Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Linhas em jeito de diário. Inspiração. Homenagem a espíritos livres. Lugar de evocação. Registo do quotidiano, espaço de encontros. Refúgio de olhares. Espécie de tributo à escrita límpida, serena e franca de Marcello Duarte Mathias.
Da autoria de Fraçois Boucher, pintor que viveu entre 1703 e 1770, "Diana saindo do banho" foi pintado em 1742 e mostra a deusa, depois de uma caçada e de um banho retemperador, a preparar-se para se arranjar enquanto segura um colar de pérolas. A seu lado uma ninfa que a ajuda. O quadro é todo ele um hino à feminilidade e à beleza da mulher, sendo Diana apresentada em toda a sua graça e sensualidade, em comunhão com a natureza. A luz vem toda da esquerda e a profundidade do azul faz realçar ainda mais a frescura e brancura da pele da deusa e o verde da vegetação. Ao seu lado, no chão, os troféus da caçada.
Detesto a sensação de desconforto seja qual for a razão. As coisas que nos desconfortam são muitas vezes necessárias. Escrever é muitas vezes desconfortável. Não pelo acto da escrita em si; antes porque nos obriga a pensar e a registar o que a consciência nos impõe. Para que esta se mantenha lúcida e a liberdade de pensamento e de análise possam continuar a viver sem se sentirem constrangidas por aquilo e aqueles que nos rodeiam. Para que o exercício da cidadania continue a fazer sentido.
Viver é também a confrontação com o desconforto, para dele nos libertarmos e sentirmos prazer no que fazemos. Por nós. Pelos outros em especial.
"(...)
Na minha solidão, as minhas lágrimas
Hão de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência,
E eu serei o senhor da minha própria liberdade.
Nada ficará no lugar que eu ocupei.
O último adeus virá daquelas mãos abertas
Que hão de abençoar um mundo renegado
No silêncio de uma noite em que um navio
Me levará para sempre.
Mas ali
Hei de habitar no coração de certos que me amaram;
Ali hei de ser eu como eles próprios me sonharam;
Irremediavelmente...
Para sempre." - Ruy Cinnati
Por cada dia que passa vão-se sabendo mais pormenores e as águas, tal como pretendia o reitor da Universidade de S. José, Peter Stilwell, vão sendo separadas. Para já, alguns factos novos ontem conhecidos vão compondo o puzzle.
Um comunicado do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura do Governo de Macau, entidade que tutela as universidades, veio esclarecer que dali nunca partiu qualquer indicação no sentido do afastamento de Eric Sautedé e recordou o princípio da autonomia das universidades.
O segundo facto é um comunicado da Universidade de Macau (UM) lamentando a expulsão do seu auditório, durante a cerimónia anual de graduação, de uma estudante, que exibira um cartaz exigindo que cessassem as perseguições de académicos, e de um fotógrafo, que concluiu com um pedido de desculpas a todos os que se sentiram afectados com a situação.
Depois, a juntar aos anteriores, foi divulgado pelo Ponto Final que Eric Sautedé já fora afastado do cargo de responsável pela organização de eventos académicos na Universidade de S. José, depois de uma palestra do historiador holandês Frank Dikötter sobre a revolução chinesa. De acordo com o referido matutino, a palestra fora sugerida por Sautedé e aprovada pela instituição, tendo ocorrido no dia 3 de Abril pp.. Poucos dias antes de ter lugar esteve para ser abortada, devido a pressões externas, mas os convites já tinham sido enviados. O tema da palestra centrou-se no último livro de Dikötter com o título “A tragédia da libertação” que versa sobre os primeiros anos do comunismo chinês e que de acordo com o historiador holandês foram marcados pela violência sistemática. Nessa palestra, Dikötter afirmou que “Mao quebrou todas as suas promessas” e “o investigador defendeu que a reforma agrária foi um acto de violência em que a maioria das pessoas foi incitada a denunciar um pequeno grupo”, afirmando na ocasião que “a fundação da República Popular da China está escrita em sangue”.
Por fim, para que tudo seja ainda mais estranho, o mesmo jornal dá conta de existir uma instrução com cerca de vinte anos do ex-cônsul dos EUA em Hong Kong, James B. Cunningham, emitida aquando da criação do Instituto Inter-Universitário de Macau (IIUM), que daria lugar à actual Universidade de S. José, informando que havia dois temas intocáveis: o princípio “um país, dois sistemas” e o “Politburo do Partido Comunista Chinês”. Esse documento publicado pela Wikileaks terá sido enviado em 2008 ao Vaticano, à Autoridade Nacional de Segurança de Portugal e às embaixadas americanas em Luanda, Maputo e Brasília. De acordo com a diplomacia norte-americana, a Universidade “não contestou a instrução”. O Ponto Final refere ter o consulado norte-americano sido contactado em 1996 por Ivo Carneiro de Sousa, que então apresentou o IIUM como um exemplo da máxima “Pequim fala e Macau escuta”, mas o jornal não conseguiu obter um comentário do visado sobre as declarações que lhe são imputadas.
Um dos leitores do Delito de Opinião sugeriu num comentário que aqui deixou estar a haver uma "perseguição" à Igreja católica em Macau. Nada de mais falso. Não há, nem nunca houve, qualquer problema com a Igreja católica na RAEM. Em Macau todas as religiões vivem em harmonia, têm o seu espaço, continua a haver feriados religiosos, mesmo feriados que foram suprimidos em Portugal pelo Governo de Passos Coelho. Há missas em português, chinês, inglês e até filipino e continuam a ser realizadas procissões em Macau pelas ruas do centro da cidade, sendo as mesmas religiosamente respeitadas por todos. A comunidade cristã de Macau continua forte e sólida, sobre isso não há a mínima dúvida, tendo até a Igreja um jornal, o semanário O Clarim, que já leva 58 anos e vai agora passar a ser publicado em três línguas.
Refira-se, aliás, que a primeira página da edição desta semana do semanário da diocese de Macau contraria de forma flagrante as justificações dadas por Peter Stilwell para o despedimento sumário de Eric Sautedé, à boa maneira salazarista, e a despromoção da mulher, a investigadora Emily Tran. Recorde-se que Stilwell afirmou que a Igreja católica não se pronunciava sobre a política interna dos locais onde está instalada. Pois bem, O Clarim, na primeira página, anunciava que os padres João Lau e Francisco Hun foram escolhidos por D. José Lai para integrarem a Comissão Eleitoral que irá escolher o futuro Chefe do Executivo e clamava por mais habitação e combate à inflação que são necessidades e preocupações recorrentes da população nos últimos anos. Penso que para quem disse que a Igreja devia ficar à margem, mais político do que participar na escolha do mais alto dirigente político da RAEM, deixando de fora dessa escolha mais de 600.000 pessoas, era impossível. A não ser que para Peter Stilwell a única intervenção aceitável da Igreja católica deva ser para apoiar o poder político.
Quanto a um eventual aumento de influência da comunidade judaica, que também foi sugerido, é facto que desconheço por completo já que não possuo dados que me permitam tirar essa conclusão. Sabe-se, isso sim, que a própria Universidade de S. José tem recebido, como é de esperar de uma universidade, investigadores de áreas temáticas relacionadas com o judaísmo e, curiosamente, ou talvez não, no mesmo dia em que se confirmava publicamente o despedimento de Eric Sautedé, a Universidade de S. José enviava convites a promover uma palestra com o seguinte tema: "The rethoric of concealed Judaism: the Inquisition and the New Christians of Macao in the late-sixteenth century". O Clarim, que há pouco referi, publica um texto do investigador Miguel Rodrigues Lourenço sobre o tema.
Os factos estão aí. Quem quiser que julgue a atitude do reitor Peter Stilwell. Por mim estou esclarecido. Seguramente que o seu amigo Ruy Cinatti estará atento, lá em cima e sabendo o que passou em vida, com o que por cá se passa. Espero que amanhã, quando envergar as vestes para celebrar a missa de Domingo, na Sé, tenha cara para enfrentar o Senhor. E que Ele na sua infinita bondade lhe perdoe o que fez a um homem bom e a uma família. Porque quanto à comunidade de Macau, duvido que enquanto se lembrar do que sucedeu o faça.
Esta manhã ficámos a saber que Émily Tran, a directora da Faculdade de Administração e Liderança da Universidade de S. José, mulher de Eric Sautedé, não será reconduzida no cargo. Ao mesmo tempo, foram-nos dadas a conhecer um pouco melhor as razões do reitor Peter Stilwell para o despedimento de Eric Sautedé.
O reitor, em carta dirigida ao Macau Daily Times, assume a responsabilidade pelo despedimento sem processo disciplinar. E vai mais longe, esclarece que as razões para o termo do contrato residem precisamente no seu respeito pelas convicções do despedido, confirmando o que já todos sabiam: "Did financial issues figure in all this process? I will not deny that I was aware such concerns existed, whether real or imagined".
A carta, como bem assinala Carlos Morais José no Hoje Macau, é uma prova da incapacidade do reitor para perceber onde está e de qual a importância da Igreja católica em Macau e na China, pois que desconhece o que seja o segundo sistema e está, no mesmo dia em que se deu um histórico encontro a nível ministerial entre Pequim e Taipé, a colocar no centro da discussão uma questão - a liberdade de expressão - que nunca se colocou desde a transferência de administração para a China. Depois compara a sua acção à do Cardeal Tournon, "o grande responsável pela má situação dos jesuítas na China durante o século XVII", porque "Stilwell está a fazer mais ou menos a mesma coisa. As suas atitudes e palavras implicam que não tem confiança no segundo sistema (...) e julga que está em Chonqing ou Ningbo, onde vigora o primeiro sistema. Isto é grave. Era preciso cair aqui um português de pára-quedas para estragar o trabalho que andamos a fazer há décadas. Um trabalho que implica confiança mútua, diálogo e a amizade entre portugueses e chineses e nunca a desconfiança e o insulto", para concluir dizendo que "não perceber que a China pretende que Macau seja uma terra de liberdade é não perceber o que é hoje a RPC".
Em resposta a Stilwell, que perguntou na sua carta como se deveria posicionar a universidade católica em Macau, de modo a manter-se fiel a uma tradição de 400 anos de valores humanistas, escreve Inês Santinhos Gonçalves no Ponto Final que a melhor resposta talvez seja "não abdicando desses mesmos valores humanistas". Também me parece.
Como escreve o director do Macau Daily Times, não se compreende como é que alguém que não foi sujeito a qualquer acção disciplinar, que é respeitado pelo próprio reitor, segundo este afirma, e por muitos outros dentro da Universidade de S. José, deva ser afastado da docência.
Stilwell refere ainda, enigmaticamente, a existência de "interesses estrangeiros" mas não esclarece quais sejam.
Entretanto, um grupo de estudantes da universidade escreveu à Prof.ª Maria da Glória Garcia (UCP) pedindo a sua intervenção, e um grupo de docentes católicos da S. José escreveu no mesmo sentido ao Bispo de Macau.
Stilwell, como se lê na carta que escreveu, considera que o despedimento de Sautedé faz parte do "job", mas, pergunta Paulo Coutinho no Macau Daily Times, de que trabalho, a que trabalho se refere ele? De facto, não se percebe que estranha missão foi essa que lhe encomendaram que envolve o desprezo pelos valores cultivados pelo humanismo cristão, o desprezo das mais elementares regras de justiça e a comissão de actos ofensivos do direito à liberdade de expressão e de opinião dentro de uma universidade?
Gostaria de sublinhar que durante muitas semanas li as crónicas de Eric Sautedé desconhecendo por completo a sua condição de professor da Universidade de S. José, o que só muito mais tarde vim a descobrir em conversa com um amigo comum, pelo que posso testemunhar que foi sempre feita uma separação claríssima de águas entre a sua intervenção e a instituição onde se acolhia, cujo nome jamais apareceu nas páginas dos jornais.
Rocha Dinis, na Tribuna de Macau, ao comentar a justificação de Stilwell de que a Igreja "não intervém no debate político dos locais onde está implementada" diz que não sabe de que Igreja fala Stilwell, e recorda o papel de João Paulo II na viragem da Polónia e no desgaste do império soviético.
A situação da academia em Macau é neste momento de tal forma grave que Choi Chi U, professor universitário e antigo presidente da Associação de Escolas de Macau, em entrevista ao Hoje Macau, foi ao ponto de afirmar que a situação é pior do que a que se vive no interior da China ou em Taiwan.
Não creio que seja normal o que por aqui está a acontecer. Menos ainda a atitude do reitor da Universidade de S. José. E o que mais me incomoda e mais incompreensível se torna, como aos olhos de muitos outros portugueses e chineses que aqui vivem, é saber como é possível que atitudes desta natureza e com o efeito multiplicador que comportam sejam desencadeadas e assumidas por parte de quem chegou vindo de onde veio, com indiscutível capacidade intelectual, preparação académica e teológica, tendo todas as condições para fazer um trabalho que não deslustrasse a acção da Igreja católica em Macau e contribuísse para o aprofundamento dos valores do humanismo cristão neste pequeno e pacífico recanto do Sul da China.
Um episódio lamentável cujas ondas de choque ainda estão por avaliar, recordando os piores dias e todos os vícios de alguns ex-governadores e dirigentes do tempo colonial.
Ainda há dias, quando passou mais um aniversário sobre os acontecimentos de Tiananmen, publicámos aqui uma foto tirada por um académico de Macau. Pois bem, numa decisão inédita, o professor de Ciência Política e senior lecturer of Asian Politics da católica Universidade de S. José acaba de ser despedido, sem apelo nem agravo, pelo reitor, o padre Peter Stilwell.
Eric Sautedé tem sido nos últimos anos uma das vozes mais respeitadas da Universidade de S. José, e até há bem pouco tempo muitas das suas opiniões eram publicamente divulgadas pela instituição no seu Facebook, incluindo a visão daquele sobre múltiplos assuntos, nomeadamente sobre as eleições para a Assembleia Legislativa de Macau. Para além de dedicar o seu tempo ao ensino, Eric Sautedé colabora regularmente com um diário local, o Macau Daily Times, onde assina uma coluna de opinião.
Pois bem, a partir de 11 de Julho, numa decisão muito pouco cristã, Sautedé, ao fim de sete anos, deixará de dar aulas na Universidade de S. José por decisão do reitor Peter Stilwell. Depois de ter invocado para o afastamento do académico o facto daquele não ter ainda completado o doutoramento, argumento que não colheu, Stilwell "escorregou" e veio afirmar que "se há um docente com uma linha de investigação e intervenção pública, coloca-se numa situação delicada". E acrescentou que "[t]rata-se de clarificar as águas. Há um princípio que preside à Igreja de que não intervém no debate político dos locais onde está implementada".
Acontece que é esta mesma universidade que dá as boas-vindas aos estudantes afirmando que "the University has strategically elected to be a university on the cutting edge of ideas and knowledge, defined by its adherence to humanitarian and humanistic values and principles, bound to the development of autonomous and creative thinkers, pledged to the highest forms of learning, teaching and research, and committed to the promotion of life, education and culture", e foi o actual reitor quem escreveu que o programa de ensino da universidade "provide students with the essentials of their major field of knowledge, but include modules to broaden their outlook on the world and stimulate creative thinking. We care for the competence of our graduates in their future professions, but our privilege and mission is to introduce them to a university environment where they learn to analyze, question, evaluate and decide in the context of consciously assimilated values and culture".
O Bispo de Macau diz não ter sido informado do afastamento de Eric Sautedé, embora presida à Fundação que detém a Universidade de S. José e da qual fazem parte três pessoas com cargos políticos. É o caso de Lionel Leong, membro do Conselho Executivo, Dominic Sio, deputado nomeado, e Eric Yeung, delegado à Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.
Entrevistado pela Rádio Macau e questionado sobre a sua atitude e aquela que tem sido a posição da Universidade Católica, em Portugal, designadamente quanto a alguns dos seus professores que, à semelhança de Sautedé, têm lugar na academia e assumem posições críticas no debate político, como João César das Neves ou João Pereira Coutinho, o reitor veio dizer que Portugal não é Macau. O reitor Stilwell foi mesmo mais longe e referindo-se à actividade de Eric Sautedé, enquanto professor de Ciência Política, declarou que se podem estudar os sistemas políticos e a Lei Básica, mas que aos docentes (staff) não deve ser permitido intervir nos assuntos correntes políticos e da governação porque existe uma linha muito fina que torna difícil a separação entre a intervenção política e o comentário académico.
Na Universidade de S. José já foram tomadas posições de apoio e solidariedade para com Eric Sautedé, temendo-se agora o despedimento da sua mulher, que também integra os quadros daquela instituição académica.
Tudo isto acontece quando o Chefe do Executivo de Macau, tendo sido confrontado com crescentes posições críticas saídas de dentro das universidades e a reacção precipitada destas, que para além do despedimento de Sautedé já incluem a suspensão do politólogo Bill Chou, da Universidade de Macau, veio dizer que não houve quaisquer instruções do executivo para serem tomadas atitudes persecutórias dentro das universidades e que é natural que dentro das escolas seja estimulado o espírito crítico dos estudantes.
A imprensa de Macau já reagiu ao sucedido, primeiro pelo Ponto Final, hoje também no Macau Daily Times e no Hoje Macau. Ao que consta, tudo se deve ao facto do reitor entender que posições públicas críticas para com o governo de Macau por parte de académicos da casa poderem inviabilizar as chorudas benesses com que a instituição conta para desenvolver o seu novo campus académico.
Ou seja, tudo se resume, em termos muito básicos, a trocar a liberdade de expressão, o espírito crítico, a autonomia universitária, por um prato de lentilhas, sendo que nesta questão o reitor quis ser mais papista que o Papa.
Num momento em que a sociedade de Macau mais precisava de instituições fortes e de uma igreja activa e actuante, ao lado da sociedade e dos seus fiéis, os péssimos exemplos que chegam da Universidade de Macau e, agora, da Universidade de S. José e do seu reitor são uma vergonha e causam repugnância à luz do legado histórico e civilizacional de Portugal. E no caso da Universidade de S. José também envergonham a própria Igreja, que em Macau nunca se coibiu de manifestar as suas posições no passado, como sucedeu pela pena do padre Luís Sequeira ou até de Monsenhor Teixeira. E essa atitude é na sua essência ofensiva da herança de homens que dentro da Igreja, nestas questões, souberam estar à altura do seu tempo, como D. José Policarpo, D. Manuel Martins ou até D. António Ferreira Gomes, que pagou com o exílio o seu amor à verdade.
Não há nada como um bom estampanço para o povo voltar à realidade. As fragilidades daquele grupo desconjuntado a que chamam selecção nacional são postas a nu de cada vez que tocam na bola. O jogo contra os EUA confirma a sofrível qualificação para o Mundial e a necessidade do treinador e dos jogadores começarem a frequentar barbearias para homens. Aquelas osgas que hoje se passearam por Manaus, com cortes de cabelo terceiro-mundistas e que só arrancavam quando um mosquito as estimulava, mostraram à evidência que uma equipa de futebol não se constrói na base de convicções e com afirmações patrioteiras e inconsequentes de orgulho nacional. Têm técnica, têm estatuto, têm chuteiras personalizadas, mas continua a faltar-lhes um bom barbeiro. Um tipo que lhes faça a barba e o cabelo numa cadeira das antigas, com uma tesoura bem afiada para lhes cortar as melenas da cagança, e que no fim lhes lave a fronha com aftershave tradicional, daquele com muito álcool que lhes faça arder a pele, antes de lhes esfregarem com um bom creme amaciador e os mandarem para a luta. Enquanto continuarem a tratar a selecção nacional e os seus jogadores como umas meninas finas de casa de alterne para empreiteiros ricos, dando-lhes lençóis de seda, oferecendo-lhes massagens e condescendendo com as suas birras, dificilmente farão na selecção nacional o que já mostraram ser capazes de fazer nos clubes. Por muito que treinem, se não houver um líder com coragem, com preparação, com visão e arrojo, é impossível construir o que quer que seja. Seja na Federação Portuguesa de Futebol, seja na selecção ou no governo do país. A sorte por vezes ajuda, mas é preciso ir buscá-la. E como milagres já não há, sugiro que quando despacharem o Paulo Bento comecem por arranjar um bom barbeiro, para homens, e que saiba de futebol para lhes ir dando umas sabatinas enquanto usa a navalha. Vão ver como eles crescem num instante.
Nunca escondi o meu apreço pela sua estatura de intelectual e de historiador comprometido com a verdade, que para alguns será sempre um valor relativo, sem prejuízo de cada um ter a sua. Mas não me querendo antecipar, arriscaria dizer que este texto de José Pacheco Pereira será um dos textos do ano. Do ano? Não, da última década. Está lá tudo, até a vergonha de que muitos têm medo de falar (e de ler). Nesta altura deve haver muita gente a espumar depois de saber da recusa do Banco de Portugal em ver na nova administração os perfumados de sempre. Agora a família vai entregar a instituição a um dos que nunca seria reconhecido como um dos deles. Por falta de pedigree. A República, por vezes, ainda sabe estar à altura das situações.
Colocadas as coisas em termos tão claros e lisonjeiros, apesar de tudo, para quem promoveu tamanho aborto, assinale-se que a resposta desta vez veio sem votos de vencido. Depois de tudo o que as criaturas disseram, acaba por ser saudável que tudo acabe assim. Em bem. O Tribunal Constitucional no lugar que lhe compete. O primeiro-ministro à procura de vaga na universidade de Verão. Oxalá consiga.
Ao oitavo chumbo do Tribunal Constitucional (TC), em apenas três anos de mandato, após ter assumido correr o risco político e jurídico das várias inconstitucionalidades entretanto verificadas e declaradas, e de múltiplos avisos, recados e tentativas de influência política sobre os senhores juízes, que não tendo surtido efeito acabaram num coro de críticas e ofensas aos magistrados do TC vindos do seu próprio partido, o primeiro-ministro veio candidamente confessar que "[n]ão houve nenhum excesso"e que "o que se tem passado em Portugal revela uma extraordinária contenção de quem tem de aplicar medidas que são extremamente difíceis sem ter nenhuma noção concreta do que pode ser ou não constitucional".
Não fosse a situação que o País atravessa e o historial que antecedeu estas declarações e até poderia haver alguma condescendência para se aceitar o que afirmou. Porém, ao fim deste tempo todo, sabendo-se que o Estado se subordina à Constituição e à legalidade democrática e que a validade das leis também se deve conformar com a Constituição, princípios constantes do artigo 3.º da Lei Fundamental, que tem por epígrafe "Soberania e Legalidade", princípios dos quais, aliás, não decorre qualquer obrigação de caminhar em direcção ao socialismo ou à Gomes Teixeira, o que pelo primeiro-ministro foi afirmado merece tanto crédito quanto as declarações da vice-presidente do seu partido. Quem não tem a noção dos limites constitucionais e viola sistematicamente a Constituição não pode aceitar o mandato popular de governar em democracia respeitando os limites dessa mesma Constituição.
Não querendo imaginar o que seria se não tivesse havido "contenção", resta-me recordar que a ignorância da lei não aproveita a ninguém, ainda quando pelo contexto pudesse ser politicamente desculpável, já que juridicamente nunca o seria.
Mas quando a confissão surge depois do oitavo chumbo, a situação revela-se patológica e não me parece que seja solução que um governante de cada vez que tenha de legislar vá primeiro perguntar ao TC se o que quer fazer está de acordo com a Lei Fundamental. O conhecimento da Constituição e uma interpretação que caiba dentro dos seus limites parece-me ser um pressuposto para o exercício do cargo, não um empecilho ao exercício da governação, mas pode ser que eu esteja a ver mal a questão.
Cobrem-nos de honrarias antes mesmo de fazerem qualquer coisa. O País está permanentemente aos seus pés. Tempo de antena, publicidade, contratos milionários, mochilas "xpto", garinas rendidas, frotas de luxo, brincos de todas as cores e feitios, almoços e selfies com o Presidente da República, que nestas coisas é tão português como todos os outros, são o pão nosso de cada dia. Depois sempre discursa o Bento, sargentão ao estilo dos nossos dirigentes políticos, que tem tanto de trabalhador quanto de teimoso, antes da imprensa começar a anunciar que somos uma equipa temível e que todos os outros estão borrados de medo. Na hora da verdade, tal como o seleccionador alemão anunciara, para os adversários da selecção portuguesa a única coisa que importa é saber onde anda Ronaldo - o "Cris", diz Paulo Bento - e controlá-lo. Os restantes, com a preciosa ajuda da mentalidade nacional, tratam de se anular a si próprios para depois se desculparem com o árbitro. Falta de atitude competitiva, ausência de estatura psicológica, erros grosseiros para profissionais pagos a peso de ouro, não faltou nada à selecção nacional para a festa alemã ser completa. Na baliza a displicência e aselhice estiveram imbatíveis. A defesa levou noventa minutos à procura das marcações. O meio-campo não chegou a perceber se o jogo tinha começado, enquanto na frente o único ponta-de-lança se atrapalhava com o bigode. Enfim, com excepção de um outro ou outro, como o capitão, Coentrão ou Moutinho, os que lá andaram exibiram o habitual, o que aprendem nas academias dos clubes e o que fazem todo o ano nos relvados nacionais. Lá fora nem sempre. Nos livros continuaremos a figurar como uma selecção indisciplinada, zaragateira, que usa os braços, as mãos, os cotovelos, o tronco, às vezes também os pés para jogar futebol. A cabeça é que só serve para usarem chapéu e ostentarem o último grito em matéria de cortes de cabelo. O que quer que façam contra os Estados Unidos e o Gana já não apagará a má imagem que deixaram em Salvador. E o desgosto com que cobriram a nação. O Brasil também. Como todos os portugueses, eu também gostava de ter tido mais. Duvido é que o mereçamos.
Percebo que uma afirmação de liderança, a realização de um sonho ou a execução de um projecto, tenha de passar pelo cumprimento de regras formais. São uma contribuição para a edificação. Transformá-las no único objecto de discussão e comentário é subverter essas próprias regras para não discutir o essencial. Quando a burocracia se torna no impedimento à concretização de um projecto, individual ou colectivo, ou na sua única garantia, então as regras deixaram de cumprir o seu papel.
Entre quem escreve, quem lê e quem comenta há um mundo que os separa. Quem escreve tem dúvidas, continua com dúvidas e volta a escrever. Quem lê apreende, ajuíza, às vezes com dúvidas sobre quem escreveu e as conclusões que respigou. Continua a ler. Quem comenta já leu, já concluiu, está carregado de certezas, não tem dúvidas. Nem sequer sobre tudo o que lá não está e nunca foi escrito. Por isso também comenta o que não leu como se tivesse lido. E sentencia, implacável. Cada um tem a medida da sua própria efemeridade. Alguns só têm a da eternidade.
Depois de tudo o que foi dito sobre o Tribunal Constitucional e os seus juízes, e as dificuldades que estes "criaram" ao Governo pelo último chumbo, a ministra das Finanças admite agora poder prescindir do último cheque da troika.
Perante isto, não sendo o primeiro dia de Abril, há poucas conclusões a tirar:
(1) não precisavam do dinheiro e andaram, de novo, a esmifrar os contribuintes sem necessidade;
(2) fizeram uma tempestade num copo de água por causa do TC para ver se criavam uma crise política, radicalizavam os espíritos e obrigavam o PR a convocar eleições;
(3) andaram a gozar com o Zé Povinho.
Em qualquer um dos casos, o que a ministra disse foi muito feio, revelando uma tremenda falta de respeito para com quem lhe paga o ordenado.
Ninguém gosta de fazer figura de urso. Mas foi essa a nossa figura. E, se assim foi, talvez seja altura dos ursos comerem a foca.
"Na interpretação que têm feito da Constituição os juízes vêm modelando os princípios à la carte, em função das novas medidas. E vão encontrando novos princípios ou vão formulando novos condicionalismos";
"Alguns dos juízes cuja candidatura foi proposta por nós criaram a ilusão de que tinham uma visão filosófico-política que seria compatível com aquilo que é o projecto reformista que temos para Portugal no âmbito da integração na União Europeia";
"É verdade que foi revogado esse procedimento, isso não quer dizer que a aclaração não seja um princípio fundacional da ordem jurídica".
Senhor Presidente da República: Se não condecorou esta senhora, por favor, peço-lhe humildemente que o faça. Camões nunca compreenderia o esquecimento e a Nação jamais lhe perdoaria se esta distinta representante do regime ficasse de fora das quase 1000 medalhas e comendas que o seu mandato já fez sair do pesado bornal que consigo carrega.
Ao próximo líder do PS, que não sei quem será, na hora de recolher apoios só lhe recomendo que medite no seguinte: os mesmos que estiveram com José Sócrates foram os mesmos que estiveram com Seguro e que agora já estão com António Costa. E que estarão com o que se lhe seguir.
Para construir é preciso primeiro ter ideias e critérios, depois saber escolher, em terceiro lugar ter uma linha de rumo e, por fim, falar com oportunidade e sem meias-palavras, correndo o risco de desagradar e de ser impopular junto do "aparelho", dos velhos amigos da jota, dos notáveis, dos compagnons de route, dos oportunistas, dos subservientes e bajuladores, e também dos "chicos". Em especial junto destes.
Procurei antes transmitir isto. Não resultou com Sócrates. Também não resultou com Seguro. Pode ser que nunca resulte, mas eu insisto. Insistirei sempre. Não cobro nada.