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arturo

por Sérgio de Almeida Correia, em 30.08.14

 

 

"Para mim só há um tipo de música... a boa música", ontem no Hoje Macau, hoje no Venetian, para encher os meus ouvidos com a simplicidade do trompete que fala.

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miopia

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.08.14

A História não perdoa erros de tão grande miopia política. Jason Chao tinha menos de seis meses quando a Declaração Conjunta foi assinada. Trocar princípios ou vistos de residência por patacas e euros nunca poderia dar bom resultado.

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criancices

por Sérgio de Almeida Correia, em 25.08.14

De que têm medo? Quem os aconselha a assim agirem? Ninguém manda a cavalaria para disciplinar um infantário. A resposta desproporcionada não gera confiança quando o fundo autoritário não tem sequer o apoio da lei.

A imagem de alguém que escapa sorrateiramente para não ser confrontado com perguntas aborrecidas também não gera confiança. Só a confiança  garante estabilidade social e política no futuro.  

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vida

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.08.14

Aquilo em que se acredita e nos faz continuar a acreditar. Sem vergonha, sem remorso. Olhando para o horizonte de olhos abertos. Sem tremer.

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powell

por Sérgio de Almeida Correia, em 22.08.14

 

"The rhetoric of US foreign policy proclaimed the universal values of liberal democracy as the foundation for world peace, but the practice was often quite different. The odd mixture of inclusive civic ideals with exclusive racist and nationalist prejudices, which Wilson’s friendship with Dixon and his contributions to The Birth of a Nation had epitomized, continued to influence American democracy and international relations. Deciding which cultural values to give higher priority after 9/11 during President George W. Bush’s global war on terrorism was still a critical question for Americans in the twenty-first century. Once more, in this new historical context, they needed to decide which aspects of the Wilsonian legacy—its best universal ideals of freedom and democracy or its worst prejudices of racism and religious intolerance—to embrace at home and abroad."

 

A violência inaudita do crime de Powell, cujas imagens podem ser vistas em múltiplos vídeos colocados no You Tube e que aqui me recuso a reproduzir ou encaminhar, fez-me regressar a Lloyd Ambrosius e ao seu texto de 2007, na Diplomacy and Statecraft (vol. 18, 2007, 689-718), sobre o legado do Presidente Wilson e tudo o que nos conduz até ao filme de Griffith (The Birth of a Nation) e à novela de Dickson (The Clansman).

Quando olho para o sistema de justiça norte-americano, quando vejo a forma estúpida como se continua a morrer nos EUA, seja pela acção de loucos ou a simples inacção do Congresso, ou quando leio as macabras descrições da agonia de condenados à pena capital, que devido à incompetência dos carrascos nem sequer têm direito a uma morte digna e sem sofrimento, não posso deixar de reler e reflectir no que Ambrosius escreveu.

O facto de Obama ter chegado à Casa Branca não mudou nada. A mentalidade continua a ser a mesma. E a quantidade de casos em que a violência se repete sem qualquer justificação continuará a fazer dos EUA um país semimedieval, onde a conquista do espaço se confunde com o barbarismo dos seus polícias, onde o último grito em novas tecnologias se confunde com o radicalismo da NRA, a ignorância de uma Pallin ou o primarismo de alguns congressistas. Contrastes pelos quais depois pagam os James Fowley que um dia tiveram o azar de nascer norte-americanos.

O que aconteceu em Powell, independentemente do desgraçado ser um malandro, ou continua a passar-se em Gaza, acaba por ser o resultado de uma pesada herança de violência, ignorância, preconceito e atavismo religioso. E se um legado desses é inaceitável na Síria, na Líbia, no Irão ou em Israel, nada havendo que justifique as carnificinas que diariamente nos entram em casa, menos ainda se pode tolerar que num país como os EUA ainda não tenha sido possível ultrapassar os traumas da sua fundação. Como John A. Thompson também já sublinhou, continua a haver uma grande dificuldade em conciliar a realidade externa de um mundo recheado de conflitos e o papel que o país quer assumir em termos mundiais com a pressão da realidade interna e da sua própria opinião pública (International Affairs, 86, I, 2010, 27-48), mas isso não pode servir de desculpa para o que continua a acontecer sem que haja uma tomada de posição por parte dos países europeus.

De qualquer modo, em matéria de direitos humanos, em Powell ou no Iraque, só pode existir um caminho: o do inaceitabilidade da violência quaisquer que sejam as circunstâncias e a roupagem com que se apresente. Venha ela de onde vier. O único compromisso das nações civilizadas só pode ser o da luta contra a barbárie e pela elevação dos padrões de justiça e de vida. A começar pelo respeito por esta.

A triste herança de Wilson, que muitos ainda continuam a adular por desconhecimento histórico e preconceito ideológico, não devia continuar a envergonhar a humanidade e a motivar as acções de loucos. Não pode haver tolerância com as bestas. Menos ainda com que as que juram com uma mão sobre a Bíblia, a Torá ou o Corão, enquanto com a outra primem o gatilho.

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jagunçada

por Sérgio de Almeida Correia, em 21.08.14

(Coronel imortalizado por Jorge Amado que espera poder votar nas primárias do PS)

 

Uma candidata às eleições da Federação Distrital de Braga, apoiada por António José Seguro, escreveu ao JN repudiando declarações publicadas neste jornal que lhe foram atribuídas, esclarecendo que nunca as proferiu. Em causa estavam as afirmações, entre aspas, de que o pagamento de quotas de militantes já falecidos por familiares seria "normal" e de que tal pagamento constituiria uma "espécie de homenagem" aos mortos. Até prova em contrário darei crédito ao desmentido de Maria José Gonçalves.

Só que, entretanto, leio que Álvaro Beleza, outro "segurista" que há um ano considerava as primárias inoportunas e que este ano, devido ao repto de António Costa, rapidamente mudou de ideias, enaltecendo um processo preparado em cima do joelho que só tem servido para o achincalhamento público do maior partido da oposição, veio pedir que o pagamento de quotas deixe de ser obrigatório. Não sei se o objectivo será acabar de vez com a militância, colocando os militantes ao nível dos simpatizantes, americanizando os partidos portugueses, ou se será apenas mais uma tirada de ocasião. De qualquer modo, Beleza, de acordo com o DN, denunciou a existência no partido de um "sistema de jagunços" que funciona "como o nordeste brasileiro no tempo dos coronéis". Apontou o dedo a Mesquita Machado que "ganhou com certeza muitas eleições internas a pagar quotas dos outros". 

Como a procissão ainda vai no adro, surge agora Miguel Laranjeiro, a desvalorizar o pagamento de quotas por terceiros, ao mesmo tempo que recusa mostrar os comprovativos dos pagamentos feitos por estes porque, imagine-se, em causa estaria o "sigilo bancário". De caminho, lá por Coimbra, está o caos instalado, aguardando-se o resultado de uma providência cautelar.

Álvaro Beleza, "com certeza", para falar como fala sabe o que está a dizer. E, se assim é, as declarações de Miguel Laranjeiro até serão normais.

Tenho pena, de facto, que a invocação do sigilo bancário sirva, neste caso, para proteger jagunços. Porque para quem apregoa a transparência, a ética e outras coisas que às vezes dão jeito, o primeiro passo seria a denúncia dos jagunços que pagaram as quotas dos falecidos e de, pelo menos, mais vinte militantes. A primeira coisa que um líder sério, cujo poder é posto em causa por um "sistema de jagunços", deveria fazer seria esclarecer essas situações e promover a instauração de processos disciplinares, visando a expulsão de quem pagou as quotas dos falecidos e dos terceiros que, ainda vivos e com voz, se queixaram. Porque é essa jagunçada que descredibiliza a política e os partidos.

Invocar procedimentos incorrectos de ontem - por parte de quem até ajudou Seguro a chegar onde está - para justificar as golpadas de hoje, desvalorizando-as, só prova, afinal, uma coisa: que o sigilo bancário protege os jagunços. E também que as eleições para as federações e as primárias do PS são pouco transparentes e controladas por quem invoca o sigilo bancário para proteger a jagunçada de que fala Álvaro Beleza. Prova de que quanto aos métodos em nada se distinguem de quem noutros partidos usou dos mesmos para chegar à cadeira do poder.

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padrão

por Sérgio de Almeida Correia, em 19.08.14

Os nomes são o que menos importa, embora um deles seja de antologia. São casos que se repetem, aqui e ali, de cada vez que há lugares em disputa num partido. Ou porque moram todos na mesma casa, ou porque pura e simplesmente não existem e quem controla as estruturas de base de alguns partidos não tem idoneidade política, ética e moral para andar por lá. Mas, apesar disso, continua a gozar do apoio dos compinchas, da protecção dos que dependem e dos seus votos, e dos dirigentes que enterrando a cabeça na areia lhes vão aparando os golpes. À socapa.

É um padrão que se repete de Norte a Sul e que não é exclusivo dos partidos. Olhe-se para a banca. Veja-se o que se passa em muitas grandes empresas e até na gestão das finanças de algumas autarquias. Assumem formas moluscóides que se reproduzem com grande facilidade em determinados meios e gozam de aceitação e condescendência social. Da família da alta finança, cujos filhos estudaram na Suíça, ao laparoto da concelhia do partido que quer garantir a senha de presença e os "contactos" na assembleia da terriola, salvo raríssimas excepções de meia dúzia de postergados que preferem o anonimato e a desesperança a terem de vergar, o modelo aplaudido é sempre o mesmo. Com ou sem variantes.

Aquilo que devia dar cadeia justifica-se com o facto das eleições serem concorridas, a dimensão do negócio, a interpretação mais favorável ou o currículo do candidato que por acaso, e só mesmo por acaso, é filho de quem é. As regras que se acomodem. Nós somos assim e temos orgulho em ser assim. Estamos conversados.

Tempo houve em que a culpa era dos fascistas. Depois passou a ser do Otelo e dos comunistas. De caminho foi dos retornados, antes de passar a ser da abstenção e da União Europeia, e de dar lugar à Constituição, ao BPN, ao BES, sem esquecer a Lusófona, a Internacional, a Lusíada, e toda a série de falcatruas, cambalachos e maroscas que tomou conta do país e encheu os bolsos de quem manda. Agora estamos no ponto em que a culpa é da participação. A malta entusiasma-se, quer participar, e aqui vai disto. É o salve-se quem puder.

Podem continuar a fazer reformas como até aqui, a promover primárias, directas, prós e contras, comissões de inquérito, novos acordos ortográficos, a constituir fundações e a endeusarem desportistas ricos, que sendo muito bons no que fazem não deixam de ser quem são, e miúdas giras. Daquelas que usam telemóvel "xpto" com a boca cheia e levam a faca à boca enquanto mostram os aveludados seios fartos nos matutinos e revistas da sociedade.

Enquanto permitirem a sobrevivência do modelo, enquanto tivermos um padrão que é intrínseca e estruturalmente desonesto em quase todas as suas manifestações, tudo continuará recorrentemente como até aqui. E para o caso é irrelevante que estejamos a falar do primeiro magistrado da nação, do diplomata jubilado que assessora autarquias e promove "golden visas" para chineses ou de um trolha. A pobreza sente-se na bolsa, na vida, no quotidiano noticioso, nas declarações dos dirigentes, nos casos do dia. Da política ao desporto.

Não há, não pode haver, nunca haverá excelência, rigor, educação, cultura, decência, numa palavra apenas, civilização, entre ervas daninhas. Se não matarem o padrão; enquanto, parafraseando o Rui Rocha, não se livrarem do cabrão lusitano não entrarão no reino dos céus. Por mais que gemamos a cantar o fado ninguém terá piedade de nós.

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guterres

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.08.14

Faz agora três meses que o assunto começou a ganhar força. O pretexto foi o lançamento de um livro, devidamente enquadrado por uma entrevista à Sábado e, que me recorde, uma notícia do i. Entretanto, Santana Lopes também assomou fugazmente à varanda. No passado dia 12 de Agosto foi a vez do Público retomar o assunto. De mansinho, enquanto não disparam os nobres e as aves de capoeira, os presidenciáveis começam a ocupar os seus lugares.

António Guterres tem vários pontos a seu favor. Não é um arrivista, tem educação - coisa que muitos políticos no activo não têm -, apresenta pergaminhos académicos insusceptíveis de discussão nas primeiras páginas de alguns jornais que misturam assuntos sérios com o silicone que levou ao rompimento de noivados, possui experiência governativa, não fala com a boca cheia, não usa fatos castanhos, consegue comunicar em várias línguas, e, o que não é desprezível, sabe ler e escrever em português decente. Para além disso, é reconhecido fora de portas, mostra um currículo com uma vasta experiência internacional e os pergaminhos de uma carreira na ONU à frente de um cargo particularmente difícil e exigente como é o ACNUR. Acima de tudo, tal como Santana Lopes, é um homem sério, não constando que ande por aí a amealhar para a reforma e as peúgas com as acções que o primeiro vendedor de castanhas lhe ofereça.

Contra si pesa, ainda, a imagem que deixou quando bateu com a porta do Governo e do PS, após umas autárquicas pouco conseguidas, uma proximidade à Igreja Católica vista por alguns sectores como excessiva, para já não falar na dificuldade que tem em fazer contas complicadas com microfones à frente.

Todos sabemos que as funções presidenciais são bem diferentes das de um primeiro-ministro, e que o facto de um indivíduo não ter sido um excelente primeiro-ministro, com excepção de um caso conhecido, não o transforma num Presidente sofrível. Em especial se tiver um mínimo de bom senso, a noção de que a Terra é redonda e de que o Sol não gira à volta do Palácio de Belém.

Guterres tem boa imprensa - tal como Cavaco Silva no seu tempo e Passos Coelho ainda mantém -, mas para conseguir ser bem sucedido vai ter de se afastar da imagem que deixou no espírito de muitos portugueses de ser um "mole" demasiado palavroso. O ACNUR deu-lhe outra dimensão e mostrou que é um homem que não foge à luta, sendo capaz de compreender a dimensão do sofrimento humano. Quanto à segunda parte, se quiser fazer o caminho, vai ter de ser mais poupado nas palavras de cada vez que tiver de falar. 

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liberdade

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.08.14

 

(SCMP)

Andrew Li, o ex-Chief Justice do Hong Kong Court of Final Appeal, escreve hoje no South China um artigo notável sobre a independência judicial. Tem por título Price of liberty. Na sua base radica a noção de patriotismo recentemente veiculada por um documento emitido pelo Conselho de Estado da RPC, vulgo white paper, que na sua versão em língua inglesa, para além de incluir os juízes entre os chamados "órgãos administrativos", refere que aqueles devem ser "patriotas". Tal como Li, não houve quem não interpretasse o uso deste termo com a conotação no sentido de que os magistrados judiciais deviam ser a favor do governo central e do governo da SAR de Hong Kong. Recordando que o princípio da independência judicial leva a que os juízes não possam ser a favor nem contra coisa alguma, devendo ser apenas justos e imparciais, porque não têm "master", acrescentou sem sofisma "political or otherwise". Simples, claro, directo. Espero que em Macau também o leiam. Duas vezes se for preciso.     

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insolação

por Sérgio de Almeida Correia, em 14.08.14

 

Sabendo-se que conta com todos, com excepção daqueles que antecipadamente excluiu, espero que António José Seguro anuncie rapidamente o seu governo de coligação. E as pastas. O referendo entre militantes, para evitar "arranjinhos de poder e caprichos pessoais", parece-me uma excelente ideia. O ideal era realizá-lo já, se possível para a semana, tirando partido do início da época futebolística.

Creio é que também seria conveniente aproveitar-se a oportunidade para se perguntar aos militantes se estão de acordo com a presença dos elementos do Governo Sombra, de Jorge Jesus e dos Xutos e Pontapés nessa frente alargada. O Rojo é que teria de ficar de fora porque o Bruno de Carvalho antecipou-se. O referendo poderia então funcionar, aos olhos dos simpatizantes, como um estímulo para a maioria absoluta. E, já agora, como umas primárias antecipadas.

Se a coisa corresse bem poupava-se tempo. Quem sabe se também as primárias?

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cenas

por Sérgio de Almeida Correia, em 08.08.14

Cenas da vida real no Hoje Macau.

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troikos

por Sérgio de Almeida Correia, em 06.08.14

Ao ler este editorial do New York Times, depois de tudo o que tem saído por estes dias nas páginas da imprensa estrangeira, que tanto jeito deu a Passos Coelho e Paulo Portas quando se tratou de "enterrar" Sócrates e Teixeira dos Santos por causa da má reputação internacional do país, a tal ponto que foram escritos comunicados em inglês pelo PSD para explicar a situação então vivida, é uma dor de alma ver o estado putrefacto a que conduziram um regime já de si muito desacreditado.

Ainda nos havemos de lembrar por muitos e bons anos da troika dos três cês: Cavaco, Coelho e Costa. Razão tinha o Honório Mau, quer dizer, Novo, enquanto um certo camarada dormia na forma à espera de ser primeiro-ministro.

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zelotas

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.08.14

Os zelotas de serviço não gostaram do que escrevi sobre a trapalhada do BES e a "generosa" proposta que o Banco de Portugal fez aos contribuintes portugueses. Felizmente que hoje a Forbes põe tudo em pratos limpos.

Como já disse, até admito que a situação venha a revelar-se ser a melhor e a menos onerosa para os portugueses. Mas, definitivamente, não gosto de ser aldrabado ou que me tomem por parvo.

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oásis

por Sérgio de Almeida Correia, em 04.08.14

 

Passos Coelho tinha dito que o Estado não seria obrigado a salvar o BES. Que não haveria dinheiro dos contribuintes lá metido, que seriam os privados a arcar com os prejuízos. Concluí, ingenuamente, que seriam os "capitalistas" a resolver o problema. Mas o que se vê, ao contrário do que foi afirmado e da mensagem que o governador Carlos Costa quis passar, é que estamos perante uma nacionalização encapotada do BES. Ainda que temporária será paga com o dinheiro que não saiu do bolso dos seus accionistas, que não saiu do bolso dos privados e cujos custos serão pagos, uma vez mais, pouco ou muito, com juros ou sem juros, por todos.

Já sei que muitos dirão que o dinheiro do Fundo de Resolução não é dos contribuintes - a CGD já foi privatizada? -, que o que não vem de lá veio da troika, e outras falácias de igual quilate que servirão para enganar o povinho enquanto o primeiro-ministro vai a banhos no Algarve, o Presidente da República - que sabe sempre tudo e avisa sobre tudo e mais alguma coisa a tempo e horas e nunca fala quando deve falar -, está mudo e calado, e a ministra das Finanças desapareceu em combate.

Os incómodos ficarão para o Banco de Portugal - este também ainda é público, penso eu - e o seu actual governador. Afinal o mesmo que desde Setembro de 2013, apesar de já ter ideia do que se passava, acreditou durante quase um ano que aquela corja que permitiu que se andasse a gozar com o dinheiro que os depositantes lhe confiaram se podia manter em funções, situação que só terminou in extremis há bem pouco tempo. E foi preciso para tal ver os esqueletos começarem a fugir dos armários onde se iam desconjuntando, ao mesmo tempo que se estatelavam desamparados à nossa frente assim que a porta se entreabria. De repente, eram tarsos e metatarsos para um lado, fémures caindo por outro, rótulas e tíbias deslizando soalho fora. Só então o Banco de Portugal se apercebeu que aquele ia ser mais um buraco sem fundo.

O BES, que respirava saúde, a tal instituição financeira sólida de que o primeiro-ministro e o Presidente da República falavam, liderado por e ligado a gente que abominava o Estado e a intervenção deste na economia, enquanto engordavam engravatados porquinhos cor-de-rosa que aproveitavam todas as oportunidades para se queixarem da falta de liberalização da economia e viam qualquer intervenção do poder político na sua coutada como uma ofensa de lesa-pátria, acabam a ter de ser salvos, ao soar do gongo, por esse mesmo Estado.

Todos esses quadros muitíssimo competentes que passaram por algumas das, agora sinistras, organizações desse universo de que o BES fazia parte e que  estão a contas com a justiça (sujeitando-se à intervenção pública dentro e fora de portas, como é normal entre arautos do neoliberalismo de pacotilha), entretanto alcandorados ao exercício desses lugares de serviço público onde se "perde dinheiro", de repente desapareceram todos. Evaporaram-se. Não há agora um desses merceeiros ricos, dos que convivia com os senhores do BES e da Goldman Sachs e se passeavam por Nova Iorque, que apareça para dar cara pelos amigos ou, pelo menos, para vociferar na televisão pública contra esta intervenção. Não há um que se chegue à frente e diga ao Banco de Portugal para ficar quieto porque já reuniram, entre eles evidentemente, os fundos necessários para acudirem à situação e safarem os seus depositantes. A matilha desapareceu. E quando um ou outro é apanhado numa esquina e lhe põem um microfone junto às beiças já não vociferam. Deixaram de falar mal do Estado e limitam-se a lamentar a sorte dos compinchas. Dos tesos ricos.

Esta é a incontornável verdade que a muitos dói, em especial a todos aqueles que sempre acharam excessivo o que o Estado gastava com a saúde e com a escola dos portugueses. Os que queriam tudo privatizado, até um bem tão essencial como a água, ao mesmo tempo que escondiam milhões na Suíça e em paraísos fiscais de além-mar aproveitando para promoverem a construção de hospitais privados e apoiarem as iniciativas das escolas privadas que os ajudariam a progredir ainda mais nos negócios, contando que o Estado lhes financiasse o negócio para atenderem os seus próprios contribuintes.

Sim, porque em causa nunca esteve qualquer reforma do Estado, qualquer melhoria das qualidade dos serviços que este prestasse, a procura de uma relação equilibrada entre o custo e o benefício para uma maior eficiência. Em causa esteve sempre, esse foi o objectivo desde a primeira hora, o desmantelamento do Estado para benefício de meia dúzia de figurões que sempre dependeram da teta do Estado, das PPP's e de mais umas quantas aberrações que inventaram para prosperarem com dinheiros públicos nos seus negócios privados, se necessário fosse abusando da confiança de terceiros, colocando a máquina do Estado ao serviço dos seus interesses particulares. É para isso que na sua perspectiva serve o Estado. 

E eu, que não sou, nem nunca fui, apologista da presença do Estado em áreas onde não deva estar e que admito a sua presença nalguns sectores em sã concorrência e sem favores com os privados, vejo o El Pais escrever que "aunque el Banco de Portugal no pronuncie la palabra, es una nacionalización en toda regla".

De igual modo, o USA Today diz-me que é Portugal, leia-se o Estado, quem saiu em auxílio do BES e que "the Bank of Portugal was spurred to action after it realized that using public funds seemed to be the most viable solution". O New York Times, que deve ser uma espécie de Acção Socialista do camarada Obama, esclarece que "the Portuguese government will provide most of the money for the rescue in the form of a loan", e o Estado de Minas, via France Press, esclarece os seus leitores que "4,4 bilhões serão retirados do envelope de 12 bilhões destinado à recapitalização dos bancos no âmbito do plano de resgate de Portugal". E a insuspeita Bloomberg escreve que "Banco Espirito Santo has been forced to take public money after regulators uncovered potential losses on loans to other companies tied to Portugal’s Espirito Santo family and ordered the lender to raise capital". Até o Figaro escreve que "Le gouvernement a, semble-t-il, hésité à puiser dans l'enveloppe de 12 milliards d'euros réservée aux banques dans le cadre du plan de sauvetage du Portugal. Mais aujourd'hui, avec les 6,4 milliards d'euros qui lui restent à disposition, il était le seul à pouvoir renflouer l'établissement dans les plus brefs délais".

Perante isto, com a imagem externa que esta operação tem, bem podem dizer aos portugueses que a solução encontrada não é uma nacionalização. Por mim até lhe podem chamar Euromilhões. Ou Ajuda de Berço. Ou Banco Alimentar. Ninguém acreditará. Nem mesmo a chanceler Merkel, a tal que disse acreditar no PEC IV. Lá fora ninguém acreditará numa só palavra do que digam sem ver as contas finais.

E quanto aos portugueses, estão tão fartos de aldrabões que até quando aparece alguém sério desconfiam. Eu também.

 

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resumo

por Sérgio de Almeida Correia, em 03.08.14

Um tipo lê as coisas que o Tozé agora deu em dizer e no fim só pode tirar uma conclusão. Quando o rapaz estava a dissertar sobre a promiscuidade entre os negócios e a política, quando se referia à linha de fractura entre a nova e a velha política, ao clima de podridão e às meias-tintas, à mistura entre negócios, política e vida pública, afinal não estava a referir-se ao Costa, nem aos gajos da capital que olham com desdém para os que vêm da província. Mas a mandar um recado aos seus apoiantes. Com muito afecto, é claro. Apesar da senhora presidente da Comissão Parlamentar de Saúde não ver nisso qualquer incompatibilidade. Incompatibilidade, para falar verdade, também não vejo. E penso que estas coisas devem ser assumidas sem meias-tintas, de preferência usando a mesma conta bancária para se receber o salário e os bónus que aquela malta (estou a conter-me) foi distribuindo generosamente à gente simpática, educada, disponível e compreensiva do centrão. Vejo é semelhanças. Muitas. Entre o que ele e Passos Coelho dizem e fazem. Como já via com um outro figurão ou com Cavaco Silva. Sempre com o ar mais sério e generoso do mundo. É a política com "p" pequenino. Com "p" de "portugal". De "ps", de "política". E também de muitas outras palavras começadas com "p", sobejamente conhecidas do Tozé, que me abstenho de enumerar para não estragar o domingo a quem tem a bondade de me ler.

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