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Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Insolventes em 1932, insolventes em 1953, insolventes em 1990. Não foi uma nem duas vezes que os alemães recorreram a créditos que não pagaram. E em 32 a culpa foi da crise económica. Há quem tenha memória de formiga.
Se a convocação do referendo por parte de Alex Tsipras podia ser compreendida à luz das regras democráticas, a que os Estados dominantes da União Europeia têm fugido sempre que possível quando se trata de confrontar as suas decisões com a vontade dos povos, já o mesmo será difícil de dizer da errância de que tem dado mostras. Seguramente que não é fácil gerir um país na situação grega, sendo certo que o estado a que a Grécia chegou não foi fruto da irresponsabilidade dele ou de Varoufakis, mas sim de um conjunto de factores que vão da irresponsabilidade dos governos anteriores, tanto do PASOK como da Nova Democracia, que foram encanando a perna à rã, aldrabando as contas aos credores e disfarçando reformas, como foi também da ganância dos agiotas que, podendo ir acompanhando o que não ia sendo feito permitiram o arrastamento da situação através de sucessivos financiamentos, enquanto viam o défice crescer e as reformas necessárias eram trocadas por juros cada vez mais altos.
Para quem foi fustigado ao longo de meia dúzia de anos com sucessivos, e cada vez mais gravosos, pacotes de austeridade, com o dinheiro, as poupanças e as pensões de reforma a desaparecerem, o apelo do Syriza e a folha limpa que os seus líderes apresentavam em termos governativos aparecia como uma janela de esperança.
Volvidos estes meses é a própria esperança que se esvai. O pouco capital de credibilidade que ainda poderia possuir, Tsipras alienou-o da forma mais tonta e grotesca que se poderia imaginar. Porque em atenção às propostas que levaram o Syriza ao poder, se era legítimo que o referendo fosse convocado, independentemente do facto de isso já dever ter sido feito há mais tempo, isto é, logo que se apercebeu de que não conseguia lograr os seus intentos e que a continuação da negociação implicaria a rejeição do contrato eleitoral, não poderia fazê-lo revelando a incoerência de apelar ao voto no “não” e, ao mesmo tempo, continuar a negociar os termos da capitulação que entretanto aceitara. Para quê uma nova carta depois de dizer não aos credores e de ter anunciado o referendo?
Tsipras e o Syriza perderam a credibilidade. E, mais do que isso, perderam a razão. Que era não só a deles mas também a do povo grego, entregando-o à sua sorte, que em caso de vitória do “sim” no referendo, a meu ver previsível nas actuais circunstâncias, será igualmente a misericórdia dos credores. O desfecho, na linha da tradição dramática grega, não podia ser mais trágico.
Para a dignidade de um povo a vergonha do enxovalho por incompetência e espalhanço do mandatário é bem pior do que uma situação de incumprimento por carência objectiva de meios. Pode ser que a lição possa servir a outros, incluindo aos portugueses.