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portugal

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.06.21

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Até nisto somos diferentes. Não há Dia Nacional que não contenha uma boa polémica. Se não é por causa da medalhística, do programa das comemorações ou do conteúdo dos discursos é por outra razão qualquer. Desta vez é por causa de Pedro Adão e Silva e da sua nomeação como Comissário Executivo da Estrutura de Missão para as Comemorações do Quinquagésimo Aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974.

A reacção primeira de muitos portugueses foi de incredulidade e desconfiança, havendo logo quem dissesse, mesmo sem conhecer o nomeado, que se tratava de uma recompensa política ou de um job for the boy. Reacção natural por parte de quem se habituou a ver neste tipo de comissões um emprego e uma tença para a vida por força da cunha, do compadrio, do nepotismo.

Convenhamos que uma Comissão para mais de quatro anos se pode afigurar à partida como se prolongando excessivamente no tempo, mas sem que se saiba o que vai ser feito, isto é, a dimensão e o alcance daquilo que irá ser realizado, pareceram-me intempestivas e desapropriadas algumas das reacções.

A criação de estruturas de missão e a nomeação dos respectivos dirigentes sempre foi uma prerrogativa do Governo da República.

Já o era em ditadura, quando a propósito da Exposição do Mundo Português, Salazar nomeou uma comissão em 11/04/1938 para uma inauguração que teve lugar em 23/06/1940, mas também o foi em democracia, como aconteceu com a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, que criada por Cavaco Silva em 1986 se prolongou até 2002, altura em que foi extinta com mais de setenta (70!) pessoas ao seu serviço, e onde só Vasco Graça Moura, que tinha tanto de intelectual, escritor e tradutor fora-de-série como de comissário político do PSD e do próprio Cavaco Silva, se sentou durante cerca de oito anos.

Estou certo de que se hoje, 10 de Junho de 2021, perguntarem aos portugueses que memória têm dessa Comissão [de Vasco Graça Moura, por exemplo, e do seu excelente legado, todos temos memória] e do seu trabalho, a maioria terá dificuldade em apontar as suas realizações. No entanto, existem registos, arquivos, livros, filmes, ensaios, inúmeras realizações que alargaram as perspectivas e o nosso conhecimento sobre essa epopeia dos Descobrimentos, que para alguns povos e muitos historiadores continua a ser objecto de acesa crítica pelas consequências que para terceiros acarretou.

Das palavras do Presidente da República, que prontamente manifestou o seu apoio ao nomeado, justificando publicamente algumas das razões para a sua escolha, ainda poderia desconfiar. Porém, a escolha do general Ramalho Eanes como presidente da sua Comissão Nacional, à qual incumbe a aprovação do programa oficial, fez-me de imediato pensar que seria necessário esperar para conhecer o “caderno de encargos” antes de se começar a fazer tiro ao boneco. O nome de Eanes, sendo um dos poucos referenciais do 25 de Abril que resiste de forma íntegra e consistente, é um militar e um homem sério que não costuma fazer figura de corpo presente naquilo que se envolve, e que não se presta a jogadas, esquemas ou cambalachos político-partidários, deixou-me na expectativa e com um módico de confiança para que não desatasse aos tiros.

Depois, foi o que se viu. O que também lamentavelmente também nos caracteriza. Um descabelado ataque ad hominem, colocando em causa a integridade, a competência e a idoneidade do visado, o qual ficou imediatamente desqualificado para o exercício daquela ou de quaisquer outras funções públicas, como se o próprio não tivesse um currículo académico – não é um qualquer lambe-botas que obtém um doutoramento em Florença – e profissional feito com mérito e a tempo e horas – não se trata de um Sócrates, de um Relvas, de um Vara ou de um Passos Coelho –, sem depender de juventudes partidárias e de partidos para singrar.

Recompensa política é o que se tem visto na nomeação de apparatchiks partidários, meros funcionários sem qualquer rasgo e amigalhaços sem qualificações para lugares onde vão receber aquilo com que nunca sonharam, passando a ter um estatuto que o seu mérito jamais lhes permitiria alcançar, fosse na Caixa Geral de Depósitos ou na EDP, em empresas públicas ou na condução de processos miseráveis de privatização, recebendo dezenas de milhares de euros e acabando depois a trabalharem para os consultores desses processos de privatização ou para as próprias empresas. Como recompensa à fidelidade ao líder ou ao partido também costuma ser a indicação para o preenchimento de listas de deputados, a nomeação para lugares em empresas municipais, concessionárias de serviços públicos ou até para posições de favor nos diversos ministérios e entidades de supervisão e fiscalização. Aí temos todos visto muitos desqualificados, profissional, academicamente e até de carácter, fazerem de conta que fazem alguma coisa.

No entanto, Pedro Adão e Silva esteve bem, esclarecendo na TVI as suas ideias e colocando bem claro que está ali para cumprir uma função pública, por devoção ao país e à causa e não aos euros, oferecendo o peito às balas, abdicando do seu salário de professor universitário por um de director-geral, que será sempre menos do que o de gestor público que outros receberam em lugares idênticos.

Quanto ao líder da oposição, bom, esse comportou-se como um verdadeiro merceeiro, a quem só faltava o lápis atrás da orelha, demonstrando bem a necessidade e a importância do trabalho que Adão e Silva e todos os que vierem a ser envolvidos terão pela frente. Tal reacção, bem como a de outros líderes partidários, é bem reveladora do espírito de seita, medíocre e ignorante que subjaz a muitas das suas intervenções públicas, antes mesmo de se esclarecerem ou de perceberem o que está em causa.

Poder-se-á criticar o processo de escolha, a falta de esclarecimentos prévios, e nisso poderei estar de acordo, mas convenhamos que neste momento tudo serve para a chicana política. Se outras nomeações nunca deveriam ter acontecido, e nunca se justificarão, como a de familiares de membros do Governo e de militantes partidários para as funções para as quais não têm qualquer competência ou currículo, ou a permanência em funções de ministros cujo desempenho tem sido penoso, mormente neste Executivo, com prejuízo para todos, penso que dentro de algum tempo não se dirá o mesmo do agora nomeado e em cujo trabalho até prova em contrário confio.

O que há a fazer junto das gerações nascidas depois do 25 de Abril de 1974, de compreensão daqueles que são, ou deviam ser, os valores que nos regem enquanto povo, república e democracia, é fundamental para a mudança de mentalidades, para se mudar o próprio espírito e as práticas dos partidos políticos, se motivar gente para uma participação política esclarecida, saudável, assente em valores seguros e perenes, e não na espuma dos dias, ajudando a formar uma geração de gente capaz, conhecedora da sua história, da mais recuada e também da mais próxima, que possa contribuir para a construção de um país moderno, mais democrático, mais inclusivo e muito mais equilibrado.

Por tudo isso, o papel que vier a ser desempenhado por Pedro Adão e Silva e todos os membros dos diversos órgãos que serão constituídos se afigura crucial. O trabalho que fizerem, as suas escolhas, o caminho que empreenderem, terá de ser absolutamente transparente e justificado em todos e cada um dos momentos de maneira que no final todos possamos concluir que alguma coisa se mudou em relação a práticas anteriores, e que por uma vez aprendemos com os erros do passado a construir mais e melhor no futuro.

Aguardemos, pois, pela apresentação do caderno de encargos, acompanhemos o seu trabalho futuro realizando o necessário e permanente escrutínio à sua execução e aos gastos respectivos, sem pedras nos sapatos, curando do essencial e não perdendo tempo com mesquinhices próprias de coscuvilheiras desconfiadas, ressabiadas e ignorantes, para que cada um de nós possa no final, e em todo e qualquer momento, fazer de boa-fé o respectivo juízo.

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portugal

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.06.19

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(Getty Images)

"Porque na sociedade portuguesa actual, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante as instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber não foram ainda quebrados por novas forças de expressão da liberdade.

Numa palavra, o Portugal democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo. É o medo que impede a crítica. Vivemos numa sociedade sem espírito crítico – que só nasce quando o interesse da comunidade prevalece sobre o dos grupos e das pessoas privadas. (...)

Portugal conhece uma democracia com um baixo grau de cidadania e liberdade" – José Gil, Portugal, Hoje – O Medo de Existir, Relógio D'Água, 2004, pp. 40-41 

 

Combatamos, pois, o medo. Sejamos cidadãos de corpo inteiro. Sejamos melhores portugueses. Onde quer que estejamos.

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portugal

por Sérgio de Almeida Correia, em 10.06.16

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Quanto mais português, menos português. Quanto mais longe, mais perto.

Longe de todos, longe de tudo. Como uma pele que se regenera na dor.

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confrangedor

por Sérgio de Almeida Correia, em 07.06.14

(foto da Lusa)

 

Ano após ano, a lista repete-se com uma assustadora previsibilidade e um traço comum que é a desvalorização da noção de serviço à comunidade, à causa pública, numa repetição parola e cada vez mais pungente daquilo que devia ser o reconhecimento de uma cidadania de excepção. Ao invés, continua-se a valorizar a banalidade, a misturar o azeite mais puro com o detergente barato, a colocar no mesmo patamar a carreira construída a pulso, com trabalho e empenho, com a carreira construída à sombra da sorte, do favor político e empresarial, da porta que se abriu em nome do apelido ou da origem da casta. Como se a atribuição de medalhas a eito no Dia de Portugal devesse ser eternamente uma celebração barata e ordinária com ofertas de brindes, recepções e espectáculos anódinos para o povo ignorante se entreter antes de se entregar aos tendões de Cristiano Ronaldo. Como se o momento mais importante para a exaltação de uma cidadania de excepção, talhada no rigor, na seriedade intelectual, na força do carácter, pudesse ser tão recorrentemente desvirtuado perante a complacência e vacuidade dos frequentadores de salões, o silêncio dos partidos políticos e seus dirigentes e a acomodação dos espíritos livres.

Que me perdoe Eduardo Lourenço, mas quando um dia a República num acto de inteligência fizer a contabilidade das condecorações que os seus Presidentes atribuíram numa democracia adulta e consolidada, não será bonito de ver os nomes alinhados. E mais triste será ver os nomes de quem as atribuiu.

No dia em que o Dia de Portugal for celebrado por Portugal e pelos portugueses não haverá este espectáculo boçal e boçalizante das condecorações. E o Presidente da República será mais um no meio dos seus. E nesse dia, então, o cidadão número um será capaz de perceber por que razão um dia se fez Portugal e Portugal nunca se cumpriu. Só nesse dia a República atingirá a idade adulta. Portugal cumprir-se-á. E poderá, finalmente, sair da letargia em que vive há décadas controlada na sombra por meia dúzia de estupores. E levantará a cabeça para honrar os seus verdadeiros heróis, recordar a sua obra, recolher a sua lição e projectar um futuro que faça jus à dimensão do sonho camoniano.

A única e verdadeira medalha que enquanto portugueses estaremos em condições de poder receber, celebrar e honrar.

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