguiram mais um deputado. Ganharam “poucochinho” mas ganharam alguma coisa. Para quem pensa “pequenino” e sempre dentro da sua zona de conforto deverá ser motivo de satisfação, mas convenhamos que não foi pelos “trabalhadores” que a coligação PSD/CDS-PP perdeu a maioria absoluta. Com mais um deputado vai aumentar a alegria no trabalho.

4. Grupo Parlamentar do PS – Passou de 73 para 85 deputados, correspondendo ao aumento da percentagem global do partido de 28,05% em 2011 para 32,38%. O resultado é importante para os aplausos e os apartes e garante emprego a alguns que estavam ansiosos por se mudarem para Lisboa durante os dias úteis. 

5. PAN – Elegeu um deputado à custa da sua concentração de votos em Lisboa, vai ganhar visibilidade e tempo de antena e os animais e a natureza ganham um porta-voz. Pode não servir para muito, nem sequer para aprovar ou chumbar orçamentos, mas sempre é melhor do que nada.

6. Abstenção – Pouco passava das 20h de Lisboa quando Rodrigues dos Santos anunciava a projecção da abstenção, e com a pompa habitual vaticinava uma abstenção “historicamente baixa”. Falhanço rotundo. A abstenção voltou a subir e conseguiu ser superior à de 2011 passando de 41,08% para 43,07%. Com nulos e brancos são mais de 46% os portugueses que não se revêem nos actuais partidos. Dava para uma maioria absoluta. Como desta vez todos se poderão queixar da abstenção, pode ser que para as próximas legislativas as coisas já sejam diferentes e o pivot possa finalmente acertar.

7. Sondagens – Os resultados que foram sendo apresentados fizeram muita gente duvidar. Tanto a coligação vencedora como o PS fizeram tudo para não acreditar no que ia saindo. No final, confirmou-se que venceu quem surgia à frente, não houve empate, não houve maioria absoluta e a diferença foi de cerca de 6%. Com a incerteza diária e projecções feitas a partir de amostragens muito reduzidas para o universo de eleitores, penso que seria difícil fazer melhor.

 

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 (AFP)

VENCIDOS

1. António Costa e o PS – O PS pode continuar com o secretário-geral que o trouxe até aqui. Até às presidenciais ou até que apareça alguém capaz de federar o partido sem errância e liberto de alguns espantalhos que agora foram mandados para o parlamento. Mas é inegável que o resultado obtido não é “poucochinho”. O resultado obtido é miserável. O PS não ganhou, inviabilizou uma solução compromissória ainda antes das eleições, que agora vai ser obrigado a aceitar contrariado, alienou uma boa parte do seu eleitorado e conseguiu transformar dois líderes sofríveis – Passos Coelho e António José Seguro – e uma novata arreliadora e bem preparada – Catarina Martins – em estrelas.

2. Livre – As deserções do BE de figuras com algum peso mediático e tribunas regulares nos jornais, rádios e televisões, a inovação nos procedimentos, a abertura demonstrada nas directas e alguma simpatia, transmitiram a ideia de que poderiam ir muito mais longe. Eu próprio me convenci disso. Podem queixar-se, apesar de tudo, de algum voto útil, mas os 0,72% alcançados, correspondentes a menos de 39 mil votos, são pecúlio muito parco para quem tinha ambições. Reduzido à sua insignificância, o Livre deverá transformar-se num clube de amigos.

3. Coligação PSD/CDS-PP – Em 2011, quando se iniciou o programa com a troika, os votos somados dos partidos da coligação ascendiam a 50,37%. Agora, essa percentagem passou para 38,55%. Foram menos quase 12%. É muito. Em muitos círculos a coligação PSD/CDS-PP de 2015 teve menos votos do que o PSD sozinho de 2011. O número de deputados agora obtido beneficiou das regras do nosso sistema eleitoral, mas em termos globais, embora vencendo, a percentagem conseguida não pode nessa parte deixar de ser considerada um mau resultado. Um resultado de Pirro para as louras afectadas poderem celebrar.

4. Cavaco Silva – Não foi o Presidente da República quem perdeu com estas eleições. Nada de confusões, quem perdeu foi o titular do cargo. À beira do final de um mandato em que tudo fez para beneficiar a sua família política, até na hora da marcação das eleições o tiro lhe saiu pela culatra. Nenhum partido obteve maioria absoluta, a abstenção aumentou, as soluções de governabilidade e de estabilidade são menores que zero. Passos Coelho vai ter de lhe emprestar o crucifixo que lhe ofereceram para Cavaco Silva ter alguma coisa a que se agarrar no final de um mandato feito de equívocos e gaffes, com muita miopia a dar ares de aleivosia.

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armas

por Sérgio de Almeida Correia, em 04.10.15

Enquanto os números não duplicarem e for prevalecendo a mentalidade de troglodita é natural que estas "coisas" aconteçam. E que até sejam alvo de gozo por australianos. País de loucos.

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notas

por Sérgio de Almeida Correia, em 02.10.15

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Como amanhã, de acordo com a legislação que o país possui em matéria eleitoral, não é dia para perturbar as consciências de eleitores que normalmente são protegidos pelo legislador e pelos partidos como verdadeiros mentecaptos, gostaria de deixar aqui algumas notas relativamente ao momento eleitoral que atravessamos. Estar e viver fora de Portugal, embora continue a descontar para a Segurança Social como se lá vivesse e tendo sido um dos poucos emigrantes que teve o privilégio de ter exercido o direito de voto, confere-me o desprendimento necessário para o fazer sem constrangimentos político-partidários, aos quais sou por natureza avesso, sem prejuízo das opções que em cada momento faço.

  1. Alguns amigos perguntaram-me o que é para mim um bom resultado eleitoral. Não é pergunta de resposta fácil porque tal como o copo que só tem metade do conteúdo, as perspectivas nem sempre são iguais. Ganhar eleições é vencê-las, isto é, de acordo com as regras do nosso sistema eleitoral que converte votos em mandatos, ganha eleições quem consegue fazer eleger mais deputados. Aqui não há volta a dar. E só por uma bizarria, mais própria de gente mal formada do que de políticos responsáveis que como tal querem ser respeitados e reconhecidos, não é o facto de se ter mais votos que dá a vitória a um partido. Numa democracia representativa, votos não convertíveis em mandatos não servem para nada qualquer que seja o sistema eleitoral.
  1. Com o que ficou escrito no ponto anterior fica também esclarecido qual a força política que deverá ser convidada pelo Presidente da República, de acordo com a Constituição, a formar Governo. O convite deverá ser endereçado à força política – coligação ou partido – que tendo-se apresentado ao acto eleitoral obteve o maior número de mandatos.
  1. Postos estes esclarecimentos introdutórios, vamos então às interpretações possíveis dos resultados na perspectiva do que seja um bom resultado. Para isto convém ter presente o seguinte:

            3.1 Para a coligação PSD-CDS/PP um bom resultado será vencer as eleições qualquer que seja a margem em relação à segunda força mais votada,

         3.2 Para o PS e para qualquer outra força política um bom resultado também será vencer as eleições.

  1. O problema é que um bom resultado nas eleições de 4 de Outubro, a traduzir-se numa maioria relativa, será sempre um resultado coxo do ponto de vista da estabilidade política e da governabilidade. Não é certo que um governo minoritário seja um governo instável ou com poucas possibilidades de fazer uma governação séria e responsável, mas será sempre um governo sujeito à formação de coligações parlamentares negativas que o podem derrubar em qualquer momento. Nesta perspectiva, qualquer vitória eleitoral com maioria relativa, seja para a coligação PSD/CDS-PP ou para o PS será sempre um mau resultado.
  1. Uma outra forma de olhar para o problema é pegando nos resultados dos anteriores actos eleitorais. Em 2011 o PSD e o CDS-PP foram a votos sozinhos. A soma dos respectivos resultados atingiu 50,35%. Agora, as melhores sondagens, dão-lhes grosso modo entre 37 a 39% dos votos. Isto representa uma queda eleitoral de mais de 10%. Objectivamente, uma queda de mais de 10% nos votos da coligação PSD/CDS-PP é sempre um mau resultado, significando esta, a verificar-se, a taxa de reprovação da sua governação durante os últimos quatro anos para o seu próprio eleitorado. Um resultado de 38% equivale aos votos que o PSD sozinho conseguiu em 2011, o que significa que os 11% que CDS-PP tinha obtido na mesma eleição se evaporaram, sobrando só os votos do PSD. Será isto para os ilusionistas da coligação PSD/CDS-PP, agora que concorrem juntos, um bom resultado?
  1. Em contrapartida, por comparação com 2011, quando obteve 28,05%, o PS, que volta a apresentar-se sozinho a votos, tem sondagens a darem-lhe entre 32 e 34% das intenções de voto. É uma melhoria, sem deixar de ser um mau resultado. E é muitíssimo pouco face a 2005 (45,03%) e 2009 (36,56%). Se o PS nestas eleições obtiver menos de 36,56%, esse será um resultado muito mau para um partido que está na oposição e que teve todas as condições para voltar a obter uma maioria absoluta. Pior se levarmos também em consideração que em 1995 o PS conseguiu 43,76%, em 1999 obteve 44,06% e em 2002 atingiu 37,79%. Sobre isto não preciso de dizer mais nada.
  1. Acontece que as sondagens não votam, os números da abstenção só serão conhecidos no dia da votação e que o número de indecisos que as sondagens revelam é suficientemente elevado para poder dar uma maioria absoluta a qualquer uma das forças políticas com possibilidade de vencer as eleições.
  1. Considerando o que há dias escrevi no Aventar, seria bom que neste momento os portugueses, cidadãos eleitores, maiores e responsáveis, pensassem no seguinte: “o resultado de uma eleição e a construção de um projecto de futuro nunca dependeram tanto de uma cruz. No silêncio da cabine vai ser necessário escolher entre colocar uma cruz num boletim de voto ou continuar a carregar a cruz que relançou a pobreza, ingrata e sem sentido, e exportou mais de duzentos mil portugueses jovens, activos e qualificados, só nos últimos dois ano para poder ir mais além da troika. Os abstencionistas são os únicos que têm de antemão a certeza de que não escolhendo, continuarão sempre a carregar a cruz.”
  1. E agora três notas finais que não gozam do benefício da isenção: a primeira vai para a coligação entre vermelhos e vermelhos-esverdeados. Jerónimo de Sousa continua equivocado. Ontem dizia que se a coligação PSD/CDS-PP perder a maioria absoluta isso ficará a dever-se à luta travada pelos comunistas e pelos trabalhadores portugueses. Eu pensava que o objectivo da CDU era afastar a coligação do governo do país, mas pelos vistos, para Jerónimo e os patuscos da sua tribo o objectivo era só retirar a maioria absoluta à direita. Concluo, assim, quanto a esse ponto que a CDU ficará satisfeita e dirá que obteve uma “grande vitória” se a coligação PSD/CDS-PP perder a maioria absoluta continuando a ser governo. Se os trabalhadores portugueses forem nesta conversa e votarem na CDU é sinal de que estão satisfeitos com a actual situação, querendo que Passos Coelho continue como primeiro-ministro.
  1. Uma segunda nota vai para a revelação/confissão de Passos Coelho à comunicação social que acompanha a campanha da coligação PSD/CDS-PP de que faz campanha com um crucifixo no bolso. Não tenho nada contra a fé do primeiro-ministro. Cada um tem a sua e a dele não é diferente da dos outros. Mas o recurso à revelação pública desse facto, como fez em relação a alguns factos da sua vida pessoal e familiar que não estão, nem deviam estar, sujeitos a escrutínio público, são do domínio da abjecção e indignos de um candidato a primeiro-ministro numa república democrática, laica e soberana.
  1. A última nota vai para o Presidente da República. Qualquer que seja o resultado das eleições é desde já o maior perdedor. Será o maior perdedor porque durante toda a legislatura nunca soube estar à altura dos acontecimentos e das exigências do cargo, não raro mostrando-se parcial nas escolhas e comprometido com os seus preconceitos, complexos e atavismos. Da não antecipação das eleições para Junho, atirando o país para a incerteza e a instabilidade em Outubro, à marcação das eleições para um domingo – no que até poderia ter dado um sinal de modernidade e inovação para combater a abstenção se as tivesse marcado para um dia útil –, sem esquecer as infelizes intervenções que tem tido a propósito de nada e ignorando o essencial, ficará na história como o mais anti-republicano dos presidentes portugueses. As declarações que proferiu em Nova Iorque, ao referir que já tinha pensadas as soluções para o pós-4 de Outubro e que sabe muito bem o que fazer, são incompatíveis com a sua ausência às celebrações do 5 de Outubro. Se já tem a solução pensada não havia razão para anunciar que vai faltar, porque nesse dia já os portugueses também terão feito as suas escolhas. Vejo, por isso, mais essa ausência como um sinal do seu desconforto por aquele que poderá vir a ser o resultado eleitoral de 4 de Outubro. Com esta sua atitude de ausência às celebrações do 5 de Outubro de 2015, Cavaco Silva deu a machadada final no seu mandato, sinal da sua hipocrisia, das meias-tintas dos seus mandatos, da sua falta de solidez, de estatura e de coragem política em momentos decisivos. Se não fosse a república, Cavaco Silva nunca teria saído das paredes da sua universidade ou do Banco de Portugal, nunca teria tido as condições para poder obter o estatuto público que conseguiu. Mas até na hora da partida foi incapaz de ter um gesto de elevação e de gratidão e de se assumir como o presidente de todos os portugueses. Com uma coligação PSD/CDS-PP vencedora e sem maioria absoluta, ou com um PS vencedor, Cavaco Silva será sempre um presidente derrotado. E ele é o único que irá ter aquilo que merece por tudo aquilo que fez. A república, nestas ocasiões, também não costuma perdoar aos timoratos que, devendo-lhe tudo, gratuitamente a ofendem.

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