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futuro

por Sérgio de Almeida Correia, em 31.01.14

Os acontecimentos do Meco voltaram a alertar o País para o problema das "praxes". E coloco "praxes" entre aspas e no plural porque não a confundo com a sã praxe académica do meu tempo de estudante na Faculdade de Direito de Lisboa, ou com a praxe da academia coimbrã, a cuja universidade algumas vezes fui para reencontrar amigos ali colocados por força das regras do numerus clausus que regiam a entrada em universidades públicas. E sublinho que nunca usei uma batina, nem dela senti falta em Lisboa, onde nunca houve tal tradição, para me poder integrar, ser recebido pelos mais velhos ou ver-me reconhecido como estudante universitário. Mas não foi por causa disso que deixei de ser "praxado", o que no meu tempo se traduzia em beber mais uma imperial ou um copo de vinho no bar com os mais velhos, o que era motivo de galhofa e gozo e não de humilhação, medo e desprezo. Reconheço, aliás, que os que me "praxaram" eram gente normal, educada e séria, tendo-me recebido naquela que era ao tempo a minha faculdade com a dignidade e o decoro que são esperados de um acto de elevação, coisa que não se confunde com actos de rebaixamento, violência e insulto gratuitos, que fazem apelo ao regresso a um estado natural e a uma visão hobbesiana do homem, incompatível com o progresso civilizacional e o papel da universidade numa sociedade moderna e civilizada. A universidade e as sociedades democráticas não são lugar para bestas, nem podem acolhê-las no seu "estado natural" sem reagirem.

Porém, em tudo o que tem sido dito e escrito sobre o assunto - sendo que alguns dos textos que li são a todos os títulos notáveis, como acontece com o que foi recentemente repescado pelo José Gomes André, ou os de Pacheco Pereira, no Público, e de Daniel Oliveira, no Expresso, aliás na linha do que já escrevera em 2011 -, há um ponto que não tem sido suficientemente enfatizado e que se prende com a gente que está a ser formada.

O padrão formativo desta gente, que para todos os efeitos são adultos, maiores, com capacidade eleitoral activa e passiva, domínio do seu próprio corpo e liberdade para tudo e mais alguma coisa, sem que daí lhes advenha qualquer responsabilidade acrescida pelos seus actos, a avaliar pelo silêncio e pelas reacções dos "duxes", faz temer pelo futuro. Não pelo futuro das ditas "praxes", coisa que neste momento, tal como os infelizes que a elas sucumbiram, está defunta. Refiro-me sim àquilo a que ainda há dias Helena Sacadura Cabral apontava como sendo uma "questão de carácter", porque é disto exactamente que se trata.

Temos tido, para mal dos nossos pecados, múltiplos exemplos do mau exercício de funções públicas por razões de má formação ou de deformação do carácter. O silêncio, a omissão voluntária, a passividade em momentos que exigem reacção, a mentira, a desvalorização do essencial e dos sinais que o comprometem em termos colectivos, a fuga à verdade, a falta de coragem, o tacticismo, têm sido constantes da nossa vida pública e política. As "praxes" são tão somente uma parte de um problema que directamente e no presente nos afecta. Mas as suas consequências no futuro são imprevisíveis. E isto, se repararem bem, é assustador.

Porque são os mesmos que hoje convivem passivamente com o absurdo, com a humilhação, com a indignidade e o aviltamento da condição humana, fazendo desta objecto de gozo e estilicídio das suas frustrações e comportamentos esquizofrénicos, que amanhã estarão a dirigir empresas, escolas, a comandar homens, a formar pessoas, a dirigir os partidos políticos e o governo da nação. É isto que me aflige, pelas gerações vindouras e pelo que de negativo para o seu futuro pode advir. Para a "formação do seu carácter" e sua repercussão nas gerações seguintes.

O facto de já não ter idade para temer "duxes" e "praxes" não me inibe de pensar nisto. E devia obrigar-nos, a todos, a pegar as bestas pelos cornos, atalhando enquanto é tempo, evitando novos desmandos, novos "azares" que descambem em mortes prematuras. Porque não basta acabar com as "praxes" e com os "duxes" e responsabilizar os merceeiros cretinos que dirigindo universidades confundem actos de pura bestialidade com jogos infantis ou brincadeiras inócuas. Porque é preciso criar e dar alento a "praxados" que saibam resistir às bestas e aos que as toleram dentro das universidades, independentemente dos títulos que ostentem, que saibam dizer não à violência praxista e não tenham medo de assumi-lo. Só assim seremos capazes de formar cidadãos suficientemente livres, de construir uma sociedade decente, civilizada, séria, capaz de receber e integrar os mais novos e mais velhos respeitando-os, dando-lhes armas para pensar e resistir, que seja suficientemente corajosa para onde quer que esteja em risco a liberdade, ser capaz de dizer não à humilhação, assumindo a verdade e o seu preço e enfrentando a canalha, incluindo nesta aqueles que tinham a obrigação de ter educado gente para viver em sociedade e que se revelaram profundamente incompetentes nessa missão.

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panchões

por Sérgio de Almeida Correia, em 30.01.14

"Tal como na China, o Novo Ano Lunar é celebrado em Portugal, ilustrando claramente os importantes laços que nos unem e a riqueza da nossa diversidade" - Passos Coelho, mensagem alusiva ao Novo Ano Lunar do Cavalo enviada ao Consulado-Geral de Portugal em Macau

 

E onde é que estão os "lai see" (利市/利是) para os portugueses? Ou estes são só para o dr. Catroga e os seus amigos da EDP e da REN? E a tolerância de ponto do dia 30? E o feriado do último dia do Ano Lunar da Cobra? E os feriados do segundo e terceiro dia do Novo Ano Lunar do Cavalo? E as férias judiciais do último dia do Ano Lunar até ao sexto do Novo Ano Lunar? A EDP já dá esses dias aos seus trabalhadores? Em Portugal as escolas também encerram? É o líder da JSD quem anda a aconselhá-lo? O dr. Portas sabe que o senhor anda a escrever estas pérolas? É em Massamá que os portugueses costumam celebrar? O senhor estará a pensar tirar um mestrado em Pequim? O senhor sabe o que é a seriedade na política?

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borradas

por Sérgio de Almeida Correia, em 29.01.14

Das decisões possíveis sobre a borrada que o PSD aprovou relativamente à co-adopção e à adopção por casais homossexuais, o Presidente da República optou pela mais cómoda: enviar o assunto para o Tribunal Constitucional. Ao fazê-lo, em vez de pura e simplesmente rejeitar o que lhe foi enviado, Cavaco Silva dá o sinal de que admite contemporizar com tal borrada, matando de vez o instituto do referendo. Não podendo despachar para "consideração superior" a apreciação política do que lhe foi proposto, atirou para os senhores juízes o ónus da apreciação jurídica, como se esta se pudesse sobrepor àquela e aliviar as suas dores. Ainda que lhe desse jeito confundir o seu papel com o do órgão de fiscalização da constitucionalidade, isso jamais acontecerá. A opinião pública não é tão estúpida quanto normalmente a pintam. No fim, o espírito de funcionário voltou a impor-se. E, com este, o Presidente da República assumiu definitivamente o estatuto de Américo Thomaz da democracia.

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imbecilidade

por Sérgio de Almeida Correia, em 25.01.14

Neste momento ainda não sabemos se Passos Coelho terá conseguido bater as votações norte-coreanas de José Sócrates, de Paulo Portas ou de António José Seguro, mas quando um secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros admite a entrada do estafermo da Guiné Equatorial na CPLP, um crápula cujo filho tem inclusivamente pendente o cumprimento de um mandado de captura internacional, só pode estar a pensar na aprovação de um novo acordo ortográfico, que adapte o português "acordês" ao "espanholês" de Obiang.

Mas, pergunto eu, em vez de se admitir Obiang na CPLP não seria mais prático, e consentâneo com os valores da "nossa" República, dar-lhe um "golden visa" enquanto o secretário de Estado pede à National Geographic e à Human Rights Watch que o elucidem sobre a exacta localização no mapa da Guiné Equatorial e o cadastro da família Obiang?

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foguetório

por Sérgio de Almeida Correia, em 24.01.14

Penso que não haverá ninguém, salvo um ou outro mal intencionado, que não fique satisfeito com o facto de Portugal cumprir as suas obrigações internacionais. A drª. Manuela Ferreira Leite, como muitos outros entre os quais me incluo, tem dúvidas que o caminho prosseguido tivesse sido o mais aconselhado, questionando mesmo se as medidas tomadas não terão sido excessivas. Todos sabemos qual foi a dimensão dos sacrifícios pedidos aos portugueses. Os resultados provisórios temo-los agora. Até aí tudo bem. Não vale a pena entrar na discussão dos números sem as contas finais. O que está feito, feito ficou. A mim quer-me parecer é que o foguetório é excessivo. Muito.

Chegar ao resultado do défice a que se chegou (5%) depois de uma revisão dos objectivos iniciais, à custa de um agravamento substancial dos impostos, com recurso a despedimentos e cortes substanciais nas reformas e prestações sociais, com a economia depauperada e custos que ainda estão por avaliar, quer sociais, quer na qualidade dos serviços prestados em áreas fundamentais da intervenção do Estado como a Saúde, a Educação ou a Justiça, e, ademais, com a agravante de ainda se ter feito recurso ao "saco" das privatizações, não me parece que seja motivo bastante para a festa que por lá já se faz nas hostes governamentais.

Chegar ao fim de uma etapa do Tour de France em último lugar, depois de ser empurrado pelos espectadores, fazendo a maior parte do percurso agarrado aos carros de assistência e ainda assim completamente exaurido, sabendo que ainda se tem de enfrentar o Col du Tourmalet, não devia ser motivo de orgulho.

O mal daquele País, de todos nós, é que os resultados mais insignificantes são vistos como gloriosas epopeias. O que devia ser motivo de reflexão é motivo de orgulho, razão para mais uma festa e, se possível, uma troca de galhardetes. Não há meio termo. Não há seriedade.

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carroceiros

por Sérgio de Almeida Correia, em 23.01.14

O ministro da Saúde foi ao parlamento debater com a Comissão de Saúde a acessibilidade ao Serviço Nacional de Saúde. O espectáculo das perguntas e respostas foi o costumeiro. As juras confundem-se com as negações. A dado passo, em resposta a um dos interpelantes, a excelência sai-se com esta: “o deputado está claramente afectado”. Acontece que o deputado em questão, por acaso, e talvez mesmo só por acaso, é médico, pessoa educada e um dos melhores daquela casa, e limitou-se a responder que o ministro tinha perdido uma boa oportunidade para estar calado. Também me parece, embora tanto num caso como no outro creia que não sejam esses os termos mais indicados para um debate parlamentar. Atenta a frequência com que cenas deste tipo se repetem naquela casa e a orgulhosa pesporrência dos ministros que ali vão, seria bom que o primeiro-ministro e a senhora presidente da AR promovessem, quem sabe se com apoio da União Europeia ou da Fundação Manuel dos Santos, uns cursos de etiqueta e boas maneiras. A rapaziada aprendia alguma coisa que lhe ficou a faltar em criança e que as "jotas" e o convívio com os banqueiros e donos dos robalos não ensinou a tempo. Com a incalculável vantagem de se poupar o povo à audição parlamentar de diálogos próprios de carroceiros.  

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cereja

por Sérgio de Almeida Correia, em 20.01.14

Começa a ser irrelevante, tal é a sucessão de casos, saber o que o primeiro-ministro pensa sobre o que aconteceu no Parlamento com a aprovação do referendo sobre a co-adopção ou sobre mais este rocambolesco episódio da venturosa carreira política e empresarial do secretário Branquinho, verdadeira cereja a coroar uma carreira política de "sucesso". Desconheço se teremos mais uma remodelação à vista, mas a forma como tudo isto é feito e se processa aos olhos dos portugueses, com actuações que são exactamente o oposto do discurso proclamado, revela modelos de acção política e ética tão rascas e tão deprimentes em quem exerce funções de representação que é de espantar como dentro da maioria ainda apareça quem revele um módico de bom senso e se demita da vice-presidência da bancada parlamentar na sequência de mais um momento de desvario da sua gente.

Com ainda um ano e meio pela frente, a negociação de um segundo resgate, programa cautelar ou o que lhe quiserem chamar para ajustar com a troika, eleições europeias e uma oposição em estado catatónico, a sucessão de casos não garante nada de bom quanto ao futuro. O dr. Portas bem pode jurar a pés juntos e com as mãos em prece a boa saúde da coligação, mas sem o José Cardoso Pires para esclarecê-lo, aquilo que se constata é que os rabos de fora são tantos que já não se sabe se há gatos para todos ou se serão sempre os mesmos que correm descontrolados de um lado para outro.    

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cangalheiros

por Sérgio de Almeida Correia, em 17.01.14

 

"Claro que, se o “presidente” ou “director” desta original loucura tiver um resto de juízo, manda ao sr. Pires de Lima e ao sr. Crato uma cartinha, aconselhando este excelentíssimo par a devolver as bolsas a quem as tirou e pedindo respeitosamente a sua demissão. Mas, como uma criatura destas não é fácil de encontrar em Portugal, só nos resta, para nos divertir, fazer listas comentadas das contradições destes cavalheiros e de Passos Coelho e Portas, que os deveriam vigiar. Verdade que o tempo não está para risotas, sobretudo num caso destes. De qualquer maneira talvez não deixasse de confortar os portugueses compreender a inteligência e a subtileza de quem os pastoreia." - Vasco Pulido Valente, Público, 17/01/2014

 

O meu companheiro do Delito de Opinião, o José Gomes André, sempre atento ao que se vai passando na Academia, chamou-lhe, apropriadamente, "um rastejante e pestilento grunhido disfarçado de pensamento político", explicando de forma clara e cabal as razões para a sua afirmação. Não seria, por isso mesmo, atenta a gravidade do que se está a passar num país onde os loucos já contam o número dos que ainda estão sãos, a ver quando é que estes se passam para o lado deles, que Vasco Pulido Valente com a sua habitual clareza e ironia, colocasse o assunto em destaque.

Como ele diz, "o tempo não está para risotas". Pois não, não está, mas "compreender a inteligência e a subtileza de quem (...) pastoreia" os portugueses não me parece que seja exercício útil nesta altura, sabendo-se que quem o faz desempenha na perfeição um papel para o qual não precisa de pensar: o de cangalheiro. Além de que constituiria uma tarefa insana, pois que aquelas, quer uma quer outra, já foram assaz compreendidas. E estão definitivamente comprometidas a partir do momento em que um leitão se tornou no símbolo maior da resistência à estupidez.

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desabafo

por Sérgio de Almeida Correia, em 16.01.14

Os resultados do trabalho de investigação da Universidade Católica e do Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento, para os quais a Teresa Ribeiro já havia oportunamente chamado a atenção e de que a edição de 15 de Janeiro pp. do Público dá conta, para lá de enfatizarem aquilo que é mais chocante, ou seja, de que os portugueses quanto mais instruídos e mais ricos menos solidários são, revelam a falta de uma dimensão essencial, a mais importante da educação, que é a dimensão humana e relacional. Este aspecto é ademais sublinhado pelo investigador Lourenço Xavier de Carvalho quando refere que essa dimensão “está cada vez mais afastada dos currículos”e que “as prioridades do sistema educativo estão completamente erradas”. As pessoas embora tornando-se competitivas e tecnicamente preparadas tornam-se insensíveis aos outros.

Os resultados do estudo não constituem propriamente uma novidade para quem ande na rua, acompanhe o dia-a-dia, fale com adultos e menos adultos e, em especial, se predisponha a ouvir o que a maioria dos nossos dirigentes vai debitando.

A assinatura do memorando de entendimento com a troika, na linha do que já antes vinha dos “famigerados” PEC, o que em tempos fomos ouvindo a Teixeira dos Santos, ao ex-primeiro ministro e a alguns dos membros do seu executivo, ou que posteriormente escutámos a Passos Coelho, Vítor Gaspar, Hélder Rosalino, Mota Soares, Maria Luís Albuquerque e tantos outros, para só me referir aos mais próximos e aqueles cuja “desfaçatez” está mais presente, será apenas a ponta de um iceberg que foi paulatinamente crescendo sem que a maioria das pessoas se apercebesse das suas verdadeiras consequências e da dimensão, este sim, não o outro, do “monstro”.

É o “monstro”da insensibilidade que acompanha o desenvolvimento da ignorância global sobre a nossa própria condição e nos impede de ver o mal que daí resulta para o desenvolvimento e crescimento saudável de qualquer sociedade. Sou a favor da competição, sou um acérrimo defensor do mérito e da valorização das competências técnicas e profissionais, que fique bem claro. Mas continuo a não conceber que desenvolvimento e que tipo de sociedade será possível alcançar se os seus padrões de qualificação desvalorizam a dimensão humana das acções que nela se produzem.

E aqui, quer se queira quer não, voltamos a entrar na velha discussão sobre o papel da escola, sendo para o caso indiferente se essa é pública ou privada. Porque, se virmos bem as coisas, quando a família falha, quando o núcleo fundamental se desestrutura, seja por os tempos serem outros e vivermos numa sociedade “pós-modernista”, seja porque a indiferença se substituiu a um simples olhar para quem está ao lado, assistindo-se ao crescimento de manifestações de índole individualista que desviam a atenção do essencial e desvalorizam a dimensão humana da nossa relação com a economia, com as finanças, com a ciência, com a arte, enfim, com o mundo, falham os próprios pressupostos da formação.

O acto de ler, por exemplo, sendo um acto profundamente individualista, e não me refiro à leitura pública de textos, é um acto que nos aproxima dos outros e é incomensuravelmente mais humano e saudável do que os videojogos que invadiram as casas de todos nós e atiram adolescentes em idade de ler, ver um bom filme ou ouvir um bom disco para o recolhimento dos seus quartos ou para sofás de onde a custo se levantam na hora das refeições ou quando a bexiga aperta.

Quando a família falha e a escola também em igual medida, e ambas de uma forma crassa como se vê pelos resultados do estudo, é preciso que o Estado, que as suas instituições, aquelas para as quais os nosso impostos contribuem, fosse capaz de aparecer e colmatar o vazio, preenchendo essa vertente da formação.

No caso português a falha tem tal dimensão que não só nos mostrámos absolutamente incapazes de nos governarmos – o que significa que os dirigentes que a sociedade formou para a dirigir para além de serem recorrentemente mentirosos e aldrabões são igualmente maus do ponto de vista da gestão colectiva – como, ainda por cima, cultivámos um padrão de desenvolvimento que é a vergonha da herança de Erasmo, de Montaigne ou de Thomas More.

Dinheiro, poder, estatuto, cartões de crédito platina, bons carros, fatos de fino corte, sapatos de luxo, viagens à Cochinchina em classe executiva, refeições estreladas pela Michelin, tudo isso tem o seu espaço numa sociedade equilibrada sem que para corrigir excessos seja necessário cortar na reforma dos mais humildes, dos que mais trabalharam e dos que mais pagaram para não terem de viver os últimos anos das suas vidas sujeitos às contingências de lares e casas de repouso, sujeitos a maus tratos e à caridade de terceiros, nem despachar os mais capazes para o outro lado do mundo contando com as remessas deles e dos seus filhos para pagarem os vícios e os excessos dos incapazes e ignorantes que tomaram de assalto todas as zonas de conforto da política, da sociedade, da diplomacia e do Estado em geral, sem nunca nada de útil terem feito para merecê-lo. Não pode haver uma sociedade equilibrada enquanto se desvalorizar tanto o olhar sobre os outros, enquanto todas as críticas forem tomadas a peito pelos visados e vistas como ofensas pessoais, enquanto o humor for sempre interpretado como chacota, gozo e inveja, e, pior que tudo, se condescender com a disfuncionalidade social e juvenil ou comportamentos aberrantes dos titulares de cargos políticos, tratando-os como inevitabilidades do século XXI ou o preço a pagar pelo desenvolvimento.

Se não formos capazes de atalhar caminho começando por “educar” os nossos dirigentes e mostrando-lhes o caminho para onde deverão seguir, com troika ou sem troika, visto que aqui a componente económico-financeira até será a mais desprezível e ainda que não possamos descurar o cumprimento das nossas obrigações internacionais, o problema jamais terá uma solução adequada que nos liberte de fantasmas e nos faça reencontrarmo-nos com o nosso passado, sem necessidade de se continuar numa espera eterna por um qualquer vulto saído do mais tacanho sebastianismo, de um vendedor de pátrias e de credos, ou iluminado vendedor de banha-da-cobra que um dia acorda com vontade de ser primeiro-ministro.

Nunca a aposta na educação foi tão fundamental para se garantir a liberdade e a independência de um povo. Nunca o Estado moderno foi tão importante. Nunca os portugueses precisaram tanto de um Estado forte e de partidos políticos e dirigentes à altura do momento. 

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comportamentos

por Sérgio de Almeida Correia, em 15.01.14

"O exercício do poder, sobretudo o eleito, pressupõe e exige comportamentos que dêem aos titulares dos cargos uma autoridade moral permanente no exercício das suas funções, por forma que não possam ser desrespeitados e objecto de chacota.

As pessoas com as mais altas funções de Estado têm sobre os ombros precisamente a representação das nações, que têm um valor simbólico universal que não pode ser afectado por comportamentos individuais que transformam os seus líderes em vulgares cidadãos, Monsieurs Tout le Monde, ou simplesmente Chicos Hollande, sobretudo quando a sua humilhada companheira tem um estatuto oficial de primeira-dama, que conviria respeitar.

Quem em qualquer lado do mundo procura e luta por funções de alta responsabilidade em cargos políticos ou institucionais tem de se dar ao respeito de forma permanente, sob pena de pôr em causa, mesmo que parcialmente, a imagem do seu cargo e até do seu país.

A dessacralização do poder a que todos os dias se assiste através de certos comportamentos nada tem de democrático nem de positivo, porque há funções e posturas simbólicas que têm de se dar ao respeito permanentemente." - Eduardo Oliveira Silva, O Chico Hollande, 15/01/2014

 

Como há muito defendo uma outra bitola do que aquela que vem sendo seguida pelos nosso titulares de cargos políticos, e não só por estes, também por advogados, magistrados, dirigentes dos partidos políticos e deputados, compreendo perfeitamente, e subscrevo sans arrière-pensées, o que o editorialista do jornal i escreveu esta manhã. O problema, aliás, está para lá da simples dessacralização do poder, a qual ainda seria de somenos se por detrás dela não estivesse uma desconsideração quase absoluta pela interligação que existe entre o exercício de uma função pública de suprema importância para a comunidade e comportamentos privados com relevância e repercussão pública. O que Hollande, socialista, não entende, é o mesmo que entre nós o Presidente Cavaco Silva, social-democrata-economista-professor-reformado, também não entende, nem quis entender, quando desvalorizou os episódios da permuta na Coelha, da aquisição e posterior venda, com a inerente recepção dos respectivos dividendos, das acções da SLN/BPN - pelas circunstâncias em que ocorreu -, a cena das escutas e o caso Fernando Lima, ou a vergonhosa opção pela reforma do Banco de Portugal em detrimento do salário da outrora prestigiante função que exerce. Como muitos compreenderão, todas essas situações sendo privadas têm no contexto em que se colocam muito pouco que ver com as suas vidas privadas ou, o que não me parece ser o caso, com os seus vícios também privados ou as suas públicas virtudes. Tudo se resume a uma questão de perspectiva e de ser capaz de analisar a situação pelos seus diversos ângulos, o que, também, como se vê pelos exemplos que temos e que aqui e ali se vão reproduzindo, servem para distinguir funcionários, ainda que "políticos" e com cargos elevados, de verdadeiros estadistas. O que para um destes seria uma evidência a exigir mais reflexão e melhor ponderação, é para aqueles um assunto de revistas cor-de-rosa. O resultado não podia ser pior. Para eles e para as funções que exercem.

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adjuntos

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.01.14

Pedro Lomba, secretário de Estado adjunto do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, perante o exôdo de portugueses, qualificados e menos qualificados, desde que a equipa governativa que integra se predispôs a ir "além da troika", depois de analisar a situação concluiu, di-lo o Público de ontem (página 19), que o país precisa de "políticas mais integradas, que tenham em vista os que saem e os que entram". Vai daí sugere que se transforme o Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI) num organismo "trasnversal" e "pró-activo" destinado, entre outras tarefas, à identificação e captação de "imigração de elevado potencial ou de grande valor acrescentado" (sic).

Para lá do problema que o artigo sublinha quanto à questão política de se transformar mais um instituto da administração indirecta em administração pública directa, numa altura em que a carga fiscal não pára de crescer, em que os nossos melhores quadros são obrigados a sair de Portugal por falta de oportunidades e de condições trabalho, designadamente em matéria salarial, e com uma taxa de desemprego mais próxima dos 20 do que dos 10%, o dito adjunto do adjunto quer captar imigrantes de elevado potencial. Não sei o que terá ele para lhes oferecer, por exemplo, em matéria laboral, remuneratória, social, fiscal e de condições para a investigação científica, nem percebi se essa captação se fará a custo zero, mas não seria preferível, em vez de captar "crânios" lá fora, segurar aqueles que estão em Portugal, que se preparam para sair e que não necessitam de aprender a língua nem de um período de adaptação para começarem a produzir? Será que Lomba tem alguma coisa para oferecer aos que hão-de vir que não possa dar já aos que se preparam para sair?

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eusébio

por Sérgio de Almeida Correia, em 05.01.14

Quando eu nasci o nosso Benfica tinha acabado de conquistar a segunda Taça dos Campeões Europeus. Não sei desde quando é que me reconheci como sendo mais um dos que fazia parte da tua tribo, mas lembro-me bem dos domingos passados dentro do carro do pai Eurico, primeiro num Peugeot, esporadicamente num Mercedes, mas a maior parte das vezes dentro do velhinho Fiat 1500 que tantas vezes nos transportou até ao velho campo do Sport Lisboa e Beira, onde o Shéu despontou. Não raro, quando havia festa lá em casa, aproveitava sorrateiramente para sair e ia para dentro do Fiat ouvir o relato. Nessa altura, era através dos relatos da Emissora Nacional, do Rádio Clube e da Radio Pax que eu me encontrava contigo. Não raro quando me descobriam, já a noite tinha caído nas margens do Chiveve, encontravam-me em pranto, agarrado a uma bola vermelha e branca. E quando me perguntavam o que se tinha passado eu explicava que só tínhamos ganho por 3-0, que tu só tinhas marcado dois golos, que isso era imperdoável. Abalado, lá me obrigavam a sair do carro, porque já eram horas de jantar e o menino não podia estar ali no quintal àquelas horas, sozinho, agarrado a uma bola, chorando dentro de um carro. No velho ciclo, de cada vez que marcava um golo, ou quando fugia de casa, na Ponta Gea, do outro lado do Grande Hotel, e ia jogar futebol na praia com a criadagem da zona, o que irritava solenemente a Melita, nunca era eu quem marcava. Quando isso acontecia, instintivamente, eu gritava "Golo do Eusébio!". Tal e qual como fazia o saudoso Artur Agostinho. Naquele momento tu incarnavas em mim e quem marcava eras sempre tu, não eu. Depois, quando o "pequenino" me arrastava para casa, ao final da tarde, para me obrigar a tomar banho antes de jantar, lá seguia satisfeito perguntando-lhe se tinha visto o meu golo, ao que ele respondia que o menino tinha marcado "um golo à Eusébio". Nada me deixava mais satisfeito.

Mais tarde, já a viver em Lisboa, à medida que crescia, ia ouvindo as histórias do nosso Benfica, contadas pelo meu padrinho Fernando Luís. Era eu quem nessa altura, depois dele ter cegado, lhe lia religiosamente "A Bola". Um dia foi a avó Gertrudes que me levou a ver a sala de troféus e me comprou o primeiro emblema. Exultei com a oferta. Foi nessa altura que fiquei a saber tudo sobre a construção do velho Estádio da Luz, do azulejo com o nome numa das torres de iluminação, do falecimento do marido dela em pleno Estádio, a acender um charuto, das epopeias de Berna e de Amesterdão. Da final de 68 ainda me lembro bem. E também de todos aqueles jogos que jamais esquecerei, alguns que tanto me fizeram sofrer como contra o Celtic e contra o Ajax. Eras sempre tu, não Deus, aquele em quem eu acreditava nos momentos de verdadeira aflição. Houve uma altura em que me cruzava contigo muitas vezes na Óscar Monteiro Torres. Tinhas o pequeno Saab amarelo e frequentavas o desaparecido Quartier Latin. Então, eu nadava no Benfica, no Areeiro, e na piscina do Ateneu. Inclusivamente, houve uma ocasião em que tiveste um ligeiro acidente no cruzamento com a Augusto Gil, quando tentavas encontrar um lugar para estacionar. E até nesse dia eu lá estava, apreciando a forma como sem elevares o tom de voz chamavas a atenção para o condutor do veículo que te abalroara sem respeitar a prioridade e ignorava que tinhas jogo no sábado, em Aveiro. Perguntavas repetidas vezes ao infractor o que seria se tivesses jogo naquele dia e tivesses ficado lesionado. E ele, sem saber muito bem o que dizer, perante a tua figura de estrela, pedia desculpas atrás de desculpas.

Depois de teres deixado de jogar continuei a ver-te no velho Estádio da Luz, de toalha à volta da mão. E depois no "Tia Matilde", como no dia em que acabei o mestrado e fui lá almoçar, e na nova Catedral onde a Eusébio Cup tinha sempre um sabor especial. E naquela jornada gloriosa de romagem ao Bessa, quando lá fomos empatar para nos sagrarmos campeões. A festa que foi. O autocarro alugado à saída de Cascais com os companheiros de sempre. A família Azevedo Gomes, o Pedro Teodoro, o Catarino, o Zeca e a família, os Borges Coutinho, o almoço na Mealhada antes do jogo, os incentivos que vinham do banco, os cânticos na bancada, o regresso a Lisboa, a festa que foi.

O ano passado, depois de tudo o que aconteceu no campeonato, foram as tuas palavras que me levaram à última hora a embarcar com os outros "fundadores" para Amesterdão, para ir ver a final da Liga Europa. Mal sabia eu que seria a última final europeia a que irias assistir. Quando fomos para lá, depois de eu ter saído na véspera de Faro, ainda pensei que te iria encontrar no aeroporto ou no avião. A ti não te vi, embora tivesse estado com o Toni e tivéssemos tirado uma fotografia juntos. Depois, no regresso, calculo que todos tenhamos sentido o mesmo. Em matéria de lágrimas sempre fomos muito parecidos. Uns chorões, como diria Jorge Sampaio.

Quando hoje ao início da tarde, aqui em Macau, o meu cunhado me deu a triste notícia, confesso que fiquei sem palavras. Não tanto porque tivesses partido numa altura em que ainda tanto nos podias dar. Nem sequer porque aqueles tipos foram incapazes de te dar um título em 2013. Mas porque sei que não poderei voltar a estar contigo, que não me será permitido despedir-me de ti como tu merecias que eu fizesse e eu esperava poder fazer, em especial depois do falecimento da senhora D. Amália. Para te retribuir tudo aquilo que me deste dentro e fora do campo. Pelo exemplo de profissionalismo e humildade mesmo numa altura em que as dores eram recorrentes, pela forma como foste capaz de ultrapassar os momentos mais difíceis com o estoicismo que só os verdadeiros deuses conseguem, ensinando às novas gerações que o futebol sendo um jogo de paixões é também um jogo de gente educada e disciplinada e que no fim podemos todos conviver civilizadamente sem que a clubite nos tolha a razão. Se houve alguém que me tivesse ensinado que o futebol é uma escola de valores foste tu. E por tudo isso só te posso estar agradecido.

Mas saber que te vais embora sem que me dês a oportunidade de te dizer adeus, num momento em que tanta falta nos fazem, a todos, aos portugueses, não apenas aos benfiquistas, referências como tu, é algo que me deixa profundamente triste. Apesar de tudo, conforta-me saber que quando te sentares no trono forrado a ouro que São Pedro te reservou, poderemos contar contigo para finalmente nos iluminares, infiéis incluidos, com toda a tua graça, arte e sabedoria. Pelo menos a partir de hoje teremos a certeza que tu estarás em toda a parte, no meio de nós, dentro e fora do campo, zelando para que se escreva direito por linhas tortas. Se por outras razões não fosse, isso já seria o suficiente para te perdoar todas aquelas lágrimas que verti quando sozinho e em silêncio te escutava dentro do Fiat.

 

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asco

por Sérgio de Almeida Correia, em 03.01.14

Era a isto que chamavam a redução do défice pelo lado da despesa.
Definitivamente, os reformados, os pensionistas e os funcionários públicos são a carne para canhão destes neoliberais de pacotilha saídos do poço das jotas. Ao primeiro obstáculo malham neles. E ao segundo e ao terceiro também. Sempre nos velhos, nos pensionistas, nos reformados, nos que não se queixam porque já lhes tiraram a voz. Esta gente desconhece outras alternativas porque não foi ensinada a pensar e a "excelência" da sua formação e preparação política não lhes dá para mais.
Um bando de meninos, chamou-lhes o António Lobo Antunes. De meninos medíocres, acrescento eu.

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