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trevas (3)

por Sérgio de Almeida Correia, em 28.06.14

"(...)

Na minha solidão, as minhas lágrimas
Hão de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência,
E eu serei o senhor da minha própria liberdade.
Nada ficará no lugar que eu ocupei.
O último adeus virá daquelas mãos abertas
Que hão de abençoar um mundo renegado
No silêncio de uma noite em que um navio
Me levará para sempre.
Mas ali
Hei de habitar no coração de certos que me amaram;
Ali hei de ser eu como eles próprios me sonharam;
Irremediavelmente...
Para sempre." - Ruy Cinnati

 

Por cada dia que passa vão-se sabendo mais pormenores e as águas, tal como pretendia o reitor da Universidade de S. José, Peter Stilwell, vão sendo separadas. Para já, alguns factos novos ontem conhecidos vão compondo o puzzle.

Um comunicado do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura do Governo de Macau, entidade que tutela as universidades, veio esclarecer que dali nunca partiu qualquer indicação no sentido do afastamento de Eric Sautedé e recordou o princípio da autonomia das universidades.

O segundo facto é um comunicado da Universidade de Macau (UM) lamentando a expulsão do seu auditório, durante a cerimónia anual de graduação, de uma estudante, que exibira um cartaz exigindo que cessassem as perseguições de académicos, e de um fotógrafo, que concluiu com um pedido de desculpas a todos os que se sentiram afectados com a situação.

Depois, a juntar aos anteriores, foi divulgado pelo Ponto Final que Eric Sautedé já fora afastado do cargo de responsável pela organização de eventos académicos na Universidade de S. José, depois de uma palestra do historiador holandês Frank Dikötter sobre a revolução chinesa. De acordo com o referido matutino, a palestra fora sugerida por Sautedé e aprovada pela instituição, tendo ocorrido no dia 3 de Abril pp.. Poucos dias antes de ter lugar esteve para ser abortada, devido a pressões externas, mas os convites já tinham sido enviados. O tema da palestra centrou-se no último livro de Dikötter com o título “A tragédia da libertação” que versa sobre os primeiros anos do comunismo chinês e que de acordo com o historiador holandês foram marcados pela violência sistemática. Nessa palestra, Dikötter afirmou que “Mao quebrou todas as suas promessas” e “o investigador defendeu que a reforma agrária foi um acto de violência em que a maioria das pessoas foi incitada a denunciar um pequeno grupo”, afirmando na ocasião que “a fundação da República Popular da China está escrita em sangue”.

Por fim, para que tudo seja ainda mais estranho, o mesmo jornal dá conta de existir uma instrução com cerca de vinte anos do ex-cônsul dos EUA em Hong Kong, James B. Cunningham, emitida aquando da criação do Instituto Inter-Universitário de Macau (IIUM), que daria lugar à actual Universidade de S. José, informando que havia dois temas intocáveis: o princípio “um país, dois sistemas” e o “Politburo do Partido Comunista Chinês”. Esse documento publicado pela Wikileaks terá sido enviado em 2008 ao Vaticano, à Autoridade Nacional de Segurança de Portugal e às embaixadas americanas em Luanda, Maputo e Brasília. De acordo com a diplomacia norte-americana, a Universidade “não contestou a instrução”. O Ponto Final refere ter o consulado norte-americano sido contactado em 1996 por Ivo Carneiro de Sousa, que então apresentou o IIUM como um exemplo da máxima “Pequim fala e Macau escuta”, mas o jornal não conseguiu obter um comentário do visado sobre as declarações que lhe são imputadas.

Um dos leitores do Delito de Opinião sugeriu num comentário que aqui deixou estar a haver uma "perseguição" à Igreja católica em Macau. Nada de mais falso. Não há, nem nunca houve, qualquer problema com a Igreja católica na RAEM. Em Macau todas as religiões vivem em harmonia, têm o seu espaço, continua a haver feriados religiosos, mesmo feriados que foram suprimidos em Portugal pelo Governo de Passos Coelho. Há missas em português, chinês, inglês e até filipino e continuam a ser realizadas procissões em Macau pelas ruas do centro da cidade, sendo as mesmas religiosamente respeitadas por todos. A comunidade cristã de Macau continua forte e sólida, sobre isso não há a mínima dúvida, tendo até a Igreja um jornal, o semanário O Clarim, que já leva 58 anos e vai agora passar a ser publicado em três línguas.

Refira-se, aliás, que a primeira página da edição desta semana do semanário da diocese de Macau contraria de forma flagrante as justificações dadas por Peter Stilwell para o despedimento sumário de Eric Sautedé, à boa maneira salazarista, e a despromoção da mulher, a investigadora Emily Tran. Recorde-se que Stilwell afirmou que a Igreja católica não se pronunciava sobre a política interna dos locais onde está instalada. Pois bem, O Clarim, na primeira página, anunciava que os padres João Lau e Francisco Hun foram escolhidos por D. José Lai para integrarem a Comissão Eleitoral que irá escolher o futuro Chefe do Executivo e clamava por mais habitação e combate à inflação que são necessidades e preocupações recorrentes da população nos últimos anos. Penso que para quem disse que a Igreja devia ficar à margem, mais político do que participar na escolha do mais alto dirigente político da RAEM, deixando de fora dessa escolha mais de 600.000 pessoas, era impossível. A não ser que para Peter Stilwell a única intervenção aceitável da Igreja católica deva ser para apoiar o poder político.   

Quanto a um eventual aumento de influência da comunidade judaica, que também foi sugerido, é facto que desconheço por completo já que não possuo dados que me permitam tirar essa conclusão. Sabe-se, isso sim, que a própria Universidade de S. José tem recebido, como é de esperar de uma universidade, investigadores de áreas temáticas relacionadas com o judaísmo e, curiosamente, ou talvez não, no mesmo dia em que se confirmava publicamente o despedimento de Eric Sautedé, a Universidade de S. José enviava convites a promover uma palestra com o seguinte tema: "The rethoric of concealed Judaism: the Inquisition and the New Christians of Macao in the late-sixteenth century". O Clarim, que há pouco referi, publica um texto do investigador Miguel Rodrigues Lourenço sobre o tema.  

Os factos estão aí. Quem quiser que julgue a atitude do reitor Peter Stilwell. Por mim estou esclarecido. Seguramente que o seu amigo Ruy Cinatti estará atento, lá em cima e sabendo o que passou em vida, com o que por cá se passa. Espero que amanhã, quando envergar as vestes para celebrar a missa de Domingo, na Sé, tenha cara para enfrentar o Senhor. E que Ele na sua infinita bondade lhe perdoe o que fez a um homem bom e a uma família. Porque quanto à comunidade de Macau, duvido que enquanto se lembrar do que sucedeu o faça.

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