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choldra

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.07.23

WhatsApp-Image-2023-05-10-at-17.56.54-8a5095df.jpe(foto via Jornal Económico)

Nos últimos dias tirei parte do meu tempo para ler a versão preliminar do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à tutela política da gestão da TAP. Foi um exercício penoso. Não fiquei mais esclarecido do que estava, embora tivesse confirmado todas as suspeitas que tinha.

Para além do título do documento ser enganador, já que não se tratou de um qualquer "inquérito à tutela política", mas antes de um conjunto desconchavado de perguntas e respostas a uma infinidade de criaturas, algumas saídas dos camarins de um filme de terror de segunda linha, o conteúdo é maçudo, confuso, numa linguagem pouco clara, mal escrito, em suma, "comprido e chato". 

Quem não quiser perder tempo pode começar pelas conclusões (p. 171 e seguintes) para perceber o que digo: "Até 2020, o Estado não injetou capital na TAP desde 1997, em resultado de um plano de reestruturação e saneamento económico e financeiro, autorizado pela Comissão Europeia, no valor de 900 milhões de euros, que vinha a ser aplicado desde 1994". É melhor ler de novo.

Mais exemplos (curtos para que as pessoas não deixem de ler esta nota até ao fim): "4. Entre 2012 e 2014 os capitais próprios da TAP degradaram-se decorrente, sobretudo, da situação de indefinição do processo de reprivatização"; "13. Entende-se que, o contexto político que se vivia no momento, a reprivatização não deveria ter sido concluída naquela data"; "14. A emissão das “Cartas de Conforto” foram uma condição essencial ao processo de reprivatização. As garantias asseguradas nessas “Cartas de Conforto” investiram o Estado numa posição materialmente similar à qualidade de acionista único, como refere o Tribunal de Contas.".

Não vale a pena continuar. O tempo é precioso e aquela coisa é tão medíocre que me espanta que tenha conhecido a luz do dia, ainda que sob forma preliminar. Como foi possível?

Porém, há duas ou três coisas com as quais todos os portugueses podem ficar com a certeza.

Uma é a de que não só a maioria de toda aquela gente é má, nalguns casos mesmo muito má, e que não serve para estar a cuidar dos assuntos do Estado ou dos interesses de uma empresa considerada como estratégica para os interesses nacionais.

Podemos não saber como lá chegaram, mas ficamos com a garantia de que a falta de preparação e a desresponsabilização são dados adquiridos para quase toda aquela malta. Gente paga a peso de ouro para o que demonstra saber, e para o modo como faz, que com pouco ou nenhum esforço produz inutilidades pagas por todos os contribuintes enquanto trata da sua vidinha. Dir-se-ia que muitos até evitam intervir, enquanto brincam com o telemóvel nas reuniões da CPI ou dos conselhos de administração das empresas públicas, para melhor escaparem entre os pingos da chuva.

Outra conclusão que se pode facilmente extrair é a de que a forma como foi recrutada a ex-presidente da TAP não constitui garantia de coisa alguma. Bem pelo contrário. Tratou-se de um processo caro, moroso, de onde se evidencia o desconhecimento e a impreparação da escolhida para lidar com os instrumentos societários e legais que regem a vida da empresa.

As más assessorias, o mau aconselhamento e o compadrio político-clientelar são também realidades bem visíveis.

Depois, ressalta à vista a informalidade, o desleixo, a falta de rigor daquele modo de gerir uma entidade com a dimensão e a importância da TAP. O caso relativo à ausência dos contratos de gestão é de bradar aos céus e demonstrativo da irracionalidade em que vive a empresa, mas também do mundo surreal em que vivem os sucessivos governos, os seus administradores e os partidos políticos com responsabilidades na gestão daquela, o que se completa com a falta de senso político, jurídico e empresarial subjacente a muitas das decisões tomadas em tudo aquilo.

Não se percebe o que faz tanta gente na empresa, nem para que serve o seu "departamento jurídico". Menos ainda a gente que gravita à sua volta, nalguns casos evidenciando-se situações de discutível legalidade e de eventuais conflitos de interesses, num quadro que se me afigura como recorrente no quotidiano da vida de muitas empresas públicas ou participadas pelo Estado.

A propósito disto, permito-me chamar a vossa atenção para mais uma história rocambolesca na área da Defesa. Não sei se será sina das empresas do Estado, mas naquela área, e ultimamente com o figurão "jurista Marco Capitão Ferreira", actual Secretário de Estado da Defesa, parece que não há nenhuma situação que não dê em imbróglio.

A avassaladora mediocridade das nossas elites políticas e empresariais é de tal forma destacada pelo versão preliminar do "relatório" da CPI, e por tantos outros “casos de polícia” que diariamente vêm a lume, que dir-se-ia não existir, sequer, há décadas, qualquer processo de recrutamento dessas elites.

O ex-ministro Marçal Grilo escreveu, se a memória não me atraiçoa, que difícil era sentá-los. Pois agora já estão sentados. E bem sentados. No Governo, na Assembleia da República, nos partidos, nas empresas. Pena é que até lá chegarem e se sentarem não tenham aprendido nada. Rigorosamente nada.

E  que continuemos a ser nós a pagar, por essa falta de aprendizagem, diariamente, os erros da sua ignorância e impreparação para estarem nos partidos políticos, lidarem com os negócios do Estado, ou, até, para elaborarem um simples relatório. Que seja legível e em português decente para a maioria dos portugueses.

Isto só lá vai com uma revolução a sério.

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facilitanço

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.03.23

naom_5fc92bdfaa13d.jpg

(créditos: NM, daqui)

"Embora a renúncia não careça de aceitação, deveria ter sido comunicada por carta dirigida ao Presidente do Conselho de Administração, só produzindo efeitos no final do mês seguinte àquele em que tivesse sido comunicada, requisitos que não foram estritamente cumpridos" (...)

"Apesar da informalidade na transmissão da concordância quanto ao montante acordado e à respetiva saída da Eng.ª AR, parece evidenciado que esta anuência foi conferida com base em pressupostos de conformidade legal de tais atos, transmitidos pela CEO Eng.ª CW – decorrente do acompanhamento jurídico a que a Administradora cessante e a TAP tinham recorrido – que não terão sido objeto de confirmação por parte dos anteditos ex-membros do Governo." 

"[A] factualidade descrita evidencia a inobservância dos normativos legais aplicáveis às empresas públicas e às sociedades comerciais, bem como das regras estatutárias e regulamentares do Grupo TAP por parte dos administradores envolvidos (CEO Eng.ª CW, PCA Dr. MB e Eng.ª AR), a qual deve ser avaliada e ponderada no âmbito do exercício da função acionista" 

(...)

"C1. O Acordo de cessação de relações contratuais celebrado entre a TAP, S.A. e a Eng.ª AR, envolvendo uma compensação global de 500 000 euros, é nulo exceto nas partes relativas à cessação do contrato individual de trabalho (CIT) e à respetiva compensação (56 500 euros). O Acordo previa igualmente o pagamento da retribuição do mês de fevereiro de 2022 (17 500 euros) que se considera devido. 

C2. Com efeito, o EGP não prevê a existência da figura formalmente utilizada para a cessação de funções da Administradora, ou seja, a “renúncia por acordo”, sendo que a renúncia constante do EGP não confere direito a qualquer compensação financeira, pelo que o valor auferido encontra-se desprovido de fundamento legal (vd. artigo 27.º). 

C3. Mesmo no caso de configuração da cessação de funções como um ato de demissão por mera conveniência, tal ato teria sido praticado por entidade incompetente, na medida em que este careceria de deliberação acionista, em AG ou através de DUE (vd. n.º 2 do artigo 37.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 38.º do RJSPE e n.º 2 do artigo 26.º do EGP). 

C4. Neste último cenário, também o negócio jurídico subjacente ao Acordo, incluindo a totalidade dos benefícios elencados no seu Anexo II, dos quais já foram utilizados, pelo menos, o correspondente a 6 610,26 euros, não tem fundamento legal, na medida em que não observa o requisito temporal de 12 meses de exercício de funções no respetivo mandato, nem a forma de cálculo da indemnização (vd. n.º 3 do artigo 26.º do EGP)." 

 

As partes transcritas, cujos negritos são da responsabilidade do autor deste texto, dizem respeito ao Relatório n.º 24/2023, elaborado no âmbito do Processo n.º 2023/324/M6/36, pela Autoridade de Auditoria da Inspe[c]ção-Geral de Finanças.

Muito do que ali vem já era do conhecimento público, e nalguns casos decorria das declarações conhecidas de alguns dos protagonistas. No entanto, não há nada como ler um documento devidamente estruturado contendo os factos essenciais e as necessárias referências e transcrições dos normativos aplicáveis.

As conclusões acabam por dar razão àquele que era o sentimento público de muitos cidadãos relativamente à forma como assuntos deste tipo  são tratados ao mais alto nível pelos responsáveis políticos e empresariais.

O relatório que agora conhecemos é todo ele um espelho da cultura política e empresarial instalada há várias décadas em Portugal, e não apenas na TAP e no universo das empresas públicas e/ou participadas com capitais públicos.

Uma cultura nacional de informalidade, "agilização", "alavancagem" e "facilitanço", que impregna todo o tecido social, dos mais novos aos mais velhos, que é uma variante da cultura do "golpe e do gamanço generalizado", do desprezo pela norma e pelo estrito cumprimento de regras e procedimentos, devidamente atamancado com a participação de "mercenários" pagos a peso de ouro que tentam albardar os burros de acordo com as exigências dos clientes, fazendo o pino jurídico para acomodarem as pretensões destes, sempre na expectativa de que fechados os acordos ("negociatas") nunca mais se fala no assunto, porque neste país há muito que nada nem ninguém é normalmente escrutinado em devido tempo, todos se calam para poderem comer, as "coisas têm de andar para a frente" e só os tansos é que não tiram partido das falhas do sistema.

É claro que a demissão do Presidente da Comissão Executiva e da CEO da TAP, tal como as anteriores demissões do fedayin da JS que exercia funções de ministro e dos seus subalternos, não resolvem o problema, nem limpam a folha dos restantes, incluindo de todos aqueles que ao longo de quase cinquenta anos de democracia contribuíram para este estado de coisas. De ex-primeiros-ministros e presidentes da república a líderes partidários, deputados, advogados e multinacionais da advocacia, banqueiros e empresários do regime, não há quem não tenha contribuído para este caldo que tem servido para a transformação do país numa espécie de choldra, para que alguns enriqueçam e todos empobreçam, onde cabe sempre mais um, e cujas verdades só são conhecidas quando a escandaleira rebenta e se puxa a batina ao padre.

O espectáculo de ter a CEO da TAP, uma empresa pública, falante de francês, a responder em inglês numa comissão da Assembleia da República cujos deputados se exprimem em português, é só por si revelador do surrealismo inerente a tudo isto, que depois da prestação de informações falsas à CMVM, com uma renúncia que afinal nunca foi, se completa agora com o conhecimento do relatório acima citado e de todos os atropelos cometidos com a devida anuência das eminências do regime. 

Sem prejuízo dos desenvolvimentos que esta novela terá proximamente, se há algum coisa de útil a retirar do que aconteceu é que enquanto imperar esta mentalidade, dentro das instituições, dos partidos e das empresas, em todos e em cada um de nós, será muito difícil mudar o país, reformá-lo e racionalizá-lo, tornando-o finalmente moderno, rigoroso, saudável e livre de eventuais "esquemas" e emplastros.

Ah!, e também que a TAP já devia estar fechada há muito tempo, digo eu, embora quanto a isto a culpa não seja seguramente dos seus pilotos, tripulações de cabine, do pessoal de manutenção e da maioria de todos os outros que ao longo de uma vida garantiram, e garantem, a segurança dos seus passageiros e se esforçam por prestar um bom serviço a quem servem: o empregador e os seus utentes.

Se querem uma transportadora aérea de bandeira, então o melhor será criar uma nova, sem vícios. Uma que funcione. Suíços e belgas encerraram a Swissair e a Sabena, não constando que os parentes lhes tenham caído na lama, ou que sejam piores do que nós.

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tap

por Sérgio de Almeida Correia, em 26.02.16

01.jpg

Das poupanças nas PPP com que andaram a encher páginas nos jornais sabemos agora que só conseguiram 25% do anunciado, isto é, falharam em 75%. A TAP foi só a cereja no topo do bolo da escandaleira das privatizações. Não por haver empresas que foram e deviam ter sido privatizadas, mas porque havia muitas maneiras de privatizar e eles escolheram a pior, a mais desonesta, a menos transparente, refugiando-se agora nas trincheiras da Assembleia da República.

Quando leio hoje que "[a] Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) estará a ser pressionada por Bruxelas para que seja garantido, por todas as vias, que a TAP não acaba controlada por accionistas não-europeus" e que em causa "está a posição de David Neeleman, sócio minoritário do consórcio Atlantic Gateway, mas também os acordos comerciais, operacionais e financeiros que se têm estabelecido desde a privatização da TAP com outras empresas da esfera do empresário norte-americano", só me dá vontade de lhes dizer que foi pena não terem manifestado as suas preocupações antes, quando Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e o fedayin Monteiro andaram a fazer asneiras, à pressão, sem tomarem as cautelas necessárias para protecção dos interesses nacionais. Enfim, nessa altura é que os deviam ter espremido e avisado. Eles e os amigos safaram-se. Os portugueses ficarão com as chatices, com os prejuízos e com as suas contas mal enjorcadas.

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